Homilias JOÃO PAULO II 762


VISITA À PARÓQUIA ROMANA DE SÃO SABAS NO AVENTINO


Domingo, 29 de Março de 1981




Caríssimos Irmãos e Irmãs

1. Desejo, unido a vós, saudar Cristo Bom Pastor com as palavras do responsório do salmo da Liturgia de hoje, que enche os nossos corações de muitas confiança.

O Senhor é meu pastor, nada me falta (Sl 22/23, 1).

No nome de Cristo, que é o Eterno Pastor da Igreja, Pastor das almas, saúdo esta porção da Igreja romana que é a Comunidade de São Sabas no Aventino.

Encontro-me no meio de vós numa fausta circunstância: o quinquagésimo aniversário da fundação da Paróquia. De facto, em 1931, Pio XI, de venerada memória, decretou a sua erecção e confiou-a aos Padres Jesuítas. Depois do longo e assíduo trabalho realizado pelos sacerdotes Salesianos nesta área de Roma, para os quais vai também a expressão do nosso reconhecimento, entraram os Filhos de Santo Inácio, e quanto bem não derramaram eles neste meio século de fadigas apostólicas! Por isso, recordando tantas pessoas que trabalharam para vós e convosco, com grande e alegre afecto apresento a todos vós a minha saudação.

Desejaria primeiro que tudo saudar o Cardeal Vigário e o Bispo Auxiliar, o Pároco com os seus Vice-Párocos, os Irmãos Coadjutores, todos os Padres e outros Sacerdotes colaboradores. Alargo depois com particular cordialidade esta minha saudação a todos aqueles que participam mais intimamente na vida paroquial: os Religiosos e as Religiosas das várias Congregações, especialmente as Irmãs Salesianas, o Conselho Pastoral, a Acção Católica de Adultos, as Catequistas, as Lâmpadas Vivas, o Apostolado da Oração, as Comunidades Juvenis, os Meninos de coro, os "Rapazes Novos", o grupo dos Esposos e da "Terceira Idade", a "Cáritas" paroquial, as associações desportivas e culturais. Mas sobretudo com esta minha visita pastoral quero apresentar a minha saudação — de Pai, de Pastor e de Amigo — a todas as várias categorias de pessoas que formam o tecido da vossa comunidade paroquial: dirigentes, industriais, construtores, empresários, professores de Universidade, diplomatas, os que exercem profissões liberais, outros professores, empregados, operários, comerciantes, artistas, todos com as suas respectivas famílias, as suas alegrias e os seus sofrimentos: todos pretendo atingir com o meu amor, a minha oração e a minha ansiedade apostólica. A vossa Paróquia, que tem verdadeiramente a característica da variedade e da complexidade, sinta neste momento de maneira pronunciada que está continuamente no pensamento e no coração do Papa, que nesta alegre oportunidade a todos deseja a paz de Cristo.

763 2. O salmo responsorial do quarto domingo da Quaresma orienta os nossos ânimos para o mistério pascal, em que se revela Cristo verdadeiramente como Pastor que oferece a vida pelas ovelhas (cf. Jn 10,11-15). A imagem que deriva do Salmo 22 é preparação, no Antigo Testamento, da figura que descreveu Cristo com a parábola do Bom Pastor. O Salmo, evidentemente, reflecte uma mentalidade oriental e exprime-se com modalidades típicas do contexto histórico hebraico e por isso exigiria exegese cuidadosa. Todavia, a sua mensagem é fácil de compreender: Jesus, o Verbo Divino, encarnou precisamente para conduzir as almas para a Verdade: "Faz-me descansar nos prados verdejantes — conduz-me às fontes mais puras".

Jesus veio para nos revigorar no caminho da vida, para nos guiar pela estrada justa da salvação, para nos preparar a mesa da graça, para nos dar a alegria da certeza. Jesus está connosco, todos os dias da nossa existência: a fé n'Ele dá-nos segurança e coragem, ainda que por vezes tenhamos de caminhar num vale escuro. Coragem, pois, caros filhos! É a primeira exortação que nos sugere a Liturgia do dia de hoje. Apesar dos sofrimentos e contrastes da vida, apesar das situações sociais e públicas, que às vezes podem tornar-se dramáticas, não percais a confiança em Cristo Bom Pastor, Redentor das nossas almas, Salvador da humanidade!

