Homilias JOÃO PAULO II 825


VISITA PASTORAL DO SANTO PADRE

À PARÓQUIA DE SANTA FRANCISCA ROMANA


Domingo, 29 de Novembro de 1981




1. Regem venturum Dominum, venite adoremus!

A começar do domingo de hoje, chega a toda a Igreja este novo apelo: o apelo do Advento. Anuncia-o a Liturgia, mas sente-o, ao mesmo tempo, todo o Povo de Deus com o sentimento de fé. O Advento constitui não só o primeiro período do ano litúrgico da Igreja, mas ao mesmo tempo também o conteúdo interior da vida dos seus filhos e filhas.

Regem venturum Dominum, venite adoremus!

826 E com esse apelo venho hoje à vossa Paróquia para, desempenhar nela o principal ministério apostólico: o ministério da visita. Agradeço-vos o cordial acolhimento, e sobretudo a vossa presença; ela, de facto, permite-me encontrar toda a comunidade do Povo de Deus que vós constituis, e os vários grupos existentes na sua área.

Dirijo, primeiro que tudo, a minha cordial saudação ao Cardeal Vigário e ao Bispo da Região, Dom Clemente Riva, que dignamente prepararam este encontro. Saúdo também afectuosamente o Pároco e os seus Coadjutores, da Ordem dos Frades Menores, que despendem as suas energias na cura pastoral desta Paróquia; e a esses uno também os Presbíteros de outras Paróquias que os ajudam. Do fundo da alma torno extensiva a saudação aos Religiosos e às Religiosas, que residem e trabalham na Paróquia. Além disso, dirijo-me com afecto a todos os Fiéis, e de modo particular aos membros de associações, grupos e movimentos católicos vários, que oferecem activo testemunho da sua fé. Quero recordar de modo especial os beneméritos Catequistas. A minha saudação deseja contudo incluir do mesmo modo também os doentes, a quem asseguro a minha oração, e depois os caros jovens, que são a esperança de todos nós.

Sei que a Paróquia de Santa Francisca Romana no Bairro Ardeatino é de fundação moderna, mas ligada a tradições e a monumentos: antigos. Parte do território habitado pelos paroquianos era na Idade Média propriedade da família da Santa Padroeira, que viveu inflamada de caridade para com os mais necessitados da cidade de Roma. Seja este exemplo um convite e um estímulo para uma vida cristã cada vez mais comprometida em favor do próximo para a glória de Deus.

2. Na Liturgia do actual Domingo, a Igreja abre diante de nós, em certo sentido, duas imagens do Advento.

Eis primeiramente Isaías, grande profeta do único e santíssimo Deus, que dá expressão ao tema do afastamento entre Deus e o homem. No seu maravilhoso texto, verdadeiro poema teológico, que ouvimos há pouco, dá-nos uma penetrante imagem da situação da sua época e do seu povo que, depois de perder o vivo contacto com Deus, se encontrou em caminhos intransitáveis:

"Porque, Senhor, nos deixais extraviar dos Vossos caminhos, e endureceis os nossos corações contra o Vosso temor?" (
Is 63,17).

Mas é precisamente quando se encontra neste afastamento, que o homem percebe, até certo ponto tão dolorosamente, que, sem a presença de Deus na vida, é deixado prisioneiro da própria culpa e cresce na convicção de que só Deus é quem o tira da escravidão, só Deus salva, e deste modo faz-se sentir no homem, mais ardente ainda, o desejo da Sua Vinda:

"Oh! Se rasgásseis os céus, se descêsseis" (Is 63,19).

Isaías não pára todavia na análise devota do estado das coisas e na manifestação de um apelo fervoroso e dramático a Deus para rasgar os céus e vir de novo ao meio do Seu Povo. Não se cura a doença só por meio da descrição dela e de um mais vivo desejo de a ver desaparecer! É necessário subir às causas. Fazer uma diagnose. Que é que provoca este afastamento de Deus? A resposta do Profeta é unívoca: o pecado!

"Eis que agora Vos irritastes, por causa dos nossos pecados... Todos nós somos homens impuros, as nossas boas acções são como roupa manchada; caímos como folhas secas, e as nossas iniquidades, como o vento, nos arrastam (Is 64,4-5).

Ao mesmo tempo que o pecado, intervém o esquecimento de Deus:

827 "Não há quem invoque o Vosso nome, quem se levante para se apoiar em Vós, porque escondestes de nós a Vossa face, e nos entregastes às nossas iniquidades" (Is 64,6).

A diagnose do Profeta é penetrante: afastar-se Deus do homem deve-se à culpa do homem: é fruto do seu afastamento de Deus. Ao mesmo tempo, é o homem entregue à sua iniquidade.

