Homilias JOÃO PAULO II 801


SOLENE RITO DE BEATIFICAÇÃO DE CINCO NOVOS BEATOS


Praça de São Pedro

Domingo, 4 de Outubro de 1981




Irmãos e Irmãs caríssimas

I. Hoje é um dia de sincera exultação e de fervorosa alegria para o Povo de Deus! A Igreja ajoelha-se toda para venerar três Filhos seus e duas Filhas, que na sua existência terrena de maneira heróica realizaram, dia após dia, as exigências da mensagem do Evangelho. A Igreja, santificada pelo sangue do seu Esposo, Cristo, tornou-se mãe de Santos e de Santas! E neste dia tem a íntima glória de apresentar ao mundo contemporâneo cinco novos Beatos, testemunhas da sua perene, inexaurível e juvenil vitalidade, e portadores daquela mensagem de alegria, que é típica do Evangelho.

E sob o signo desta alegria cristã, nós escutaremos a mensagem, que os novos cinco Beatos hoje nos transmitem, porque a sabemos fazer nossa, realizando-a na nossa vida, e transmitimo-la, assim, na sua genuinidade à sociedade hodierna, que está em contínua busca do Absoluto.

2. Alão de Solminihac, pertencente a uma antiga família do Périgord, cuja divisa era "Fé e Valentia", tinha primeiro pensado nos Cavaleiros de Malta. Mas em 1613, com a idade de 20 anos, decide entrar para a Abadia de Chancelada, perto de Périgueux e pertencente aos Cónegos regulares de Santo Agostinho. A seguir à ordenação, continua estudos de teologia e de espiritualidade em Paris. Na Epifania de 1623, recebe a Bênção abacial e principia corajosamente a reestruturação material e espiritual da sua Abadia. Era a época da aplicação do Concílio Tridentino. Este exemplo muito se repercutiu na região e bem além dela. Aqui, desejaria eu sublinhar que tal promotor da vida evangélica pode de maneira, singular iluminar os Institutos religiosos do nosso tempo. Inevitavelmente atingidos pelas mudanças sócio-culturais presentes, devem resistir à provocação do enfado ou mesmo da diluição, por meio de um renovamento da fidelidade ao "caminho estreito" ensinado por Jesus mesmo e para sempre caracterizado pela escolha consciente e permanente da pobreza, da castidade e da obediência consagradas. A experiência de Alão de Solminihac recorda a propósito a todos os religiosos o valor e a fecundidade da sua oblação radical, sustentada pela observância da Regra, pela mortificação e pela vida em comunidade. Peço ao novo Beato que lhes comunique o seu fervor ascético.

802 Em 1636, a reputação de zelo e de santidade do Abade de Chancelade levou a que o nomeasse o Papa Urbano VIII para o bispado de Cahors. Fervoroso admirador da pastoral conciliar do santo Arcebispo de Milão, Carlos Borromeo, o Bispo Solminihac tomou também a decisão de dar à sua diocese o aspecto e a vitalidade que tanto desejara o Concílio de Trento. Os seus 22 anos de episcopado na região de Quercy foram exercício ininterrupto de actividades importantes e eficazes: convocação de um sínodo diocesano, estabelecimento de um conselho episcopal hebdomadário, visita sistemática das 800 paróquias da diocese, que ele tornará a ver nove vezes cada uma, criação de um seminário confiado aos Lazaristas, multiplicação das missões paroquiais, desenvolvimento do culto eucarístico num tempo em que o jansenismo começava a espalhar-se, promoção ou fundação de obras caritativas para os velhos é os órfãos, para os doentes e as vítimas da peste. Três anos antes de morrer, prega ele próprio o Jubileu de 1656, ao mesmo tempo para converter o seu povo e lhe fazer sentir a missão particular do Bispo de Roma, defensor da comunhão entre as Igrejas. Numa palavra, uma expressão tirada do salmo 69 resumiria perfeitamente a vida pastoral deste Bispo do século XVII: "devora-me o zelo da Tua casa". A notável figura de Alão de Solminihac bem merecia ser posta em relevo pela Igreja que serviu com tanto fervor. Oxalá os bispos da França e de todos os países encontrem na vida do Beato Alão de Solminihac a coragem de evangelizar sem temor o mundo contemporâneo!

3. Luís Scrosoppi, de Údine, ordenado sacerdote em 1827, entrega-se a um incansável apostolado, animado e provocado pela caridade de Cristo. Institui a "Casa das Abandonadas" ou "Instituto da Providência", para a formação humana e cristã das donzelas; abre a "Casa da Providência" para as ex-alunas que se viam sem trabalho; dá início à Obra das Surdas-Mudas, e funda as Irmãs da Providência sob a protecção de São Caetano. O Padre Luís entra na Congregação do Oratório e faz dela um dinâmico centro de irradiação de vida espiritual.