3. Cristo é justamente o Eterno Pastor da humanidade inteira, porque n'Ele todos nós somos escolhidos pelo Pai como Seus filhos adoptivos. E por meio da Sua obra redentora fomos unidos ao Espírito Santo, de maneira que participamos assim também na missão de Cristo "Sacerdote, Profeta e Rei" (cf. Lumen Gentium, LG 31). Para estes pensamentos nos encaminha a primeira leitura do Livro de Samuel, que narra a escolha e a unção do futuro Rei David por parte do Profeta.

Da narração do episódio histórico resulta que no Antigo Testamento só alguns eram escolhidos pelo Altíssimo para a realização dos Seus desígnios. Neste caso, um só dos sete filhos de Jessé foi escolhido e consagrado Rei de Israel. A revelação de Cristo e o ensinamento perene da Igreja afirmam que, pelo contrário, no Novo Testamento, a escolha é universal: toda a humanidade, e por isso cada homem é chamado e escolhido em Cristo para participar da mesma vida divina mediante a graça. Senti-vos, por isso, afortunados e estai reconhecidos por terdes não só conhecido estas divinas realidades, mas por terdes recebido a "unção" e a "consagração" mediante o Baptismo e o Crisma! Recordai-vos sempre da vossa dignidade, da vossa grandeza, da vossa riqueza e comportai-vos de modo que também muitos outros possam conhecê-la e vivê-la!

4. Todavia, o pensamento, que a Liturgia de hoje mais insistentemente acentua, é ser Cristo o Pastor das nossas almas na medida em que nos abre os olhos para vermos a luz de Deus.

A narração da cura do cego de nascença, como nos é apresentada pelo Evangelista João, é certamente uma das mais esplêndidas páginas do Evangelho. Seria necessário determo-nos longamente para analisar as qualidades literárias, para apreciar a composição da cena, para aprofundar a psicologia das várias personagens, para seguir a dinâmica da acção, para lhe descobrir o valor apologético e meditar a mensagem doutrinal. Podereis fazê-lo nos vossos encontros de grupo, com comodidade e proveito; para este nosso encontro basta uma só observação fundamental: Jesus realizou o estrepitoso milagre da cura do cego de nascença para demonstrar a Sua divindade e a consequente necessidade de serem recebidas a Sua Pessoa e a Sua mensagem.

O cego, já curado, não sabe ainda quem é Jesus, mas intui-o e, contra a incredulidade dos Judeus e o temor dos seus próprios pais, afirma: "Nunca se ouviu dizer que alguém tenha aberto os olhos a um cego de nascença. Se ele não viesse de Deus, nada poderia fazer". Quando, mais tarde, Jesus lhe diz claramente que é o "Filho do Homem" — quer dizer, o Messias, o Filho de Deus — o cego curado não tem qualquer dúvida e logo faz a sua profissão de fé: "Eu creio, Senhor".

Eis portanto o significado imediato do milagre operado por Jesus: Ele é verdadeiramente Deus, que, do mesmo modo que pode imediatamente dar vista a um cego, pode mais ainda dar a vista à alma, pode abrir os olhos interiores para conhecerem as Verdades supremas que dizem respeito à natureza de Deus e ao destino do homem. Por isso, a cura física do cego, que é depois causa da sua fé, torna-se símbolo da conversão espiritual. Deste modo, Jesus reconfirma a verdade das palavras já por Ele pronunciadas: "Eu sou a luz do mundo. Quem Me segue não andará nas trevas, mas terá a luz da vida" (Jn 8,12). Cristo é Bom Pastor, porque é a luz das nossas almas. Nada fica para fazer senão acreditar n'Ele, segui-1'O, amá-1'O e escutá-1'O.

5. Da meditação das Leituras da Liturgia de hoje devemos agora tirar algumas conclusões práticas, que possam servir, no resto do caminho da vossa vida pessoal e paroquial.

Primeiro que tudo, tende sempre profundo sentimento de responsabilidade acerca da vossa fé cristã. A narração evangélica faz-nos compreender quão preciosa é a vista dos olhos, mas quanto mais preciosa é ainda a luz da fé. Sabemos, porém, que esta fé cristã exige firmeza e fortaleza, porque é sempre objecto de insídias. Diante da luz que é Cristo, há por vezes uma atitude de hostilidade declarada, ou de recusa e indiferença, ou também de crítica injusta e parcial.

