Homilias JOÃO PAULO II 784


VISITA PASTORAL DO SANTO PADRE A BÉRGAMO (ITÁLIA)

26 DE ABRIL DE 1981

SANTA MISSA EM BÉRGAMO



Domingo, 26 de Abril de 1981




1. "Jesus veio colocar-se no meio deles e disse-lhes: A paz esteja convosco!" (Jn 20,19).

A experiência que viveram os Apóstolos "na tarde desse mesmo dia, o primeiro da semana" (ibid.), experiência que se repetiu oito dias mais tarde no mesmo cenáculo, também nós a revivemos, de modo misterioso mas real, esta tarde: na nossa assembleia litúrgica, reunida à volta do altar para a celebração da Eucaristia, Cristo renova a Sua presença de ressuscitado e repete os Seus votos: A paz esteja convosco!

Com estes mesmos votos me dirijo também eu a vós, caríssimos Irmãos e Irmãs da antiga e gloriosa Igreja de Bérgamo. Dirijo-me primeiramente a Si, venerado Irmão Dom Giulio Oggioni, que, sucedendo ao caro Dom Clemente Gaddi, lhe continua o trabalho como zeloso pastor, guiando esta escolhida porção do rebanho de Cristo. A minha saudação e os meus votos de alegria e paz pascal vão, em seguida, para todos os Bispos aqui presentes e para todos os fiéis da Lombardia inteira, com um especial pensamento para a Arquidiocese de Milão, a que me ligam, além do mais, o afecto e a devoção a São Carlos, e a que me levará, se Deus quiser, o próximo Congresso Eucarístico Nacional, que lá se está preparando para 1983; e com especial recordação para Bréscia, diocese de origem do Papa Paulo VI, que prosseguiu a obra empreendida por João XXIII; tenciono honrar também com uma visita a terra natal de Paulo VI no próximo ano.

Dirijo uma deferente saudação para todas as Autoridades civis, e renovo, além disso, a minha saudação augurai aos Sacerdotes e aos Religiosos, com quem tive já ocasião de me encontrar; torno-a extensiva aos componentes das diversas Associações de leigos que trabalham na diocese de Bérgamo e, entre esses sobretudo aos jovens: como o seu Bispo, também o Papa confia em cada leigo cristão, desejando que a inteira Comunidade adquira cada vez mais viva consciência das responsabilidades ligadas com o baptismo e saiba oferecer testemunho coerente e corajoso em todo o momento da própria vida.

2. A paz esteja convosco!

Saudando-vos assim, venho ter convosco, caros Irmãos e Irmãs, no domingo, que tradicionalmente chamamos "in albis" e põe fim à oitava da Páscoa. Venho para entrar, em certo sentido, no cenáculo. O cenáculo é a casa em que nasceu a Igreja. Vim portanto visitar, primeiro que tudo, uma casa. É a casa familiar, de que saiu um grande Papa e servo de Deus, João XXIII. Neste ano cai o centenário do seu nascimento em Sotto il Monte. Por este motivo, aceitei com alegria o convite da Igreja de Bérgamo para visitar este ano o lugar de nascimento de Angelo José Roncalli, e a terra a que ele esteve ligado por motivo da sua proveniência: a vossa terra de Bérgamo.

Já esta manhã, em Sotto il Monte, manifestei gratidão a Deus por motivo deste homem, que no baptismo recebeu o nome de Angelo José e, depois da eleição para a Sé Romana de São Pedro, tomou o de João. Assim pois, o conhecem a Igreja e o mundo, como o homem "cujo nome era João". Com este nome foi conhecido e amado. Com este nome é recordado e invocado: o Papa João.

Homem de maravilhosa simplicidade e humildade evangélica que, no decurso de pouco menos de cinco anos do seu ministério pastoral na Cátedra de Pedro, deu início quase a uma nova época da Igreja. Ancião quase octogenário, ele manifestou a juventude sem ocaso da Esposa de Cristo. Homem enamorado da tradição, deu início a uma nova vida na Igreja e na cristandade. Fez tudo isto em plena consonância com tudo o que ele mesmo foi, e, ao mesmo tempo, como se nada viesse dele. Como se fosse guiado por uma luz mais alta e levado por uma confiança incondicionada e filial n'Aquele que o "cingiu e guiou" (cf. Jo Jn 21,18). Acaso para onde ele mesmo não queria? Não. Certamente não. Tudo isto decorreu na mais profunda harmonia entre a vontade d'Aquele que o guiou e daquele que se deixou guiar, e que, por sua vez, guiou a Igreja.

