Homilias JOÃO PAULO II 732


VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

AO EXTREMO ORIENTE (PAQUISTÃO, FILIPINAS,

GUAM, JAPÃO E ALASKA)

SANTA MISSA PARA OS AGRICULTORES



Legazpi, Filipinas

Sábado, 21 de Fevereiro de 1981




Caros irmãos e irmãs

1. As leituras da liturgia de hoje, ouvidas aqui, tendo como fundo o vosso esplêndido Mayon, assumem especial significado e viva clareza. O cone quase perfeito do Mayon acentua o veredicto de perfeição pronunciado por Deus em relação àquilo que criara.

733 Mas não é somente a beleza da criação que o Mayon recorda. A sua forma faz-nos pensar em mãos em atitude de agradecimento e de aceitação: agradecimento pelo dom da terra a todo o povo, e aceitação de produzir nela o esforço humano do trabalho.

Esperei com impaciência encontrar-me convosco, para trazer-vos esta dupla mensagem: a terra como dom de Deus a todos os homens, e o mistério maravilhoso do trabalho.

2. Porque justamente a vós, caros agricultores? Porque vós sois importantes e tendes lugar especial no plano de Deus para o mundo: vós forneceis o alimento para todos os vossos semelhantes. É tarefa que merece o reconhecimento da dignidade daqueles que nela estão empenhados. Tendes, pois, todo o direito de esperar do Papa, que é vosso pai e irmão e servo em Cristo, uma palavra de encorajamento e de esperança, de orientação e de apoio.

Mas eu desejava tão ardentemente encontrar-me convosco não apenas por este motivo, mas também para proclamar os valores importantes de que a vossa vida dá testemunho. O trabalho rural possui deveras riquezas humanas e religiosas preciosas: amor profundamente radicado da família e da paz, sentido religioso, apreço pela amizade, confiança e abertura para com Deus e devoção Santa Virgem Maria, de maneira particular, no vosso caso, sob o título de Nossa Senhora de Peñafrancia.

Não exaltais, por acaso, estes valores quando cantais:

Kung ang hanap mo ay ligaya sa (Se procuras a felicidade na vida,)
Sa libis ng nayon doou manirahan: (vai viver no campo:)
Taga-bukid nsan ay nsay gintong kalooban, (são camponeses mas têm coração de ouro,)
Kayamanan at dangal ng kabukiran. (tesouro e orgulho da fazenda)?

É um bem merecido tributo de reconhecimento que o Papa deseja exprimir-vos, porque a sociedade é-vos realmente devedora. Obrigado, caros agricultores, pela vossa preciosa contribuição para o bem-estar social dos homens; a sociedade deve-vos muito.

3. A vossa contribuição específica para a sociedade baseia-se na vossa profunda e viva consciência de que a terra é dom de Deus, dom que Ele entrega a todos os homens, que Ele deseja ver reunidos a formarem uma família e a tratarem-se como irmãos e irmãs (cf. Gaudium et Spes
GS 24). Tal dom não é, porventura, sublinhado no primeiro capítulo do livro de Génesis? "Deus disse: 'Também vos dou todas as ervas com semente que existem à superfície da terra, assim como todas as árvores de fruto com semente, para que vos sirvam de alimento" (Gn 1,29). A terra pertence ao homem porque Deus confiou-a ao homem, e com o seu trabalho o homem submete-a e fá-la dar frutos (cf. Gén Gn 1,28).

734 Que se segue disto? Que não é vontade de Deus — não é segundo o Seu plano — que este dom seja usado de modo tal que os Seus benefícios sirvam para vantagem apenas de poucos, enquanto outros, a grande maioria, são deles excluídos. E quando esta maioria é efectivamente excluída da participação nos beneficies da terra e, portanto, condenada a um estado de inédia, de pobreza e de vida no limite da suficiência, e coisa torna-se extremamente grave.

Neste caso, de facto, a terra não está ao serviço da dignidade da pessoa humana — a pessoa humana chamada à plenitude de vida em Cristo Jesus! Mas é exactamente isto que vós sois e deveis sempre continuar a ser, aos vossos olhos e aos olhos dos outros, na teoria e na prática. Por conseguinte, deveis estar possibilitados de realizar as vossas capacidades humanas capacidade de "ser mais".