3. É surpreendente como esta, diagnose do Livro de Isaías, que exprime a situação do homem que viveu há tantos séculos, vale ainda para hoje. Muitos de nós, homens do segundo milénio depois de Cristo que está para terminar, não são acaso afligidos por sentirem semelhantemente o afastamento de Deus? E sentir isto é tanto mais dramático quanto brota não no contexto da Antiga mas da Nova Aliança. Não é porventura drama do nosso mundo de hoje, da hodierna humanidade e do homem, que vinte séculos depois do cumprimento do fervoroso clamor do Profeta, quando os céus se rasgaram e Deus, revestindo-se de um corpo humano, desceu e habitou entre o Seu povo para renovar em cada homem a Sua imagem, nele inscrita no acto da criação, e para dar-lhe a dignidade de filho Seu — que ainda hoje, e talvez ainda mais que antes, o homem se encontra entregue à sua iniquidade, e dolorosamente sofre as consequências desta escravidão?!

Em que medida o mundo e o homem de hoje — a sua vida e actividade e as suas instituições — sabem exprimir a verdade de que tudo o que é real e nos circunda, e em modo particular o homem, coroa da criação, germinam do amor de Deus que tudo abraça? Em que medida vós, cidadãos de Roma, fiéis da Igreja construída sobre o fundamento dos Apóstolos e membros da Comunidade paroquial dedicada a Santa Francisca Romana, em que medida nós aqui presentes neste encontro do Advento e todos os nossos Irmãos e Irmãs "santificados em Jesus Cristo, chamados à santidade" (1Co 1,2) — em que medida somos portadores e reveladores deste amor? Não estamos entregues à nossa iniquidade? Um andar ao sabor da corrente que afasta de Deus e cria o pecado e o vazio. Não somos testemunhas, e muitas vezes vítimas, de um crescente pecado e das suas consequências? Deste "pecado do mundo", que obriga Deus a afastar-se do homem e dos seus problemas, como são hoje a indiferença e o ódio.

Tudo isto que com tanta força, nunca até agora encontrada, ameaça hoje o homem, o seu "ser homem" e mesmo a sua existência, não é acaso sinal urgente e advertência de que não é este o caminho? E as palavras paz, justiça e amor, hoje tantas vezes e zelosamente pronunciadas e divulgadas, talvez nunca como antes, e que com tanta fadiga abrem caminho para a realização, não constituem porventura outra versão, consciente ou inconsciente, das palavras do. Profeta lidas hoje: "Porque, Senhor, nos deixais extraviar dos Vossos caminhos, e endureceis os nossos corações contra o Vosso temor?" (Is 63,17).

4. Venho a vós, caros Irmãos e Irmãs, não para pintar diante dos vossos olhos uma visão catastrófica do homem e do mundo. Mas a nós todos, que temos acreditado no Amor, não podem faltar hoje a coragem e a agudeza da "diagnose" do Profeta de há tantos séculos, acerca da verdade humana sobre o homem, Quando, de facto, este se encontrar com coragem e humildade nesta sua humana verdade, então abrir-se-á também a divina verdade sobre ele.

No primeiro Domingo do Advento — no período em que a Igreja nos mostrar de novo toda a história da salvação, e no período em que se cumprirem "as grandes obras de Deus" (Ac 2,11) — venho para poder, juntamente convosco, conforme esta primeira imagem delineada pelo Profeta, repetir e confessar diante de Deus com particular convicção interna e com fé: "Porque Vós sois o nosso pai" (Is 63,16).

5. Encontramos a segunda imagem do Advento na primeira Carta aos Coríntios.

A imagem, que pertence à Nova Aliança, nasce da realidade da vinda de Cristo e ao mesmo tempo abre-se para o Seu Advento definitivo.

O fundo daquela imagem constitui a fundamental profissão da fé do Profeta: "Senhor, Vós sois o nosso pai", verdade que é o ápice da revelação já no Antigo Testamento; mas a sua plena dimensão e o seu significado foram revelados ao homem em Cristo, ao realizar-se o Seu Advento histórico.

Ouvindo as palavras de São Paulo, com que ele agradece a Deus Pai por causa dos fiéis da Igreja de Corinto, que receberam a fé mediante o seu serviço apostólico, não podemos deixar de pensar, com profunda comoção e preocupação, no mesmo dom que está em nós. Juntamente com a fé recebemos no Baptismo toda a riqueza interior, os dotes espirituais e a garantia de sermos capazes de cumprir aquilo que sem aquele dom é absolutamente inacessível ao homem. A nossa garantia é Deus mesmo, que se mantém fiel às Suas promessas, contanto que o homem não retire a sua fidelidade. Garantia é para nós Cristo, que nos confirma até ao fim para sermos irrepreensíveis no dia da segunda vinda do nosso Redentor (cf. 1Co 1, II).