785 E a Igreja sabia e sentia que esta era a figura de Pedro; que aquele que, como sucessor de Pedro, trazia o nome de João, era verdadeiramente o Pedro dos nossos tempos, que o Senhor mesmo conduz. Aquele que o Espírito Santo guia. E a Igreja teve confiança no Papa João naquele que, por sua vez, tão ilimitadamente teve confiança.

Quando, depois de um breve pontificado, estava para deixar este mundo, todos os choravam e saudavam com lágrimas; mas sabiam que nisto estava a Mão do Senhor; que, se ele se ausentava, era porque tinha desempenhado a sua missão e a sua "parte" na obra de Cristo durante o século XX. Ausentava-se portanto o Papa João humildemente como humildemente subira à Cátedra de Pedro. Ausentava-se, embora o Concílio estivesse apenas iniciado, embora os trabalhos para a reforma do direito canónico (também por ele ideada) se estejam ainda agora realizando. Todavia — visitando, no centenário do seu nascimento, a casa de que saiu e a terra que lhe deu origem — devemos reconhecer que o Papa que saiu daqui, deste ninho, se parecia de modo particular àquele dono de casa de que fala o Evangelho que, do tesouro do Reino de Deus, extrai "coisas novas e coisas antigas" (
Mt 13,52). E viemos precisamente para agradecer ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, no centenário do seu nascimento. Quão necessários, quão indispensáveis são na história da Igreja tais "donos de casa", que — guiados pelo Espírito de Verdade — sabem manifestar de novo todos os tesouros do Reino de Deus: "coisas antigas e coisas novas".

3. Assim pois, do limiar da casa rural em Sotto il Monte, das colinas desta vossa terra de Bérgamo, da pia baptismal e dos altares da Igreja que nela cumpre a sua missão — vê-se o cenáculo jerosolimitano como o lugar do encontro de Cristo Ressuscitado com a Igreja dos tempos que vieram e dos que estão para vir.

O cenáculo de Jerusalém é o primeiro lugar da Igreja na terra. E é, em certo sentido, o protótipo da Igreja em todo o lugar e em toda a época. Também na nossa. Cristo, que foi ter com os Apóstolos na primeira tarde depois da Ressurreição, vem sempre de novo a nós para repetir continuamente as palavras: "A paz esteja convosco! Assim como o Pai Me enviou, também Eu, vos envio a vós... Recebei o Espírito Santo; aqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos..?' (Jn 20,21-23).

A verdade contida exactamente nestas palavras não se tornou acaso a ideia-guia do Concílio Vaticano II? do Concílio que dedicou os seus trabalhos ao mistério da Igreja e à missão do Povo de Deus, recebida de Cristo mediante os Apóstolos? Missão dos Bispos, sacerdotes, religiosos e leigos?... "Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós" (Jn 20,21).

Deste Concílio — cuja obra João XXIII iniciou, guiado (como ele mesmo confessava) pela, clara inspiração do Espírito Santo — a Igreja saiu com fé renovada no poder das palavras de Cristo, dirigidas aos Apóstolos no cenáculo. Saiu com nova certeza acerca da própria missão: a missão recebida do Senhor e Salvador. Saiu para o futuro. Do limiar da casa em Sotto il Monte, das colinas da vossa terra de Bérgamo, vê-se a Igreja como cenáculo de todos os povos e continentes, aberta para o futuro.

É difícil submeter aqui a uma análise profunda a perspectiva desta abertura. Mas é também difícil não mencionar pelo menos o que, de modo particular, saiu do íntimo do Papa João. É o novo impulso para a unidade dos cristãos e uma particular compreensão da missão da Igreja perante o mundo contemporâneo. Estes temas viram um essencial aprofundamento no banco do Concílio. Embora neste espaçoso cenáculo da Igreja dos nossos tempos, difundida por todo o globo terrestre, não faltem, as dificuldades, as tensões e as crises, que originam justificados temores, seria difícil não reconhecer que devido ao Papa saído da vossa terra, de Bérgamo, de Sotto il Monte — nasceu uma obra providencial. É necessário somente que mantenhamos fidelidade ao Espírito de Verdade, orientador desta obra, que sejamos honestos em compreender e aplicar o Concílio, e ele mostrará ser mesmo esse caminho que a Igreja dos nossos tempos e dos futuros deve seguir para o cumprimento dos seus destinos.