Senti-vos responsáveis pela vossa fé na sociedade moderna em que tendes de viver, cada um no seu posto de vida e de trabalho, cada um no âmbito das suas relações de família e de profissão. E, por isso, aprofundai-a cada vez mais, com uma catequese recta, completa e metódica. A este propósito expresso a minha viva complacência pela incansável e diligente obra de catequese que se realiza na vossa paróquia, para todas as idades e categorias de pessoas. Correspondei ao zelo dos vossos Pastores! Conhecer melhor a própria fé, significa estimá-la mais, vivê-la mais intensamente, irradiá-la com mais eficaz testemunho!

764 6. Uma segunda consequência prática pode-se extrair da carta de São Paulo aos cristãos da cidade de Éfeso.

"Em tempos, vós éreis trevas — escrevia o Apóstolo — mas agora sois luz pela união ao Senhor. Comportai-vos como filhos da luz" (
Ep 5,8). A exortação de São Paulo permanece sempre actual: "Procurai descobrir o que é agradável ao Senhor" (Ep 5,10). "Não tomeis parte nas obras das trevas, que são inúteis" (Ep 5,11).

Sede luz também vós na vossa paróquia, na vossa Cidade, na vossa Pátria! Sede luz, com a frequência assídua e convicta à Santa Missa dominical e festiva; sede luz eliminando escrupulosamente as obscenidades, as blasfémias, a leitura de jornais impuros e revistas, a vista de espectáculos prejudiciais; sede luz com o exemplo contínuo da vossa bondade e da vossa fidelidade em toda a parte, mas especialmente no ambiente privilegiado da família, recordando-vos que "a luz dá origem a tudo o que é bondade, justiça e verdade".

7. Caríssimos

O quarto domingo da Quaresma eleva os nossos pensamentos e os nossos corações para Cristo que, oferecendo a Sua vida pelos homens na paixão e na cruz, se revela o único Bom Pastor que abraça todos e cada um, toma cuidado do verdadeiro bem de cada homem e da humanidade inteira aqui na terra, e afinal toma cuidado da nossa eterna salvação.

Estejamos prontos a seguir Cristo pelos caminhos que Ele nos indica, usando também o ensinamento da Igreja por Ele instituída!

Estejamos prontos a ir buscar força às fontes da graça, que Ele nos abre na Igreja mediante os Sacramentos da fé: Penitência e Eucaristia!

E, por fim, estejamos prontos a procurar n'Ele apoio em todas as dificuldades da nossa vida e da nossa consciência!

Não nos separemos nunca d'Ele! Ele é a luz do mundo!



SANTA MISSA PARA AS ESTUDANTES

DO INSTITUTO TÉCNICO DE SÃO VICENTE DE PAULO

LOOS, FRANÇA


Capela Paulina

Terça-feira, 31 de Março de 1981




Caríssimas jovens

765 Esta semana vivida em Roma é sem dúvida a realização de um sonho do vosso coração. Tínheis pressa de colocar as vossas passadas nas pegadas dos Apóstolos Pedro e Paulo, dos primeiros cristãos, de tantos santos e santas e de peregrinos vindos, como vós, às fontes da Fé. Felicito-vos por terdes não só sonhado, mas perfeitamente preparado, esta peregrinação que marcará a vossa vida, e também por terdes conseguido obter que o Papa presidisse esta Eucaristia.

Nesta terça-feira da quarta semana da Quaresma, a liturgia da Palavra tem tonalidade completamente baptismal. A visão de Ezequiel, e também o milagre da piscina de Betsatá — tão evocadores para os catecúmenos da Igreja antiga — são igualmente capazes de ressoar bem alto em cada urna dentre vós. Tanto mais que — durante meses e como eco à pergunta que dirigi o ano passado aos católicos do vosso país: "França, Filha mais velha da Igreja, és fiel ao teu baptismo?" —, aprofundastes o formidável mistério do vosso nascimento para a vida de Deus no baptistério da vossa paróquia.

Caras jovens, apreciai sempre as fontes transparentes e tonificantes! As das florestas e das montanhas, e mais ainda as da graça! Em espírito e verdade, atravessai muitas vezes o rio de água de que fala Ezequiel e mergulhai misteriosamente na piscina do vosso baptismo. Esta água simboliza real e eficazmente Cristo, Vida e Luz dos homens. De todos os homens que — por causa dos seus limites e dos seus pecados — precisam de Cristo para resolver os seus problemas de clara visão da verdade, de judiciosa orientação da sua vida, de compromisso ao serviço dos seus irmãos que vivem em miséria moral ou material. Dentro em breve, ides renovar as promessas do vosso baptismo. Que gesto tão significativo e comovente! Pedirei com fervor que ele produza todos os seus frutos em vós e à volta de vós!



CELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA PARA A ADMINISTRAÇÃO

DO SACRAMENTO DA CRISMA

A UM GRUPO DE JOVENS DEFICIENTES


Capela Matilde

Sábado, 11 de Abril de 1981




Sinto-me hoje particularmente contente, queridos rapazes de Cologno Monzese, por vos administrar o Sacramento da Crisma. Sinto-me contente porque, com este Sacramento, ides receber, como bem sabeis, um dom maravilhoso: o Espírito Santo, a terceira Pessoa da Santíssima Trindade. Ele descerá sobre vós e habitará convosco como no templo mais belo e mais precioso.

Com o baptismo já vos tomastes cristãos, filhos de Deus, irmãos de Jesus e membros daquela comunidade de discípulos de Jesus que é a Igreja. Mas este dom deve ser agora enriquecido e completado. E esta nova graça é precisamente o Sacramento da Crisma. Hoje o Espírito Santo leva à perfeição aquilo que iniciou em vós no dia em que fostes baptizados. Com o Sacramento da Crisma estareis portanto ainda mais perfeitamente unidos a Jesus e tornar-vos-eis membros adultos e responsáveis na Igreja. Se até agora éreis como crianças que só recebiam, agora sereis adolescentes e adultos que devem também aprender a dar, a crescer e a realizar algo de belo e de grande para o Senhor e para os irmãos.

Mas vós direis: nós, que somos débeis, que podemos fazer?

Ouvi o que nos disse São Paulo: "O Espírito Santo vem em ajuda da nossa fraqueza... intercede por nós com gemidos inefáveis" (cf. Rom Rm 8,26-28). O Espírito Santo comunica-vos força e energia. Entre os sete dons que vos traz há um que se chama fortaleza. Recordais-vos do que aconteceu no dia do Pentecostes? O Espírito Santo invadiu com a sua força, como um vento impetuoso, o Cenáculo, onde estavam reunidos os apóstolos. E aqueles homens receberam uma fortaleza extraordinária e sem temor algum começaram a ensinar e a testemunhar que Jesus era o Salvador do mundo. E São Paulo, que tinha também ele experimentado a força do Espírito Santo, dizia: "Prefiro gloriar-me das minhas fraquezas, para que habite em mim a força de Cristo" (2Co 12,9) Nós pediremos, pois, que o Espírito Santo vos conceda a força da fé para crer sempre no Senhor que nos salva; a força da esperança para confiar sempre plenamente na sua ajuda e na sua bondade para connosco; a força do amor para amar cada vez mais e com todo o coração o Senhor e, n'Ele e por Ele, os irmãos; a força da paciência para saber aceitar a nossa condição corajosamente e oferecendo os nossos sofrimentos pelo bem das almas; a força do bom exemplo, para saber testemunhar aos outros a bondade e a esperança. Além deste dom da fortaleza, o Espírito Santo trar-vos-á o dom da sabedoria, que é como luz interior da alma que vos fará ver e saborear a beleza do Senhor, a sua verdade e o seu amor. Ouvistes o que disse Jesus no Evangelho de hoje: "Bendigo-Te, ó Pai, porque revelaste estas coisas aos pequeninos" (cf. Mt Mt 11 Mt Mt 25).

Sois pequeninos, mas o Espírito Santo poderá ensinar-vos muitas coisas importantes. Far-vos-á compreender quem é Deus, far-vos-á compreender e amar o Evangelho, afastará de vós as sombras da mentira e as trevas do erro e do pecado, dar-vos-á olhos puros para verdes tudo o que há de belo e de bom no mundo espiritual; olhos luminosos para verdes em toda a parte a presença e a providência de Deus Pai ao nosso lado, olhos iluminados pela alegria, para ensinardes também aos outros o caminho da verdade e do amor fraterno.

Quando o Espírito Santo desceu sobre os Apóstolos no dia do Pentecostes, no cenáculo encontrava-se também Maria, mãe de Jesus e nossa Mãe espiritual. Maria está presente também hoje espiritualmente ao lado de cada um de vós como mãe. Ajude-nos Maria a abrir o nosso coração e a nossa mente para recebermos e conservarmos sempre este maravilhoso dom do Espírito Santo.



CELEBRAÇÃO DO DOMINGO DE RAMOS

E DA PAIXÃO DO SENHOR


766
Praça de São Pedro

Domingo, 12 de Abril de 1981




1. Porque desejou Jesus entrar em Jerusalém num jumentinho?

Porque está o Domingo de Ramos no princípio da Semana Santa, que é a Semana da Paixão do Senhor?