828 Não podemos pensar neste dom sem um sentimento de gratidão e de responsabilidade por ele. E por isso é necessário fazermo-nos a pergunta: sou eu, quero ser fiel a Deus para me encontrar "irrepreensível" no encontro definitivo com o meu Redentor? Eis a pergunta mais fundamental que me apresenta o Domingo de hoje, que me apresenta o meu Advento deste ano. Tendo assegurados por Deus todos os meios da salvação, devemos vigiar na perspectiva do último Advento, para não dissiparmos as possibilidades postas nas nossas mãos e aplicarmo-nos com temor e tremor à nossa salvação (cf. Flp 2, 12).

6. Procuremos tirar as conclusões dos textos da Liturgia de hoje.

O modo justo como devemos viver o Advento é aquele que está encerrado na segunda imagem,

mas — se, em conformidade com esta imagem, devemos de maneira particular agradecer ao nosso Deus a graça que nos foi dada em Cristo Jesus —

ao mesmo tempo

não pode ficar para nós indiferente a imagem do Profeta, a imagem do "afastamento de Deus", causado pelo pecado da humanidade e pelo esquecimento a respeito d'Ele. Imagem que pertence não só ao Antigo Testamento, mas tem, ao mesmo tempo, valor para hoje.

E por isso é necessário que, no nosso viver o Advento, renasça aquela fé heróica, que se manifesta nas palavras do Profeta:

"Vós, ó Senhor, sois o nosso Pai, o, nosso Redentor, desde os tempos passados. Porque, Senhor, nos deixais extraviar dos Vossos caminhos, e endureceis os nossos corações contra o vosso temor? (
Is 63,16-17).

O homem, quando reconhece a sua fraqueza, o erro, quando reconhece o seu pecado, deve imediatamente acrescentar: "Vós, ó Senhor, sois o nosso pai", e então a sua lamentação "Porque, Senhor, nos deixais extraviar dos Vossos caminhos", é verdadeira, adquire uma força de transformação e torna-se conversão. Toda a reflexão sobre a miséria, a infidelidade, a desventura e o pecado do homem, que professa diante de Deus

"Vós sois o nosso pai", é criadora, não leva à depressão, ao desespero, mas ao reconhecimento e à aceitação de Deus como Pai, portanto como Amor que perdoa e cura.

A par e passo com tal fé, que se manifesta também mediante a confissão dos próprios pecados, segue portanto uma fervorosa esperança:

829 "Nunca nenhum ouvido ouviu, nem nenhum olho viu outro Deus salvar assim os que n'Ele confiam" (Is 64,3).

Daí o brado:

"Voltai-Vos para nós por amor dos vossos servos, e dás tribos da Vossa herança" (Is 63,17).

7. Qual deve ser então o nosso Advento? Qual deve ser o advento dos homens do século XX, o advento vivido nesta Paróquia?

Deve unir em si um novo desejo de aproximação de Deus à humanidade, ao homem, e a prontidão em vigiar, isto é a disposição pessoal para estar perto de Deus. "Mas como poderemos gozar no Senhor — pergunta Santo Agostinho —, se Ele está tão longe de nós? Longe? Não. Ele não está longe, a não ser que tu mesmo O obrigues a afastar-se de ti. Ama e senti-l'O-ás perto. Ama e Ele virá habitar em ti" (Serm. 21, 1-4: CCL 41, 278).

Por isso, com tal conhecimento, fazemos nossas e pronunciamos de coração as palavras do Salmo responsorial:

"Escutai, ó pastor de Israel... Manifestai o Vosso esplendor... Despertai o Vosso poder e vinde salvar-nos... Voltai, ó Deus dos exércitos, olhai do alto céu, vede e vinde visitar a vinha... Estendei a Vossa mão sobre o homem, sobre o filho do homem que, para Vós, fortalecestes. E não nos afastaremos mais de Vós; conservai-nos a vida e louvaremos o vosso nome" (Sl 80/79, 2.3.15.18-19).

Aquele desejo torna-se tanto mais vivo, quanto mais profundamente sentimos "a ameaça" relacionada com o afastamento de Deus.

E a vigilância não é nada senão o esforço sistemático para nos mantermos perto de Deus e não permitirmos o afastamento quanto a Ele. Significa estarmos constantemente prontos para o encontro.

