Homilias JOÃO PAULO II 740


VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

AO EXTREMO ORIENTE (PAQUISTÃO, FILIPINAS,

GUAM, JAPÃO E ALASKA)

SANTA MISSA COM 77 BAPTIZADOS

E A COMEMORAÇÃO DOS MÁRTIRES




Estádio Matsuyama, Nagasaqui, Japão

Quinta-feira, 26 de Fevereiro de 1981




741 Caríssimos, vós todos e particularmente vós os meus irmãos e irmãs que recebestes há instantes os Sacramentos do Baptismo e da Confirmação.

1. Agora que terminámos de ouvir a passagem do Evangelho de São Mateus, é fácil para todos nós subir com Jesus ao cimo do vizinho Nishizaka, a que os primeiros cristãos do Japão chamaram "colina santa" ou "colina dos Mártires". Poderíamos também chamar-lhe Monte das Bem-aventuranças de Nagasaqui. Contemplemos a figura do Mestre que chamou a Si tantos discípulos desta cidade, sede da Igreja Mãe no Japão. Jesus fala com amor, especialmente aos muitos discípulos que se reuniram lá, perto da Sua Cruz. Os 26 Santos Protomártires, os 205 mártires beatificados por Pio IX e os seus mais de 4 mil companheiros, cujo martírio está cuidadosamente documentado (cf. J. Laures, The Catholic Church in Japan, Tóquio 1954,
PP 178-179). Esta gloriosa multidão, como a dos cristãos dos primeiros séculos, recebeu recente reconhecimento da Igreja há alguns dias, em Manila, na cerimónia de beatificação de outros 16 mártires. Estes mártires sofreram em Nishizaka nos anos 10, 11 e 14 da Era Kwanei, correspondentes aos anos 1633, 1634 e 1637 do calendário cristão, que foi o período caracterizado pelo Édito Sakoku, promulgado pelo Shogum Tokugawa Iyemitsu.

Os novos Beatos, como todos aqueles que sofreram o martírio, são proclamados "beatos" por Jesus. Porque sofreram por amor da justiça (cf. Mt Mt 5,10), justiça que aperfeiçoa a simplesmente humana. É a justiça que pregou Cristo no Seu Sermão da Montanha, a qual é modelo de vida para aqueles que desejam imitar o Pai que está nos céus (cf. Mt Mt 5,7). Antes da morte deles, como todos aqueles que são justos aos olhos de Deus, eles eram pobres em espírito, mansos, perseguidos, sedentos de justiça, misericordiosos, puros de coração; eram agentes de paz.

2. Numa palavra eram portadores e arautos de um duplo mandamento de amor, como declarou Jordão Ansalone no seu processo: "Eu venho sobretudo por este motivo, e é a mesma coisa que deseja Cristo meu Rei: o motivo que nos reúne é o amor que Ele e eu temos por vós, em conformidade com a lei dos cristãos que é baseada totalmente no amor"' (Positio super Martyrio, Roma 1979, p. 334). E é exactamente nesta perspectiva e com estes sentimentos de amor que os 16 novos beatos sentiram ser japoneses com os japoneses, cristãos com os cristãos, irmãos com os irmãos.

O amor e a missão evangélica que motivou o martírio reuni-os de cinco nacionalidades: o seu grupo era composto não só de nove japoneses, da ilha de Kyushu e da antiga capital Kyoto, mas também de 4 espanhóis, um francês, um italiano e um filipino. Guilherme Courtet e Lourenço Ruiz foram, de facto, os primeiros e os únicos a vir da França e das Filipinas morrer como mártires.

O mesmo impulso de amor unia o humilde e o grande, os 13 membros da Família de São Domingos, e os outros três devotos leigos. Escutemos um dos seus testemunhos: "O dom de Deus que mais aprecio é o de me ter enviado a este país em companhia de tão numerosos e grandes servidores seus" (Positio, p. 216). Assim escreveu Lucas Alonso del Espiritu Santo que, com Domingos Ibánez de Erquicia, pregou o Evangelho por 10 anos, chegando até à longínqua ilha de Honshu. Igualmente dignos de admiração são Tiago Kyuhei Timonaga e Tomás Hioji Rokuzaiemon, missionários na Formosa e na ilha de Kyushu. A nossa admiração vai também para Vicente Shiwozuka e Lázaro de Kyoto que, embora exilados em consequência do Édito de 1614, decidiram em 1636 voltar à terra natal para viverem lá, até à sua última consumação, aquele baptismo que lá tinham recebido. Pensamos também em Madalena de Nagasaqui, a corajosa colaboradora dos Padres Agostinhos e Dominicanos, e em Marina de Omura, que é venerada pelas mulheres do Japão como advogada da fortaleza com o nome bíblico de "mulher forte" (cf. Positio, p. 331).