A resposta que dá a esta pergunta o Evangelho de São Mateus é simples: "Para se cumprir o que fora anunciado pelo profeta" (
Mt 21,4). Na realidade, o profeta Zacarias exprime-se com estas palavras: "Exulta de alegria, ó filha de Sião, enche-te de júbilo, ó filha de Jerusalém. Eis que o teu Rei vem a ti, justo e Salvador, humilde, montado num jumento, no potrinho de uma jumenta" (Za 9,9).

Vem exactamente assim: manso e humilde, não tanto como soberano ou reinante, quanto antes como o Ungido, que o Eterno escreveu nos corações e nas expectativas do povo de Israel.

E não ao soberano, não ao rei, se referem, primeiro que tudo, estas palavras, que a multidão pronuncia a respeito d'Ele:

"Hosana ao Filho de David! / Bendito seja Aquele que vem em nome do Senhor! / Hosana nas alturas!" (Mt 21,9).

Uma vez, quando depois da miraculosa multiplicação dos pães, as testemunhas do acontecimento quiseram arrebatá-1'O para O fazerem rei (cf. Jo Jn 6,15), Jesus escondeu-se delas.

Mas agora permite-lhes gritar: "Hosana ao Filho de David" e David foi de facto rei. Não há todavia, neste grito, associações de ideias com um poder temporal, com um reino terreno. Antes, vê-se que essa multidão está já madura para o acolhimento do Ungido, isto é, do Messias, d'Aquele "que vem em nome do Senhor".

2. A entrada em Jerusalém é testemunho da herança profética no coração daquele povo que está a aclamar Cristo. É, ao mesmo tempo, verificação e confirmação de o Evangelho, por Ele anunciado por todo este tempo a partir do baptismo no Jordão, dar os seus frutos. De facto, o Messias devia revelar-se precisamente como tal rei: manso, montado num jumento, no potrinho de uma jumenta; rei que dirá de si mesmo: "Para isto nasci, e para isto vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a Minha voz" (Jn 18,37).

767 Este rei, que entra em Jerusalém num jumentinho, é precisamente o dito rei. E os homens, que o seguem, parecem estar perto de tal reino: do Reino que não é deste mundo. Na verdade gritam: "Hosana nas alturas". Parece que são precisamente aqueles que ouviram a Sua voz e "são da verdade".

Hoje, no Domingo de Ramos, viemos também nós reviver, de maneira litúrgica, aquele acontecimento profético.Repetimos as mesmas palavras que então — à entrada em Jerusalém — pronunciou a multidão. Seguramos nas mãos as palmas. Estaríamos dispostos a estender os nossos mantos no caminho, pelo qual vem à nossa comunidade Jesus de Nazaré — assim como nessa altura entrou em Jerusalém.

Jesus de Nazaré aceita esta nossa Liturgia, assim como aceitou espontaneamente o comportamento da multidão de Jerusalém, pois deseja que se manifeste deste modo a verdade messiânica sobre o reino, que não indica dominação sobre os povos, mas revela a realeza do homem: aquela dignidade verdadeira, que desde o princípio lhe conferiu Deus criador e Pai, e lhe restitui Cristo Filho de Deus no poder do Espírito de Verdade.

3. Todavia, o dia de hoje é só introdução. Constitui apenas o prelúdio dos acontecimentos, que a Igreja deseja viver, de modo particular e excepcional, no decurso desta Semana Santa.

E este prelúdio é exteriormente dissemelhante daquilo que trarão consigo os dias sucessivos da semana, especialmente os últimos.

A Liturgia fala-nos também disto, melhor fala sobretudo disto. É a Liturgia da paixão: é o Domingo da Paixão do Senhor.

Por isso, o Salmo responsorial, em lugar das palavras de bênção, cheias de entusiasmo, e dos gritos de "Hosana", faz-nos ouvir já hoje as palavras de escárnio, que principiarão na noite de Quinta-feira Santa e atingirão o auge no Calvário:

"Todos os que me vêem, escarnecem de mim, distendem os lábios e meneiam a cabeça: 'Confiou no Senhor, Ele que o livre! Ele que o salve, se é que lhe quer bem!' " (Sl 21/22, 8-9).

Nas últimas palavras o escárnio vai mais em profundidade. Assume a forma mais dolorosa, e ao mesmo tempo mais provocante.