Aceitemos portanto estas palavras da liturgia de hoje, tiradas da primeira carta de São Pedro: "Isto vos enche de alegria, embora talvez vos seja preciso, por pouco tempo ainda, passar por diversas provações. E assim, pela prova a que é sujeita a vossa fé, haveis de encontrar louvor, glória e honra, na altura da Revelação de Jesus Cristo, pois a fé tem muito mais valor que o ouro que desaparece, embora seja experimentado pelo fogo" (1P 1,6-7).

Acolhamos estas palavras — e acolhamos a prova da nossa fé — pedindo ao Senhor Ressuscitado que sejamos capazes dela, assim como o foi o Papa João.

4. Do limiar da casa rústica em Sotto il Monte, das colinas da vossa terra de Bérgamo, por obra daquele seu filho que foi o Papa João — Angelo José Roncalli — vêem-se as grandes perspectivas da Igreja e do mundo. As perspectivas da família humana, que vive na paz construída sobre a verdade, a liberdade, a justiça e o amor, graças à mensagem que saiu do cenáculo jerosolimitano. Vê-se depois aquele grande cenáculo da Igreja dos nossos tempos, propagada no meio das gentes e dos continentes, no meio das nações e dos povos... a dimensão universal da Igreja.

Mas vê-se também a dimensão mais pequena da Igreja: a de "Igreja doméstica". O Papa João manteve-se fiel a esta Igreja até ao fim da vida, e constantemente voltava a ela, primeiro no sentido literal da palavra — como sacerdote, bispo e cardeal patriarca de Veneza —, depois como Papa, agora só com a recordação, o pensamento e o coração, e mediante as visitas dos seus que lhe eram caros.

786 Esta manhã, celebrando a liturgia eucarística em Sotto il Monte, recordámos muitas palavras suas sobre este assunto. Evocámos aquele clima da sua família, que foi verdadeira "Igreja doméstica". Família que viveu de oração e de trabalho, de Eucaristia e de amor recíproco, de sacrifício unido a espírito de simplicidade e de pobreza. Esta casa de família em Sotto il Monte não foi porventura também um pequeno cenáculo, em que Cristo Ressuscitado vinha dizer, detendo-se perante as pessoas de família, "A paz esteja convosco"? De facto, lá precisamente, naquele ambiente, Angelo José ouviu pela primeira vez as palavras: "Assim como o Pai Me enviou, também Eu te envio a ti.Recebe o Espírito Santo!" (cf. Jo Jn 20,21-22). As vocações sacerdotais nascem mais facilmente num clima assim.

Quantas vezes também lá, naquela casa, ouviu Cristo aquela gente simples, que vivia do trabalho dos campos, a mesma profissão que, uma vez, ouvira no cenáculo de Jerusalém da boca de Tomé: "Meu Senhor e meu Deus" (Jn 20,28). O conhecimento da presença do Salvador e a lei divina escrita nos corações da família constituíram a fonte da felicidade habitual daquela nobre gente, segundo as melhores tradições do ambiente e da sociedade à qual eles pertenciam.

5. Caros Irmãos e Irmãs. Na memória do Papa João juntamos hoje estas duas dimensões da Igreja: a grande, universal, em que durante os últimos anos da sua vida Angelo José Roncalli foi chamado a suceder a São Pedro na Sé romana; e a pequena, "doméstica". A "Igreja doméstica", a família cristã, constitui especial fundamento da grande. Constitui também o fundamento da vida das nações e dos povos, segundo o testemunhou o recente Sínodo dos Bispos e como, constantemente, o testemunha a experiência não corrompida pelos maus costumes de tantas sociedades e tantas famílias.

Precisamente esta "Igreja doméstica" pertence à herança do Papa João. É a parte integral da mensagem que toda a sua vida forma, da mensagem da verdade e do amor dirigido a toda a Igreja e a todo o mundo, mas de maneira particular dirigida à Itália: a esta Terra.

