Homilias JOÃO PAULO II 791


XVIII DIA MUNDIAL DE ORAÇÃO PELAS VOCAÇÕES


Domingo, 10 de Maio de 1981






1. No quarto domingo de Páscoa, contemplamos Cristo ressuscitado, que diz de Si mesmo: "Eu sou a porta das ovelhas" (Jn 10,7).

Nomeia-se também Bom Pastor; com aquelas palavras Ele completa em certo sentido esta imagem, dando-lhe nova dimensão:

"Em verdade, em verdade vos digo que aquele que não entra pela porta no curral das ovelhas, mas sobe por outra parte, é ladrão e salteador. Aquele que entra pela porta é o pastor das ovelhas. A este o porteiro abre, e as ovelhas ouvem a sua voz; chama pelo nome as suas ovelhas, e leva-as para fora. E depois de fazer sair todas as ovelhas, vai adiante delas e as ovelhas seguem-no, porque conhecem a sua voz. Mas não seguirão um estranho, antes fugirão dele, porque não conhecem a voz dos estranhos" (Jn 10,1-5).

792 Jesus, portanto, é a porta do redil. Ao atribuir-se esta qualificação, Jesus apresenta-se a si mesmo como o caminho obrigatório para se entrar pacificamente na comunidade dos remidos: Ele é de facto o único mediador, por meio do qual Deus se comunica aos homens e os homens têm acesso a Deus. Quem não passa através desta "porta" é "ladrão e salteador". Através de tal porta, ao contrário, passa a gente seguindo-O a Ele, que é o verdadeiro Pastor.

"Tende portanto muito presente — comentava Santo Agostinho — que o Senhor Jesus Cristo é a porta, e é o pastor: é a porta, pois se abre a Si mesmo (na revelação), e é o pastor, pois entra por si mesmo, Para dizer a verdade, ó irmãos, a prerrogativa de pastor comunicou-a também aos Seus membros; e assim é pastor Pedro, e é pastor Paulo, e os outros apóstolos são pastores, e os bons Bispos são pastores. Nenhum de nós, porém, se atreve a dizer que é a porta; Cristo reservou, a Si só, ser a porta, através da qual entram as ovelhas" (In Io. Evang. Tr. 47, 3).

2. Esta imagem de Cristo, que, como único "Bom Pastor", é ao mesmo tempo a "porta das ovelhas", deve estar diante dos olhos de nós todos.

Deveis tê-la diante dos olhos de modo particular vós, caros Irmãos meus, os concelebrantes comigo nesta santa Missa, com que se inaugura o Congresso internacional das Vocações.

Chegue a todos e a cada um a minha saudação cordial: ao Senhor Cardeal Baum, Prefeito da Sagrada Congregação para a Educação Católica e aos seus colaboradores; aos venerados Irmãos no Episcopado e aos Sacerdotes, que se reuniram aqui como delegados ou convidados das Conferências Episcopais e das competentes Repartições das Conferências mesmas.

Saúdo depois os Superiores e as Superioras-Gerais, os Moderadores de Institutos Seculares e as outras digníssimas Pessoas, que se tornaram disponíveis, a preço também de não leves sacrifícios, a fim de trazerem o seu precioso contributo à reflexão comum.

O tema do Congresso, "Desenvolvimentos do cuidado pastoral das vocações nas Igrejas particulares: experiências do passado e programas para o futuro", mostra-se singularmente oportuno e actual. Propõe-se melhorar a mediação da Igreja local em ordem às vocações, e não há quem não veja a importância de tal "momento" da acção pastoral para a vida da Igreja no mundo inteiro.

Foram consultados, para esse fim, os Planos de Acção preparados nas Dioceses das diversas partes do mundo e os contributos de carácter nacional chegados à Sagrada Congregação para a Educação Católica: baseado neles foi redigido o "Documento de trabalho", que foi submetido à vossa atenção como útil esquema para as próximas discussões.

O Congresso apresenta-se, portanto, como ponto de chegada de um diligente trabalho de preparação, que não deixará de lhe favorecer o ordenado e frutuoso desenvolvimento. Os votos, valorizados pela oração comum, são que ele se torne também o ponto de partida de um novo impulso para a pastoral das vocações em cada Igreja particular. Deste modo fecha-se o círculo: partiu-se das várias experiências das Igrejas particulares e a elas se regressa agora com a riqueza dos contributos recolhidos no confronto com "o vivido" nas Igrejas irmãs.