Tendes o direito de viver e de ser tratados conforme a vossa dignidade humana; ao mesmo tempo tendes igual dever de tratar os outros da mesma maneira. Devereis então ser capazes de extrair do vosso trabalho nas fazendas os meios necessários e suficientes para enfrentar as vossas responsabilidades familiares e sociais, de maneira humana e cristã válida.

4. No livro de Génesis vemos que "o Senhor levou o homem e colocou-o no jardim do Éden para o cultivar e, também para o guardar" (
Gn 2,15). E na nossa leitura de hoje ouvimos a ordem de Deus: enchei e dominai a terra; e dominai sobre toda a criação (cf. Gén Gn 1,28). Que nos dizem estes textos? A linguagem clara da Bíblia diz-nos que é vontade do nosso Criador que o homem se relacione com a natureza como senhor e guardião inteligente e nobre, e não como desfrutador leviano. É isso que se entende quando nos é dito "dominar" e "cultivar" a terra: o principio que dita a linha de acção obrigatória para todos aqueles que são responsáveis pelo problema da terra e nele interessados: pessoas investidas de autoridade pública, técnicos, empresários e trabalhadores.

Relembrando o que disse noutra ocasião, mas adaptando-o a vós e ao vosso pais, gostaria de pedir-vos cultivásseis a terra dos vossos amados filipinos e a conservásseis. Zelai pelos bens da natureza; assegurai-vos que eles rendam mais em favor do homem, do homem de hoje e do homem de amanhã. No que diz respeito ao uso da terra como dom de Deus, é necessário haver grande preocupação pelas gerações futuras, pagar o preço da austeridade para não enfraquecer ou reduzir, e, pior ainda, tornar insuportáveis as condições de vida das futuras gerações. A justiça e a humanidade exigem isto (cf. Homilia em Recife, n. 7; 7 de Julho de 1980).

5. A nossa resposta ao dom de Deus é dada através do esforço e do trabalho do homem. Estes caracterizam a luta do homem no tempo e no espaço para dominar a natureza; são o assunto da minha mensagem especial para vós, meus caros trabalhadores, condutores dos triciclos e dos tractores.

Sinto alegria profunda ao encontrar trabalhadores como vós, porque me recordais aqueles anos da minha juventude em que também eu experimentava a grandeza e a severidade, as horas felizes e os momentos de ansiedade, os sucessos e as frustrações que são inerentes à condição do trabalhador. Agradeço-vos, pois, especialmente que me tenhais oferecido a ocasião de me encontrar convosco.

Reflictamos juntos sobre a dignidade do trabalho, sobre a nobreza do trabalho. Será que vos devo realmente falar sobre isto? Vós conheceis a dignidade e a nobreza do vosso trabalho, vós que trabalhais para viver, para melhorar a vossa vida, para prover ao sustento, à educação e ao bem-estar dos vossos filhos. O vosso trabalho é nobre porque é um serviço às vossas famílias e à comunidade ampliada que é a sociedade. O trabalho é um serviço no qual o mesmo homem cresce na medida em que se doa a si mesmo pelos outros.

6. Por este motivo, uma preocupação fundamental de todos indistintamente — dirigentes, sindicalistas e homens de negócio — deve ser esta: dar trabalho a todos. Mas há um motivo mais profundo pelo qual cada homem tem direito ao trabalho; é para poder cumprir inteiramente a sua vocação humana, ou seja, tornar-se em Cristo uns co-criador com Deus. O homem torna-se mais plenamente homem através do trabalho livremente assumido e realizado. O trabalho não é castigo, é honra. Tornou-se no entanto difícil e fatigante, em consequência do pecado: "Comerás o pão com o suor do teu rosto" (Gn 3,19), mas conserva sempre a sua exaltante dignidade.

Não nos iludamos. Fornecer trabalho ou emprego não é algo a ser assumido superficialmente, ou a considerar como aspecto secundário da ordens económica e do progresso. Deve ser elemento central nos objectivos da teoria e da prática económicas.

7. A justiça, porém, não requer apenas um emprego. A justiça exige ainda que aos trabalhadores seja pago um salário suficiente para manter as próprias famílias de maneira conforme à dignidade humana.