3. O amor generoso e as zelosas actividades dos mártires explicam-se com a fortaleza do Espírito Santo que trabalhava neles e os levava a obedecerem aos mandamentos do Sagrado livro do Sirácide (cf. 2, 1-18), que ouvimos na primeira leitura desta Missa. Assim podemos compreender plenamente o que disseram os intérpretes na corte de Nagasaqui aos dois Bugyo (juízes): "Senhores, dizer a estes que neguem a própria fé é como um remédio dado a um homem moribundo que o faz reviver; de facto, eles retomam vida e respondem com renovado vigor" (cf. Positio, p. 414).

4. A atitude por eles assumida como filhos da Igreja, que trabalhavam numa nação com religião diferente, era inspirada pelas palavras de São Pedro na segunda leitura desta Missa: desejavam que os seus irmãos vissem as suas boas obras para chegarem a "glorificar a Deus no dia do juízo" (1P 2,12). Esta apostólica indicação constitui a atitude clássica dos antigos mártires no tempo do Império Romano. Não menos significativo foi o género de vida que eles levaram, no contexto social e político do seu tempo, pois abraçaram o Evangelho "não somente com palavras mas também com poder, com o Espírito Santo e com convicção" (1Th 1,5). Assim se tornaram eles, para todos, exemplo de fidelidade a Cristo, cujo regresso esperavam com esperança e amor.

Por outro lado, devemo-nos lembrar que o Édito promulgado pelo Shogum Tokugawa Iyeyasu, em 1614, ano 17 de Era Keichu, estabelecia: "O Japão é terra de origem divina" (cf. Positio, p. 49). Os cristãos de então e de hoje podem interpretar melhor esta afirmação na escola do Verbo encarnado, por meio do qual todas as coisas foram criadas, o qual veio ao mundo, luz verdadeira nascida do Pai, para iluminar cada homem com a plenitude da Graça e da Verdade (cf. Jo Jn 1,1-18).

5. Com esta esperança desejava visitar o Japão por motivo da recente beatificação. É um país que, de há mais de um século, goza da liberdade religiosa, concedida pelo Imperador Meiji. Vim aqui como bispo de Roma, um século depois da reabertura das fronteiras do Japão à mensagem cristã. Vim a Nagasaqui como peregrino. Aqui, os fiéis de há cem anos, cujos antepassados dos dois séculos precedentes conservaram secretamente a fé dos mártires, perseveraram com a força a eles conferida pelo Evangelho. Por graça de Deus os cristãos meditaram sobre o Evangelho por meio dos mistérios do Rosário. Sabiam que havia um homem que vivia muito longe deles e se chamava Papa. Hoje ele vem prestar homenagem à tradição dos cristãos de Nagasaqui e dizer pessoalmente aos descendentes deles que os ama, no coração de Cristo Jesus.

Na Catedral de Urakami, dedicada a Maria Imaculada, sublime modelo da Igreja, observei a nova Igreja japonesa, que se ergue diante do inundo como sinal da nova Jerusalém ataviada com vestuário de festa (cf. Apoc Ap 21,2-4). Igreja cujos membros atingem 400.000, quase o mesmo número dos cristãos do primeiro século (1549-1640). E com imensa alegria dou as boas-vindas, dentro da comunhão a Igreja, aos novos cristãos que o mesmo Cristo chamou neste dia: "à sua admirável luz" (1P 2,9).

742 Este laço entre o passado e o presente é fruto da bênção de Deus, da maternal assistência da Santíssima Virgem e da intercessão de inúmeras testemunhas do Evangelho. É garantia para um futuro ainda mais glorioso que se poderia comparar ao sol que, no seu nascer quotidiano, distribui a primeira luz, iluminando e reavivando esta belíssima terra, muitas vezes branca de neve, ou rosada com as cerejeiras em flor e os lótus. A sua antiga religião xintoísta indica o caminho no sentido da divindade; para nós cristãos, o caminho foi já traçado pelo próprio Cristo que é Deus de Deus, luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro.

É Ele, Jesus Cristo, e é a Sua graça que nós louvamos e glorificamos, nestes novos gloriosos mártires de Nagasaqui.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

AO EXTREMO ORIENTE (PAQUISTÃO, FILIPINAS,

GUAM, JAPÃO E ALASKA)

SANTA MISSA DO ESPÍRITO SANTO EM ANCHORAGE, ALASKA



Delaney Park Srep

Quinta-feira, 26 de Fevereiro de 1981




Caros irmãos e irmãs

Cantai ao Senhor um cântico novo, / cantai ao Senhor, todas as terras. / Anunciai a Sua glória entre as nações, / Entre todos os povos, as suas maravilhas!

1. Os sentimentos de alegria que mostram o coração do Salmista a louvar o Senhor com estas palavras, são os mesmos sentimentos que brotam em nós ao reunirmo-nos aqui em Anchorage para celebrar esta missa do Espírito Santo. Que modo melhor há para exprimir louvor a Deus senão naquele espírito que é o princípio vital da vida da Igreja? Qual cântico mais adequado poderia ser cantado senão o que nos fala da inspiração e da guia do Espírito Santo ao proclamarmos o Evangelho de Cristo ao mundo? Que poderia dar-nos tão grande motivo de alegria senão a morada do Espírito que é para nós penhor, prelibação e garantia da glória que nos aguarda no Céu?

