Homilias JOÃO PAULO II 719


FESTA LITÚRGICA DOS SANTOS CIRILO E METÓDIO

NA BASÍLICA ROMANA DE SÃO CLEMENTE


Sábado, 14 de Fevereiro de 1981




Venerados Irmãos

1. Sinto-me particularmente feliz de poder encontrar-me — juntamente com numerosos Cardeais e personalidades, e com os fiéis e religiosos de origem eslava residentes em Roma — para esta solene celebração eucarística em honra dos Santos irmãos Cirilo e Metódio, nesta Basílica de São Clemente, onde repousam os venerados restos mortais de São Cirilo; uma obrigatória e feliz celebração, esta, em honra dos dois gloriosos santos, que a 31 de Dezembro passado, com a Carta Apostólica Egregiae virtutis, proclamei celestes patronos de toda a Europa, juntamente com São Bento.

No ano passado, como sabeis, completava-se um século da publicação da Encíclica Grande Munus, com a qual Leão XIII, depois de ter comentado a poliédrica personalidade e a intensa acção apostólica destes dois santos, introduzia a sua festividade litúrgica no calendário da Igreja católica; ocorria além disso o undécimo centenário da Carta Industriae Tuae, que o meu predecessor João VIII, em Junho do ano 880, tinha enviado ao Príncipe Svatopluk para recomendar o uso da língua eslava na Liturgia.

Tais importantes aniversários, unidos ao do décimo quinto centenário do nascimento de São Bento, levaram-me a realçar, ao lado da imponente obra evangelizadora e civilizadora realizada pelo Patriarca do Ocidente, a não menos importante e decisiva, do ponto de vista eclesial e histórico, realizada pelos dois santos irmãos, para com os quais a Igreja toda, do Oriente e do Ocidente, tem uma perene dívida de imensa gratidão e de filial reconhecimento.

2. A hodierna Liturgia da Palavra apresentou-nos, na primeira leitura, a conclusão da etapa da viagem apostólica de Paulo e Barnabé a Antioquia de Pisídia. Os dois ardorosos anunciadores do Evangelho, rejeitados pelos Judeus, declaram com franqueza: "... visto, porém, que repelis a Palavra do Senhor... voltamo-nos para os pagãos!". E São Lucas comenta: "Ao ouvirem isto, os pagãos encheram-se de alegria e glorificavam a Palavra do Senhor; e todos os que estavam destinados à vida eterna abraçaram a fé" (cf. Act Ac 13,46 Act Ac 13,48).

Como Paulo e Barnabé, os santos Cirilo e Metódio, irmãos no sangue e mais ainda na fé, foram intrépidos seguidores de Cristo e incansáveis pregadores da Palavra de Deus.

Nascidos em Tessalonica, cidade onde São Paulo desenvolveu parte da sua actividade apostólica e a cujos primeiros fiéis enviou duas Cartas, os dois irmãos entraram em contacto espiritual e cultural com a Igreja patriarcal de Constantinopla, então florescente pela cultura teológica e pela actividade missionária, e souberam unir as exigências e os compromissos da vocação religiosa com o serviço missionário. Os Czares da Crimeia foram as primeiras testemunhas do ardor apostólico deles; mas a sua mais importante obra evangelizadora foi a missão da Grande Morávia, empreendida depois que o príncipe Rastislau da Morávia lhes tinha conseguido a permissão do imperador e da Igreja de Constantinopla.

A obra apostólica e missionária, tão complexa e diversificada, dos santos Cirilo e Metódio, considerada hoje à distância de onze séculos sob multíplices aspectos, apresenta-se rica de uma extraordinária fecundidade e também de uma excepcional importância teológica, cultural e ecuménica: aspectos estes que interessam não só à história da Igreja, mas também à civil e política de uma parte do Continente Europeu.

720 A tradução em língua vulgar dos Livros sagrados com a finalidade litúrgica e catequética fez dos santos Cirilo e Metódio, além de os apóstolos dos Povos eslavos, também os pais da sua cultura. O seu incansável serviço missionário realizado em união seja com a Igreja de Constantinopla, pela qual tinham sido enviados, seja com a Sé romana de Pedro, pela qual foram confirmados, manifesta-nos o seu elevado amor pela Igreja una, santa, católica, e serve-nos de estímulo para que esta unidade seja vivida plenamente na fé e na caridade.

Além disso — como salientei na minha citada Carta Apostólica Egregiae virtutis — os dois santos irmãos colocaram em realce antes de tudo o contributo da antiga cultura grega e, em seguida, o alcance da irradiação da Igreja de Constantinopla e da tradição oriental, a qual se inscreveu profundamente na espiritualidade e na cultura de tantos Povos e Nações do Oriente Europeu.

3. Junto do túmulo de São Cirilo, que aos 42 anos concluiu nesta Urbe a sua vida terrena a 14 de Fevereiro do ano 869, e ao recordar também o seu irmão São Metódio, que foi pelo Papa ordenado arcebispo e enviado à Morávia para continuar a sua preciosa obra apostólica, prosseguida até à morte ocorrida a 16 de Abril do ano 885, nós devemos ouvir as palavras que Jesus dirigiu aos setenta e dois discípulos antes de os enviar dois a dois para a pregação do Reino de Deus: "A messe é grande, mas os operários são poucos. Pedi, portanto, ao dono da messe que mande operários para a Sua messe" (
Lc 10,2).

Cirilo e Metódio foram dois autênticos "operários" da messe de Deus.

E neste dia da sua festividade, a Igreja, exaltando a meritória acção apostólica deles, está consciente de ter hoje ainda mais necessidade de cristãos capazes de dar o seu contributo de compromisso, de energia e de entusiasmo para o anúncio da mensagem de salvação em Cristo Jesus. Mas está igualmente consciente de ter necessidade de almas total e exclusivamente consagradas à pregação do Evangelho e à acção missionária; tem necessidade de sacerdotes, de religiosos e religiosas, de missionários e missionárias, que, renunciando generosa e alegremente à família, à pátria e aos afectos humanos, dediquem toda a sua vida ao trabalho e ao sofrimento pelo Evangelho (cf. Mc Mc 8,35).