735 Requer, além disso, que as condições de trabalho sejam o mais dignas possível e que a previdência social seja aperfeiçoada de maneira que permita a todos, sob a base de maior solidariedade, afrontar riscos, situações difíceis e ónus sociais; que os salários sejam regulados nas suas diversas formas complementares; e que os trabalhadores tenham real e justa participação na riqueza que ajudam a produzir nas empresas, nas profissões e na economia nacional, Podeis estar certos de que o vosso Papa está convosco no que diz respeito a esta e semelhantes exigências, porque aqui está em jogo o homem.

Existem ainda muitas outras reflexões que gostaria de fazer juntamente convosco, caros irmãos e irmãs. Mas devemos prosseguir o Santo Sacrifício da Missa. No entanto, ainda uma vez permiti-me fazer um apelo: não vos esqueçais nunca da grande dignidade que vós, como seres humanos e como cristãos, deveis imprimir ao vosso trabalho, ainda que seja o mais humilde, ainda que seja o mais insignificante. Não permitais que o trabalho vos degrade, mas antes procurai viver totalmente a vossa verdadeira dignidade, segundo a palavra de Deus e o ensinamento da Igreja. Sim, do ponto de vista da fé, o trabalho corresponde à vontade de Deus Criador. Faz parte do plano de Deus para o homens e para a realização da pessoa humana; com o trabalho é dado ao homem uma participação no trabalho de Deus, que é a Criação. E do ponto de vista da fé, o trabalho é imensamente enobrecido por Jesus Cristo, o Redentor do homem.

Com o seu trabalho de carpinteiro em Nazaré e com os seus muitos outros trabalhos, Ele santificou todo o trabalho humano, conferindo deste modo aos trabalhadores especial solidariedade com Ele mesmo e dando-lhes uma participação no Seu trabalho redentor destinado a elevar a humanidade, a transformar a sociedade e a guiar o mundo, para louvor do Seu Pai que está nos céus. Tudo isto sublinha também a necessidade de que o trabalho seja bem feito e sublinha ainda a obrigação de os trabalhadores executarem as suas tarefas com consciência e segundo as exigências da justiça e do amor.

Amados irmãos e amadas irmãs em Cristo: O Papa convida-vos a rezar com ele e com a Igreja universal, para que todos os agricultores e trabalhadores do mundo vivam a sua dignidade, realizem a sua função dignamente e contribuam para a construção do Reino de Deus, para a glória da Santíssima Trindade. E continue Nossa Senhora de Peñafrancia e amar-vos, consolar-vos e proteger-vos, a vós, vossas famílias e ao vosso País. Assim seja.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

AO EXTREMO ORIENTE (PAQUISTÃO, FILIPINAS,

GUAM, JAPÃO E ALASKA)

SANTA MISSA PARA AS TRIBOS INDÍGENAS



Burnham Park, Baguio City, Filipinas

22 de Fevereiro de 1981




Caros irmãos e irmãs em Cristo

1. É para mim uma alegria celebrar convosco a Sagrada Eucaristia, vir a vós entre as vossas belas montanhas, para ser alimentado pela Palavra de Deus e pelo Pão da Vida e unir-me a vós para dar glória e louvor, honra e graças à Santíssima Trindade.

A liturgia da Palavra fala hoje da especial dignidade conferida a todos aqueles que "são de Cristo" (1Co 3,23). Somos convidados a meditar o profundo mistério que nos diz respeito em relação ao baptismo; o mistério de como, mediante a água e o Espírito Santo, nos tornamos habitação de Deus. "Vós sois templos de Deus — escreve São Paulo — o Espírito de Deus habita em vós" (1Co 3,16). Do facto, este é um mistério de fé. Pois, enquanto permanecemos membros de um particular povo e nação, herdeiros de uma única cultura e descendência, ao mesmo tempo, pela infinita misericórdia de Deus, tornamo-nos "concidadãos dos santos e membros da família de Deus, edificados sobre o alicerce dos Apóstolos e dos Profetas, com Cristo por pedra angular. N'Ele qualquer construção, bem ajustada, cresce para formar um templo santo no Senhor" (Ep 2,19-21).