2. Encontrando-nos aqui no Alasca, tão ricamente dotado das belezas da natureza, tão acidentado mas apesar disso tão esplêndido, sentimos a presença do Espírito de Deus na multíplice obra da criação. E não sentimos apenas esta presença na natureza inanimada e na ordem das plantas e dos animais, mas muito mais no dom precioso da vida que Deus inspirou em cada um dos seus filhos e das suas filhas. Tendo criado o homem e a mulher à sua própria imagem, Deus permanece com cada indivíduo durante a peregrinação nesta vida terrena, convidando, chamando e solicitando por meio do Seu Espírito a aceitar a salvação oferecida em Cristo.

Olhando para as pessoas aqui reunidas hoje, vejo o sinal do chamamento de fé do Espírito Santo no Alasca. Aqui, muitas pessoas, com um passado diferente e uma cultura diversa, foram atraídas numa única comunidade de fé. Aqui os nativos do Alasca — esquimós, aleútes e indianos — unem-se a pessoas provenientes de todas as partes dos Estados Unidos para formar uma única comunidade eclesial. Para aqui, nestes últimos anos, vieram os espanhóis era número sempre crescente, juntar-se à fraternidade unida da Igreja. Ao reconhecer esta actividade do espírito, não nos sentimos, porventura, impelidos a cantar um cântico de alegria ao Senhor? Não transbordam os nossos corações quando falamos das maravilhosas bênçãos que o espírito infundiu na Igreja?

3. Mas há ainda outro motivo para dar graças ao Espírito Santo nesta hora. Ao terminar uma viagem pastoral que me levou durante estes últimos onze dias ao Paquistão, às Filipinas, a Guam, ao Japão e agora aqui ao Alasca, desejo exprimir profunda gratidão ao Espírito Santo pela sua guia e a sua protecção durante toda a visita. No nome da Santíssima Trindade, iniciei a minha viagem como peregrino de fé, correspondendo à missão que Jesus deu a Pedro: "Confirma os teus irmãos" (Lc 22,32). É para assumir esta responsabilidade, que me foi confiada por obra do Espírito Santo, que empreendi esta viagem, e espero que com a ajuda do mesmo Espírito Santo estes esforços sejam fonte de encorajamento para os bispos e para todos os meus irmãos e as minhas irmãs na fé.

4. Podemos bem perguntar-nos: de que modo move o Espírito o coração do homem para responder à revelação da glória do Senhor? Jesus diz-nos no Evangelho de hoje que os mistérios da fé estão escondidos para os sábios e os entendidos deste mundo, mas são revelados aos pequeninos. A resposta da fé é sempre uma resposta infantil — de quem reconhece a Deus como Pai.

743 Jesus mesmo nos ensina esta lição quando aceita a sua missão na vida, não procurando fazer a própria vontade, mas a daquele que o enviou (cf. Jo Jn 5,30). Concebido por obra do Espírito Santo, Jesus é portador do Espírito em toda a situação do seu ministério público. Quando cumpriu a vontade do Pai sobre a Sua Paixão, Morte e Ressurreição, Jesus mandou o Espírito Santo sobre os seus discípulos a fim de continuarem e levarem a termo o plano universal de salvação, do Pai.

É bom que reflictamos por alguns instantes sobre o que está implícito na filiação de Cristo, da qual participamos mediante o Espírito Santo. A este propósito, a nossa segunda leitura da Carta de São Paulo aos Romanos é muito útil. O apóstolo descreve a situação de um filho, distinta da condição de escravo. Há uma relação diferente, uma relação de intimidade, e esta intimidade está indicada no nome com que o Pai é conhecido e interpelado. São Paulo diz-nos que aqueles que nasceram da água e do Espírito Santo falam ao Pai Divino com as mesmas palavras que Jesus usou na intimidade da sua Oração no Getsémani: "Abba, Pai" (cf. Rm 8,16). A nossa filiação em Cristo comporta por isso uma relação que é mais estreita e mais pessoal do que a de uma criança para com o pai que lhe deu a vida. Por parte do Pai há um amor "que não só cria o bem, mas que faz com que se participe na própria vida de Deus, Pai, Filho e Espírito Santo" (Dives in Misericordia DM 7). Enquanto o escravo tinha obrigações para com o patrão, o filho é livre e pode portanto retribuir aquele mesmo amor com que foi amado.

Como filhos de Deus o nosso amor, dado e alimentado no Espírito Santo, convida-nos repetidamente a uma intimidade mais profunda com o Pai.

E quão pronta e entusiástica deve ser a nossa resposta! Este convite é percebido na oração — que não é simples obrigação a realizar, mas também meio para reforçar a nossa união no amor. Esta actividade de oração na Igreja nunca está limitada a certos grupos ou a particulares indivíduos. É um privilégio e um dever para todos. A oração não deve limitar-se à participação na oração litúrgica da Igreja; deve também reflectir a procura constante das pessoas ou dos grupos para descobrirem na oração privada e na oração comum modos de aprofundar a sua união em Cristo.