Esta mensagem é necessário lê-la à luz das palavras da primeira Carta de São Pedro: "Bendito seja Deus e Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo que na Sua grande misericórdia nos regenerou pela ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos, para uma esperança viva, para uma herança incorruptível, que não pode contaminar-se, e imarcescível, reservada, nos céus para vós..." (1, 3-4).

Mas é preciso reler ao mesmo tempo esta mensagem, a mensagem particular do Papa João, no contexto das ameaças, ameaças reais, que atingem o património humano e cristão da família, destruindo os princípios fundamentais sobre que está construída, desde os fundamentos, a mais esplêndida comunidade humana. Estes princípios dizem respeito, ao mesmo tempo, aos valores essenciais de que não pode prescindir nenhum programa, não só o cristão, mas também o simplesmente humano.

O primeiro destes valores é o amor fiel dos cônjuges mesmos, como fonte da sua confiança recíproca e também da confiança dos filhos para com eles. Sobre tal confiança, como sobre rocha, baseia-se toda a subtil construção interior da família, a inteira "arquitectura das almas", que irradia com matura humanidade sobre gerações novas.

O segundo valor fundamental é o respeito da vida desde o momento da sua concepção sob o coração da mãe.

6. Quanto a isto, é oportuno que a figura do Papa João do "Papa bom", de Angelo José Roncalli, filho desta Terra de Bérgamo, se erga diante de toda a Igreja e em particular diante desta Nação, em que viu a luz;

— se erga, com toda a verdade da sua, mensagem evangélica, que é ao mesmo tempo mensagem muito humana; ele, tão cheio de solicitude pelo verdadeiro bem da sua Pátria pelo verdadeiro bem de cada Nação e de cada homem,

— se erga diante de nós e esteja presente no meio de nós.

787 Permiti portanto que diante dele — diante da sua figura — eu repita as palavras que pronunciei no quinto domingo da Quaresma:

"De facto, existe na nossa época uma crescente ameaça ao valor da vida. Esta ameaça, que se evidencia, particularmente na sociedade do progresso técnico, da civilização materialista e do bem-estar, apresenta um ponto de interrogação à mesma autenticidade humana daquele progresso...

Destruir a vida humana significa sempre que o homem perdeu a confiança no valor da sua existência; que destruiu em si, no seu conhecimento, na sua consciência e vontade, aquele primeiro e fundamental valor.

Deus diz: "Não matarás" (
Ex 20,13). E este mandamento é simultaneamente o princípio fundamental e a norma do código da moralidade, inscrito na consciência de cada homem.

Se concedemos direito de cidadania ao assassínio do homem, quando está ainda no seio da mãe, então encaminhamo-nos por isso mesmo para o declive de incalculáveis consequências de natureza moral. Se é lícito tirar a vida a um ser humano, quando ele é mais débil, totalmente dependente da mãe, dos pais e do âmbito das consciências humanas, então destruímos não só um homem inocente, mas também as consciências mesmas.E não se sabe quão larga e rapidamente se propaga o raio daquela destruição das consciências, nas quais se fundamenta, antes de tudo, o sentido mais humano da, cultura e do progresso do homem...

Se aceitássemos o direito de tirar o dom da vida ao homem ainda não nascido, conseguiríamos depois defender o direito do homem à vida em todas as suas situações? Conseguiríamos deter o processo de destruição das consciências humanas?" (cf. Angelus, 5 de abril de 1981, L'Oss , Rm 1).

Papa João! Pronunciei estas palavras no domingo, 5 de Abril, e hoje repito-as aqui, na tua terra natal. Foram ditadas pelo amor para com o homem, por aquele amor que tem a sua fonte na caridade com que abraça o homem Aquele que o criou e Aquele que o remiu: Cristo crucificado e ressuscitado. Foram ditadas pelo sentido da particular dignidade que tem cada homem desde o instante da concepção até à morte.

Pana João! Estas palavras foram ditadas pelo amor e pelo respeito para com esta Nação da qual tu foste filho, assim como eu sou filho da minha Nação. E como filho da minha Pátria, a Polónia, desejo trocar o amor que tu tiveste por ela, servindo eu a Itália, assim como, por causa da missão que herdei de ti na sé de São Pedro, desejo servir todas as sociedades, todas as nações e todos os homens. Como o homem é "o caminho da Igreja" (cf. Enc. Redemptor hominis RH 14), assim como Cristo é para cada homem na Igreja, "o caminho, a verdade e a vida" (Jn 14,6).