8. Tal programa do Advento é anunciado hoje pelo Evangelho. Este trecho constitui o epílogo do discurso escatológico, que Jesus pronunciou saindo do Templo, alguns dias antes da Sua Paixão e Ressurreição. Neste breve texto repete-se quatro vezes a palavra "vigiar" ou "velar" e uma vez diz-se "estai atentos". Quanto é eloquente a última frase: "O que vos digo a vós, digo-o a todos: Vigiai!" (Mc 13,37).

Cristo diz portanto a nós todos, reunidos aqui hoje para celebrar a Eucaristia: "Vigiai", porque o momento é desconhecido, mas é certo que virá. A coisa mais importante é a fidelidade à tarefa confiada e ao dom que nos torna capazes de executá-la. A cada um foi confiado um dever que lhe é próprio, aquela "casa" de que deve ter cuidado. Esta casa é cada homem, é a sua família, o ambiente em que vive, trabalha e repousa. É a paróquia, a cidade, a povoação, a Igreja e o mundo, de que é cada um co-responsável diante de Deus e dos homens. Qual é a minha solicitude por esta "casa" que me está confiada, a fim de que reine nela a ordem querida por Deus, a qual corresponde às aspirações' e aos desejos mais profundos do homem? Qual é o meu contributo para esta obra, que exige constantemente pôr ordem, o renovamento e a fidelidade? Eis as nossas perguntas e as tarefas do Advento.

830 9. "Mostrai-nos, Senhor, a Vossa misericórdia, e dai-nos a Vossa salvação" (Canto ao Evangelho).

O que é em nós débil, grita pela Vossa misericórdia, porque mais forte é o desejo da Vossa salvação:

"Somos argila e Vós aquele que nos dá forma". Não nos entregueis às nossas iniquidades, não nos arrebatem elas como o vento!

Dai-nos o feliz Advento, "porque Vós sois o nosso pai".



VISITA PASTORAL À PARÓQUIA ROMANA DE SÃO GASPAR DEL BUFALO


Domingo, 6 de Dezembro de 1981




1. "A misericórdia e a fidelidade outra vez irão juntar-se, a justiça e a paz de novo se oscularão" (Sl 84/85, 11).

Advento quer dizer "vinda" e quer dizer também "encontro". Deus, que vem, aproxima-se do homem, para o homem se encontrar com Ele e se tornar fiel a este encontro. Para que n'Ele fique, até ao fim.

Este importante pensamento, proclamado pela Liturgia do Segundo Domingo do Advento, quero meditá-lo juntamente convosco, caros irmãos e irmãs da Paróquia de São Gaspar del Búfalo, exemplar figura de sacerdote romano. Fundou, a 15 de Agosto de 1815, depois do tufão napoleónico, a Congregação dos Missionários do Preciosíssimo Sangue, e os seus filhos, chamados desde o ano de 1956 a trabalhar nesta parte do bairro Ápio-Tusculano, têm cuidado solícito das vossas almas e da vossa formação cristã.

Com empenho intenso e generoso, seguindo o espírito do Santo Fundador, anunciaram a fé mediante o ministério da palavra, dos sacramentos e da sua presença sacerdotal, e chegaram a construir, com o auxílio dos bons, também esta igreja, espaçosa e funcional, que é verdadeiro monumento de arquitectura sagrada. À volta dela foi levantado um conjunto de locais adequados às necessidades de uma acção pastoral que, partindo deste centro, possa irradiar para o bairro, a fim de conseguir uma verdadeira comunidade eclesial. Desejo aqui prestar público testemunho ao zelo dos Religiosos do Preciosíssimo Sangue e agradecer-lhes a acção realizada entre vós.

Dirijo a minha cordial saudação ao Cardeal Vigário, ao Bispo auxiliar do Sector, Dom Giulio Salimei, ao Pároco e aos seus Colaboradores, que prepararam dignamente este encontro. Saúdo todos os Grupos da Paróquia, que abrange cerca de 35.000 habitantes: os Catequistas, o Grupo Juvenil, o Coro das Crianças, os Escuteiros e os Grupos da Caridade, da Reflexão sobre a Palavra de Deus, do Clero Menor, da Assistência Social e das Actividades Culturais. Desejaria não esquecer ninguém; a todos e a cada um dirijo o meu pensamento de afecto no Senhor.

Em particular dirijo o meu pensamento de bons votos às duas Comunidades Religiosas das Irmãs Adoradoras do Sangue de Cristo, que se dedicam aqui na Paróquia à escola; à assistência, à catequese e à juventude.

831 E agora desejo abraçar espiritualmente a família paroquial inteira, com especial atenção para as crianças, os jovens e sobretudo os doentes, chamados a oferecer o contributo dos seus sofrimentos pelas necessidades espirituais da paróquia, e mesmo da Igreja inteira.