Diante do alcance histórico da obra evangelizadora realizada pelos dois santos irmãos, a Igreja percebe de novo ainda mais profundamente que a evangelização é a sua própria graça e vocação, a sua mais íntima identidade. "Ela existe para evangelizar — escreveu Paulo VI — ou seja, para pregar e ensinar, ser o canal do dom da graça, reconciliar os pecadores com Deus, perpetuar o sacrifício de Cristo na Santa Missa que é o memorial da sua Morte e gloriosa Ressurreição" (Exort. Apost. Evangelii Nuntiandi EN 14).

Isto significou para os Santos Cirilo e Metódio tornar preeminente o anúncio do Evangelho: um anúncio que não matou, destruiu ou eliminou, mas antes integrou, elevou e exaltou os autênticos valores humanos e culturais, típicos do génio dos Países evangelizados, contribuindo para uma abertura e solidariedade, capazes de fazer superar os antagonismos e de criar um comum património espiritual e cultural, que colocou sólidas bases para a justiça e a paz.

Ao ler na antiga "Vida" de São Cirilo em língua eslava alguns particulares dos últimos dias da sua existência terrena, experimentamos intensa emoção, porque penetramos na dimensão mais íntima da sua consciência e entrevemos os grandes ideais, pelos quais o Santo tinha vivido, trabalhado e sofrido: "Senhor, meu Deus — rezava ele —, conserva na fé o teu rebanho,... faz crescer em número a tua Igreja e reúne todos na unidade. Torna santo, concorde na verdadeira fé e na recta confissão o teu povo e inspira nos corações a palavra da tua doutrina".

4. Ao prepararmo-nos para celebrar a Eucaristia, elevemos a nossa humilde e fervorosa oração aos dois santos irmãos, Patronos da Europa, pedindo a sua poderosa intercessão junto da Trindade Santíssima:

Ó Santos Cirilo e Metódio, que levastes com admirável dedicação a fé aos Povos sedentos de verdade e de luz, fazei que a Igreja toda proclame sempre Cristo crucificado e ressuscitado, Redentor do homem!

Ó Santos Cirilo e Metódio, que no vosso difícil e penoso apostolado missionário permanecestes sempre profundamente ligados à Igreja de Constantinopla e à Sé Romana de Pedro, fazei que as duas Igrejas irmãs, a Igreja Católica e a Ortodoxa, superados na caridade e na verdade os elementos de divisão, alcancem, com a maior brevidade, a desejada plena união!

721 Ó Santos Cirilo e Metódio, que aproximastes, com sincero espírito de fraternidade, os diversos Povos para levar a todos a mensagem de amor universal pregado por Cristo, fazei que os Povos do Continente Europeu, conscientes do seu comum património cristão, vivam no recíproco respeito dos justos direitos e na solidariedade, e sejam artífices de paz entre todas as Nações do mundo!

Ó Santos Cirilo e Metódio, que, estimulados pelo amor de Cristo, abandonastes tudo para servir o Evangelho, protegei a Igreja de Deus: a mim, sucessor de Pedro na Sé Romana; os Bispos, os Sacerdotes, os Religiosos, as Religiosas, os Missionários, as Missionárias, os pais, as mães, os jovens, as jovens, as crianças, os pobres, os doentes e os que sofrem; que cada um de nós, lá onde o colocou a providência divina, seja um digno "operário" da messe do Senhor!

Amém.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

AO EXTREMO ORIENTE (PAQUISTÃO, FILIPINAS,

GUAM, JAPÃO E ALASKA)

SANTA MISSA NO ESTÁDIO NACIONAL DE KARACHI, PAQUISTÃO



Segunda-feira, 16 de Fevereiro de 1981




Eminência e meus Irmãos Bispos
Queridos Irmãos e Irmãs em Cristo
Querido Povo do Paquistão

1. Estou contente por me encontrar hoje convosco, e por passar algumas horas aqui no Paquistão, nesta terra de cultura, tão antiga e nobres tradições. De modo especial estou reconhecido por ter esta oportunidade de celebrar a Eucaristia com a comunidade católica, aqui reunida, com o clero, os religiosos e os leigos. E mediante as vossas pessoas desejo tornar extensiva a minha saudação e a promessa das minhas orações, a todos os cristãos do vosso querido país. Venho aqui como servo de Jesus Cristo e peregrino da fé, coma chamado para proclamar o Evangelho e confirmar os meus irmãos e irmãs na fé.

2. Ao encontrar-me hoje no meio de vós, lembrei-me das palavras de Jesus referidas pelo evangelista São Mateus: "Todo o escriba instruído acerca do reino dos céus é semelhante a um pai de família que tira, coisas novas e velhas do seu tesouro" (Mt 13,52). Como o escriba do Evangelho, a Igreja no Paquistão é capaz de tirar do tesouro da sua herança ambas as coisas, as novas e as velhas. Do passado, possuís a tradição que vos une ao Apóstolo Tomé e por conseguinte à Igreja apostólica do primeiro século. E dos tempos mais recentes tendes o vigor de uma jovem Igreja missionária que lançou agora profundas raízes no coração do povo desta terra. Apreciai e conservai sempre os tesouros da vossa herança espiritual, tanto os novos como os velhos; e como o escriba do Evangelho tirai-os na hora oportuna para promover o Reino de Deus.

3. As leituras da liturgia da palavra de hoje, convidam-nos a reflectir no mistério profundo da Eucaristia.Na primeira leitura é-nos recordado "que o homem não vive somente de pão, mas de tudo o que sai da boca do Senhor" (Dt 8,3). É a nossa convicção pessoal da verdade destas palavras que nos estimula a reunirmo-nos regularmente para o Sacrifício da Eucaristia.