2. Desejei de modo particular esta ocasião de estar com as populações das "Províncias Montanhosas", de me encontrar convosco, membros das tribos de Isneg, Kalinga, Bontoc, Ifugao, Kankany e Ibaloy. Vós, populações nativas desta bela região ao norte de Luzon, como igualmente outras tribos filipinas, apresentais rica diversidade de culturas a vós transmitidas pelos vossos pais e antepassados, e que remontam a tempos anteriores através de inúmeras gerações. Tende sempre profunda estima a esses tesouros culturais que a divina providência vos concedeu em herança. Possam, além disso, esses tesouros, que constituem a vossa herança, ser sempre respeitados pelos outros; que a vossa terra, as vossas boas tradições de família e as vossas estruturas sociais possam ser protegidas, conservadas e enriquecidas!

Meus irmãos e irmãs em Cristo, vós descobristes como o Evangelho não põe em perigo a sobrevivência das vossas culturas, nem destrói as vossas genuínas tradições. Tudo o que é verdadeiramente humano, tudo o que contribui para o bem-estar e o aperfeiçoamento da pessoa humana, consolidado pelo Evangelho e intensificado pela fé em Cristo. Não poderia ser diversamente, pois Cristo é o modelo e a origem da nova humanidade, o "primogénito de toda a criatura" (Col 1,15). Dado que estais a enfrentar os problemas de hoje conexos com o crescimento social e económico do vosso País, asseguro-vos que a Igreja está convosco ao querer que seja defendido o carácter típico da vossa cultura e oxalá participeis nas decisões que envolvem a vossa vida e a dos vossos filhos.Com efeito, a Igreja nunca se dissocia dos problemas temporais dos próprios membros. Ela permanece junto do pobre e daquele que sofre; quer a justiça e a paz; interessa-se pelas concretas necessidades do fiel. Em tudo isto, porém, a Igreja não esquece nunca a prioridade da sua missão espiritual, recordando-se de que o seu fim último é o de guiar todos os homens e mulheres à eterna salvação em Cristo.

736 3. Permiti-me também falar-vos da actividade missionária da Igreja, e reflectir sobre os frutuosos resultados por ela conseguidos aqui, no vosso País. Ao ver esta vasta multidão, não posso deixar de recordar os generosos missionários, homens e mulheres, que deixaram a sua terra natal a fim de anunciar o Evangelho no vosso meio. Eles aceitaram muitos sacrifícios pessoais e suportaram grandes sofrimentos para realizar esse trabalho, para vos trazer o Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo. E os seus esforços não foram em vão! Quando a mensagem de Cristo vos foi anunciada, "aceitaste-a — como diz São Paulo — não como palavra de homens, mas como Palavra de Deus, a qual opera eficazmente em vós, que crestes" (1Th 2,13). Alegro-me convosco deste maravilhoso trabalho da graça! Em nome de nosso Senhor Jesus Cristo e da Sua Igreja agradeço aos missionários a sua fé e os seus contínuos esforços e perseverante trabalho.

É animador ver a vitalidade da Igreja nas Filipinas: ver, par exemplo, a participação activa realizada pelos leigos; o contributo dado pelos catequistas, pelos assistentes sociais e por tantos outros; e o papel indispensável das famílias cristãs, cada uma a seu modo, ao fazer progredir o Reino de Deus. Há além disso a fundação de numerosas escolas e universidades católicas, de instituições de saúde ou correspondentes a outras necessidades, e a fundação de Seminários como se pode ver aqui em Baguio City. Tudo isto está a testemunhar quanto a Palavra de Deus tem frutificado e qual é a profundidade da vossa fé no Senhor. Alegro-me especialmente porque muitos filipinos responderam a Cristo que os chamava a servir a Igreja como sacerdotes e religiosos, não na pátria, mas também em outros Países. E claro que a actividade missionária da Igreja produziu, na vossa terra, abundantes frutos.

4. Meus irmãos e irmãs, agradecido pela maneira como respondestes de todo o coração ao Evangelho, desde quando ele foi pela primeira vez anunciado no meio de vós, e estimulado pelo mandato missionário que nos foi dado por Cristo, quero exprimir-vos o meu especial desejo: que os filipinos se tornem os principais missionários da Igreja na Ásia. Para tanto, quereria fazer minhas as palavras a vós dirigidas por Paulo VI quando da sua visita pastoral nas Filipinas: "Neste momento não se pode deixar de pensar na importância do chamamento das populações filipinas; esta terra tem, de facto, vocação especial para ser uma cidade situada sobre um monte ou a lâmpada posta no alto (cf. Mt Mt 5,14-15) a dar testemunho luminoso, entre as antigas e nobres culturas da Ásia. Tanto no piano individual como ao nível de Nação, deveis manifestar com o exemplo da vossa vida, a luz de Cristo" (29 de Novembro de 1970).