Na sua vida, dedicada totalmente às almas, teve três grandes amores: Jesus; a Igreja e o Papa; e "os pequeninos".

Desde muito jovem, escolhe Cristo como Mestre e ama-O contemplando-O pobre e humilde em Belém; trabalhador em Nazaré; a sofrer e sendo vítima no Getsémani e no Gólgota; e presente na Eucaristia. "Quero ser-Lhe fiel — escreveu —, dedicado perfeitamente a Ele no caminho do céu, e conseguir fazer uma cópia d'Ele".

O seu amor à Igreja manifesta-se na fidelidade completa às leis eclesiásticas; no seu apostolado, que não conhece pausas ou hesitações; e na dócil aceitação do Magistério.

O Padre Scrosoppi gastou, sem exagero, toda a sua vida no exercício da caridade para com o próximo, especialmente para com os mais pequenos e mais abandonados. Pelos pobres distribuiu os seus notáveis bens patrimoniais. "Os pobres e os enfermos são os nossos patrões e representam a pessoa mesma de Jesus Cristo": são palavras suas; mas são também, e mais, a sua vida.

Como fundamento da sua múltipla, actividade pastoral e caritativa está uma profunda interioridade: o seu dia é oração contínua: meditação, visitas ao Santíssimo Sacramento, reza do Breviário, "Via-Sacra" diária, Rosário e, por último, longa oração nocturna; dando ele tal modo aos fiéis, aos sacerdotes e aos religiosos luminoso e eficaz exemplo de equilibrada síntese entre vida contemplativa e vida activa.

4. Hermínio Filipe Pampúri, décimo de 11 filhos, aos 24 anos é médico municipal e aos 30 entra na Ordem Hospitaleira de S. João de Deus (Fatebenefratelli). Logo três anos mais tarde, falecia.

É figura extraordinária, perto de nós no tempo, todavia mais próxima ainda dos nossos problemas e da nossa sensibilidade. Admiramos em Hermínio Filipe, que tomou na Ordem o nome de Frei Ricardo Pampúri, o jovem leigo cristão, empenhado em dar testemunho no ambiente escolar, como membro activo do Círculo Universitário "Severino Boézio" e sócio da Conferência de São Vicente de Paulo; o dinâmico médico, animado por intensa e prática caridade para com os doentes e os pobres, nos quais descobre o rosto de Cristo doloroso. Realizou à letra as palavras escritas à irmã religiosa, quando ele era médico municipal: "Pede que a soberba, o egoísmo e qualquer outra paixão má não venham impedir-me de ver sempre Jesus a sofrer nós meus doentes, curá-l'O a Ele e confortá-1'O. Com este pensamento sempre vivo no espírito, quão suave e quão fecundo deveria parecer-me o exercício da minha profissão!".

Admiramo-lo também como Religioso integérrimo de uma benemérita Ordem, que, no espírito do seu Fundador São João de Deus, fez da caridade, para com Deus e para com os irmãos enfermos, a própria missão característica e o próprio carisma original. "Quero servir-Vos, ó meu Deus, para o futuro com perseverança e amor sumo: nos meus Superiores, nos irmãos, nos doentes Vossos predilectos: dai-me a graça de servi-los como Vos serviria a Vós": assim escrevia nos propósitos preparatórios da sua profissão religiosa. A vida breve, mas intensa, de Frei Ricardo Pampúri é incitamento para todo o Povo de Deus, mas especialmente para os jovens, para os médicos e para os religiosos.

Aos jovens de hoje dirige ele o convite a que vivam alegre e corajosamente a fé cristã; procurando ouvir continuamente a Palavra de Deus, em generosa coerência com as exigências da mensagem de Cristo, na doação em favor dos irmãos.

803 Aos médicos, seus colegas, dirige ele o apelo a que desempenhem com aplicação a sua delicada arte, animando-a com os ideais cristãos, humanos e profissionais, para que seja, uma autêntica missão de serviço social, de caridade fraterna e de verdadeira promoção humana.

Aos religiosos e às religiosas, especialmente àqueles e àquelas que, na humildade e no ocultamento, realizam a sua consagração nas enfermarias dos hospitais e nas clínicas, Frei Ricardo recomenda que vivam o espírito original do seu Instituto, no amor de Deus e dos irmãos necessitados.