2. Na Liturgia de hoje, como habitualmente, fala primeiro Isaías, profeta do grande acontecimento. A sua mensagem é hoje gozosa, cheia de confiança:

"Consolai, consolai o Meu povo... Animai Jerusalém e gritai-lhe, que a sua servidão está terminada, que estão perdoados os seus pecados... Subi a um alto monte, para anunciar a Sião a boa nova... Levantai a voz, sem receio, e dizei... Eis o vosso Deus! Eis que o Senhor Deus vem com fortaleza... Vede que vem com Ele o preço da Sua vitória... Como um pastor, apascentará o Seu rebanho" (
Is 40,1-2 Is 40,9-11) .

Contemporâneo desta mensagem é o apelo a "preparar" e a "aplanar" o caminho; aquilo mesmo que executará, perto do Jordão, João Baptista, último profeta da vinda do Senhor. Em síntese, Isaías afirma: O Senhor vem... como pastor...; é preciso criar as condições necessárias para o encontro com Ele. É necessária a preparação.

"Eis que o Senhor Deus vem", é-nos dito, mas ao mesmo tempo a voz grita:

"Abri no deserto um caminho para o Senhor... toda a colina e toda a montanha sejam abaixadas, todos os cumes aplanados e todos os terrenos escarpados sejam nivelados. Então a glória de Deus manifestar-se-á... (Is 40,3-5).

Aceitemos, portanto, com alegria quer a boa nova, quer as tarefas que ela apresenta diante de nós. Deus quer estar connosco; vem como dominador, "o Seu braço dominará", mas sobretudo vem como pastor, "apascentará o Seu rebanho e recolherá os cordeiros nas dobras do Seu manto, conduzirá docemente as ovelhas que amamentam" (Is 40,11). Estamos aqui para nos reforçarmos na nossa alegria e na nossa esperança, e ao mesmo tempo a fim de podermos sempre de novo, guiados pela convicção a respeito da presença de Deus quanto às nossas vidas, preparar o caminho para Ele, removendo de tal caminho tudo o que torna difícil ou mesmo impossível o encontro; para podermos sempre voltar a Ele!

3. Por isso ouçamos com atenção as palavras da segunda leitura da Liturgia de hoje, em que nos fala o Apóstolo Pedro, quer dizer um que foi testemunha da Primeira Vinda. O seu discurso do advento é orientado sobretudo para os últimos tempos, para "o dia do Senhor"; aqueles que experimentaram a primeira vinda, com razão vivem na expectativa da segunda; conforme a promessa do Senhor.

Para a lição de Pedro parece característica a "dialéctica" da eternidade e do tempo, antes, melhor, do "tempo de Deus" e do "tempo do homem". Como é sabido, nas comunidades cristãs dos primeiros séculos, foi intensa a expectativa da parúsia, isto é da segunda vinda, do segundo advento de Cristo. Alguns começavam a duvidar da veracidade desta promessa. O fragmento da segunda carta de São Pedro, que ouvimos há instantes, responde a estas dificuldades: "Mas existe uma coisa, caríssimos, que não deveis ignorar: um dia diante do Senhor é como mil anos, e mil anos como um só dia" (2P 3,8).

Quer isto dizer: vós homens tendes a vossa concepção do tempo, as unidades de medida dele, o calendário e o relógio; tendes os vossos critérios, segundo os quais credes que o tempo se prolonga demasiado ou corre com excessiva velocidade. Viveis no tempo, vivei-lo ao vosso modo, e assim deve ser; mas não transfirais esta concepção para Deus, pois para ele os vossos mil anos são como um dia só; e um dia é como os vossos mil anos. Por isso não julgueis com as vossas categorias e não digais que Deus se apressou ou tarda.

E depois ouçamos: "O Senhor não retarda a Sua promessa..., mas usa de paciência para convosco. Não quer que ninguém pereça, mas que todos se arrependam" (2P 3,9).

832 4. Assim pois, de modo inesperado, é posta diante de nós a imagem de Deus Pedagogo, daquele Pastor bem do nosso conhecimento, que espera pacientemente todos os que não pegaram ainda numa pá nem começaram a "preparar" e a "aplanar" os Seus caminhos; que ficaram surdos ao grito de alegria: "Eis o vosso Deus... Eis que o Senhor Deus vem".

Este nosso tempo humano, vivido de modo humano, com o seu conteúdo e a sua substância que nós imaginamos, permanece graças à paciência de Deus. Assim, o que a alguém pode parecer falta de cumprimento da promessa por parte de Deus, é pelo contrário o misericordioso dom por Ele oferecido ao homem.