Entre todos os vossos vizinhos nesta parte do mundo, vós, cidadãos das Filipinas, ocupais um lugar privilegiado. Só o vosso País é em maioria cristão; representais mais de metade de todos os católicos da Ásia. Ao considerar isto, pergunto-vos: não foi talvez o Senhor da história que vos destinou a ter una papel preeminente no esforço missionário da Igreja nesta região? Não foi Ele que vos preparou para dar vivo testemunho entre as antigas e nobres culturas da Ásia? As últimas palavras pronunciadas por Jesus aos discípulos não assumem para vós especial importância neste momento: "Ide pelo mundo inteiro e anunciai a Boa Nova a toda a criatura" (Mt 16,15)?

Este é o meu sincero desejo e a minha fervorosa oração: que vós, meus irmãos e irmãs das Filipinas, possais ocupar o lugar que vos compete na vanguarda do esforço missionário da Igreja, especialmente aqui, na Ásia. Por isso, exprimo o meu profundo apreço pela recente fundação da Sociedade Missionária das Filipinas; do mesmo modo louvo a obra de evangelização da Rádio Veritas. Que Deus abençoe copiosamente estas iniciativas! E cada um de vós — que vos tornastes templo de Deus mediante o baptismo — possa contribuir para a proclamação do Evangelho, na maneira que lhe é possível.

Proclamai, com a palavra e com as acções, que Jesus Cristo é "o caminho, a verdade e a, vida" (Jn 14,6), que Jesus Cristo é o Senhor!



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

AO EXTREMO ORIENTE (PAQUISTÃO, FILIPINAS,

GUAM, JAPÃO E ALASKA)

SANTA MISSA NA ILHA DE GUAM



Agaña, 23 de Fevereiro de 1981




Queridos irmãos e irmãs

1. "Um só é o mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo Homem, que Se deu em resgate por todos..." (1Tm 2,5-6). Nestas palavras da segunda leitura, é expresso clara e vigorosamente o motivo desta nossa reunião. Deus, nosso amado Pai, demonstrou o seu abundante amor por nós, seus filhos, permitindo que o seu próprio Filho fosse o nosso resgate, determinando-o como único mediador da nova e eterna aliança. Sentado à direita do Pai, Cristo exerce uma missão de salvação universal missão que se estende a toda a humanidade,

2. Assim, foi confiada à Igreja, como Corpo de Cristo, a missão de proclamar o Evangelho que tem dimensões universais. Porque na misteriosa providência de Deus, ela foi chamada a participar no trabalho de salvação de modo que o desejo do Salvador de "que todos os homens se salvem" (1Tm 2,4), possa ser realizado em todo o mundo.

Por vezes este trabalho parece ser opressivo, mas assim a Igreja compreende que a palavra colocada nos seus lábios é a chave para a compreensão do significado da nossa existência terrena. E portanto uma alegria incomparável enche os corações do clero, dos religiosos e dos leigos quando se ouve o mandato do Divino Mestre outra vez no nosso tempo: "Ide pelo mundo inteiro e anunciai a Boa Nova a toda a criatura" (Mc 16,15).

737 Sim, sob a orientação do Espírito Santo, sempre presente para consolar e inspirar, a Igreja proclama, antes de tudo à comunidade cristã e depois a toda a humanidade, a maravilhosa notícia de que Jesus é a nossa Paz, Jesus é a nossa Esperança, Jesus é o Caminho para a vida eterna.

3. A evangelização é a essência da actividade da Igreja no mundo.Nisto consiste a sua vocação, aqui tem início o seu trabalho, aqui está o seu grande desafio. O meu predecessor Paulo VI explicava este ponto de modo muito eloquente na sua Exortação Apostólica sobre a Evangelização: "A Igreja fica no mundo, quando o Senhor da glória volta para o Pai. Ela fica aí como um sinal, a um tempo opaco e luminoso, de uma nova presença de Jesus, sacramento da sua partida e da sua permanência. Ela prolonga-o e continua-a. Ora, é exactamente toda a sua missão e a sua condição de evangelizadora, antes de mais nada, que ela é chamada a continuar" (Evangelii Nuntiandi
EN 15).