E, em seguida, aquele penetrante Salmo 21 descreve (da perspectiva dos séculos) os acontecimentos da paixão do Senhor, assim como se olhasse para eles de perto:

"Trespassaram as minhas mãos e os meus pés, / e pude contar todos os meus ossos. / Repartiram entre si as minhas vestes / e deitaram sortes sobre a minha túnica" (vv. 17-19).

768 E o grande "evangelista do Antigo Testamento", o profeta Isaías, completa o resto:

"O Senhor Deus veio em meu auxilio, / por isso não fiquei envergonhado. / Tornei o meu rosto duro como pedra / e sei que não ficarei desiludido" (
Is 50,7).

4. Assim, desde aquela prova de obediência até à morte, Cristo sai vitorioso no espírito, mediante a Sua absoluta entrega ao Pai, mediante a Sua radical confiança na vontade do Pai, que é a vontade de vida e de salvação.

E, por isso, a descrição completa dos acontecimentos desta Semana, na qual nos introduz o hodierno Domingo, resume-se nas palavras de São Paulo: Cristo Jesus "aniquilou-se a Si próprio, humilhou-se ainda mais, obedecendo até à morte e morte de cruz. Por isso Deus O exaltou e Lhe deu o Nome que está acima de todos os nomes"; e acrescenta: "Para que todos, ao nome de Jesus, se ajoelhem nos Céus, na Terra e nos infernos. E toda a língua proclame que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus Pai" (Flp 2, 8-11).

Por isso também nós hoje levamos na procissão as palmas e cantamos: "Hosana ao Filho de David! Bendito seja Aquele que vem em nome do Senhor..." (Mt 21,9).

Cristo permitiu que, no limiar dos acontecimentos da Sua paixão — precisamente hoje, Domingo de Ramos — se desenhasse, diante do Povo da eleição divina, aquele Reino da definitiva expectativa dos corações humanos e das consciências.

Fê-lo no momento preciso em que tudo estava já pronto para que Ele mesmo, mediante a própria humilhação e a obediência até à morte e à morte de cruz, abrisse o Reino de Deus graças à Sua exaltação por obra do Pai: aquele Reino, a que são chamados todos os que confessam o Seu Nome.



ORDENAÇÃO EPISCOPAL DE DOM STANISLAW SZYMECKI

NOVO ARCEBISPO DE KIELCE, POLÓNIA


Capela Sistina

Domingo, 12 de Abril de 1981




A Igreja sabe muito bem: Aquele que entra em Jeruralém, no meio dos gritos de hosana da população, vem para cumprir a vontade do Pai. Este domingo é o primeiro dia da semana comemorativa da Paixão e por isso também esta liturgia está cheia do conteúdo da Paixão.

Acolhe no profundo do teu coração a liturgia do domingo da tua consagração episcopal. Hoje imporei sobre ti as minhas mãos, juntamente com o Cardeal Rubin e os meus Irmãos no Episcopado, para introduzir-te no colégio episcopal da Igreja. Faço-o com alegria, faço-o com espírito de gratidão para com essa Igreja da qual provéns e para a qual estás destinado. De facto, cada sacerdote, vindo do povo, ao povo regressa segundo as palavras de São Paulo. Vens do laborioso povo da nossa Silésia e és sacerdote da Igreja de Katowice. No teu "curriculum" pessoal e sacerdotal, está escrito um longo capítulo acerca da tua permanência na França e das experiências com ela relacionadas. Ultimamente, realizavas na França um trabalho pastoral com os emigrados da Polónia. Todavia, antes, por muitos anos tinhas sido Reitor do Seminário da diocese de Katowice em Cracóvia. Desses anos temos recordações comuns. Agora estás destinado para a Igreja de Kielce a fim de seres Bispo e Pastor, depois da morte do, Bispo Jan Jaroszwicz, de venerável memória.