Não posso esconder a minha alegria por o Congresso se realizar em Roma. Consente-me isto que me sinta directamente participante: inauguro-o juntamente convosco nesta concelebração eucarística, e estarei perto de vós com o pensamento e com a oração.

3. O problema das vocações sacerdotais — e também das religiosas tanto masculinas como femininas — é, di-lo-ei sem rebuço, o problema fundamental da Igreja. É verificação da sua vitalidade espiritual e é a condição mesma de tal vitalidade. É a condição da sua missão e do seu desenvolvimento.

793 Isto refere-se tanto à Igreja, na sua missão universal, como também a cada Igreja local, à diocese e por analogia às Congregações religiosas. É necessário portanto considerar este problema em cada uma destas dimensões, se a nossa actividade no sector do despertar das vocações quer ser apropriada e eficaz.

As vocações são o sinal da vitalidade da Igreja. A vida gera vida. Não por acaso o Decreto sobre a formação sacerdotal, tratando do dever de "dar incremento às vocações", sublinha "estar a comunidade cristã obrigada a desempenhar este encargo, primeiro que tudo, com uma vida perfeitamente cristã" (Optatam totius
OT 2). Como um terreno mostra a riqueza dos próprios sucos vitais pela pujança e viço da messe que nele se desenvolve (a referência à parábola evangélica do semeador é aqui espontânea: cf. Mt Mt 13,3-23), assim uma Comunidade eclesial dá prova do seu vigor e da sua maturidade com o florescimento das vocações, que chega nela a afirmar-se.

As vocações são também a condição da vitalidade da Igreja. Não há dúvida que esta depende do conjunto dos membros de cada comunidade, do "apostolado comum", em particular do "apostolado dos leigos". Todavia é igualmente certo que, para o desenvolvimento deste apostolado, se revela indispensável precisamente o ministério sacerdotal. Isto, aliás, muito bem o sabem os leigos mesmos. O autêntico apostolado dos leigos baseia-se no ministério sacerdotal — e, por sua vez, manifesta a própria autenticidade conseguindo, além do mais, fazer desabrochar no próprio âmbito novas vocações.

4. Pode-se perguntar porque estão assim as coisas.

Tocamos aqui a dimensão fundamental do problema, quer dizer, a verdade mesma sobre a Igreja: a realidade da Igreja, assim como foi plasmada por Cristo no mistério pascal e como se vai constantemente plasmando sob a acção do Espírito Santo. Para reconstruir na consciência, ou aprofundar, a convicção a respeito da importância das vocações, deve-se remontar às raízes mesmas de uma sã eclesiologia, assim como elas nos foram desveladas pelo Vaticano II. O problema das vocações, o problema do despertar delas, pertence de modo orgânico àquele grande dever, que se pode chamar "a realização do Vaticano II".

As vocações sacerdotais são a verificação e ao mesmo tempo a condição da vitalidade da Igreja, primeiro que tudo porque esta vitalidade encontra a sua incessante fonte na Eucaristia, como centro e apogeu de toda a evangelização e da plena vida sacramental. Brota daqui a necessidade indispensável da presença do ministro ordenado, que seja capaz de celebrar precisamente a Eucaristia.

E que dizer, em seguida, dos outros sacramentos, mediante os quais se alimenta a vida da Comunidade cristã? Quem administraria, em particular, o sacramento da penitência, se viessem a faltar os sacerdotes? E este sacramento é o meio estabelecido por Cristo para o renovamento da alma e para a sua activa integração no contexto vital da Comunidade. Quem atenderia ao serviço da Palavra? Todavia, na actual economia da salvação, "a fé depende da pregação e a pregação por sua vez realiza-se pela palavra de Cristo" (Rm 10,17).

Há ainda as vocações para a vida consagrada. Constituem a verificação e ao mesmo tempo a condição da vitalidade da Igreja, porque tal vitalidade deve encontrar, por vontade de Cristo, a sua expressão no radical testemunho evangélico, prestado ao Reino de Deus no meio de tudo o que é temporal.