4. A Igreja transmite ao mundo uma fé viva visto que, quando anuncia, ensina ou baptiza, Cristo se torna presente naquele acontecimento. Por conseguinte, o Evangelho que deve ser anunciado é sempre novo, tocando cada geração sucessiva com vigor e vitalidade e convidando cada pessoa a uma relação profundamente pessoal com Cristo. E esta qualidade dinâmica do Evangelho nunca tem fim, porque o crente é chamado a uma contínua conversão do espírito e do coração de modo a conformar-se mais fielmente ao espírito e ao coração de Cristo. Ao mesmo tempo, que tremendo privilégio é conferido àqueles que são chamados a serem arautos do Evangelho! Que extraordinária satisfação se descobre no comunicar Cristo aos outros!

5. Já falei, à minha chegada a Guam, da divida de gratidão para com aqueles que, com espírito evangelizador, se dedicaram com abnegação a comunicar a fé de Cristo. O vigoroso testemunho de um missionário, Padre Luís Diogo San Vitores, por exemplo, continua a inspirar-nos hoje. E quão maravilhosa foi a resposta daqueles que escutaram a palavra de Deus através da pregação do missionário! Com a celebração da primeira Missa aqui em 1521, as sementes da fé começaram a lançar raízes nos corações do povo Chamorro. Em 1668, o seu apreço pelo Evangelho foi manifestado pelo generoso dom do Chefe Quipuha que ofereceu a terra sobre a qual foi construída a primeira Catedral. E aquela mesma Catedral tornou-se o símbolo da dedicada perseverança da fé do povo, visto que foi necessário reconstruir a Igreja várias vezes, sendo por última nesta nossa época. Sim, a história da fé em Guam possui um notável primado no fiel testemunho dos homens e das mulheres que viveram o Evangelho em palavras e em factos durante mais de três séculos, até esta mesma assembleia litúrgica.

6. Mas não devemos contentar-nos com exaltar uma herança gloriosa do passado sem dirigir a nossa atenção para as exigências do momento presente. O nosso Credo não pode nunca ser considerado como propriedade preciosa só para ser admirada e depois guardada por segurança. Pelo contrário, devemos exprimir o nosso Amém naquilo que julgamos, pondo em prática a nossa fé na vida de todos os dias.

Por conseguinte, não devemos limitar as nossas considerações sobre a evangelização à simples difusão da fé nas várias áreas geográficas do mundo ou entre as diversas culturas. Devemos também atender a que o trabalho de evangelização atinja todos os aspectos da vida humana, modificando "os critérios de julgar, os valores que contam, os centros de interesse, as linhas de pensamento, as fontes inspiradoras e os modelos de vida da humanidade, que os apresentam em contraste com a Palavra de Deus e com o desígnio da salvação" (Evangelii Nuntiandi EN 19).

A este respeito desejo salientar o papel essencial que a família desempenha no trabalho da evangelização. A família, como nos ensinou o Concílio Vaticano II, é uma "íntima comunidade de vida e de amor" (Gaudium et Spes GS 48). Os cônjuges, ao modelar o seu amor conjugal segundo o exemplo de Cristo, cultivam no lar os valores cristãos de ternura, compaixão, paciência e compreensão; estes, por sua vez, dão origem a um estilo de vida que, de per si, comunica a mensagem do Evangelho. Estes valores são depois infundidos e fomentados nos filhos que nascem deste amor conjugal. Assim, a família torna-se a primeira escola de vida cristã, onde se alimenta o amor a Cristo, à sua Igreja e ao seu apelo à santidade.

Ao mesmo tempo, é na família que tem lugar o crescimento necessário das vocações para o sacerdócio e para a vida religiosa. Os pais deveriam estar atentos aos primeiros sinais destas vocações e rezar para que, com a graça de Deus, os seus filhos ou filhas perseverem neste chamamento. Que bênção maior poderia ter uma família do que ver os seus esforços de viver o Evangelho coroados de êxito, com o chamamento de um dos próprios filhos para um serviço de pregação e de ensino da Boa Nova, durante toda a sua vida!