Caros Irmãos e Irmãs. Pela memória do Papa João é preciso que façamos tudo o que pode servir para tutelar a família e a dignidade da paternidade e da maternidade responsável, a confiança recíproca das gerações que façamos todo o possível para tutelar a, nossa "Igreja doméstica" — esta no meio da qual se revela Cristo Ressuscitado, assim como entre os apóstolos no Cenáculo, — esta, aonde Ele entra... — e diz: "A paz esteja convosco!" Amém.



CELEBRAÇÃO DA SANTA MISSA EM HONRA DE SANTO ESTANISLAU


Gruta de Lourdes, Vaticano

Sexta-feira, 8 de Maio de 1981




788 Senhor Bispo de Czestochowa,
irmãos no sacerdócio, irmãs e irmãos religiosos,
caros compatriotas e peregrinos

Alcançamos a vitória graças Àquele que nos amou. Santo Estanislau de Szczepanów alcançou a vitória graças a Cristo, Graças Àquele que o amou. Foi uma vitória "sob a espada", como diz a liturgia "vivit victor sub gladio", a vitória sob a espada, e aquela espada deu-lhe o golpe mortal. Sofreu a morte como mártir. No dia de hoje, segundo a antiga tradição litúrgica da Igreja na Polónia, celebramos a memória daquela vitória que o Bispo de Cracóvia, Estanislau, alcançou sob a espada graças Àquele que o amou.

E mediante aquela sua vitória, mediante a morte, ele alcançou a vitória, a mesma vitória que alcançou Cristo mediante a Cruz e a Ressurreição. Celebramos a festa anual de Santo Estanislau no período pascal, quando a vitória de Cristo mediante a Cruz e a Ressurreição, a vitória sobre a Morte, anima de modo particular a nossa fé e a nossa liturgia. Santo Estanislau desde há nove séculos é para nós, era para os nossos avós, o sinal desta esperança de vitória que o homem alcança mediante a morte de Cristo e a sua ressurreição. É o sinal da esperança de vitória que o homem obtém graças Àquele que nos amou. Indica-nos, indicou aos nossos antepassados e indica-nos também a nós, o caminho para alcançar tal vitória. E precisamente por isto Santo Estanislau se tornou um particular Padroeiro da Polónia, desde há séculos.

O Primaz definiu-o "padroeiro da ordem moral": ele é padroeiro da ordem moral na pátria. Creio que é um padroeiro muito actual. Foi-o sempre, mas parece que é particularmente actual nos nossos tempos. De facto, se nestes tempos difíceis devemos alcançar a vitória, podemos alcançá-la somente à custa de consolidar a ordem moral, à custa daquele renovamento que principia na consciência do homem, que se funda na dignidade do homem, na dignidade do homem relacionada com o seu trabalho; na dignidade de cada homem e nos direitos que dela derivam.

Santo Estanislau, padroeiro da ordem moral há mais de nove séculos, tem muito a dizer à Polónia contemporânea, Polónia do ano do Senhor de 1981. Celebramos a sua festividade litúrgica, a 8 de Maio. Cracóvia celebra-a no domingo seguinte levando em grande procissão a relíquia da cabeça de Santo Estanislau, sobre a qual são bem visíveis até hoje os sinais da espada, sob a qual alcançou a vitória e sob a qual vive: vivit victor sub gladio. Vive na história, vive de geração em geração.

Aquela procissão, em que no decurso dos séculos participaram toda nação e a Igreja, e na qual antigamente participaram os reis da Polónia, é um sinal particular desta vitória, e é convite particular a esta vitória; é necessário celebrá-la de ano para ano, diria: de dia para dia, de geração em geração. Durante a celebração em Cracóvia os participantes cantam como vós cantastes hoje: "Santo Estanislau padroeiro nosso, protector de toda a pátria, pede por nós". Desejo, caros compatriotas, que esta nossa comum eucaristia no dia 8 de Maio, que me é dado celebrar aqui, na Sé Apostólica, juntamente convosco, se venha inserir em toda a liturgia de hoje e de domingo, como também desejo que nela seja, inserida a invocação: "Santo Estanislau, padroeiro nosso, protector de toda a Pátria, ajuda-nos, ensina-nos a vencer, ensina-nos a obter a vitória de dia para dia. Padroeiro da ordem moral na Pátria, mostra-nos como devemos alcançá-la, realizando a obra do indispensável renovamento, que tem início no homem, em cada homem, e abraça toda a sociedade e todas as dimensões da sua vida: espiritual, cultural, social e económica, espiritual e cultural, espiritual e material. Ensina-nos isto. Ensina-nos e ajuda-nos, tu que és — juntamente com a Rainha da Polónia de Jasna Gora e com Santo Adalberto — padroeiro da Pátria. Ajuda-nos a alcançar esta vitória na nossa geração. Amém.