769 E, nesto ponto, de novo desejaria pôr em relevo o grande motivo de reconhecimento que se junta a este meu ministério na Ordenação episcopal do novo Bispo de Kielce, sucessor do falecido Bispo Jan. Tantos anos estivemos perto um do outro! Tantos anos nos uniu a comunidade da mesma metrópole cracoviense! Quantos encontros, quantas conversas, quantas preocupações e iniciativas pastorais! E se vamos ainda mais atrás no passado, aí estão séculos inteiros em que a hodierna diocese de Kielce pertenceu à antiga diocese de Cracóvia, indo para a Igreja que te confia o Espírito Santo, levarás para lá o Evangelho, esse Evangelho, que dentro em breve colocaremos aos teus ombros, para que lhe sintas o peso, assim como lhe conheces a doçura, a fim de este Evangelho se tornar para ti um peso agradável cada dia, uma fonte de sabedoria e inspiração de serviço. Anuncia-o ao povo, que te está esperando. Anuncia-o às famílias religiosas. Anuncia-o aos teus irmãos no sacerdócio. Conta-o a todos, porque é a Palavra de salvação eterna. Vais para essa Igreja, da qual o Espírito Santo te estabelece Bispo e Pastor, para exerceres nela o ministério , sacerdotal segundo o rito de Melquisedec, realizares o sacrifício de Cristo e te empenhares por que se complete em cada paróquia, em cada igreja, em cada reunião do povo de Deus, onde quer que o sacrifício de Cristo reúne o povo e abre os corações. E cria espaço para a acção do Espírito Santo nas almas do povo. Sê sacerdote da tua Igreja, celebra o santíssimo sacrifício, anima os teus irmãos no sacerdócio a completá-lo. Juntamente com eles e com todo o povo de Deus da Igreja de Kielce, pede novas vocações sacerdotais, para que, a todo este povo na terra da Polónia e a toda a Igreja, não falte nunca o serviço sacerdotal quotidiano dos servos do altar. Leva contigo o Evangelho da Paixão de Cristo que se torna a tua força, a tua sabedoria, como era força e sabedoria de São Paulo. Contando com isto, reforça a todos, apoia a todos e mantém a tua Igreja assim como a deixaram os teus predecessores, como o falecido Bispo Jan, à altura da Cruz de Cristo, que é sinal de salvação e de vitória. Vai construir na comunidade Igreja de Kielce o Reino de Cristo, Reino de Deus na Terra, Reino do Messias.

Em nome deste Reino, desejou Cristo fazer a Sua entrada os Jerusalém, E, na sua entrada, entre o povo que o circundava e entre as palavras de exultação, apresentava todos os traços da vinda do Messias. Este Reino não é deste mundo, neste mundo porém inculcou Ele — com a Sua Paixão e a Cruz, com a Sua morte e ressurreição — que tal Reino deve vir a nascer e chegar à maturidade nos povos e na gente de diversas gerações e diversas nações. Este Reino na terra da Polónia, na Igreja de Kielce, tem já a sua história ultramilenária. Entra na grande tradição desta Igreja e leva avante a obra dos teus predecessores; como Bispo e Pastor junto do povo e destinado para o povo. Cristo, que hoje entrou em Jerusalém, para lá cumprir a vontade do Pai, te ajude a cumprir a vontade do Pai. Cristo, que hoje entrou em Jerusalém, para lá realizar o mistério pascal da Sua morte e ressurreição, te permita irradiar com este mistério, durante toda a tua vida de Bispo, a vida da Igreja, da qual deves ser, a partir de hoje, servo à semelhança d'Aquele que veio para servir e à semelhança da Sua Mãe, que no momento de suprema exaltação se chamou "escrava do Senhor". Nos teus caminhos esteja Maria, Mãe de Cristo, para que o Reino de Cristo cresça e se reforce no povo de Deus da Igreja, à qual és chamado.



SANTA MISSA CRISMAL COM O PRESBITÉRIO DIOCESANO


Basílica Vaticana

Quinta-feira Santa, 16 de Abril de 1981




1. "Cumpriu-se hoje esta passagem da Escritura, que ouviste agora mesmo" (Lc 4,21).

Veneráveis e Caros Irmãos

Não foi demasiado longo o tempo que, na vida de Jesus Cristo, separou o dia, em que Ele pronunciou pela primeira vez estas palavras na Sinagoga de Nazaré, do dia em que principiou a cumprir-se n'Ele a missão suprema do Ungido.

Cristo, o Ungido: Aquele que vem na plenitude do Espírito do Senhor, assim como disse d'Ele o profeta Isaías: "O Espírito do Senhor repousa sobre mim, porque o Senhor me ungiu. Enviou-me...'' (Is 61,1).

Eis aqui: o Ungido, ou o Enviado, está no termo da sua missão terrena.

Soam já as horas dos dias espantosos e ao mesmo tempo santos, durante os quais a Igreja cada ano acompanha, mediante a fé e a liturgia, a Sua última Passagem, Pascha Domini.E a Igreja fá-lo encontrando n'Ele, sempre de novo, o princípio da vida do Espírito e da Verdade da Vida que só deverá revelar-se Mediante a morte. Tudo o que precedera esta morte do Ungido foi só preparação para esta única Páscoa.