7. Sobre todos os baptizados, pois, "a glória do Senhor levanta-se" (Is 60,1), estimulando todos os crentes a participarem desta luz em toda a parte e em todos os tempos.Esta luz do Evangelho não se pode apagar, ainda que as trevas cubram realmente os valores e as prioridades do mundo. Mas, mediante a perseverança e a oração, os crentes recebem a graça de reflectir a verdade que é Cristo, de modo que "a sua glória iluminará" (Is 60,2). Então, sejamos constantes na fé, conformando-nos segundo o exemplo daqueles eminentes evangelizadores que nos precederam. Não nos deixemos nunca desencorajar nem desesperar, porque Cristo está connosco para confirmar e revigorar todos os nossos esforços em defesa do Evangelho.

8. Aqui, nesta Eucaristia, celebramos a realidade profunda da universalidade da Igreja. Dando o seu Corpo e o seu Sangue para participarmos deles, Jesus predispõe-nos ao mesmo tempo a abrirmo-nos e a acolhermos todos os homens e mulheres como irmãos e irmãs. A nossa comunhão em Cristo, leva-nos pois a compartilhar com cada pessoa o maravilhoso mistério da vida de Cristo que nos foi dada. Ao recebermos o Pão da Vida, assumimos o desejo de Cristo de que "todos os homens se salvem' (1Tm 2,4).

Visto que uma vez mais nos aproximamos daquele santíssimo momento no qual o pão e o vinho se transformam no Corpo e no Sangue do nosso Salvador, renovemos o nosso propósito de levar a presença da sua palavra para as nossas casas e comunidades, para os nossos escritórios e lugares de trabalho, para onde quer que formos e em tudo o que fizermos. E, penetrados pelo calor do amor eucarístico de Cristo, procuremos modos mais eficazes para proclamar a mensagem daquele amor a todas as pessoas que encontrarmos.

738 Meus irmãos e minhas irmãs, deixai que a luz do Evangelho de Cristo resplandeça através das vossas palavras e acções. Elevai os vossos olhos para Jesus, chamando constantemente a atenção do mundo para ele. Alegrai-vos sempre com a certeza de que Jesus está com a sua Igreja; de que a sua oração será plenamente satisfeita; e de que ele faz novas todas as coisas. E portanto, com "corações palpitantes e dilatados" (cf. Is Is 60,5), cantemos o nosso louvor ao Pai pelo amor que derramou sobre nós em Jesus Cristo seu Filho, "que se deu em resgate por todos" (1Tm 2,6). Amém.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

AO EXTREMO ORIENTE (PAQUISTÃO, FILIPINAS,

GUAM, JAPÃO E ALASKA)

SANTA MISSA NO ESTÁDIO DE KORAKUEN EM TÓQUIO



Terça-feira, 24 de Fevereiro de 1981




1. "Deixo-vos a paz, a Minha paz vos dou" (Jn 14,27). Estas são as palavras de Cristo aos Apóstolos e repetimos estas Suas palavras todos os dias na Missa antes da Comunhão.

Deste modo, Cristo mesmo diz cada dia estas palavras e diariamente compartilha connosco a Sua paz, assim como o faz com o Seu Corpo e o Seu Sangue sob as espécies Eucarísticas.

Todos os dias, portanto, recebemos de Cristo a Sua paz para a dar aos outros.

Isto já se realiza durante a liturgia, quando, às palavras "A paz esteja convosco", estendemos as nossas mãos às pessoas que estão junto de nós e exprimimo-lhes uma aproximação fraterna, o nosso desejo de paz e de amor.

Deste lugar, onde é celebrada a liturgia Eucarística, o sinal de paz difunde-se em ondas sucessivas ao povo, às famílias, aos vizinhos, às nações, e a toda a família humana.

Cristo nosso Senhor é o eterno doador de Paz, daquela paz que o mundo não pode oferecer porque o mundo não a conhece (cf. Jo Jn 14,27).

2. Amados irmãos e irmãs!

Venho a vós em nome de Cristo. Em nome de Cristo cheguei ontem a esta longínqua ilha, a esta grande cidade, capital da vossa nação e do Império, cidade que é também uma das Sedes da Igreja no Japão.