5. Claudina Thevenet passou toda a vida em Lião. Teve a adolescência perturbada pela revolução francesa que agitou tão violentamente a sua cidade natal. Numa manhã de Janeiro de 1794, esta jovem de 19 anos reconhece os seus dois irmãos, Luís e Francisco, num cortejo de condenados à morte. Tem a coragem de os acompanhar até ao lugar do suplício e de recolher as últimas palavras deles: "Glady, perdoa, como nós perdoamos!". Este facto foi sem dúvida elemento determinante da vocação de Claudina, já tão compassiva diante das misérias acumuladas pela tempestade revolucionária. Pensa em tornar-se mensageira da misericórdia e do perdão de Deus numa sociedade destroçada, e a dedicar a própria vida à educação dos jovens, sobretudo dos mais pobres, cujo estado de abandono ultrapassa a imaginação. Por isso, com o apoio esclarecido do Padre Coindre, Claudina funda em 1816 uma Piedosa União, que virá a ser dois anos mais tarde a Congregação de Jesus Maria. Hoje, para o maior prazer da Igreja, as Filhas da Madre Thévenet são mais de 2.000, presentes em todos os continentes e vivendo verdadeiramente do seu espírito. Escolas e colégios, lares para jovens e para pessoas idosas, pastoral catequética e familiar, dispensários e casas de oração não têm senão uma finalidade: levar a que se conheçam Jesus e Maria, trabalhando ao mesmo tempo na promoção social dos pobres.

A 150 anos de distância, a vida desta fundadora continua ainda a dirigir-se às suas filhas e dirige-se também aos cristãos em geral. Não estamos nós mesmos numa sociedade demasiadas vezes tentada e desfigurada pela violência? Não temos de nos deixar invadir pela misericórdia infinita de Deus, para oferecermos a nossa corajosa contribuição para esta "civilização do amor" de que falava Paulo VI, a única que é digna do homem? Claudina Thévenet apresenta-se-nos como modelo de amor e de perdão: "Seja a caridade como a pupila dos vossos olhos" diz-nos, ainda, agora, como gostava de repetir às suas Irmãs. "Estai disposta a tudo sofrer dos outros e a nada fazer sofrer a ninguém".

Por outro lado, a nova Beata não é verdade que se conserva modelo de vida evangélica e religiosa para aqueles e aquelas que se consagram à educação da juventude, na Igreja e segundo as suas directrizes? As intuições e os métodos pedagógicos de Claudina Thévenet são sempre de actualidade: quer dizer, uma educação cheia de atenções maternais, muito empenhada em preparar as jovens para a vida por meio da aquisição de uma competência profissional e da iniciação progressiva nas suas futuras responsabilidades de esposas e de mães, e acima de tudo profundamente cristã, porque — dizia ela — "não há maior desgraça do que viver e morrer sem conhecer a Deus".

Claudina, que fez da sua vida religiosa um "hino de glória" ao Senhor, à imitação da Virgem Maria que ela venerava profundamente, lembra aos cristãos que vale a pena tudo arriscar por Deus. Àqueles e àquelas que o Senhor convida para se consagrarem mais particularmente ao Seu serviço, ela confirma que é preciso saber "perder a sua vida" (cf. Mt
Mt 10,39) para outros poderem amar e conhecer a Deus; confirma também pelo seu exemplo que o mais belo resultado na vida é a santidade.

6. Maria Repetto, com 22 anos entrou em Génova na Congregação das Irmãs de Nossa Senhora do Refúgio, no Monte Calvário. Nas numerosas e graves epidemias de cólera que infestam a cidade, ela corre intrépida para a cabeceira dos doentes. A fama da "religiosa santa" cresce de dia para dia e, quando toma o ofício de porteira, continua a dar os tesouros da sua alta espiritualidade a todos os que a ela recorrem para ajuda e conselho.

Maria Repetto desde a juventude aprendeu e viveu uma grande verdade, que nos transmitiu também a nós: Jesus deve ser contemplado, amado e servido nos pobres, em todos os momentos da nossa vida. Ela dá tudo o que tem: as economias, as coisas, a palavra, o tempo e o sorriso. "Servir os pobres de Jesus", era o programa do seu Instituto; programa que ela executou nos 50 anos de vida religiosa, servindo primeiramente a Jesus, crescendo na perfeição do amor, recordando a si mesma que "primeiro que tudo era religiosa", e servindo os pobres, pois Cristo vive nos pobres.

São Francisco de Caporosso, chamado pelos genoveses "o pai santo", mandava ter com ela, a "religiosa santa", pessoas de todas as proveniências sociais, necessitadas de auxílio e de conselhos. O humilde frade "buscador", canonizado em 1962, e a humilde Irmã porteira, que hoje sobe às honras dos altares, foram, no século passado, os dois pólos da vida religiosa de Génova. Maria Repetto estava sempre satisfeita e serena, e alegrava-se de ter o coração aberto, mais que a porta do convento, e de dar, dar sempre, dar tudo. E esta alegria da dádiva a Deus culminou na sua morte: com o sorriso nos lábios, a Beata pronunciou as últimas palavras, que são hino de júbilo à Mãe de Deus: "Rainha do céu, alegrai-vos, aleluia!".