É todavia certo que "o dia do Senhor" virá, e virá inesperadamente; será para cada homem uma surpresa. Por isso, o problema da "conversão", o problema do "encontro" e de "estar com Deus" é questão de cada dia; pois cada dia pode ser para cada homem, para mim, "o dia do Senhor". Portanto devemos fazer-nos a pergunta de Pedro: quais devemos ser nós na santidade do proceder, e na piedade, esperando e apressando a vinda do dia de Deus? (cf.
2P 3,11-12).

5. A perspectiva escatológica da carta do Apóstolo "céus novos e uma nova terra, onde habita a justiça" (2P 3,13), fala do encontro definitivo do Criador com o que foi criado no reino do Século vindouro, para o qual deve preparar-se cada homem mediante o interior acontecimento da fé, da esperança e da caridade.

A testemunha desta verdade é João Baptista, que na região do Jordão prega "um baptismo de arrependimento para a remissão dos pecados" (Mc 1,4). Realizam-se deste modo nele as palavras da primeira leitura do livro de Isaías. João, na verdade, pregava:

"Depois de mim vai chegar outro que é mais poderoso do que eu, diante do Qual não sou digno de me prostrar para Lhe desatar as correias das sandálias. Eu vos baptizarei em água, mas Ele baptizar-vos-á no Espírito Santo" (Mc 1,7-8).

João distingue claramente o "advento de preparação" do "advento de encontro". O advento de encontro é obra do Espírito Santo, é o baptismo com o Espírito Santo. E Deus mesmo que vai ao encontro do homem; quer encontrá-lo no coração mesmo da sua humanidade, confirmando assim esta humanidade como eterna imagem de Deus e ao mesmo tempo tornando-a "nova".

As palavras de João sobre o Messias, sobre Cristo, "Ele baptizar-vos-á no Espírito Santo" atingem a raiz mesma do encontro do homem com Deus vivo, encontro que se realiza em Jesus Cristo e se inscreve no processo da expectativa dos novos céus e da nova terra, em que habitará a justiça: advento do "mundo futuro". N'Ele, em Cristo, Deus assumiu a figura concreta do Pastor prenunciado pelos Profetas, e ao mesmo tempo tornou-se o Cordeiro que tira o pecado do mundo; por isso inseriu-se entre a multidão que seguia João, para receber das suas mãos o baptismo de penitência e tornar-Se solidário com cada homem, a fim de transmitir-lhe depois, por Sua vez, o Espírito Santo, aquele Poder Divino que nos torna capazes de nos libertarmos dos pecados e de cooperarmos para a preparação e para a vinda "dos novos céus e da nova terra".

"A expectativa de uma terra nova — ensina o Concílio Vaticano II — não deve enfraquecer, mas pelo contrário deve estimular a solicitude no trabalho relativo à terra presente, onde cresce aquele corpo da humanidade nova que já consegue oferecer certa prefiguração que esboça o mundo futuro. Portanto, embora se deva cuidadosamente distinguir o progresso terreno, do desenvolvimento do Reino de Deus, todavia, na medida em que pode contribuir ou ordenar melhor a sociedade humana, tal progresso é de grande importância para o reino de Deus" (Gaudium et Spes GS 39).

6. Escutemos a palavra de Deus com a convicção de que ela, quando é acolhida pelo homem, tem o poder do "Advento", e portanto a capacidade de transformar e renovar. Então pronunciamos do fundo do coração as palavras do Salmista:

"Prestai atenção ao que diz o Senhor Deus: Ele diz palavras de paz ao Seu povo e aos Seus santos, e àqueles cujos corações se convertem. Sim, a Sua salvação está perto dos que O temem, de sorte que a Sua glória habitará na nossa terra" (Sl 84/85, 9-10).

833 Pronunciamos com alegria estas palavras, porque difundem nos nossos corações a nova esperança e a nova força, porque anunciam que a glória de Deus habitará a terra, que a salvação está perto daqueles que O procuram. Deus anuncia a paz, e torna possíveis os tempos da fidelidade e da justiça.

"A fidelidade germinará da terra, e a justiça olhará do céu. Também o Senhor dará os seus benefícios, e a nossa terra produzirá os seus frutos" (vv. 12-13) .

7. Caros Irmãos e Irmãs. O nosso advento decorre em tal perspectiva, e nela se realiza também o nosso encontro, muito desejado. Ambicionei estar no meio de vós, ver-vos, olhar-vos para os olhos e desejar-vos, na presença de Cristo, pedra angular da nossa construção (cf. Ef
Ep 2,20-22), que a vossa terra, isto é, a vossa Paróquia e o vosso bairro, dêem os seus frutos. E desejo também augurar a cada um de vós que a própria terra — isto é vós mesmos, as vossas casas e as vossas famílias — dêem o seu fruto.