Neste contexto reconhecemos a sabedoria de Paulo VI, o qual observava que é mediante a oração que os cristãos alcançam o primeiro fruto do espírito, que é a alegria: "o Espírito Santo suscita uma oração filial, que brota do mais profundo da alma e se exprime no louvor, na acção de graças, na reparação e na súplica. E então nós podemos saborear a alegria propriamente espiritual, que é um fruto do mesmo Espírito Santo; essa alegria consiste em o espírito humano experimentar repouso e uma satisfação íntima na posse de Deus, Trindade Santíssima, conhecido pela fé e amado pela caridade que promana d'Ele" (Gaudete in Domino, III).

A presença desta alegria não exclui, todavia, a possibilidade de sofrer. São Paulo coloca logo em evidência este facto quando diz que participar da filiação de Cristo significa participar também do seu sofrimento. Porque gloriar-se em Cristo é gloriar-se na Sua Cruz (cf. Gal Ga 6,14). Se procuramos aprofundar a nossa relação com o Pai no Espírito Santo, não devemos surpreender-nos se notamos que somos incompreendidos, contestados ou até mesmo perseguidos pelas nossas convicções.

5. Há nove dias beatifiquei Lourenço Ruiz e os seus companheiros nas Filipinas. Este santo homem e estas santas mulheres conheciam bem o significado das palavras de Cristo: "Se a Mim Me perseguiram, também vos perseguirão a vós" (Jn 15,20). Mas não obstante a oposição que encontraram, tiveram confiança na guia do Espírito Santo que os teria sustentado perante o sofrimento.

Esta fé distinguiu também a história dos missionários nestes territórios do Alasca. Também eles encontraram a Cruz sob a forma de limitações físicas, desilusões e oposições aos seus esforços para defender a fé. Não raro o empenho deles pareceu encontrar poucos resultados durante a sua vida, mas tinham sido plantadas as sementes para o testemunho de uma fé que hoje é evidente.

Amados irmãos e irmãs, temos que aprender a sabedoria dos filhos de Deus para confiar e esperar na constante presença do Espírito Santo na Igreja. Não nos deixemos nunca confundir pelo sofrimento que pode entrar na nossa vida, mas procuremos antes transformá-lo à luz da Cruz do nosso Salvador Jesus Cristo. Oxalá depositemos sempre a nossa confiança no Espírito Santo, para descobrirmos em cada situação nova uma ocasião para alargar o amor redentor de Cristo.

6. A geração de hoje traz consigo novos desafios e novas oportunidades para a Igreja no Alasca. O Evangelho deve ser proclamado de novo todos os dias, e a chama da fé precisa de um sopro que a faça propagar. A Igreja necessita de pessoas que preguem, ensinem e administrem os Sacramentos do amor de Cristo. Não hesito em pedir aos jovens do Alasca que respondam a este desafio. Entre vós o Espírito Santo está certamente lançando as sementes de vocações sacerdotais e religiosas. Não sufoqueis aquele chamamento, mas entregai-vos generosamente ao serviço do Evangelho de Cristo.

O Espírito Santo falou também, através do Concílio Vaticano II, sobre a necessidade de aumentar a participação dos leigos no apostolado da Igreja. Nas diversas circunstâncias da sua vida, os leigos são chamados a participar na missão da Igreja. Nas suas famílias e nas suas ocupações diárias, nas obras de misericórdia e de caridade, na catequese e na causa da justiça, os leigos — homens e mulheres — devem construir a Igreja e contribuir para consagrar o mundo. Cada membro da Igreja tem um carisma especial que lhe foi dado pelo espírito de Deus para o bem da Igreja. Cada dom deve ser usado em benefício do inteiro Corpo de Cristo.

744 7. Meus caros amigos em Cristo, não nos cansemos nunca de louvar o Espírito Santo, fonte inexaurível da nossa vida em Cristo. Estava presente na Igreja no primeiro Pentecostes, permanece com a Igreja hoje e para sempre. Sejamos confiantes no seu poder fortalecedor e aprendamos a ser dóceis em seguir os seus caminhos. Tornemo-nos cada vez mais sensíveis à sua influência sobre as nossas acções e sempre prontos a pedir a Sua Divina Assistência.

Vinde, Espírito Santo, enchei os corações dos vossos fiéis / E acendei neles o fogo do Vosso amor. / Mandai o vosso Espírito e tudo será criado / E renovareis a face da terra. Assim seja.





ESTAÇÃO E PROCISSÃO PENITENCIAL

DA IGREJA DE SANTO ANSELMO

À BASÍLICA DE SANTA SABINA

SANTA MISSA, BÊNÇÃO E IMPOSIÇÃO DAS CINZAS



Basílica de Santa Sabina

Quarta-feira de Cinzas, 4 de Março de 1981




1. "Tocai a trombeta em Sião, ordenai um jejum..." (Jl 2,15).