7. Caríssimos!

Iniciámos esta reflexão sob o signo da alegria cristã; e sob o signo da alegria pascal, fruto da Cruz de Jesus, continuamos esta solene celebração, confortados pelos admiráveis exemplos destes novos Beatos, indicadores do caminho que também nós devemos percorrer na nossa peregrinação terrena: o caminho do amor para com Deus e para com os irmãos, especialmente para os que sofrem no espírito e no corpo.

804 Os novos Beatos confiaram no Senhor, invocaram-n'O, fortes com a Sua clemência e misericórdia; seguiram os Seus caminhos; procuraram agradar-Lhe, lançaram-se nos Seus braços (cf. Sir Si 2,7 s.). Acima dos seus pensamentos, mais alto que tudo colocaram a caridade, convencidos de que ela é "o vínculo da perfeição" (cf. Col Col 3,14). Fazendo próprio o convite de Cristo, venderam tudo o que tinham e deram-no de esmola; fizeram para si bolsas que não envelhecem, e obtiveram um tesouro inexaurível nos céus (cf. Lc Lc 12,32 s.), como diz o trecho evangélico, que foi lido há pouco.

Enquanto nos inclinamos reverentes diante deles, confiamo-nos à poderosa intercessão dos mesmos:

Ó Beato Alão de Solminihac,
Ó Beato Luís Scrosoppi,
Ó Beato Ricardo Pampúri,
Ó Beata Claudina Thévenet,
Ó Beata Maria Repetto,
rogai à Trindade Santíssima pelas vossas Pátrias terrenas, a fim de que vivam em serena concórdia! Rogai pelas vossas Famílias Religiosas, a fim de que dêem à sociedade contemporânea alegre testemunho da sua doação a Deus! Rogai pela Igreja, peregrina na terra, a fim de que seja sempre sinal e instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o género humano!

Rogai por todos os Povos do mundo, a fim de que ponham em prática, nas suas relações mútuas, a justiça e a paz!

ó novos Beatos e Beatas, rogai por nós!

Amém!



VISITA DO SANTO PADRE À PARÓQUIA DE CASTEL GANDOLFO


805
Domingo, 11 de Outubro de 1981




1. Agradeço de coração o convite que me foi dirigido para visitar a Igreja Paroquial de Castel Gandolfo. Encontrando-me na Diocese de Albano, desejo saudar cordialmente a Diocese inteira nas pessoas do Cardeal Titular Francisco Carpino, e do Bispo D. Gaetano Bonicelli.

E saúdo a Paróquia dirigindo-me a todos os presentes, ao Pároco, aos seus Colaboradores na pastoral, às Congregações religiosas masculinas e femininas, e a todos os paroquianos. De modo particular saúdo todos os Leigos que, vivendo na paróquia, realizam em diversos modos aquelas tarefas de apostolado, sobre as quais nos disse tantas coisas o último Concílio.

Este ano vim para Castel Gandolfo a 16 de Agosto, depois de estar internado no hospital durante alguns meses, a fim de poder passar aqui a convalescença. No dia da chegada, saudando os habitantes reunidos na Praça central, disse, indicando a vossa Igreja paroquial: "Em Castel Gandolfo vive-se na perspectiva da Assunção de Maria. A Ela, de facto, é dedicada a vossa Paróquia". Hoje, quando me é dado oferecer o sacrifício eucarístico nesta igreja, desejo ainda repetir estas palavras com todo o coração.

Quereria também agradecer-vos, porque durante a minha permanência aqui me facilitastes o desempenho daqueles ministérios pastorais, que estão relacionados com a missão do Bispo de Roma, em particular acolher os numerosos peregrinos que ao Domingo vêm até cá acima para a recitação do Angelus em comum, como também aconteceu, neste período, todas as quartas-feiras, até à semana passada quando recomecei as Audiências em Roma.

A Liturgia hodierna, com as palavras do Salmo 23, fala do Senhor que é Pastor do seu povo, Pastor de todas as almas: verdadeiramente o Bom Pastor.

Ele é Quem garante ao seu rebanho, que somos nós, abundantes e seguras pastagens da sua graça. O Senhor portanto é a fonte da nossa alegria: "Ainda que eu atravesse o vale tenebroso, nada temerei, porque estais comigo" (ib. 4). Sob a sua guia estamos tranquilos e prosseguimos diligentes pelo caminho da nossa vida e das nossas responsabilidades.

3. São Paulo, na Carta aos Filipenses traduz, num certo sentido, o texto do Salmo antigo, na linguagem do Novo Testamento, quando escreve: "O meu Deus, da Sua parte, proverá com profusão a todas as vossas necessidades, conforme as Suas riquezas em Jesus Cristo" (Flp 4, 19).