2. Nós também nos reunimos hoje, nas horas matutinas de Quinta-feira Santa, a fim de preparar a Páscoa.

770 Os Cardeais e os Bispos, os Presbíteros e os Diáconos, juntamente com o Bispo de Roma, celebram a Liturgia da bênção do Crisma, do Óleo dos Catecúmenos e do Óleo dos Enfermos. A Liturgia matutina de Quinta-feira Santa constitui a preparação anual para a Páscoa de Cristo, que vive na Igreja, comunicando a todos aquela plenitude do Espírito Santo, que está n'Ele mesmo, comunicando a todos a plenitude da Sua Unção.

Os cristãos são uncti ex Uncto!

Reunimo-nos aqui a fim de preparar, em conformidade com o carácter do nosso ministério, a Páscoa de Cristo: para preparar a Páscoa da Igreja em cada um daqueles que participam na sua missão, desde a criança recém-nascida até ao ancião gravemente doente que se aproxima do fim da vida. Cada um participa da missão confiada a toda a Igreja pelo Pai, pelo Filho e pelo Espírito Santo, missão originada pela obra do mistério pascal de Jesus Cristo.

A unção e a missão são próprias de todo o Povo de Deus. E nós viemos preparar a Páscoa da Igreja, de que, sempre de novo, tomam início a unção e a missão de todo o Povo de Deus.

"Àquele que nos ama e com o Seu sangue nos lavou / dos nossos pecados, e nos fez reis e sacerdotes / para Deus, Seu Pai, glória e poder para todo o sempre" (
Ap 1,5-6),

3. Estamos aqui juntos, na comunidade da concelebração. Estamos aqui nós, os humildes adoradores indignos administradores do mistério pascal de Jesus Cristo.

Nós, servidores da incessante Páscoa da Igreja, eleitos pela graça de Deus.

Estamos aqui presentes para renovar o laço vivificante do nosso sacerdócio com o único Sacerdote, com o Sacerdote eterno, com Aquele que "nos fez reis e sacerdotes para Deus, Seu Pai" (Ap 1,6).

Estamos presentes para nos prepararmos para descer juntos com, Ele ao "abismo da paixão"; que se abre juntamente com o Triduum Sacrum — para levarmos de novo, para fora deste abismo, o sentido da nossa indignidade e da infinita gratidão pelo dom, que é participado por cada um de nós.

Estamos aqui para renovar os votos da nossa fidelidade presbiteral. "Ora, o que se requer dos administradores é que sejam fiéis" (1Co 4,2).

Somos uncti ex Uncto!

771 Fomos ungidos, assim como todos os nossos Irmãos e Irmãs, na graça do Baptismo e da Crisma.

Mas, além disto, foram ainda ungidas as nossas mãos, com as quais temos de renovar o Seu próprio Sacrifício sobre tantos altares desta Basílica, da Cidade Eterna e do mundo inteiro.

E estão ungidas também as nossas cabeças, porque o Espírito Santo escolheu alguns dentre nós e chamou-os para presidir à Igreja, à solicitude apostólica por todas as Igrejas (sollicitudo omnium ecclesiarum).

Uncti ex Uncto!

Quão inestimável é para nós este dia! Quão particular é a festa de hoje: o dia em que nascemos todos e nasceu cada um de nós como sacerdote ministerial por obra do Ungido Divino.

"E vós sereis chamados sacerdotes do Senhor, e nomeados ministros do nosso Deus" (
Is 61,6).

Assim diz o Senhor: "Dar-lhes-ei fielmente a sua recompensa, e farei com eles uma herança eterna. A sua descendência será glorificada, entre as nações, e a sua posteridade entre os povos; todos os que virem reconhecerão que são a linhagem abençoada pelo Senhor" (Is 61,8-9).

Assim se exprime o profeta Isaías na primeira Leitura.

Caríssimos Irmãos. Cumpram-se estas palavras em cada um de nós e em todos.

Peçamos também por aqueles que interromperam a fidelidade à aliança, com o Senhor e à unção das mãos sacerdotais.

Peçamos pensando naqueles que depois de nós, devem assumir a Unção e a Missão. Que cheguem de diversas partes e entrem na Vinha do Senhor, sem tardar e sem olhar para trás.

Uncti ex Uncto!

Amém.



Homilias JOÃO PAULO II 762