Com este anúncio fala o profeta Joel na hodierna liturgia de quarta-feira de Cinzas, com a qual a Igreja ordena o santo jejum, o grande jejum de 40 dias, à semelhança do jejum de 40 dias de Cristo. E é um jejum que tem valor de espiritual preparação e de introdução no mistério pascal.

Estamos reunidos, portanto, segundo o costume das estações quaresmais, em Santa Sabina. Como diz a seguir o profeta, vêm os velhos, as crianças, os meninos de peito, os esposos na flor da vida e os sacerdotes. E encontrando-se "entre o vestíbulo e o altar" cantam: "Tende piedade do vosso povo, Senhor..." (Jl 2,17).

2. A Igreja proclama a Quaresma. Em virtude do poder legislativo que tem, regula as suas prescrições. Todavia, só a norma não basta aqui.

É necessário cada coração e cada consciência ouvirem individualmente esta chamada, para que vos alimente o fermento da Quaresma. Por isso a Igreja se dirige hoje a cada homem em particular. Não se limita à disposição geral; aproxima-se de cada um com particular gesto e palavra especial, que a Liturgia nos refere.

O gesto consiste na imposição das Cinzas na fronte. Quanto à palavra, que explica o gesto, há duas fórmulas: a primeira, antiquíssima, é tirada do Livro do Génesis: "Recorda-te que és pó e em pó te hás-de tornar" (cf. Gén Gn 3,19); esta lembra ao homem a sua caducidade, assim como Isaías dirá que "toda a criatura é como a erva e toda a sua glória como a flor dos campos", que seca e murcha (cf. Is Is 40,6-7). A segunda fórmula, pelo contrário, é de marca evangélica: "Convertei-vos e crede no Evangelho" (Mc 1,15); foi sugerida pela recente reforma pós-conciliar e propõe ao homem um convite e um compromisso, abrindo-lhe a perspectiva da fé e da conversão na sua vida concreta.

3. Proclamar o jejum em Sião quer dizer chegar até ao homem interior. Juntamente com o gesto litúrgico das Cinzas e com a palavra que o acompanha, deve-se desvelar diante dele toda a realidade da Misericórdia divina, a verdade de que "o Senhor se deixa tornar de zelo pela Sua terra e sente compaixão pelo Seu povo" (cf. Jl Jl 2,18).

745 Como escrevi na Encíclica Dives in misericordia, "a conversão a Deus consiste sempre em descobrir a Sua misericórdia, ou seja, aquele amor que é paciente e benigno à medida do Criador e Pai: o amor, a que 'Deus, Pai do Senhor nosso Jesus Cristo' (2Co 1,3), é fiel até às últimas consequências na história da aliança com o homem: até à cruz — à morte e ressurreição do Filho. A conversão a Deus é sempre fruto do 'reencontro' deste Pai, que é rico em misericórdia" (n. 13).

Não é precisamente sabre o amor "zeloso" do Senhor pela Sua terra que nós meditaremos no decurso de todo o período da Quaresma? Assim será também quando diante dos olhos da nossa alma se desvendar — melhor que noutras circunstâncias — a cruz, isto é, o amor aceso até ao fim.

Proclamar o jejum quer dizer recordar com toda a energia este Amor! Recordar a cruz. Aceitar o jejum quer dizer aceitar a revelação deste amor: Reencontrarmo-nos a, nós mesmos nas dimensões deste amor-misericórdia.

4. Precisamente disto fala o Apóstolo na segunda leitura, tirada da segunda Carta aos Coríntios: "Suplico-vos em nome de Cristo: reconciliai-vos com Deus. Aquele que não havia conhecido pecado, Deus O fez pecado por nós, para que nos tornássemos n'Ele justiça de Deus" (2Co 5,20-21).

Assim, portanto, aceitar a chamada da Quaresma quer dizer aceitar a chamada a uma particular cooperação com Cristo: "Sendo Seus colaboradores, exortamo-vos a que não recebais em vão a graça de Deus, pois Ele diz: 'Ouvi-te no tempo favorável e ajudei-te no dia da salvação' " (Ibid. 6, 1-2).

Aceitar a chamada da Quaresma quer dizer aceitar a chamada a uma particular cooperação com a Graça. Esta chamada pronuncia-se com a palavra da Liturgia. Mas deve ressoar profundamente no coração e na consciência de cada um de nós.

5. A colaboração com Cristo, a cooperação com a graça, incita a particulares obras, das quais fala o Evangelho de hoje. No Sermão da Montanha, com efeito, Jesus faz referência à esmola, à oração e ao jejum, considerando-os já no seu ambiente como actos fundamentais do homem religioso. Mas Ele insiste no modo como serão praticados, fugindo-se a qualquer ostentação e hipocrisia. Estas obras são acompanhadas por um espírito de interior adesão, que será tanto mais forte e sincero quanto mais elas forem realizadas "em segredo" (Mt 6,6 Mt 6,18), numa relação de intimidade com o Pai celeste porque, enquanto "o homem olha para a aparência, o Senhor olha para o coração" (1S 16,7).