Como seguidores de Cristo, não devemos desprezar as coisas boas da terra, pois sabemos que elas foram criadas por Deus que é a fonte de todo o bem. Nem procurar ignorar a necessidade de pão, a grande necessidade de alimento de que tantos homens em todo o mundo, inclusivamente nas vossas terras, padecem. De facto, se procurássemos ignorar estas necessidades básicas dos nossos irmãos e irmãs a quem vemos, como poderíamos afirmar que amamos a Deus a quem não vemos? (cf. 1Jn 4,20). E, não obstante, continua a ser verdade que "nem só de pão vive o homem". A pessoa humana tem uma necessidade ainda mais profunda, uma fome ainda maior do que a fome que o pão pode saciar a fome do coração humano, pela imensidade de Deus. É uma fome que pode ser saciada por Aquele que disse: "Se não comerdes a carne do Filho do Homem, e não beberdes o Seu sangue, não tereis a vida em vós. Quem come a Minha carne e bebe o Meu sangue tem a vida eterna e Eu ressuscitá-lo-ei no último dia. Porque a Minha carne é, em verdade, uma comida e o Meu sangue em verdade, uma bebida" (Jn 6,53-55).

722 4. Cristo é o único que pode saciar a fome mais intensa do coração hum mano. Porque só Ele é fonte de vida. Como escreveu São Paulo: "tudo foi criado por Ele e para Ele. Ele existe antes de todas as coisas e todas têm n'Ele a sua subsistência" (Col 1,16-17). Em Cristo, a morte perdeu o seu poder, a morte foi privada do seu aguilhão, a morte foi derrotada. Esta verdade da nossa fé pode parecer paradoxal uma vez que ainda vemos à nossa volta tanta gente atormentada pela certeza da morte e oprimida pelo sofrimento. De facto, sofrimento e morte oprimem o espírito humano e são um enigma para aqueles que não crêem em Deus. Mas, segundo a fé, sabemos que serão vencidos, que a vitória foi conseguida na morte e Ressurreição de Jesus Cristo, nosso Redentor. E é isto, precisamente, que comemoramos quando nos reunimos em nome da Santíssima Trindade; é isto que celebramos todas as vezes que nos reunimos no Sacrifício da Eucaristia: proclamamos a morte do Senhor até que Ele venha na glória (cf. 1Co 11,26); declaramos com voz unânime que Jesus Cristo é o Senhor da vida e da morte, que Ele é o caminho, a verdade e a vida (cf. Jo Jn 14,6), que Jesus Cristo é o pão da vida que se deu pela vida do mundo (cf. Jo Jn 6,51). E é a Eucaristia que exprime o desejo do nosso Salvador de estar sempre presente no coração de cada homem, oferecendo continuamente a cada pessoa uma participação na sua vida.

5. Que dom maravilhoso nos é dado na Eucaristia! Que inefável Sacramento! Mediante a nossa participação neste acto supremo da vida e do culto da Igreja unimo-nos a Ele que é o Redentor do mundo, "a imagem do Deus invisível, o Primogénito de toda a criação" (Col 1,15). A segunda leitura da liturgia hodierna fala deste grande mistério do seguinte modo: "o cálice de bênção que abençoamos não é a comunhão do sangue de Cristo? E o pão que partimos não é a comunhão do corpo de Cristo?" (1Co 10,16).

Este grande Sacramento que nos permite participar da vida de Cristo une-nos também uns aos outros, a todos os outros membros da Igreja e a todos os baptizados de todos os tempos e de todas as nações. Embora nós, que pertencemos à Igreja, nos encontremos dispersos pelo mundo, embora falemos línguas diferentes, tenhamos um diverso património cultural e sejamos cidadãos de diferentes nações, "uma vez que há um só pão, embora sejamos muitos, formamos um só corpo, porque todos participamos do mesmo pão" (1Co 10,17).

6. O mistério da Eucaristia está tão intimamente unido ao mistério da Igreja, que não podemos deixar de sentir tristeza pelas divisões que ainda ferem o Corpo único de Cristo — as divisões entre os cristãos. Sentimo-nos tristes porque ainda não compartilhamos o único pão e o único cálice. Oxalá esta tristeza seja para nós estímulo de acção. Quando nós, que somos católicos, participamos deste Sacramento de unidade, devemos ter um profundo desejo de união de todas as Igrejas; devemos sentir a urgência do apelo de Jesus: "Ut unum sint" — Para que todos sejam um só; e devemos ter uma convicção mais profunda da necessidade de rezar e trabalhar pela unidade de todos aqueles que foram baptizados em Cristo.

7. A nossa participação do Sacrifício da Eucaristia aumentará também o nosso desejo de que toda a família humana entre na luz da fé.Inspirar-nos-á a levar o Evangelho de Jesus Cristo a todos aqueles que ainda não O conhecem. De facto, a Eucaristia "Pão para a vida do mundo", pão para todos os homens e mulheres da terra. A este respeito é muito agradável observar como o espírito missionário é um aspecto vibrante da Igreja no Paquistão, e encorajo-vos nos vossos esforços de levar o mensagem de salvação, em espírito de diálogo e respeito, àqueles da vossa pátria que não conhecem Cristo. Nada poderá demonstrar melhor o vosso amor pelo Senhor Sacramentado do que este trabalho de evangelização, especialmente entre os pobres e os mais necessitados.