5. O problema das vocações não deixa de ser, caros Irmãos, problema que tenho a peito de modo muito particular. Disse-o em diversas ocasiões. Estou convencido que — não obstante todas as circunstâncias que fazem parte da crise espiritual existente em toda a civilização contemporânea — o Espírito Santo não deixa de operar nas almas.Ele, pelo contrário, opera ainda com maior intensidade. E é precisamente daqui que se abrem, também diante da Igreja de hoje, favoráveis perspectivas em matéria de vocações, contanto que ela procure ser autenticamente fiel a Cristo; contanto que ela ilimitadamente espere no poder da Sua redenção — e procure fazer todo o possível para "ter direito" a "esta confiança".

"Condição da communio específica do Povo de Deus — disse eu noutra circunstância — é a pluralidade das vocações e também a pluralidade dos carismas. É única a vocação cristã comum: a chamada à santidade; e único é o fundamental carisma de ser cristão: o sacramento do baptismo; todavia, sobre o seu fundamento distinguem-se as vocações particulares, como a sacerdotal e a religiosa e, ao lado destas, a vocação dos leigos que, por sua vez, traz consigo todo o conjunto das variedades possíveis. Os leigos, de facto, em diversos modos podem participar da missão da Igreja no seu apostolado.

Servem a comunidade mesma da Igreja, tomando parte, por exemplo, na catequese ou no serviço caritativo e, contemporaneamente, abrem no mundo as estradas em tantos campos do compromisso que lhes é próprio.

794 Servir a comunhão do Povo de Deus na Igreja significa cuidar das vocações diversas e dos carismas na sua especificidade, e actuar para que se completem reciprocamente, assim como os vários membros no organismo (cf. 1Co 12,12 ss.).

Podemos olhar confiadamente para o futuro das vocações, podemos contar com a eficácia dos nossos esforços que tendem a despertá-las, se afastamos de nós, de modo consciente e decisivo, aquela particular "tentação eclesiológica" dos nossos tempos, que de diversas partes e com múltiplas motivações procura introduzir-se nas consciências e nas atitudes do povo cristão. Quero aludir às propostas que tendem a "laicizar" o ministério e a vida sacerdotal, a substituir os ministros "sacramentais" por outros "ministros" considerados mais em correspondência com as exigências pastorais hodiernas, e também a privar a vocação religiosa do carácter de testemunho profético do Reino, orientando-a exclusivamente para funções de animação social ou mesmo de empenho directamente político. Esta tentação diz respeito à eclesiologia, como lucidamente se expressou o Papa Paulo VI, que, falando na Assembleia Geral da Conferência Episcopal Italiana sobre os problemas do Sacerdócio ministerial, declarava: "O que nos aflige a este propósito é a suposição, mais ou menos penetrada em certas mentalidades, de que se pode prescindir da Igreja como ela é, da sua doutrina, da sua constituição, da sua derivação histórica evangélica e hagiográfica, e é possível inventar-lhe e criar-lhe uma nova, segundo dados esquemas ideológicos e sociológicos, mudáveis eles também e não apoiados em intrínsecas exigências eclesiais; de maneira que se vê por vezes que, a abalar e a enfraquecer a Igreja neste particular, não são tanto os inimigos de fora, quanto alguns filhos seus, alguns que pretendem, de dentro, ser livres promotores dela" (Insegnamenti di Paolo VI, vol. VIII, 1970, p. 302).

6. Cristo é a porta das ovelhas.Todos os esforços da Igreja — e em particular do vosso Congresso —, todas as orações da nossa assembleia eucarística de hoje, confirmem de novo esta verdade.

Dêem-lhe a eficácia plena. Entrem através dessa "porta" sempre gerações novas de pastores da Igreja. Sempre novas gerações de "administradores dos mistérios de Deus" (1Co 4,1). Sempre novas falanges de homens e mulheres que por meio de toda a sua vida — mediante a pobreza, a castidade e a obediência livremente aceites e professadas — dêem testemunho do Reino, que não é deste mundo e não passa nunca.

Cristo — Porta das ovelhasabra-se de par em par para o futuro do Povo de Deus em toda a terra.

E aceite tudo o que, segundo as nossas débeis forças — mas apoiando-se na imensidade da Sua graça — procuramos fazer para despertar as vocações.

Interceda por nós nestas iniciativas a humilde Serva do Senhor, que é o modelo mais perfeito de todos os chamados; Ela que é chamada do Alto respondeu: "Faça-se em mim segundo a tua palavra" (Lc 1,38).