Exorto-vos, caros Irmãos e Irmãs, a viverdes a mesma fé do Apóstolo! Procuremos esta riqueza, que Deus oferece aos homens em Jesus Cristo! Saibamos repetir com o Apóstolo: "Tudo posso n'Aquele que me dá força" (Flp 4, 13).

Infelizmente, hoje, muitos homens não parece terem o sentido das riquezas espirituais provenientes da comunhão com o Senhor. Muitos são seduzidos por um comportamento materialista e laicizado, que não quer advertir esta superior dimensão do homem. É necessário precaver-se contra estas perspectivas secularistas. Por conseguinte, é necessária uma contínua conversão da mente e do coração. Só assim as riquezas de Deus, oferecidas aos homens em Cristo, se desvelam cada vez mais plenamente aos olhos da nossa alma.

4. E portanto, também durante o encontro de hoje com a vossa Paróquia, faço votos a cada um e a todos por que não vos comporteis, perante o convite para o "banquete nupcial para seu filho", como ouvimos no Evangelho de hoje.

806 De facto, os primeiros convidados "não quiseram comparecer" (Mt 22,3); outros, depois, "não se importaram" (ib. 22, 5); outros, ainda, insultaram ou mataram os servos portadores do convite (cf. ib. 22, 6). Todos eles, na realidade, "não eram dignos" (ib. 22, 8), provavelmente porque acharam, com inaudita presunção e auto-suficiência, o banquete inútil ou pelo menos inferior às próprias exigências e pretensões. De facto, foram os pobres que aceitaram o convite, aqueles que estacionavam "às saídas dos caminhos..., maus e bons" (ib. 22, 9.10), isto é aqueles que na sua humildade conheceram a riqueza imerecida do dom de Deus e o aceitaram com simplicidade. É preciso que também nós estejamos antes de tudo conscientes do convite para uma transformadora comunhão com o Senhor, convite que nos é dirigido pela Palavra de Deus e a pregação da Igreja; e, além disso, que saibamos acolhê-lo com todo o coração, com plena disponibilidade, na certeza de que o Senhor quer somente a nossa promoção, a nossa salvação. Por fim, como sugere a alegoria do traje nupcial que conclui a Parábola, somos também chamados a apresentarmo-nos ao Senhor trazendo um traje adequado; ele consiste nas boas obras que devem acompanhar a nossa fé, como nos adverte o próprio Jesus: "Se a vossa virtude (isto é, a vossa vida vivida) não superar a dos escribas e dos fariseus, não entrareis no reino dos Céus" (ib. 5, 20). Mas se isto se realizar, então a festa é completa e intensa.

5. Penso que os votos que hoje faço à paróquia de Castel Gandolfo, a todos os seus paroquianos, estão resumidos do modo melhor e mais incisivo nas palavras, que juntos ouvimos no canto do Aleluia: "O Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo nos conceda o espírito da sabedoria, a fim de podermos conhecer a esperança do nosso chamamento" (cf. Ef Ep 1,17-18).

Permiti que, mediante estas palavras de São Paulo, eu exprima tudo o que, no meu coração, nutro por vós, caros Irmãos e Irmãs, que viveis aqui em Castel Gandolfo na perspectiva da Assunção da Mãe de Deus. A Ela também me dirijo com fervorosa oração, para que dê auxílio na realização destes santos votos. Amém.



SANTA MISSA DURANTE A VISITA

AO PONTIFÍCIO COLÉGIO GERMÂNICO-HUNGÁRICO


Domingo, 18 de Outubro de 1981




Queridos Alunos
Queridos Padres e Irmãos de Companhia de Jesus
Queridas Irmãs e querida família do Colégio

1. Na primeira Carta aos Tessalonicenses, cuja leitura começa na liturgia dominical de hoje, o Apóstolo Paulo, juntamente com Silvano e Timóteo, escreve: "Quisemos ir ter convosco..." (2, 18). Entre as duas viagens pastorais a dois dos vossos países, a Alemanha e a Suíça, era especialmente indicado que o Papa fizesse também uma visita ao Pontifício Colégio Germânico-Húngaro. Conheceis bem a causa que tornou impossível realizar em devido tempo tanto esta visita a vós, como a minha viagem à Suíça. Mas sabeis também "que Deus concorre em tudo para o bem dos que O amam" (Rm 8,28). Assim, pois, foi-nos concedido hoje este encontro tão desejado, em meio da alegria profunda que brota da fé e com redobrado desejo de abrir o coração a Deus para Lhe dar graças, querendo simultaneamente compartilhar com todos vós estes mesmos sentimentos.