"O Senhor actuou neste dia, cantemos e alegremo-nos n'Ele" (Ps 118,24). Meus irmãos e irmãs em Cristo: cada vez que nos reunimos na Eucaristia, somos fortalecidos na santidade e renovados na alegria. Porque o alegria e a santidade são a consequência inevitável da união íntima com Cristo. Quando nos alimentamos com o pão da vida que desceu do céu, aumentamos ainda mais a nossa semelhança com o nosso Salvador Ressuscitado, que é a fonte da nossa alegria, uma "alegria em que todo o povo participará" (Lc 2,10). Oxalá a alegria e a santidade abundem sempre nas vossas vidas e floresçam nas vossas casas! E a Eucaristia seja para vós e para toda a Igreja no Paquistão, o centro da vossa vida, o fonte da vossa alegria e da vossa santidade, e o caminho para a vida eterna em Cristo Jesus nosso Senhor. Amém.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

AO EXTREMO ORIENTE (PAQUISTÃO, FILIPINAS,

GUAM, JAPÃO E ALASKA)

SANTA MISSA PARA OS RELIGIOSOS NA CATEDRAL DE MANILA



Terça-feira, 17 de Fevereiro de 1981




Dilectíssimos e amadíssimos em Cristo

1. Faz este ano quatro séculos que o Bispo Domingo de Salazar chegou a Manila. Tinha sido enviado pelo Papa Gregório XIII como primeiro Bispo da Diocese recentemente erigida e tinha vindo para continuar aqui, no vosso país, o trabalho de evangelização e construir sobre o que já tinham feito os missionários que o haviam precedido.

Ao celebrar hoje a Eucaristia na Catedral de Manila, senti uma aproximação espiritual do Bispo Salazar e do Papa Gregório. O mesmo amor pelo Evangelho e pelo povo filipino que os inspirou impeliu-me também a mim, actual Bispo de Roma, a vir à vossa amada terra a fim de proclamar a mensagem de Cristo e fortalecer-vos na fé. É momento de grande alegria para mim, em que celebro a Eucaristia convosco na Catedral de Manila, em que unimos os nossos corações e as nossas vozes para proclamar a grandeza de Deus e dar louvores e glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo. Fazemo-lo recordando os grandes esforços de renovação realizados por esta Igreja local de Manila durante o ano de 1979, e pedindo a Deus faça frutificar o bom trabalho iniciado no Sínodo Arquidiocesano.

Durante estes dias será, para mim honra especial beatificar Lorenzo Ruiz, um dos vossos compatriotas, pai de família e leigo de fé corajosa. Entre todas as manifestações com que comemorastes o IV centenário da Igreja em Manila, a beatificação de Lorenzo Ruiz e dos seus companheiros mártires tem lugar primordial. Oxalá seja também um encorajamento para todos vós — Bispos, sacerdotes, religiosos e leigos — a fim de procurardes depois a santidade que se encontra em Cristo Jesus.

723 2. Agora desejo dirigir uma mensagem especial aos religiosos — sacerdotes e irmãos — que se encontram aqui presentes e, mediante eles, a todos os religiosos das Filipinas. Seja-me permitido começar, meus mãos, por exprimir a minha gratidão ao Senhor pela vossa presença na Igreja e pela vossa colaboração na missão da Igreja de proclamar o Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo.

Na passagem de São João que acabamos de ouvir, foi-nos recordada a essência da vida religiosa."Não fostes vós que Me escolhestes, fui Eu que vos escolhi e vos nomeei para irdes e dardes fruto" (
Jn 15,16). Mediante a iniciativa do Salvador e a vossa resposta livre, Cristo tornou-se a finalidade da vossa vida e o centro de todos os vossos pensamentos. Foi em virtude de Cristo que fizestes a vossa profissão dos conselhos evangélicos e é Cristo que vos sustentará em fidelidade a Ele próprio e no serviço amoroso à sua Igreja.

A consagração religiosa é essencialmente acto de amor: o amor de Cristo por vós e em troca o vosso amor por Ele e por todos os Seus irmãos. Este mistério é proclamado hoje no Evangelho quando Jesus diz aos discípulos: "Como o Pai Me amou, também Eu vos amei; permanecei no Meu amor" (Jn 15,9). Cristo quer que permaneçais n'Ele, para serdes alimentados quotidianamente por Ele na celebração da Eucaristia e quer que Lhe entregueis as vossas vidas mediante a oração e a abnegação. Confiando na Sua palavra e confiando na Sua misericórdia respondeis ao amor de Cristo, Escolhestes segui-1'O mais de perto em castidade, pobreza e obediência; e quereis participar mais completamente na vida e na santidade da Igreja. Quereis amar todos aqueles que são amados por Cristo como irmãos e irmãs.

3. O mundo hoje precisa de ver o vosso amor por Cristo. Precisa do testemunho público da vida religiosa.Como disse Paulo VI uma vez: "Os homens contemporâneos atendem de melhor vontade os testemunhos que os mestres, e se escutam os mestres fazem-no porque eles são testemunhas" (AAS 66, 1974, 568). Se os não-crentes deste mundo devem chegar a crer em Cristo, necessitam do vosso fiel testemunho — testemunho que brota da vossa fidelidade total na generosa misericórdia do Pai e na vossa esperança perseverante no poder da Cruz e da Ressurreição.

E assim os ideais, os valores e as convicções que estão na base da vossa entrega a Cristo devem ser traduzidos na linguagem da vida quotidiana. No meio do povo de Deus, na comunidade eclesial do lugar, o vosso testemunho público faz parte do vosso contributo para a missão da Igreja, como diz São Paulo: "Vós sois uma carta de Cristo... escrita, não com tinta, mas com o Espírito de Deus vivo; não em tábuas de pedra, mas em tábuas de carne, nos vossos corações" (2Co 3,3).

4. Como irmãos e sacerdotes religiosos estais comprometidos numa grande variedade de actividades apostólicas: proclamar a palavra de Deus, administrar os sacramentos, ensinar, catequizar, cuidar dos doentes, assistir os pobres e os órfãos; praticar a caridade, servir com a oração e o sacrifício, edificar as comunidades locais para reflectirem o Evangelho e encarnarem o Reino de Deus. Ao realizardes estas actividades de serviço com resoluta perseverança, lembrai-vos da advertência de São Paulo: "Tudo o que fizerdes, fazei-o de todo o coração como quem o faz pelo Senhor e não pelos homens" (Col 3,23).