A Quaresma não pode passar despercebida. Não pode deixar de distinguir-se do resto dos dias e das semanas. Deve ser "tempo forte". Deve ser resposta à chamada (ao desafio). Deve ser conscientemente enfrentada deste modo e assim realizada. Deve ser um programa.Em tempos passados, esse foi o programa derivado de preceitos particularizados pela Igreja. Hoje deve ser um programa aceito até ao fundo, pessoalmente, e realizado no espírito da Igreja.

6. Assim hoje, aqui, neste lugar, eu, Bispo de Roma, decreto "a santa Quaresma" e ao mesmo tempo fazem-no comigo todos os Bispos e Pastores da Igreja.

Começa o tempo santo. / Aceitai-o com a consciência, com o coração / e o comportamento!

Assim diz o Senhor — "convertei-vos a Mim de todo o vosso coração, com jejuns, com lágrimas e com gemidos" (Jl 2,12).

746 Rasgai porém os corações e não as vestes (cf. ibid. 2, 13), para que o nosso jejum e a nossa conversão atinjam as profundezas mais íntimas da nossa pessoa, e o Pai nosso, que vê no segredo, nos recompensará (cf. Mt Mt 6,3). Amém!



SANTA MISSA NO 35º ANIVERSÁRIO

DO PONTIFÍCIO COLÉGIO LITUANO DE SÃO CASIMIRO


Quinta-feira, 5 de Março de 1980




Caríssimos

Com grande alegria aceitei o convite de celebrar esta Santa Missa para vós, por ocasião do 35º aniversário de fundação do Pontifício Colégio Lituano de São Casimiro. Saúdo o Reitor, os Superiores, os Sacerdotes, os Alunos e os ex-Alunos do venerável Instituto. A função hodierna reveste um significado particular por ser celebrada neste sugestiva Capela dedicada à Mãe de Deus de "Ausros Vartai", comemorando São Casimiro, Patrono celeste do Colégio, da inteira nação lituana e sobretudo da juventude lituana.

Trinta e cinco anos não são, na verdade, um longo período na vida de um Colégio, mas não é isto que conta. Apraz-me salientar que neste breve tempo realizastes muito. Do vosso Instituto, de facto, partiu grande número de sacerdotes para o mundo inteiro. Exorto-vos a prosseguirdes por este caminho. Preparai ministros de Deus. Formai homens santos, de fé profunda, de esperança forte e de grande amor. Homens de Deus que dêem testemunho de Cristo e da Boa Nova. Construtores da Igreja com a palavra e com a vida, na alegria e no sofrimento. A Quaresma ensina-nos que só através do sacrifício se alcança a vitória. A todos, e principalmente aos ex-Alunos do Colégio desejo fazer uma especial recomendação: que se dediquem constantemente em favor das vocações sacerdotais e religiosas. A Igreja tem necessidade de novos, jovens e zelosos operários. Os campos da messe alouram-se.

Confio estes meus desejos a São Casimiro. Todos sabem como ele, em pouco tempo, atingiu uma grande perfeição.

Hoje, como um diamante, ele adorna a imagem da Igreja, especialmente na Lituânia e na minha Pátria. Oxalá ele seja para todos nós modelo e poderoso intercessor.

Suplico à Virgem Maria, Mãe de Misericórdia, que São Casimiro tanto amou, vos proteja a todos. A Mãe de Deus interceda pelo vosso Colégio e por toda a Lituânia católica, que todos os dias lembro com afecto nas minhas orações.

Abençoo-vos a todos de coração.



VISITA À PARÓQUIA ROMANA DE SÃO JOÃO BAPTISTA DOS FLORENTINOS


Domingo, 8 de Março de 1981




1. "Ao Senhor, teu Deus, é que hás-de adorar, só a Ele prestará culto (Mt 4,10).

747 Estas palavras categóricas, dirigidas por Nosso Senhor Jesus Cristo a Satanás tentador, e colocadas pela Liturgia no limiar da Quaresma, são impressionante e perene programa de vida para o homem, chamado pela força do Amor eterno ao serviço e ao Reino de Deus e só de Deus; e todavia, desde o princípio da própria existência contingente por toda a sua vida, tão exposto e susceptível diante de todas a "tentações", para as quais o impelem continuamente o "reino" deste mundo e o "príncipe deste mundo" (cf. Jo Jn 12,31 Jn 14,30 Jn 16,11), que fazem todo o possível por dominar e manipular o homem procurando colocá-lo em oposição a Deus.

Diante de Satanás, que lhe promete precisamente "todos os reinos do mundo com a sua glória" em contrapartida da adoração, Jesus responde com a luz e com a forca da Palavra de Deus, que pusera em guarda o Povo eleito contra a fascinante e perigosa tentação da idolatria: "Guarda-te de esquecer o Senhor que te tirou da terra do Egipto, da casa da servidão. É o Senhor, teu Deus, que adorarás, é a Ele só que servirás... Farás o que é justo e agradável aos olhos do Senhor" (Dt 6,12-13 Dt 6,18).