Deus disse: "Animai Jerusalém e gritai-lhe" (Is 40,2). Eu desejaria falar ao coração de cada uni e de cada. urna de vós e, por vosso meio, a, todos os vossos vizinhos, a todos os Paroquianos, para que aceitem com alegria quer a mensagem do hodierno Domingo do Advento quer os encargos que ele nos põe diante.

Preparai o caminho ao Senhor! Endireitai as suas veredas! Realize-se isto no Sacramento da Reconciliação, na humilde e confiada Confissão do Advento, para que — diante da recordação da primeira Vinda de Cristo, que é o Natal, e ao mesmo tempo na perspectiva escatológica do Seu Advento definitivo — o pecado seja eliminado e expiado, a fim de a Igreja poder proclamar a cada um de Vós que está acabada a escravidão, que o Senhor Deus vem com poder.

Preparai-Lhe o caminho nos vossos corações, nas vossas casas e na vossa Comunidade paroquial.

Em cada um de vós, e entre vós, se encontrem a misericórdia e a verdade, e se beijem a justiça e a paz.

A Glória de Deus habite esta terra!

Amém.



CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA

NA FESTIVIDADE DA IMACULADA CONCEIÇÃO


Basílica de Santa Maria Maior

8 de Dezembro de 1981




834 1. "Nada é impossível a Deus..." (Lc 1,37).

A Igreja, na liturgia de hoje, recorre a estas palavras, desejando honrar o Mistério da Imaculada Conceição de Maria. Recorre às palavras da Anunciação, às palavras de Gabriel, cujo nome quer dizer: "a minha força é Deus".

Na verdade, não é a omnipotência de Deus, o infinito poder do Seu amor e da Sua graça, que são anunciados por este singular mensageiro? E juntamente com ele anuncia-os num certo sentido a Igreja inteira, em contínua auscultação das palavras do seu anúncio e repetindo-as muitas vezes: "Nada é impossível a Deus".

Somente com aquela omnipotência que ama, somente com o infinito poder do amor pode explicar-se o facto de Deus-Verbo, Deus-Filho se fazer homem. Só com a omnipotência que ama, só com o inescrutável poder do amor de Deus pode explicar-se o facto de que a Virgem — filha de pais humanos e de gerações humanas — se torna a Mãe de Deus.

Contudo, este facto para Ela mesma era incompreensível: "Como será isso, se eu não conheço homem?" (Lc 1,34).

E provavelmente era difícil de ser compreendido pelo povo, do qual era filha — o povo que aliás através de toda a sua história esperava precisamente só isto: a vinda do Messias, e nisto via o objectivo principal da sua vocação, das suas provações e sofrimentos.

E este facto é difícil de ser compreendido por tantos homens e nações, mesmo que aceitem a existência de Deus, ainda que recorram à Sua bondade e misericórdia.

Porém, "nada é impossível a Deus"!

2. Se hoje a Igreja evoca estas palavras, é também necessário procurarmos nelas a resposta para a interrogação sobre o mistério da Imaculada Conceição.

Dado que a omnipotência do Eterno Pai e o infinito poder de amor que opera com a força do Espírito Santo fazem que o Filho de Deus se torne homem no seio da Virgem de Nazaré, então o mesmo poder em consideração dos méritos do Redentor, preserva a Sua Mãe da culpa do pecado original.

Torna-A santa e imaculada desde o primeiro momento da conceição.

835 A mesma omnipotência, o mesmo poder de amor e a mesma força do Espírito Santo fazem que Ela só, e entre todos os filhos e as filhas de Adão, seja concebida e venha ao mundo "cheia de graça".

Assim, também no momento da Anunciação a saudará Gabriel: "Saúdo-Te, ó cheia de graça" (
Lc 1,28).

3. Vimos hoje a este Santuário romano da Mãe de Deus, cheios de especial veneração pela Santíssima Trindade: cheios de gratidão para com o Pai, o Filho e o Espírito Santo, por estas "grandes coisas", que a graça do Altíssimo fez desde o primeiro momento de vida da Virgem de Nazaré.

Este é, de facto, o ano em que, recordando depois de 1.600 anos a obra do I Concílio de Constantinopla, lembramos também o 1.550º aniversário do Concílio de Éfeso.

Exactamente por este motivo na solenidade do Pentecostes reuniram-se os Bispos de todo o globo terrestre junto do túmulo de São Pedro para venerar o Espírito Santo, o Paráclito, em união espiritual com a Liturgia de acção de graças, que se realizou em Constantinopla.