CELEBRAÇÃO DE PENTECOSTES

1600º ANIVERSÁRIO DO I CONCÍLIO CONSTANTINOPOLITANO

1550º ANIVERSÁRIO DO CONCÍLIO DE ÉFESO

(*)
Domingo, 7 de Junho de 1981




1. Credo in Spiritum Sanctum, Dominum et vivificantem!

(Creio no Espírito Santo, Senhor que vida).

Na solenidade do Pentecostes do dia de hoje a Igreja Romana alegra-se com a presença de tantos Irmãos e Irmãs na fé, dos peregrinos provenientes das diversas partes do mundo, bem como dos habitantes que residem de maneira estável na Cidade eterna.

795 Ela alegra-se de maneira particular com a vossa presença, amados Irmãos Cardeais e Bispos, que estais ao serviço do Povo de Deus no seio das várias nações da terra. Sim, alegra-se convosco que, anuindo ao meu convite, vos congregastes hoje nesta Sé e agora aqui estais a concelebrar a Santíssima Eucaristia junto da Confissão de São Pedro.

Antes de mais, nós desejamos confessar, com um brado forte da nossa voz e do nosso coração, a verdade que há dezasseis séculos o primeiro Concílio de Constantinopla formulou e exprimiu com as palavras que são bem conhecidas.

E desejamos proferi-la assim, conforme ela foi expressa então

"Credo... in Spiritum Sanctum Dominum e vivificantem, ex Patre procedentem, cum Patre et Filio adorandum et conglorificandum, qui locutus est per prophetas".

"Creio... no Espírito Santo, Senhor que dá a vida, e procede do Pai e do Filho; e com o Pai e o Filho deve ser adorado e glorificado: Ele que falou pelos profetas".

E por isto, os nossos pensamentos e os nossos corações, a transbordarem de gratidão para com o Espírito de Verdade, dirigem-se simultaneamente para aquela Sé que teve a ventura de hospedar esse venerando Concílio — o primeiro de Constantinopla, que foi o segundo Concílio ecuménico depois do de Niceia — onde nesta festa de hoje também o nosso Venerável Irmão Dimítrios I, patriarca de Constantinopla, eleva acções de graças à Eterna Luz, por Ela ter iluminado, há dezasseis séculos atrás, as mentes dos nossos Predecessores no Episcopado com o esplendor daquela Verdade que, ao longo de já tão numerosas gerações, manteve na unidade da fé então professada a grande família dos confessores de Cristo.

E apesar de a própria unidade da Igreja ter sofrido cisões, nos diversos tempos e lugares, a fé professada pelos nossos santos Predecessores no Credo (ou Símbolo) niceno-constantinopolitano testemunha a unidade original e continua a ser renovado apelo para a reconstrução da plena unidade.

Por conseguinte, todos nós saudamos neste dia com particular alegria os Veneráveis Delegados do Patriarcado Ecuménico de Constantinopla, chefiados pelo Excelentíssimo Metropolita Damaskinos; mas saudamos igualmente os outros Veneráveis Representantes das Igrejas e Comunidades eclesiais que nos honram com a sua presença. Enche-nos de análoga alegria, ainda, o facto de a nossa Delegação, chefiada pelo Senhor Cardeal Maximiliano de Furstenberg, enviada pelo Bispo de Roma à Sede do Patriarcado de Constantinopla, poder participar na esplendorosa Liturgia comemorativa do acontecimento histórico, mediante a qual ambas as Igrejas irmãs, a de Roma e a de Constantinopla, desejam render preito à Majestade de Deus pela obra desenvolvida pelo Concílio realizado há mil e seiscentos anos.