Todas estas actividades apostólicas conservam hoje a sua importância.

Continuam a ser dimensões vitais de evangelização, oferecendo testemunho profético do amor de Deus e contribuindo para o completo progresso humano. Estou certo de a comunidade em geral, como também a comunidade eclesial, ficarem gratas aos religiosos por eles ajudarem a Igreja a manter o próprio compromisso nestas diversas expressões da sua actividade pastoral.

Ao mesmo tempo procurais justamente caminhos novos de testemunho a Cristo e de serviço ao seu povo. A Igreja, de facto, deve sem dúvida estar atenta às necessidades dos homens e das mulheres do nosso tempo. Não pode ficar indiferente aos problemas que se Lhes apresentam nem às injustiças de que são vítimas. Ao procurardes novos caminhos para difundir o Evangelho e promover os valores humanos, ofereço-vos o meu encorajamento e a certeza das minhas orações. Ao mesmo tempo peço-vos que observeis esta norma de comportamento: cada esforço apostólico deve estar de harmonia com o ensinamento da Igreja, com as finalidades apostólicas de cada um dos vossos respectivos Institutos e com o carisma original dos vossos fundadores. Permiti também que vos recorde as minhas palavras no Santuário de Nossa Senhora de Guadalupe: "Sois sacerdotes e religiosos; não sois dirigentes sociais, líderes politicos ou funcionários de um poder temporal... Não tenhamos a ilusão de servir o Evangelho se procura-mos diluir o nosso carisma através de um interesse exagerado pelo vasto campo dos problemas temporais. É importante, para o povo, ver em vós ministros de Cristo e administradores dos mistérios de Deus" (1Co 4,1).

5. A fidelidade a Cristo na vida religiosa requer uma tríplice fidelidade: fidelidade ao Evangelho, fidelidade à Igreja e fidelidade ao carisma particular dos vossos Institutos.

Antes de tudo, deveis ser fiéis ao Evangelho. A isto nos chama o Concílio Vaticano II que ensinou: "A norma última da vida religiosa é seguir a Cristo, como propõe o Evangelho" (Perfectae Caritatis PC 2). Por esta razão seja a vossa primeira prioridade escutar a palavra de Deus, ponderá-la no vosso coração e procurar pô-la em prática. Oxalá encontreis tempo todos os dias para meditar na palavra de Deus, confiando no seu poder para iluminar as vossas mentes e fazer nascer dentro de vós o espírito das Bem-aventuranças.

724 Em segundo lugar, a vossa consagração religiosa, além de consolidar a dedicação a Cristo, liga-vos também incomparavelmente à vida e à santidade da Sua Esposa, a Igreja. E é na comunidade eclesial do lugar que é dada concreta expressão disto; é esta a razão por que é tão importante para vós trabalhar em estreita colaboração com o clero e os leigos da Igreja local, e aceitar de boa vontade a autoridade e o ministério do Bispo local como foco desta unidade.

A este propósito, desejaria acentuar duas expressões salientes deste compromisso para com a Igreja local. A primeira é a relação entre os sacerdotes religiosos e o clero diocesano. Os sacerdotes religiosos deveriam sentir-se felizes tomando parte no apostolado da Igreja local, de modo leal e desinteressado, com os sacerdotes diocesanos, cujas tarefas são chamados a compartilhar, não em vias de excepção, mas como regra. A segunda é a relação com a Conferência Episcopal nacional. No espírito do Documento Mutuae Relationes, os superiores religiosos devem procurar aceitar e cultivar um diálogo franca e filial com os Pastores a que o Espírito Santo colocou no governo da Igreja de Deus. Neste sentido nunca será suficientemente acentuado quão importantes são as relações entre a Conferência Episcopal Nacional, cuja tarefa é trabalhar e estabelecer planos pastorais para o pais, e as Associações de Superiores Maiores Religiosos, que assumem a tarefa de promover a vida religiosa, tendo o cuidado de que ela permaneça fiel às suas profundas raízes e ao carisma que lhe é característico„

Como religiosos estais em condições de oferecer um contributo especial para a promoção da unidade da Igreja. A vossa experiência de vida comunitária, de oração comum e de serviço apostólico realizado em conjunto prepara-vos para esta tarefa. Dedicai-vos à grande causa da unidade com renovado vigor, procurando num espírito de abertura e respeito derrubar barreiras de divisão e encorajar o progresso da harmonia e da colaboração mútua.

Finalmente, sede sempre fiéis ao carisma particular do vosso próprio Instituto. Para explicar este ponto desejo recordar dois acontecimentos de grande significado para a Igreja nas Filipinas, verificados este ano: em primeiro lugar, o terceiro centenário dos Irmãos das Escolas Cristãs de La Salle. A instrução dos jovens na fé cristã e noutros campos mantém-se indispensável para a missão de Cristo como no tempo em que esta Congregação foi fundada. E a Igreja nas Filipinas foi grandemente abençoada através das suas vidas consagradas e do seu serviço dedicado,

O segundo acontecimento é a celebração do quarto centenário da presença da Companhia de Jesus nas Filipinas. Mediante o esforço dos seus missionários, com o seu trabalho em escolas e paróquias e a espiritualidade de Santo Inácio, os sacerdotes e os irmãos da Companhia de Jesus deram grande contributo às Filipinas e ao mundo inteiro.

De modo idêntico, todas as famílias religiosas representadas hoje aqui, cada uma de modo distinto, contribuem para a santidade e a vida da Igreja. Uma indicação desta eficácia do vosso contributo foi, e continua a ser, a vossa fidelidade ao espírito dos vossos fundadores, às suas intenções evangélicas e ao exemplo da sua santidade.Oxalá esta fidelidade ao vosso carisma respectivo seja sempre vista como parte da vossa fidelidade a Cristo.