Venho a vós como peregrino, seguindo o caminho da Boa Nova aqui anunciada há séculos e acolhida como a mensagem do amor de Deus pelos homens, como a mensagem de paz. "Porque Deus amou de tal modo o mundo que lhe deu o Seu Filho único, para que todo o que n'Ele crer não pereça, mas tenha a vida eterna" (Jn 3,16). E é precisamente em nome daquele Cristo — o Filho do Deus eterno e ao mesmo tempo nosso Irmão e Filho de Maria de Nazaré — que estou aqui no meio de vós e digo: "A paz esteja convosco".

739 3. Digo-o a cada um de vós e a todos. A Paz é um bem precioso do coração humano. Deste modo, portanto, dirijo-me aos vossos corações e desejo a cada um de vós a paz do coração.

A paz da boa consciência.

Esta é aquela paz interior, o dom da graça e o fruto das boas obras, que enche as nossas vidas de alegria e felicidade. Por amor a esta paz desejo pedir convosco, para todos os irmãos e irmãs na vossa Igreja no Japão e em todas as suas ilhas: A paz do coração.

4. Quando no meio de vós e convosco celebro a Eucaristia de nosso Senhor Jesus Cristo, desejo que todos vós encontreis nela a paz com o nosso próximo.

Paz: fruto de justiça. Paz: fruto de amor. Como é facilmente violada esta paz!

Com muita frequência as pessoas separam-se, embora fisicamente vizinhas, até na própria família!

Oxalá Cristo nos conceda a capacidade de permanecer em paz com os outros! Realizem-se em nós as palavras do Seu Sermão da Montanha: "Bem-aventurados os pacíficos" (
Mt 5,9).

Talvez possamos aprender a construir a paz e a construir na paz a sociedade das nossas famílias, do nosso próximo, dos nossos lugares de trabalho, das nossas escolas, dos nossos escritórios e fábricas.

Cristo, o pacificador, dá aos povos desta terra a bênção de paz. Oxalá eles colaborem com ela, mediante a justiça e o amor em todas as circunstâncias da vida!

5. E assim, cheguei à terra que conheceu o grande horror da destruição durante a última guerra.

O nome da cidade japonesa de Hiroxima tornou-se símbolo das ameaças, para as quais toda a humanidade se volta, dado que não consegue vencer a terrível tentação de dominar os outros com meios de total destruição nuclear.

740 Aqui, onde a lembrança e os sinais da explosão da primeira guerra atómica são vivos e evidentes, as palavras de Cristo não podem deixar de assumir particular vigor: A paz esteja convosco!

Estas palavras devem tornar-se um grito de alerta. Devem reevocar todo o horror da última advertência. Devem ser um apelo, um categórico apelo a toda a colaboração possível dós povos para a paz no mundo.

À colaboração dos povos de todas as línguas, nações, raças e religiões; dos povos de todos os Estados e de todas as gerações. Cristo diz: "Dou-vos a minha paz".

Quanto ainda nos resta fazer a fim de que este dom da paz possa ser alcançado; não venha a ser destruído pela nossa covardia ou má vontade; se possa evitar que a humanidade reviva uma nova Hiroxima.

6. No centro da grande cidade, no Japão, todos os dias Cristo se dirige a nós e diz: A paz, esteja convosco! Ele di-lo ao povo humilde, afectuoso e gentil, aos filhos e às famílias da Sua terra que são sensíveis, de modo particularmente significativo, à beleza do mundo e à ordem que orienta a natureza.

O homem é chamado por Deus a rejubilar com esta beleza, a compartilhar esta ordem.

O coração humano deve pulsar tranquilamente ao ritmo de toda a criatura, através da qual o Criador lhe fala.

Mas o coração humano é inquieto... e não pode encontrar paz (como escreveu o grande Agostinho) enquanto não repousar em Deus.

7. Aos corações dos filhos e das filhas do Japão, desejo hoje repetir as palavras de Cristo sobre a paz, e, ao repeti-las na grande oração eucarística, exprimo esta esperança: que estes corações possam, mediante Cristo, encontrar paz em Deus! Aquela paz que o mundo não pode dar. Amém.



Homilias JOÃO PAULO II 732