E hoje é necessário que saibamos escutar uma vez mais e meditar profundamente estas palavras categóricas de Jesus como autêntico programa para a Quaresma do ano do Senhor de 1981; é necessário que as oiçamos e meditemos de modo particular nesta Basílica paroquial de São João Baptista dos Florentinos, que hoje tenho a felicidade de visitar como Bispo de Roma.

2. Desejo, primeiro que tudo, exprimir, Irmãos e Irmãs caríssimos, sincera alegria pelo encontro de hoje com todos vós nesta Igreja, carregada de história e de arte, na qual São Filipe Néri foi pároco de 1564 a 1575, e a qual tem longa tradição de vida pastoral.

A minha afectuosa saudação dirige-se ao Arcipreste Pároco, Rev.do Pe. Giuseppe Generali, que, depois de exercer o seu ministério nalgumas paróquias romanas, dedica desde 1961, isto é de há 20 anos, o seu zelo e as suas energias ao crescimento e maturação na fé cristã.

Uma saudação cordial ao Coadjutor, aos Sacerdotes colaboradores, aos Membros do Cabido, às Religiosas e aos Religiosos, que vivem e actuam na área da paróquia: as Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo; as do Instituto Apostólico "Verbum Dei"; as Irmãs de Betânia do Sagrado Coração; as que formam a "Fraternidade Claretiana"; os Missionários dos Sagrados Corações de Jesus e de Maria, de Maiorca, e os Silenciosos Operários da Cruz.

Nem posso esquecer os 2.500 fiéis, com as respectivas 700 famílias da paróquia: saúdo os pais e as mães, os jovens, os adolescentes e as crianças, já mergulhados, cada um a seu modo, na grande aventura da vida; saúdo os doentes e os pobres, e todos os que sofrem no corpo e no espírito; faço votos por que todos os fiéis desta Paróquia, que está tão perto da Basílica de São Pedro e da residência do Papa, vivam, com empenho cada vez maior, o seu testemunho cristão, na bondade e na caridade.

3. A Quaresma, tempo litúrgico privilegiado, é — como sabemos — tempo de conversão. A Sagrada Escritura apresenta a vida do homem nas suas relações com Deus como contínua conversão interior, na medida em que Deus no Seu infinito amor, chama o homem a viver em comunhão com Ele. Mas o homem frágil, débil, pecador; para se colocar portanto em contacto, em comunhão, com Deus, precisa de uma atitude de humildade e de penitência deve orientar-se para Deus, "procurar a face de Deus" (cf. Os Os 5,15 Ps 24,6); deve trocar o caminho que o leva ao mal; mudar o próprio comportamento ético; reformar até concepções e modos de pensar individuais, que estejam em oposição à Vontade e à Palavra de Deus.

E Jesus, o Filho de Deus encarnado, já desde o princípio do Seu ministério messiânico lança aos homeus o Seu apelo à conversão: "Completou-se o tempo e o reino de Deus está perto: Arrependei-vos e acredita: no Evangelho" (Mc 1,15 cf. Mt Mt 4,17).

E é precisamente a Quaresma que representa na vida da Igreja, por assim dizer, um particular grito para a conversão: "Utinam hodie vocem Eius audiatis, nolite obdurare corda vestra! (Escutai hoje a Sua voz; não endureçais o coração!) (Sl 94/95, 8). Este "hodie" refere-se precisamente à Quaresma, que na extraordinária riqueza evocativa dos seus textos litúrgicos é contínuo, é instante apelo para a urgência da autêntica conversão interior.

4. A conversão é fundamentalmente afastar-se do pecado e virar-se, voltar para o Deus Vivo, para o Deus da Aliança. "Vinde, voltemos para o Senhor; / Ele feriu-nos, Ele nos curará; / Ele causou a ferida, Ele a pensará" (Os 6,1): é o convite do profeta Oseias, que insiste no carácter interior da verdadeira conversão, que deve ser sempre inspirada e animada pelo amor e pelo conhecimento de Deus. O profeta Jeremias, o grande mestre da religião interior, prenuncia da parte de Deus uma extraordinária transformação espiritual dos membros do Povo eleito: "Dar-lhes-ei um coração para que me conheçam e saibam que Eu sou o Senhor. Eles serão o Meu povo, e Eu serei o seu Deus, porque de todo o coração se converterão a Mim" (Jr 24,7).

748 A conversão é dom de Deus, que o homem deve pedir com fervorosa oração e nos foi merecido por Cristo "novo Adão". É tudo o que a Liturgia de hoje nos fez meditar no trecho da Carta aos Romanos de São Paulo: pela desobediência do primeiro Adão, o pecado e a morte entraram no mundo e dominam o homem. Mas se é verdade que "pela morte de um só (isto é, de Adão) a morte reinou por causa daquele só homem, com muito mais razão aqueles que recebem com abundância a graça o o dom da justiça reinarão na vida por meio de um só, Jesus Cristo" (cf. Rom Rm 5,17).