2. Poderia, acaso, achar-se um dia mais adaptado do que o dia do Pentecostes para tal celebração?

Encontramo-nos reunidos — vós fisicamente e eu espiritualmente — sob a abóbada desta Basílica, e toda a nossa consciência se acha compenetrada da recordação do Cenáculo hierosolimitano, onde, precisamente no dia do Pentecostes "se encontravam todos" (
Ac 2,1) aqueles que constituíam a primeiríssima Igreja. Encontravam-se no mesmo local em que — cinquenta dias antes — na tarde do dia da Ressurreição Jesus tinha vindo ter com eles. "Veio Jesus... e colocou-se no meio deles e disse-lhes: "A paz seja convosco! E dito isso, mostrou-lhes as mãos e o lado" (Jn 20,19-20). Naquele momento já não podiam ter dúvida, alguma; e "os discípulos — escreve o Evangelista — ficaram cheios de alegria, ao verem o Senhor" (Jn 20,20), o Senhor ressuscitado. E então Jesus disse-lhes novamente: "A paz seja convosco! Assim como o Pai me enviou, também eu vos envio a vós" (Jn 20,20). Em suma, disse palavras já conhecidas e, contudo, novas: novas pela novidade de todo o Mistério pascal e novas pela novidade do Senhor Ressuscitado, que as pronunciava: "eu envio a vós...".

E sobretudo eram novas por motivo daquilo que era afirmado por Cristo, imediatamente a seguir a elas. Efectivamente, "depois de ter dito isso, soprou sobre eles e disse-lhes: 'Recebei o Espírito Santo' " (Jn 20,22).

796 Desta maneira, já nesse momento receberam o Espírito Santo. Já então se havia iniciado o Pentecostes; o Pentecostes que chegaria, cinquenta dias depois, à sua plena manifestação; e isto era necessário para que pudesse maturar neles e revelar-se para o exterior aquilo que havia acontecido, quando eles tinham ouvido; "Recebei o Espírito Santo..." — a fim de que a Igreja pudesse nascer. Nascer, no caso, quer dizer sair para o mundo e, por esse mesmo facto, tornar-se visível no meio dos homens.

E isto realizou-se com a potência própria daquela tarde pascal, a tarde daquele mesmo dia da Ressurreição (cf. Jo
Jn 20,19); isso aconteceu com a potência da paixão e da morte do Senhor, o qual, aliás, já na véspera da mesma paixão, havia dito claramente: "... se eu não for, o Consolador (Paracletos) não virá a vós; mas se eu for, enviar-vo-lo-ei" (Jn 16,7). Tinha partido, pois, através da Cruz, e voltou através da Ressurreição; mas voltou, não já para permanecer, mas sim para soprar sobre os Apóstolos e dizer-lhes: "Recebei! Recebei o Espírito Santo!".

Oh! Como é bom o Senhor! Ele deu-lhes o Espírito Santo, que é Senhor e dá a vida... e com o Pai e o Filho recebe a mesma glória e adoração... Ele, igual na Divindade! Sim, Jesus deu-lhes o Espírito Santo; disse, de facto, "recebei". Mas, mais ainda, não os entregou Ele, não os confiou a eles, aos Apóstolos, ao Espírito Santo? Poderá o homem "receber" o Deus vivo e possuí-1'O como algo "próprio"?

Então Cristo deu os Apóstolos, aqueles que eram o início do novo Povo de Deus e o fundamento da Sua Igreja, ao Espírito Santo, ao Espírito que o Pai haveria de mandar em Seu Nome (cf. Jo Jn 14,26), ao Espírito de Verdade (cf. Jo Jn 14,17 Jn 15,26 Jn 16,13), ao Espírito por meio do qual o amor de Deus foi derramado nos nossos corações (cf. Rom Rm 5,5); deu-os ao Espírito Santo a fim de que eles, por seu turno, O recebessem como Dom; Dom alcançado do Pai por obra do Messias, do Servo sofredor de Javé, do qual fala a profecia de Isaías.

E foi por isso que Ele "lhes mostrou as mãos e o lado" (Jn 20,20), isto é, os sinais do sacrifício cruento, e em seguida acrescenta ainda: "Aqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; e àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos" (Jn 20,23).

Com estas palavras Ele confirmou o Dom; é o Dom do Consolador, o Dom dado à Igreja para o homem, o qual traz em si a herança do pecado. Para cada um dos homens e para todos os homens.

Trata-se do Dom do Alto, dado à Igreja que é enviada a todo o mundo. No dia do Pentecostes, os Apóstolos — e juntamente com eles aquela que era a primeiríssima Igreja — saíram daquele cenáculo pascal; e imediatamente se encontraram no meio do mundo sujeito ao pecado e à morte; e encontraram-se aí com o testemunho da Ressurreição.

3. Credo in Spiritum Sanctum Dominum et vivificantem...

(Creio no Espírito Santo, Senhor que vida).