6. Para terminar, digo mais uma vez que a vossa vida de consagração e a vossa participação no Evangelho me enchem de alegria na minha missão de Pastor da Igreja universal. Vim aqui a esta catedral para celebrar convosco, e com a comunidade eclesial inteira, a santidade da Igreja de Cristo e as maravilhas da graça que se realizaram nesta Arquidiocese durante os passados quatro séculos de evangelização. Peço que a comemoração deste aniversário seja mais um incentivo para vós, a fim de dardes o vosso contributo específico como religiosos à vida desta Igreja local e à vida da Igreja em todo o mundo. Peço que religiosos zelosos continuem, como nos passados quatro séculos, a servir o povo de Deus fielmente com a palavra e a acção. E graças ao vosso próprio exemplo generoso e alegre, oxalá os jovens sejam encorajados a continuar as tradições nesta nova era de graça.

A Virgem Maria, Mãe e modelo de todos os religiosos, vos assista com as suas preces. Seja Ela o vosso guia constante no caminho da fé para o Pai celeste, e vos ajude a alcançar a vossa meta mais elevada: a unidade no amor em Nosso Senhor Jesus Cristo.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

AO EXTREMO ORIENTE (PAQUISTÃO, FILIPINAS,

GUAM, JAPÃO E ALASKA)

CONCELEBRAÇÃO PARA A BEATIFICAÇÃO DE LOURENZO RUIZ



Manila, 18 de Fevereiro de 1981




Caros irmãos e irmãs no Senhor

1. A cidade de Manila e todas as Filipinas estão cheias de alegria neste dia, pois cantam um hino de glória a Jesus Cristo. De facto, segundo a promessa do Seu Evangelho, Cristo reconhece verdadeiramente, em presença do Seu Pai no céu, aqueles mártires fiéis que O reconheceram diante dos homens (cf. Mt Mt 10,32). E por motivo da vizinhança entre o Luneta Park e a antiga Manila "intra muros", o hino de glória a Deus, que foi agora cantado por tantas vozes, é um eco do Te Deum cantado na Igreja de São Domingos na tarde de 27 de Dezembro de 1637, quando chegou a notícia do martírio de um grupo de seis cristãos em Nagasáqui. Entre eles estava o chefe da missão, o padre António González, dominicano espanhol originário de León, e Lourenço Ruiz, homem casado e com filhos, nascido em Manila "extra muros": no arrabalde de Binondo (cf. Positio super Martyrio, Romae, 1979, PP 478-9).

725 Também estas testemunhas cantaram, por sua vez, salmos ao Senhor potente e misericordioso, não só quando se encontraram na prisão, mas também durante a execução que sofreram, quer mediante a forca quer mediante as covas, o que durou três dias. O canto destes eleitos "designados" como mártires — para usar o termo utilizado pelo meu predecessor Bento XIV — foi seguido em Manila, então como agora, pelo canto de acção de graças pelos mártires agora "consumados" e "glorificados". Te martyrum candidatus laudat exercitus: pertencem verdadeiramente à falange das vestes candidas, cujos membros compreendem os da branca legião da Ordem dos Pregadores.

2. Ao mesmo tempo, o nosso hino é hino de fé que vence o mundo (cf.
1Jn 5,4). A pregação desta fé ilumina, como o sol, todos aqueles que desejam obter o conhecimento da verdade. E, realmente, embora haja diferentes línguas no mundo, o poder da tradição cristã é o mesmo. E assim, como explica Santo Ireneu, as Igrejas fundadas na Alemanha ou na Espanha crêem e ensinam de modo não diferente das Igrejas fundadas no Oriente e nas regiões centrais do mundo (cf. Adversus Haereses, livro I, 10, 1-3: , pp. 550-554).

Por isso, saúdo, com profundo afecto em Cristo Jesus, as Igrejas europeias da Itália, da França e da Espanha, as Igrejas asiáticas em Taiwán, Macau, Filipinas e Japão, aqui representadas ou pelo menos espiritualmente unidas a esta cerimónia de beatificação dos dezasseis mártires que lhes pertencem por nascimento, trabalho histórico ou martírio.

3. O Senhor Jesus, com o sangue, remiu verdadeiramente os Seus servos, reunidos de todas as raças, línguas, povos e nações, para fazer deles um sacerdócio real para o nosso Deus (cf. Apoc Ap 5,9-10). Os dezasseis beatos mártires, com o exercício do seu sacerdócio — o do Baptismo ou da Ordem Sagrada — manifestaram o maior acto de adoração e amor para com Deus com o sacrifício do seu sangue unido ao Sacrifício próprio de Cristo, o da Cruz. Deste modo, imitaram Cristo, sacerdote e vítima, do modo mais perfeito possível para as criaturas humanas (cf. S. Th. II, II, q. 124, a. 3). Ao mesmo tempo, foi o maior acto de amor que se possa fazer pelos irmãos, por amor dos quais nós todos somos chamados a sacrificar-nos, seguindo o exemplo do Filho de Deus que se sacrificou a Si mesmo por nós (cf. 1Jn 3,16).

4. Isto foi o que fez Lorenzo Ruiz. Guiado pelo Espírito Santo a caminho de um termo inesperado depois de uma viagem aventurosa, disse aos juízes que era cristão, que devia morrer por Deus, e que estava pronto a dar a sua vida por Ele, mil vezes que fosse (cf. Positio, p. 417).

Kahit maging sanglibo man / Ang buhay n'yaning katawan / Pawa Kong ipapapatay, / Kung inyong pagpipilitang / Si Kristo'y aking talikdan.

(Se tivesse muitos milhares de vidas / Oferecê-las-ia todas por Ele. / Nunca o renegarei. / Podeis matar-me, se é isto que desejais. / Morrer por Deus é a minha vontade.).