VISITA PASTORAL À PARÓQUIA ROMANA DE SÃO TOMÁS DE AQUINO,

NO BAIRRO TOR TRE TESTE


Domingo, 10 de Maio de 1981




1. "Eu sou o bom pastor, conheço as minhas ovelhas e as minhas ovelhas conhecem-Me" (Jn 10,14).

Estas palavras de Cristo ressoam hoje no centro da liturgia do quarto Domingo de Páscoa, entre o canto da Aleluia. Com estas palavras quero honrar em vossa companhia, caros Irmãos e Irmãs, Cristo Ressuscitado. Ele, mediante a Sua paixão e morte, revelou-se como Pastor que oferece a vida pelas ovelhas — e na Sua ressurreição deu-nos a certeza de que Ele vive através dos séculos, e guia o Seu rebanho para a vida eterna.

789 Eis como escreve a este propósito São Pedro na sua primeira Carta:

"Ele que não cometeu pecado, e cuja boca não proferiu mentira, Ele que, ao ser insultado, não insultava e sofrendo não ameaçava, mas Se entregava Aquele que julga com justiça, Ele que suportou os nossos pecados no Seu corpo, sobre o madeiro, a fim de que, mortos para o pecado, vivêssemos para a justiça: 'Pelas Suas chagas fomos curados' ... mas agora voltastes ao Pastor e guarda das vossas almas" (
1P 2 1P 22-25).

2. A Paróquia dedicada a São Tomás de Aquino é uma partezinha da Igreja: uma parte daquele grande "redil", que olha com fé e esperança para o Bom Pastor.

Hoje é-me dado visitar esta Paróquia romana; como Bispo de Roma é-me dado executar no meio de vós um particular serviço de pastor em nome de Cristo ressuscitado — em nome do Bom Pastor.

Apresento antes de tudo a minha cordialíssima saudação a todos vós, caros Paroquianos, que sois parte viva do Povo de Deus e em especial desta Igreja romana. Saúdo o Cardeal Ugo Poletti e o Bispo de Zona, Giulio Salimei; e dirijo uma particular saudação ao Pároco e aos seus mais próximos colaboradores no ministério paroquial, que prepararam dignamente esta visita. Desejo também saudar todas as Famílias Religiosas aqui representadas e os vários movimentos católicos. Tenho presentes de modo especial os Leigos comprometidos no apostolado — e animo-os a que prossigam generosamente na sua benemérita actividade —, os doentes com o tesouro dos seus sofrimentos, os jovens com o seu entusiasmo e o desejo de um mundo melhor.

Todos vos trago no meu coração e na minha oração.

Esta Paróquia é dedicada a um grande Santo, Tomás de Aquino, que aplicou a vida não só aos estudos filosóficos, mas sobretudo ao aprofundamento da fé cristã. Por isso todos nós temos necessidade da sua ajuda, para conseguirmos tornar verdadeiramente adulta — isto é amadurecida, estável, serena e fecunda para a vida — a nossa adesão a Cristo Senhor.

Muito gosto sinto de me encontrar entre vós e poder conhecer as vossas actividades especialmente no campo litúrgico e na catequese; mas é grande pena para mim ver que estais ainda sem um edifício próprio de culto e que a vossa Paróquia tem falta de qualquer outra estrutura material, necessária para o bom funcionamento de uma instituição, que deseja estar ao serviço de todas as várias categorias de pessoas. A vida cristã não depende certamente de um edifício, todavia a falta dele traz inegáveis incómodos porque falta a "Casa Comum".

O rápido crescimento da população — que em pouco tempo atingiu quase oito mil unidades, e aumentará ainda notavelmente em obediência ao projecto de uma nova instalação na parte agrícola do terreno — requer que se dêem passos concretos para se realizar esta tão desejada e necessária construção.