O cristão, forte com a força que lhe vem de Cristo, afasta-se cada vez mais do pecado, dos pecados concretos, mortais ou veniais, vencendo as más inclinações, os vícios, o pecado habitual, e, procedendo assim, tornará cada vez mais débil a concupiscência do pecado, isto é a triste herança da desobediência original. Isto acontece na medida em que abunda em nós cada vez mais a Graça, dom de Deus, concedido pelos méritos "de um só homem, Jesus Cristo" (cf. Rom Rm 5,15). A conversão é, desse modo, uma passagem quase gradual, eficaz e contínua, do "velho" Adão ao "novo", que é Cristo. Esse exaltante processo espiritual deve, no período da Quaresma, tornar-se em cada cristão particularmente consciente e activo.

5. Mas a conversão é possível só com base na vitória sobre as tentações, como é posto em clara evidência pela Liturgia da Palavra deste primeiro Domingo da Quaresma.

A pluralidade e a multiplicidade das tentações encontram o seu fundamento naquela tríplice concupiscência, de que nos fala a primeira Carta de São João: "Não ameis o mundo, nem o que há no mundo. Se alguém ama o mundo, o amor do Pai não está nele. Porque tudo o que há no mundo — a concupiscência da carne, a concupiscência e a soberba da vida — não vem do Pai, mas do mundo (1Jn 2,15 s.).

Como é sabido, na concepção de São João, o "mundo", de que se deve afastar o cristão, não é a criação, a obra de Deus, que foi confiada ao domínio do homem; mas é o símbolo e o sinal de tudo o que nos separa de Deus ou que deseja excluir a Deus; quer dizer, é o oposto do "Reino de Deus". São portanto três os aspectos do mundo, de que o cristão, para ser fiel à mensagem de Jesus, deve manter-se alheado: os aspectos sensuais; o desejo excessivo dos bens terrenos, sobre os quais o homem imagina poder construir toda a sua vida; e, por fim, a orgulhosa auto-suficiência diante de Deus.

Nas três "tentações", que Satanás apresenta a Cristo no deserto, podem-se facilmente reconhecer as "três concupiscências" já mencionadas; são as três grandes tentações, a que também o cristão estará sujeito no decurso da sua vida terrena.

Mas na base desta tríplice tentação encontramos a primitiva e omnicompreensiva tentação, apresentada por Satanás mesmo aos nossos progenitores: "Sereis como Deus, ficando a conhecer o bem e o mal" (cf. Gén Gn 3,5). Satanás promete ao homem a omnipotência e a omnisciência de Deus; isto é, a total auto-suficiência e independência. Ora, o homem não é tal, senão pela sua possibilidade de "escolher" Deus, a cuja imagem foi criado. Mas o primeiro Adão escolhe-se a si mesmo em lugar de Deus; cede à tentação e reencontra-se mísero, frágil, débil, "nu", "escravo do pecado" (cf. Jo Jn 8,34). O segundo Adão, Cristo, reafirma, pelo contrário, contra Satanás a fundamental, estrutural e ontológica dependência do homem diante de Deus. O homem — diz-nos Cristo — não é humilhado, mas exaltado na sua mesma dignidade todas as vezes que se prostra para adorar o Ser Infinito, seu Criador e Pai: "Ao Senhor, teu Deus, adorarás e só a Ele prestarás culto" (Mt 4,10).

6. Este apelo quaresmal à conversão inclui um contínuo e paciente trabalho de cada um sobre si mesmo, trabalho que chega ao conhecimento dos motivos escondidos e das molas ocultas do amor próprio, da sensualidade e do egoísmo.

A este trabalho, que requer esforço e constância, somos chamados todos e cada um, sem excepção, quer a nível pessoal, quer a nível comunitário, a fim de nos podermos ajudar mutuamente no caminho da conversão, a qual é sempre fruto do "encontro" de Deus, Pai, rico em misericórdia. "O autêntico conhecimento do Deus da misericórdia, do amor benigno — escrevi na minha segunda Encíclica — é constante e inexaurível fonte de conversão, não só como momentâneo acto interior, mas também como estável disposição, como estado de alma. Aqueles que de tal modo chegam a conhecer a Deus, que de tal modo o 'vêem', não podem viver senão convertendo-se a Ele. Vivem, portanto, in statu conversionis; e é este estado que traça a mais profunda componente da peregrinação de cada homem sobre a terra in statu viatoris" (Enc. Dives in misericordia DM 13).

A paróquia toda, à imagem da Igreja, deve realizar este ideal e ajudar os seus fiéis a viverem esta mensagem de conversão permanente a Deus, que deve estar sempre presente na comunidade e deve permanecer o único e só Ser, a que nos gloriamos de servir e de prestar a homenagem da nossa filial adoração: "Ao Senhor, teu Deus, adorarás e a Ele prestarás culto" (Mt 4,10).

Amém.



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