Nestas palavras contemplamos uma síntese da sua personalidade, uma descrição da sua fé e a razão da sua morte. Foi neste momento que este jovem, pai de família, professou e levou à prática a catequese cristã que recebera na escola dos Frades dominicanos de Binondo: catequese que não podia deixar de ser cristocêntrica quer pelo mistério que encerra quer por nos ensinar Cristo por meio do Seu mensageiro (cf. Catechesi Tradendae CTR 5-6).

Esta é a essência cristã do primeiro Beato da Nação Filipina, cuja hodierna exaltação é ponto culminante verdadeiramente adequado para a celebração do quarto centenário da Arquidiocese de Manila. Exactamente como a jovem Igreja de Jerusalém nos deu o primeiro mártir por Cristo na pessoa do diácono Estêvão, assim a jovem Igreja de Manila, fundada em 1579, deu vida ao seu primeiro mártir na pessoa de Lourenço Ruiz, que servira na igreja paroquial de São Gabriel em Binondo. A paróquia local e a família, igreja doméstica, tornaram-se verdadeiramente o centro da fé que é vivida, ensinada e testemunhada.

5. O exemplo de Lourenço Ruiz, filho de pai chinês e de mãe tagala, recorda-nos que a vida de cada um, a vida inteira, deve estar à disposição de Cristo. Ser cristão significa dar-se cada dia, em resposta ao dom de Cristo que vem ao mundo para que todos tenham a vida e a tenham em abundância (cf. Jo Jn 10,10). Oh, como tão propriamente é expresso no tema da minha visita a este país, morrer pela fé é dom para alguns, viver da fé é chamamento para todos. Eu vim da cidade dos mártires Pedro e Paulo a esta capital para vos falar do significado da nossa existência, do valor de viver e morrer por Cristo. Isto é o que desejo afirmar neste acto de beatificação, ambicionado por mim e pelo meu predecessor Paulo VI, e requerido pelas várias Igrejas locais e pela Ordem Dominicana.

6. A amável figura do primeiro mártir filipino não seria todavia plenamente compreendida no seu contexto histórico se não se celebrasse o testemunho dado pelos seus quinze companheiros, que foram martirizados em 1633, 1634 e 1637. Formam um grupo guiado por dois homens: Domingos Ibañez de Erquícia, vigário provincial da missão japonesa, nascido em Regil na Diocese espanhola de San Sebastian; e Tiago Kyuhei Tomonaga, nascido em Kyudetsu na Diocese de Nangasáqui. Ambos pertenceram à província dominicana do Santo Rosário, nas Filipinas, fundada em 1587 para a evangelização do Extremo Oriente. O grupo inteiro dos companheiros de Lourenço era composto por nove sacerdotes, dois irmãos professos, dois membros da Ordem Terceira, um catequista e um guia-intérprete. Nove eram japoneses, quatro espanhóis, um francês e um italiano. Tinham um motivo para o seu testemunho evangélico: o motivo de São Paulo baptizado por Ananias: o de levar o nome de Cristo a todos os povos (cf. Act Ac 9,15): "Nós viemos ao Japão só para pregar a fé em Deus e ensinar a salvação aos pequenos, aos inocentes e a todo o resto do povo". Assim sintetizou o mártir Guilherme Courtet a missão deles, falando perante os juízes de Nagasáqui (cf. Positio , pp. PP 412 , pp. 412 e 414).

726 7. Terei a alegria de falar de novo destes corajosos apóstolos dentro de breves dias em Nagasáqui, perto da santa colina Nishizaka, onde sofreram o martírio. Pelo lugar da sua morte, todos eles são japoneses. Aquele arquipélago foi a terra do seu verdadeiro e definitivo nascimento, o nascimento que leva os filhos adoptivos de Deus à luz eterna.

8. Por agora, uma vez que nos ocupamos do lugar em que eles vão ser beatificados, desejaria deter-me no facto de a cidade de Manila, a ilha de Luzón e a ilha Formosa, que naquele tempo se encontravam sob um único governo civil, terem sido o amplo e providencial ponto de partida dos nove sacerdotes que mais tarde zarparam para Nagasáqui. Exerceram o ministério sacerdotal entre os chineses dos subúrbios de Binondo, entre a colónia japonesa de Manila, entre o povo das regiões de Bataan, Pangasinan, Cagayan e no extremo norte da Formosa. Alguns deles estavam encarregados de ensinar no Colégio de São Tomás, em Manila, que em 1645 se tornou a actual Universidade Pontifícia, a mais antiga e maior Universidade do Extremo Oriente. Quatro dos nove Beatos foram professores no Colégio, um foi até reitor, e um quinto tinha estudado lá. No primeiro século de evangelização do Extremo Oriente, iniciado com a pregação de São Francisco Xavier, as Ilhas Filipinas tinham já, nesta instituição universitária, novo meio para desempenhar a missão de evangelizar (cf. Sapientia Christiana: AAS 71, 1979, p. 478). Um frutuoso programa tendente ao ensinamento da teologia e da propagação da fé, que ainda hoje é prolongado pela herança cultural das Filipinas e vivificado pelo espírito cristão, é instrumento idóneo para a difusão do Evangelho (cf. Sapientia Christiana, loc. cit., p. 479). A harmoniosa fusão da fé e da cultura é expressa pelo poeta filipino e herói nacional José Rizal, nestes versos:

Assim a Educação estreita a aliança, / com a alma une Religião sincera: / por ela a Educação obtém renome; / É desgraça ser cego recusando / da santa Religião as sábias doutrinas, e da sua pura corrente fugir é abominável. (cf. Aliança íntima entre Religião e Educação, 19 de Abril de 1876).