Como diz a Leitura de hoje, eu também vejo em vós uma "comunidade..., que está em Deus Pai e no Senhor Jesus Cristo" (1Th 1,1) e, também como Paulo, "dou graças a Deus por todos vós, pela actividade da vossa fé, e o esforço da vossa caridade e a constância da vossa esperança" (cf. 1, 2 s). Cheio de alegria posso afirmar com o Apóstolo "Sabemos, irmãos amados de Deus, que fostes escolhidos" (1, 4). Esta vocação gratuita em Cristo diz respeito a todos os membros do novo povo de Deus; mas de modo especial é dirigida àqueles que foram chamados a segui-1'O mais de perto como discípulos seus.

A vós queridos sacerdotes e aspirantes ao ministério sacerdotal do Colégio Germânico-Húngaro, coube-vos a ventura de receber esta chamada para o seguimento especial de Cristo. A história do vosso Colégio dá-vos direito a sentir orgulho e alegria; mas ao mesmo tempo convida-vos a humilde seriedade. Sois chamados, segundo o espírito dos fundadores do Colégio, a anunciar a boa nova aos vossos povos e, de modo especial, a pôr-vos ao serviço daquela unidade, pela qual Jesus pediu na sua despedida e que hoje é tão intensamente desejada pela Cristandade (e não só por ela!). Oxalá os vossos países, outrora causa de separação, possam ser hoje também origem de reconciliação!

2. A fim de salientar a grande importância que tem no nosso tempo esta solicitude pelo ecumenismo, quis com especial interesse fazer a minha visita pastoral à Alemanha precisamente no ano jubilar da Confessio Augustana.E Deus concedeu-me a graça de ter ali encontros felizes com os dirigentes das outras . Igrejas cristãs — como espero vir a ter e peço encarecidamente a Deus durante a viagem que desejo fazer à Suíça.

807 A minha inesquecível visita à República da Alemanha no 700° aniversário da morte de Santo Alberto Magno era naturalmente destinada em primeiro lugar aos meus irmãos e irmãs na fé, para viver intensamente, em louvor a Deus e intercâmbio fraterno, a experiência da comunhão eclesial; era destinada a renovar e animar a vida religiosa nas famílias e nas comunidades. Mas a minha visita quis, ao mesmo tempo, servir a grande causa da Ekumene: "ut unum sint" (cf. Jo Jn 17,21). Pois só uma Igreja viva e fortalecida na sua fé pode ser uma Igreja de autêntico diálogo.

3. A imerecida eleição de que fomos objecto e a situação tão radical a que leva são-nos postas claramente diante dos olhos pela Leitura que fizemos do Antigo Testamento na liturgia de hoje: "Dei-te um nome, embora não Me conhecesses. Eu Sou o Senhor, não há outro, não existe outro Deus fora de Mim" (Is 45,4 s.).

O Evangelho que acabámos de escutar mostra-nos a força com que o Senhor contrapõe esta exigência radical de Deus às pretensões do mundo: "Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus" (Mt 22,21). Estas palavras conservadas pelo Evangelista vão mais além do contexto imediato da discussão de Jesus com os fariseus, convertendo-se em chave fundamental para superar a tensão entre o nosso estar no mundo e o nosso ser para Deus. Quem tomar a sério a nossa relação com o cosmos e com a humanidade deve guardar-se de menosprezar esta exigência de Deus. Quem coloca Deus resolutamente no centro da própria vida deve pensar que, ao mesmo tempo, há-de estar em consonância com a criação de Deus e com as exigências derivadas de viver com os outros homens.

Queridos alunos do Colégio Germânico-Húngaro! No esforço pessoal para descobrir de maneira realmente católica e para viver, por conseguinte, essa nossa orientação para Deus e o nosso vínculo com o mundo, pode ser-vos proveitosa a circunstância de o vosso Colégio ter sido fundado por Santo Inácio de Loyola, cuja espiritualidade vos é inculcada nesta casa. Segundo o "princípio e fundamento" que nos deu nos livros dos seus Exercícios, o homem foi "criado para louvar, reverenciar e servir a Deus nosso Senhor, e mediante ele salvar a sua alma; e as outras coisas sobre a face da terra são criadas para o homem, e para o ajudarem a prosseguir o fim para que é criado" (Exercícios espirituais, n. 23).

Oxalá a vossa vida saiba dar sempre ao corpo, à natureza, às coisas e às estruturas humanas, o que lhes corresponde, sem ficar por aqui, mas antes oferecendo-se em tudo a Deus, como nos ensina Santo Inácio: "Tomai, Senhor, e recebei..." (Exercícios espirituais, n. 234). Desta maneira respondereis à vossa vocação sacerdotal; assim sereis para os crentes e para o mundo um vivo "Sursum corda".