Ao evocarmos o primeiro Concilio Ecuménico Constantinopolitano, nós professamos hoje a mesma fé n'Aquele que é Senhor e dá a vida, que com o Pai e o Filho recebe a mesma glória e adoração; e identificando esta veneranda Basílica de São Pedro com o humilde Cenáculo hierosolimitano, nós recebemos o mesmo Dom! "Recebei o Espírito Santo" (Jn 20,22). Sim, nós recebemos o mesmo Dom, ou seja, confiamo-nos a nós próprios e confiamos a Igreja ao mesmo Espírito Santo, ao Qual ela já foi confiada de uma vez para sempre, naquela tarde da Ressurreição e depois na manhã do Pentecostes. Ou melhor, nós permanecemos nessa entrega confiante ao Espírito Santo, que Cristo então operou, ao mostrar aos Apóstolos as mãos e o lado (cf. Jo Jn 20,20), os sinais da sua paixão, antes de lhes dizer: "Assim como o Pai me enviou, também eu vos envio a vós" (Jn 20,21).

Nós permanecemos nessa entrega confiante ao Espírito Santo, que constituiu a Igreja e continuamente a constitui sobre os seus fundamentos. Nós permanecemos, assim, em tal entrega confiante ao Espírito Santo, mediante a qual somos a Igreja e mediante a qual somos enviados, de um modo análogo a como foram enviados do Cenáculo aqueles primeiros apóstolos e aquela primeiríssima Igreja hierosolimitana, quando sucedeu que, após algo semelhante a uma rajada de vento sobrevindo impetuosamente e depois da aparição das línguas de fogo sobre cada um deles, os mesmos saíram para o meio dá multidão numerosa, que tinha acorrido a Jerusalém para as festas e começaram a falar nas diversas línguas, "conforme o Espírito lhes inspirava que se exprimissem" (Ac 2,4); e foram ouvidos pelos homens que falavam outras línguas como aqueles que anunciavam "nas nossas línguas as maravilhas de Deus" (Ac 2,11).

797 Permanecemos, pois, nesta entrega. confiante ao Espírito Santo; e passados quase dois mil anos, nada mais desejamos senão permanecer n'Ele, não separar-nos d'Ele de nenhum modo, não O "contristar" nunca (cf. Ef Ep 4,30).

— porque somente n'Ele está connosco Cristo;

— porque só com a Sua ajuda é que nós podemos dizer: "Jesus é Senhor" (cf. 1Co 12,3);

— porque somente pelo poder da Sua graça é que nós podemos clamar: "Abbá, Pai" (Rm 8,15);

— porque somente pelo Seu poder, pela potência do Espírito Santo que é Senhor e dá a vida, é que nós somos a mesma Igreja, esta Igreja em que "há... diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo; há diversidade de ministérios, mas o Senhor é o mesmo; há diversidade de operações, mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos. E a cada um é concedida a manifestação do Espírito para que redunde em vantagem comum (1Co 12,4-7).

Assim, pois, estamos no Espírito Santo e n'Ele desejamos permanecer:

— n'Ele, que é o Espírito que dá a vida e é uma nascente de água jorrante até à vida eterna (cf. Jo Jn 4,14 Jn 7,38-39);

— n'Ele, pelo Qual o Pai dá novamente a vida aos homens mortos pelo pecado, até que um dia ressuscite em Cristo os seus corpos mortais (cf. Rom Rm 8,10-11);

— n'Ele, no Espírito Santo, que habita na Igreja e nos corações dos fiéis (cf. 1Co 3,16 1Co 6,19) e neles ora e dá testemunho da sua adopção filial (cf. Gal Ga 4,6 Rm 8, 15-16, Rm 26);

— n'Ele, que dota a Igreja com diversos dons hierárquicos e carismáticos e com a ajuda destes a dirige e a enriquece de frutos (cf. Ef. Ep 4,11-12 1Co 12,4 Ga 5,22);

— n'Ele, que com a força do Evangelho faz rejuvenescer a Igreja, a renova continuamente e a leva à perfeita união com o Seu Esposo (cf. Const. dogm. Lumen Gentium LG 4).

798 Sim. Nós desejamos permanecer n'Ele, no Espírito Santo, no Paráclito assim, como a Ele — ao Espírito do Pai — nos confiou Cristo crucificado e ressuscitado. Confiou-nos a Ele dando-no-1'O a nós: aos Apóstolos e à Igreja, quando disse, no Cenáculo hierosolimitano: "Recebei o Espírito Santo" (Jn 20,22).