Desejo-vos do íntimo da alma que ela seja depressa um facto. Mais, ficaria muito contente se este domingo do Bom Pastor, se esta visita do Papa, desse eficaz impulso à solução desta tão sentida exigência.

Não faltem o vosso esforço, nem a vossa oração também, para o que diz respeito à construção da nova igreja: A Providência Divina não deixará que falte o auxílio necessário, como aconteceu também com tantas outras comunidades.

790 3. São-nos com certeza muito familiares as palavras do salmo 22 que no Antigo Testamento constitui, quase uma preparação para a alegoria evangélica do Bom Pastor.

Acabámos de o ler, em forma responsorial, depois da primeira Leitura Bíblica. É rico de imagens, que pertencem a dois espaços diversos. Primeiro que tudo, fala-se de "prados", que significam o seguro alimento espiritual a nós oferecido pelo Senhor; de "água", que dessedenta qualquer nossa ardência; de "caminho", que faz ver como a nossa vida está em movimento para um destino; e de "vale tenebroso", que representa as várias dificuldades por nós encontradas. Estas imagens derivam do ambiente da relação entre pastor e rebanho. Mas depois há imagens, que recordam uma alegre situação de banquete: por isso se fala de "mesa" preparada, que significa a abundância que nos é oferecida pela comunhão com o Senhor; de "óleo", com referência à sua acolhedora hospitalidade; e de "cálix" transbordante, porque o Senhor é connosco sempre magnânimo e generoso.

O Salmo inteiro e sobretudo o último versículo — "Graça e misericórdia hão-de acompanhar-me todos os dias da minha vida; habitarei na casa do Senhor durante larguíssimos tempos" — manifesta a felicidade ilimitada que vem de Cristo, Bom Pastor, é qual pelos caminhos da "felicidade e graça" guia o homem durante a vida terrena, para o fazer chegar definitivamente "à casa do Senhor".

Cristo Ressuscitado, depois da Sua paixão, despertou essa confiança ilimitada nos apóstolos e nos discípulos, e naqueles a quem, pela actividade dos mesmos, chegou o testemunho do Evangelho. Também nos tempos difíceis de hoje — quando muitas vezes nos acontece passarmos por "um vale tenebroso", e mais de uma vez pode também fazer sentir-se em nós "o temor do mal" — oremos com a mesma confiança.

4. Cristo na liturgia de hoje chama a si mesmo não só "o pastor", mas também "a porta das ovelhas" (
Jn 10,7).

Deste modo, Jesus combina duas metáforas diversas, particularmente expressivas. A imagem do "pastor" é contraposta à do "mercenário" e serve para sublinhar toda a profunda solicitude de Jesus pelo Seu rebanho, que somos nós, até ao ponto de se dar completamente a Si mesmo pela nossa salvação: "O bom pastor oferece a vida pelas ovelhas" (ib. 10, 11). Nesta linha exprimir-se-á também a Carta aos Efésios: "Cristo amou a Igreja e deu-Se a Si mesmo por ela" (Ep 5,25). Pertence-nos reconhecer n'Ele o único nosso Salvador e seguir "a Sua voz" (Jn 10,4), evitando atribuir estas características a qualquer mercenário humano, que afinal "não se importa das ovelhas" (ib. 10, 13), mas só do próprio ganho. E esta reflexão leva-nos a compreender também a outra imagem da "porta". Jesus diz: "Se alguém entrar por Mim, salvar-se-á; entrará e sairá e encontrará pastagens" (ib„ 10, 9). Com estas palavras afirma o que hão-de anunciar depois os Seus Apóstolos: "Não há salvação em nenhum outro... nome dado aos homens que nos possa salvar" (Ac 4,12). Ele é o único acesso nosso ao Pai (cf. Ef Ep 2,18 1P 3,18). E n'Ele toda a nossa vida encontra a sua mais autêntica liberdade de movimento: "Tudo quanto fizerdes, por palavra ou obra, fazei-o em nome do Senhor Jesus" (Col 3,17).

5. Este cenário tão rico da verdade pascal é estendido à vista dos nossos olhos pela Liturgia do Domingo de hoje. Bastará então olharmos apenas para este cenário? e talvez deixarmo-nos encantar com ele?