Nestes anos que passais no Colégio estais isentos do trabalho que será depois vosso ónus e vossa alegria. Para o futuro serviço de anunciar a Palavra, tendes agora a obrigação de escutar a Palavra e de vos dedicar fielmente ao estudo assíduo e às vezes severo. É possível que sintais receio de que o contacto prolongado com os livros vos possa dificultar o contacto imediato com os homens. Considerai, todavia, a vantagem que provém de vos ser fornecida, num retiro tranquilo, uma bagagem sólida antes de enfrentar "os cuidados e a preocupação diária pelas comunidades" (cf. 2Co 11,28). Exercitai a aproximação dos homens com os que agora são os vossos próximos. Prestai-lhes a mesma atenção diligente, delicada, compreensiva e generosa, com que depois querereis aproximar-vos no nome de Jesus das pessoas que vos forem confiadas.

4. O mosaico da abside da vossa igreja apresenta-nos Maria como Rainha dos Apóstolos, esposa do Espírito Santo e Mãe da Igreja. Neste domingo mundial das Missões, confiamos-lhe de maneira especial aqueles que foram alunos deste Colégio e depois, seguindo um convite especial de Deus, quiseram ser missionários, bem como religiosos, ou ainda — segundo as orientações da "Fidei Donum" e com a aprovação magnânima dos seus Bispos — sacerdotes diocesanos. O seu espírito missionário anime também aqueles que, saindo daqui ( seguindo o objectivo da fundação do Colégio, voltam para os seus países, a fim de que saibam manter vivos dentro deles e em todas as suas actividades o modo de pensar e de sentir próprios da Igreja universal, que tão generosamente lhes foi comunicado nesta cidade que sabe abrir as suas portas a todos os povos.

O modo de pensar e de sentir, a oração e o sacrifício missionários pude senti-los com profunda alegria durante a minha visita pastoral à Alemanha, como aspiração das pessoas, das famílias, das comunidades, das dioceses e das obras interdiocesanas "Missio" e "Adveniat". Com tal garantia de cada Igreja local e com a fiel oração e o sacrifício de todos os crentes pode ser cada vez mais realidade o que nos proclama o salmista no salmo responsorial de hoje: "Cantai ao Senhor, todas as terras! Anunciai a Sua glória entre as nações, entre todos os povos, as Suas maravilhas" (Sl 96/95, 1, 3).

Queridos irmãos e irmãs! O Colégio Germânico-Húngaro congrega em Roma, junto da Sé episcopal de Pedro, seminaristas e sacerdotes de diferentes países e línguas. Converte-se assim de modo especial num lugar de encontro e num laço promotor de unidade entre distintas Igrejas locais da Europa. Oxalá o Colégio saiba continuar aprofundando e consolidando essa unidade da Igreja, de que Roma é sinal e centro posto ao seu serviço.

Oremos nesta celebração da Eucaristia por todos os Superiores, Colaboradores e Alunos deste benemérito Colégio, pelos actuais e pelos passados, onde quer que se encontrem neste momento ao serviço da Igreja de Cristo, e digamos com as palavras da liturgia de roje: "Deus Todo-poderoso e eterno, /faz que nos entreguemos a ti com fidelidade /e te sirvamos com sincero coração". Amém.



SANTA MISSA PARA OS ESTUDANTES

DO PONTIFÍCIO SEMINÁRIO ROMANO MAIOR


Sala Paulina

808
Quinta-feira, 22 de Outubro de 1981




Caríssimos Alunos do Seminário Romano Maior!

Desejo dizer-vos antes de tudo a profunda alegria que sinto neste momento por me encontrar entre vós que sois a pupila dos meus olhos e a esperança da Igreja de Roma. Saúdo-vos a todos com efusão de coração: quer os seminaristas romanos quer os provenientes de várias partes da Itália e também de outros Países, entre os quais dois seminaristas polacos. Um cordial pensamento especial vai para o Cardeal Poletti, para Monsenhor Reitor e todos os outros Superiores, que vos acompanharam aqui, no início do novo ano escolar.

1. Este encontro, que se efectua na celebração da Santa Missa, é ocasião ainda mais propícia para confessarmos juntos a nossa fé em Jesus Cristo, sumo e eterno Sacerdote, e para vivermos um momento privilegiado de intensa comunhão eclesial, para a qual nos predispuseram as leituras bíblicas, que agora ouvimos. Elas, de facto, exortam-nos a renovar nos nossos corações a expressão de um amor recíproco cada vez mais profundo: "O Meu mandamento é Este: Que vos ameis uns aos outros, como Eu vos amei. Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida pelos seus amigos. Vós sereis Meus amigos" (
Jn 15,12-14). Trata-se aqui daquele amor que é próprio do cristão, do amor redentor que liberta da escravidão do pecado e leva à intimidade e à amizade com Cristo: "Já não vos chamo servos, mas... amigos" (Jn 15,15). Só o Evangelista João, o "discípulo do amor", podia revelar-nos na sua estupenda plenitude este amor inefável, verdadeiramente singular, que se manifesta na alegria: "...a minha alegria esteja em vós e o vosso gozo seja completo" (Jn 15,11); este amor confiante abre-se à esperança, superando todo o temor; "Vós não recebestes um espírito de servidão, para cair de novo no temor" (Rm 8,15). É este amor que reside "naqueles que são movidos pelo Espírito" (Rm 8,14); isto é, naqueles que são arrebadados no próprio ser e na própria acção pelo poder de Deus e passam da morte à vida; naqueles que, tornados filhos adoptivos, podem dirigir-se a Deus chamando-lhe Pai (Rm 8,15).