E estas palavras começaram a ter actuação prática diante de todas as línguas e nações no dia do Pentecostes, no dia em que a Igreja nasceu no Cenáculo de Jerusalém e saiu para o mundo.

4. Credo in Spiritum Sanctum Dominum et vivificantem...

(Creio no Espírito Santo, Senhor que vida...)

É esta fé dos Apóstolos e dos Padres da Igreja, que no ano de 381 o Concílio de Constantinopla ensinou solenemente a professar, que nós, aqui reunidos nesta Basílica Romana de São Pedro, em unidade espiritual com os nossos Irmãos que celebram a Liturgia jubilar na Catedral do Patriarcado Ecuménico de Constantinopla, desejamos professar, ensinando-a com a mesma pureza e potência no ano de 1981 como a professou e ensinou a professar aquele venerável Concílio há dezasseis séculos atrás.

Desejamos também pôr em prática à luz da mesma fé o ensino do II Concílio do Vaticano, daquele Concílio dos nossos tempos que tão generosamente manifestou a obra do Espírito Santo, que é Senhor e dá a vida, em toda a missão da Igreja. Desejamos, pois, actuar na vida esse Concílio, que se tornou a palavra de ordem e a tarefa das nossas gerações; e desejamos compreender ainda mais profundamente o ensino dos antigos Concílios, em particular o ensino daquele que se realizou há mil e seiscentos anos em Constantinopla.

Nesta luz — fixando o olhar no mistério do único Corpo, que é composto por diversos membros — nós, com renovado fervor, fazemos votos bem sentidos por que se realize aquela unidade a que, em Cristo, são chamados todos aqueles que — segundo as palavras de São Paulo foram "baptizados num só Espírito para constituírem um só corpo" (1Co 12,13); todos aqueles que foram "embebidos em um só Espírito" (1Co 12,13). E desejamos isto com renovado fervor especialmente no dia de hoje, que nos recorda os tempos da Igreja indivisa. E por isso clamamos:

Ó Luz beatíssima / penetrai até ao mais íntimo nos corações dos vossos fiéis! (Sequência da solenidade de Pentecostes).

Nos nossos tempos nota-se que a face da terra se acha muitíssimo enriquecida, graças à criatividade e ao trabalho do homem, com as obras da ciência e da técnica, após terem sido tão profundamente explorados o interior da mesma terra e os espaços do universo cósmico; ao mesmo tempo, porém, a humanidade encontra-se perante ameaças até agora desconhecidas, que provêm da parte de forças que o próprio homem desencadeou.

E é hoje que nós, Pastores da Igreja, herdeiros daqueles que receberam o Espírito Santo no Cenáculo do Pentecostes, devemos sair, assim como eles saíram, conscientes da imensidade do Dom, que na Igreja é participado pela família humana: nós devemos sair... continuamente sair para o mundo e, encontrando-nos nas diversas partes da terra, devemos repetir ainda com maior fervor:

Que o Vosso Espírito desça

799 E renove a face da Terra! Que Ele desça!

Ao longo da história da humanidade e através do mundo visível, a Igreja não cessa de confessar:

Creio no Espírito!

Creio no Espírito Santo, Senhor que dá a vida.

Credo in Spiritum Sanctum Dominum et vivificantem.

Neste Espírito nós permanecemos. Amém.





* [Homilia precedentemente gravada, devido ao estado de saúde do Santo Padre]



SANTA MISSA PARA OS PARTICIPANTES

NO CONGRESSO «MOVIMENTOS DA IGREJA»


Sala dos Suíços do Palácio Apostólico de Castel Gandolfo

Domingo, 27 de Setembro de 1981




1. Sinto muita alegria por este encontro e saúdo-vos cordialmente, queridos participantes no Congresso Internacional "Movimentos na Igreja".

2. Como bens sabeis, a própria Igreja é "um movimento". E é, sobretudo, um mistério: o mistério do eterno "Amor" do Pai, do seu coração paterno, do qual têm início a missão do Filho e a missão do Espírito Santo. A Igreja, nascida desta missão, encontra-se in statu missionis. Ela é um "movimento" que penetra nos corações e nas consciências. É um "movimento" que se inscreve na história do homem-pessoa e das comunidades humanas.