Por esta razão, é ainda mais forte o meu dever e o carácter específico do meu ministério apostólico de confirmar os meus irmãos na verdade (cf. Lc
Lc 22,32), e de repetir aos missionários, aos estudantes de ciências teológicas e humanísticas, como também a todos os católicos da Ásia Oriental, as palavras de Cristo: "Vós sereis minhas testemunhas... até aos confins da terra" (Ac 1,8).

9. Esforcemo-nos por imitar a obrigação de fé e a fidelidade às obrigação daqueles que, através da sua difícil tarefa missionária, aceitaram, com alegria e resolução, duras viagens, dificuldades de clima, traição até dos seus amigos, privações de toda a espécie e terríveis torturas. Estavam tão enamorados da Paixão de Cristo que puderam gritar, com Miguel de Aozaraza ao contemplar as feridas de Cristo: "Que belo colorido, que rosas vermelhas espalhadas por amor de ti, meu Deus!" (cf. Positio, p. 446). Eles pediram a Maria, como fez Jordão Ansalone, restabelecerem-se da doença de modo que pudessem morrer só como vítimas por Cristo (cf. Positio, p. 298).

Confio tudo isto a Maria, que, com o seu rosário, ajudou os nossos mártires a imitarem e anunciarem o seu Filho e a serem intrépidos guardas da sua palavra, como as corajosas mulheres Madalena de Nangasáqui e Marina de Omura. Confio o destino das Filipinas e de toda a Ásia a Maria, rainha do Rosário, que é venerada, com o título de "La Naval", como guarda da liberdade da fé católica.

10. Este é o significado pleno da presente beatificação: Dar ânimo a todos os cristãos do Extremo Oriente e difundir a palavra de Deus (cf. 2Th 3,1). E de modo especial digo isto a vós, Filipinos, que formais a única nação predominantemente católica nesta parte oriental do continente asiático. É convite que torno extensivo também aos outros cristãos das terras vizinhas que rodeiam o Oceano Pacífico, que é como um símbolo da longa busca de Deus descrita por Santa Catarina de Sena: "Um mar profundo, em que quanto mais eu entro, mais encontro; e quanto mais o encontro, tanto mais te busco. Tu és insaciável, porque quando a alma crê saciar-se no teu abismo, não está saciada, permanecendo sempre faminta de ti, sedente de ti, desejosa de ver-te à luz da tua luz" (Dialogue, cap. 167).

Amadíssimos filhos: no meio dos esforços necessários para a nossa vida cristã e para a difusão da luz de Cristo em toda a Ásia e no mundo inteiro, olhamos hoje para estes zelosos mártires que nos inspiram profunda segurança e viva esperança quando nos dizem: "Em tudo isto somos nós mais do que vencedores, por motivo daquele que nos amou" (Rm 8,37). E este é o mistério que nós celebramos hoje: o amor de Jesus Cristo, que é a luz do mundo. Amém.

(Em espanhol)

Nesta cerimónia da beatificação do primeiro mártir filipino e dos outros quinze seus irmãos que deram a vida pela fé em Cristo, quero recordar na sua própria língua os quatro mártires espanhóis Domingos Ibáñez de Erquícia, Lucas Alonso, António González e Miguel de Aozaraza.

É homenagem que tenho o gosto de prestar em primeiro lugar a eles, que, seguindo as pegadas de São Francisco Xavier e o ensinamento do Fundador da Ordem deles, São Domingos de Gusmão, difundiram a fé cristã nestas terras e deram o supremo testemunho de fidelidade à Igreja.

727 Ao mesmo tempo, é tributo devido de agradecida recordação à Espanha, que durante três séculos e meio levou a cabo a evangelização das Filipinas, fazendo delas a única Nação do Oriente com grande maioria católica. Alegro-me por me ser dado proclamar isto em presença da Missão Extraordinária Espanhola vinda para assistir à beatificação. A ela, e juntamente aos outros compatriotas dos novos Beatos aqui reunidos, dirijo a minha cordial saudação e o meu pensamento de complacência.

(Em francês)

A este propósito, tenho o prazer de saudar os membros, civis e eclesiásticos, da Delegação vinda da França e, mais precisamente, de Montpellier, Diocese de origem do Padre Guilherme Courtet. Orgulhai-vos, caros amigos, com este filho do vosso país, que nos dá tão alto testemunho da vocação religiosa dele, do zelo missionário mais puro e do amor a Cristo, acima de tudo.

(Em italiano)

Nesta solene circunstância desejo saudar, por último, os membros da Delegação da Itália e todos os italianos que participam na cerimónia. A eles desejo exprimir a minha complacência, e a de toda a Igreja, pela presença, no grupo dos novos Beatos Mártires, também de um compatriota dos mesmos: o sacerdote dominicano Jordão Ansalone. Oxalá o novo Beata interceda junto de Deus para que os italianos, conscientes da sua rica tradição cristã, que lhes tem animado e fecundado toda a história, a cultura e arte, dêem contínuo e exemplar testemunho de vida, modelado pela mensagem de Jesus.

(Em inglês)

Desejo também exprimir a minha alegria na presença da Delegação Oficial do Japão. Desejaria dizer antes de tudo que é com grande expectativa que me dirigirei, dentro de breves dias, ao vosso país, e então prestarei especial veneração aos mártires que hoje foram beatificados. Dos dezasseis, nove eram japoneses. Este notável número é grande honra prestada à vossa nação e à Igreja católica no Japão. Deus queira que o heróico testemunho dos mártires se traduza em fonte de inspiração e de esperança para todos os crentes.

Para concluir, vai a minha saudação para a delegação oficial das Filipinas e para sua Excelência o Presidente Marcos. Nesta cerimónia de beatificação, a primeira que se realiza fora de Roma, e neste primeiro Beato filipino, Lorenço Ruiz, tendes razão para continuamente exultar. É toda a Igreja que exulta convosco, unida numa única voz, para louvar a grandeza de Deus e as maravilhas do Seu amor.

Homilias JOÃO PAULO II 719