É necessário, além disso, irmos buscar a ele aquela chamada de Deus, que está inscrita profundamente neste esplêndido cenário bíblico. É necessário ouvirmos esta chamada. É necessário acolhermo-la como dirigida a cada um de nós. Aceitá-la com o coração e com a vida.

Tudo isto tem resultados concretos para a nossa existência cristã. Primeiro que tudo, é necessário reforçarmos continuamente a nossa ligação com Cristo Bom Pastor, e fazê-lo em todas as circunstâncias da nossa vida: seja quando nos encontramos junto de "águas tranquilas", seja quando vimos a encontrar-nos "num vale tenebroso"; ele, de facto, é sempre o nosso Pastor, e nós devemos também ser sempre ovelhas de Sua propriedade.

Em segundo lugar, é necessário pedir por aqueles que na Igreja desempenham o serviço pastoral; isto, na verdade, é para eles do mesmo tempo a grande honra e o grande peso: participar no ministério de Pastor de Cristo, encargo que tem necessidade absoluta da colaboração e do apoio da Comunidade eclesial inteira.

Em terceiro lugar, é necessário pedir de modo particular pelas vocações ao sacerdócio ministerial, para não faltarem os Pastores à Igreja. "A messe é grande" (Lc 10,2) e são precisos operários no campo do Senhor. Exactamente esta manhã abriu-se em São Pedro um Congresso Internacional sobre as Vocações nas Igrejas Particulares, e a vossa oração pode contribuir para os resultados positivos dele.

791 6. Todavia, além destas importantes conclusões práticas, devem deduzir-se da Liturgia de hoje também outras conclusões importantes, que dizem respeito a cada cristão. De facto, cada um participa de algum modo na missão e na solicitude de Cristo Bom Pastor.

Cada pessoa baptizada, de facto, tem na Igreja uma parte sua de responsabilidade, que é tanto mais reconhecida e exercida, quanto mais se tem consciência da própria conformação com Cristo e quanto mais ela é vivida. Como escreve São Paulo, "A manifestação do Espírito é dada a cada qual para proveito comum... Ora vós sois o corpo de Cristo e Seus membros, cada um na parte que lhe toca" (
1Co 12,7 1Co 12,27). E é possível realizar esta função a nível muito prático. Por exemplo, os pais têm uma missão pastoral quanto aos filhos, porque estão à frente da educação deles não só humana mas também cristã; por outro lado, também os filhos devem ter especial solicitude a respeito dos pais, sobretudo quando estes são anciãos e precisam de ser amorosamente atendidos mas, ainda em circunstâncias normais, retribuindo os filhos os cuidados e o afecto de que foram antes circundados. Além disso, também entre marido e mulher é necessária atenção recíproca, que não se exprima só mediante o amor conjugal, mas também com atitudes de apoio nas dificuldades, de comum crescimento na fé e de recíproca exortação para a vida cristã. Uma solicitude particularíssima deve caracterizar o cuidado dos doentes; nisto, primeiro que tudo, são os sãos — ou seja os médicos e os enfermeiros, além dos parentes — que devem ocupar-se de quem sofre, prestando-lhe cuidados não só profissionais mas também puramente humanos. Além disso, aos mesmos doentes toca uma original função ministerial no que diz respeito à Comunidade cristã, como escreve São Paulo: "Quando me sinto fraco, então é que sou forte" (2Co 12,10), isto é capaz de fazer servir os próprios sofrimentos para o bem de todos. E devo dizer que eu mesmo muitas vezes experimento os bons efeitos desta "solicitude", exercida para comigo por pessoas diversas, em particular pelos que sofrem e estão doentes. E agradeço-o ao Senhor.

7. Neste sentido, concluindo a Homilia, dirijo os meus ardentes votos à vossa Paróquia com as palavras de São Pedro.

Caríssimos: "Se, fazendo o bem, sofreis com paciência, isto é agradável aos olhos de Deus. Ora, foi para isto que fostes chamados, pois Cristo também sofreu por vós, deixando-vos o exemplo, para que sigais os seus passos" (1P 2,20-21).

Paróquia de São Tomás de Aquino!

Desejo-te que o Espírito de Cristo, Bom Pastor, te penetre cada vez mais profundamente. Desejo-te que vivas a Sua "felicidade e graça".

Amém.



Homilias JOÃO PAULO II 784