800 Os "movimentos" na Igreja devem reflectir em si o mistério daquele "amor", do qual ela nasceu e nasce continuamente. Os vários "movimentos" devem viver a plenitude da Vida transmitida ao homem como dom do Pai em Jesus Cristo por obra do Espírito Santo. Devem realizar em toda a plenitude possível a missão sacerdotal, profética e real de Cristo, na qual todo o Povo de Deus participa.

3. Os "movimentos" no seio da Igreja-Povo de Deus exprimem aquele múltiplo movimento, que é a resposta do homem à Revelação, ao Evangelho:

— o movimento para o próprio Deus Vivo, que também se aproximou do homem;

— o movimento para o próprio íntimo, para a própria consciência e para o próprio coração, o qual, no encontro com Deus revela a profundidade que lhe é própria;

— o movimento para os homens, nossos irmãos, que Cristo coloca no caminho da nossa vida;

— o movimento para o mundo, que espera constantemente em si "a revelação dos filhos de Deus" (
Rm 8,19).

A dimensão substancial do movimento em cada uma das direcções acima mencionadas é o amor: "o amor de Deus foi derramado em nossos corações, pelo Espírito Santo, que nos foi concebido" (Rm 5,5).

4. De todo o coração abraço um a um os participantes no Congresso e faço os meus mais cordiais votos de todo o bem aos "movimentos" que representais: Comunhão e Libertação, "Swiatlo-Zycie", Focolarinos, Cursilhos de Cristandade, Renovação no Espírito, Schönstatt, Equipa de Nossa Senhora, Oásis, Comunidade de vida cristã.

A todos abençoo de coração.



SANTA MISSA PARA A PEREGRINAÇÃO

DE UM GRUPO DE DEFICIENTES VINDOS DA SUÍÇA


Capela da Residência de Castel Gandolfo

29 de Setembro de 1981




801 Saúdo-vos cordialmente, queridos irmãos e irmãs que, de várias dioceses da Suíça, realizais a vossa Primeira peregrinação a "Roma em cadeiras de rodas". Expresso-vos também de bom grado as boas-vindas a esta celebração comunitária da Eucaristia.

Com especial alegria quis responder ao vosso desejo de ter este encontro. É para mim grata oportunidade encorajar esta louvável iniciativa em favor dos deficientes da Suíça; iniciativa que deve continuar nos próximos anos. Ao mesmo tempo quero agradecer a quantos no vosso país e onde quer que estejam, se colocam com espírito de amor cristão ao serviço dos irmãos deficientes. Mas o Papa, queridos irmãos e irmãs, sobretudo gostaria de vos manifestar o seu profundo carinho e amor, assim como a sua estima cheia de confiança em vós, pela ajuda que lhe prestais mediante a oração e o sacrifício, especialmente com a aceitação paciente e abnegada do vosso sofrimento.

Considerai a vossa situação em primeiro lugar com os olhos da fé. O que aos olhos de quem não tem fé aparece como trágica desgraça, para os que crêem pode converter-se numa tarefa que dá pleno sentido à vida e se realiza no meio da comunidade humana e da Igreja. No destino que nos foi dado ou permitido não por cega casualidade, mas pelo Deus que nos ama, vem-nos ao encontro o seu chamamento pessoal. Por este destino reconhecemos a missão e a tarefa que nos foram confiadas a cada um. Procurai, cada dia, compreender com maior profundidade, mediante a contemplação da cruz, a missão que vos é entregue com a invalidade dos vossos corpos, para aceitá-la com plena disponibilidade interior, imitando o Senhor na sua paixão, e fazê-la frutificar em benefício da acção salvífica da Igreja no mundo.

Colocai nesta celebração da Eucaristia, e também todos os dias, as vossas provações e sofrimentos junto da redentora dor de Jesus Cristo, pela qual precisamente a vossa vida de deficientes alcança um inestimável valor aos olhos de Deus e nos planos da sua Providência. Oxalá a Missa de hoje, celebrada pelo Papa para a peregrinação a Roma, vos confirme nesta visão consoladora da fé, e faça que ao mesmo tempo vos sintais plenamente felizes e alegres na vossa, vida.

É o que neste momento para vós desejo e peço ao Senhor presente na Eucaristia, com a minha especial Bênção Apostólica.



Homilias JOÃO PAULO II 791