Depois, na tarde do mesmo dia, vieram aqui à Basílica mariana de Roma agradecer o Mistério da Encarnação, que é a obra suprema do Espírito Santo na história da salvação. Deste modo foi venerado Aquele, que "por obra do Espírito Santo encarnou no seio da Virgem Maria e se fez homem" — e foi venerada Ela, a Virgem Mãe, que a Igreja desde os tempos do Concílio de Éfeso chama "Mãe de Deus" (Theotokos). Chamando assim a Maria, a Igreja professa a sua fé na maior obra salvífica, qual n'Ela e mediante Ela realizou o Espírito Santo. "Nada é impossível a Deus!

4. Não me foi concedido participar pessoalmente naquela histórica Solenidade. Tinha trabalhado, porém, com todo o coração para a preparar, dando-me conta que nela se devia exprimir não só a fé de dois milénios, mas também aquele particular diálogo de amor e de entrega, que a Igreja da nossa época mantém com o Espírito Santo mediante o Coração da Mãe de Deus. Este diálogo intensifica-se especialmente quando a Igreja e, ao mesmo tempo, a humanidade, atravessam duras experiências e provas, e também quando renasce nela a esperança de renovação e de paz.

De facto, ao correrem os difíceis anos da última guerra mundial, o Papa Pio XII consagrou todo o género humano ao Coração da Imaculada, e inserindo, passados alguns anos, nesta consagração os povos especialmente queridos à Mãe de Deus: os da Rússia.

Nos nossos tempos, juntamente com a obra do Concílio Vaticano II, renasceu na Igreja a esperança da renovação. E, enquanto esta esperança encontra diversas dificuldades, enquanto o mundo contemporâneo ressente incessantemente a ameaça à paz — pareceu que nos devemos outra vez dirigir ao Espírito Santo por meio do Coração da Mãe de Deus, Aquela a quem o Papa Paulo VI muitas vezes chamava "Mãe da Igreja".

Precisamente no dia do Pentecostes, então, durante a solenidade celebrada nesta Basílica diante dos Bispos de todo o mundo, foi pronunciado o acto de consagração à Imaculada Mãe de Deus, o qual é testemunho do amor que a Igreja nutre por Maria, fixando o olhar n'Ela como figura da própria maternidade. Este acto é também testemunho de esperança, que, apesar de todas as ameaças, a quer anunciar a todos os povos: aqueles que mais o esperam, juntamente com aqueles, "cuja entrega a própria Mãe de Deus parece esperar de modo especial" (cf. Celebrazioni Commemorative... p. 29).

Este acto de consagração repetimo-lo ainda hoje.

836 5. A Providência incessantemente nos chama a ler com perspicácia os "sinais dos tempos". E, seguindo assim os sinais dos tempos, venerámos no dia do Pentecostes a recordação de ambos os grandes Concílios da Igreja perfeitamente unida. Seguindo deste modo os sinais dos tempos, renovámos junto do túmulo de São Pedro a fé no Espírito Santo "que é o Senhor e dá a vida", segundo as palavras do nosso Credo comum. E, ainda seguindo os sinais dos tempos, reunimo-nos na tarde do mesmo dia no Santuário mariano de Roma.

Os sinais dos tempos mandam-nos ler os planos divinos subindo até às palavras originais e mais antigas.

Não se encontram, porventura, entre estas palavras as do Livro do Génesis, que foram hoje recordadas na primeira leitura:. "Farei reinar a inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela. Esta esmagar-te-á a cabeça, ao tentares mordê-la no calcanhar" (
Gn 3,15)?

Os sinais dos tempos indicam que nos encontramos na órbita de uma grande luta entre o bem e o mal, entre a afirmação e a negação de Deus, da Sua presença no mundo e da salvação que n'Ele tem o seu início e o seu termo.

Não nos indicam, porventura, estes sinais a Mulher, junto à qual deveremos descer a orla do tempo traçada pelo século e pelo milénio que estão para terminar? Não deveremos, precisamente com Ela, enfrentar as inquietações de que o nosso tempo está cheio? Não deveremos, precisamente n'Ela, encontrar aquela fortaleza e aquela esperança que nascem do coração mesmo do Evangelho?

6. "Nada é impossível a Deus"! Reflictamos sobre o mistério da Imaculada Conceição.

Meditemos, segundo o magistério do Concílio Vaticano II, a maravilhosa presença de Maria no mistério de Cristo e da Igreja.

Ouvindo a Palavra de Deus vivo, a qual nos fala do início do primeiro advento, vamos de encontro a tudo o que o tempo do homem e do mundo nos pode trazer. Vamos — unidos à Mulher por excelência, Maria.





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