2. É precisamente este amor extraordinário e inefável, que parte de Cristo e se efunde nos corações, que realiza prodígios na Igreja e fascina os corações de tantos jovens a ponto de os levar a fazer parte do seu difícil mas sugestivo seguimento. É precisamente para corresponder a este amor que vós, caríssimos Seminaristas, decidistes dedicar a vossa vida a Cristo, desejando tornar-vos participantes do seu Sacerdócio. Tudo isto não pode deixar de encher a minha alma de profunda emoção e de impulsivo afecto para convosco. Se cada Bispo encontra no seu Seminário tudo o que torna íntimo um lar, digna uma escola, exaltaste e trepidante um encontro, alegre a esperança e fervorosa a oração: tudo isto acontece de modo totalmente particular quando este Bispo é o Bispo de Roma, Pastor universal em quem se fixam os olhos do mundo inteiro.

Como é sabido, o Seminário é a expressão da vitalidade de uma diocese. É o termo das zelosas fadigas dos párocos e dos educadores que trabalham nas estruturas paroquiais e nas escolas; é sinal claro de que há comunidades cristãs capazes da fazer maturar no próprio seio aqueles que um dia, revestidos do carácter sacerdotal, continuarão no meio delas a obra de Cristo; é indício de que as famílias ricas de virtudes e de espírito de sacrifício mereceram a graça de oferecer os próprios filhos à Igreja; é prova de que o mundo moderno, apesar das sombras que às vezes o ofuscam, é rico de esperanças e de certezas, porque pode contar com jovens corajosos dispostos a dar a própria vida pelo resgate dele.

O vosso aumento numérico, embora ainda inferior às necessidades do apostolado, não significa porventura que este tempo pós-conciliar não ficará privado de valorosos Sacerdotes que trabalharão para traduzir em prática os ensinamentos e as directrizes daquela Assembleia ecuménica?

Bem podeis, pois, imaginar a ternura que suscita na minha alma ter-vos aqui diante dos olhos e saber-vos empenhados a tornar-vos ministros de Cristo, arautos do Evangelho e mensageiros de verdade e de fraternidade no meio do povo de Deus. Por isto o Papa vos ama, tem predilecção por vós e vos acompanha continuamente com o pensamento e com a oração. Por vosso lado, amai pois também vós o Papa e a Igreja que vos aprestais a servir, e tende por Cristo, nosso Senhor bendito, um amor apaixonado para serdes seus verdadeiros discípulos, assíduos imitadores, humildes seguidores, fiéis amigos, intrépidos testemunhas e apóstolos incansáveis, como podem e devem ser aqueles que, com o sacerdócio, são chamados a tornar-se "alter Christus". Sabei também conservar aquele património de fé, de virtudes, de saber e de santidade que o Seminário Romano Maior acumulou ao longo dos séculos. Sobretudo, encha o estudo amoroso do Senhor Jesus os vossos espírito e os vossos corações até à plenitude, ou seja, "até que Cristo seja formado em vós" (Ga 4,19). Para ser autêntico sacerdote, hoje mais do que nunca é necessário testemunhar perante o mundo as virtudes teologais da fé, da esperança e da caridade fraterna de que provêm, por sua vez, todas as outras virtudes que devem adornar quem se prepara para o sacerdócio.

3. Ampare-vos nesta vossa obra de formação o auxílio da Virgem Santíssima da Confiança, vossa celeste Padroeira. Estou certo que não vos cansareis de a invocar todos os dias mediante a recitação do Rosário, que é piedosa tradição do vosso Seminário, e da jaculatória: "Mater mea, fiducia mea". Ela não deixará de vos proteger e assistir nas dificuldades que podereis encontrar ao longo do itinerário que leva ao Altar.

E agora, continuando a celebração litúrgica, na qual revivemos o drama do amor crucificado e em que se consuma e sigila a perfeita unidade eclesial, pedimos ao Senhor que acenda no coração de muitos outros jovens o ideal do sacerdócio e lhes faça saborear a beleza e a alegria de morar na sua casa, segundo as palavras do Salmista: "Como são amáveis as Vossas moradas, Senhor dos exércitos!" (Ps 83,1).



Homilias JOÃO PAULO II 801