Homilias JOÃO PAULO II 836


SANTA MISSA NO 450º ANIVERSÁRIO DAS APARIÇÕES

DE NOSSA SENHORA DE GUADALUPE


Altar da Cátedra - Basílica Vaticana

Sábado, 12 de Dezembro de 1981




Senhores Cardeais
837 queridos Irmãos no Episcopado,
muito amados irmãos e irmãs

1. Com a celebração desta Eucaristia quis participar convosco, junto do altar do Senhor, num acto de homenagem filial à Mãe de Cristo e da Igreja, de quem o povo mexicano se aproxima especialmente nestes dias, ao comemorar os 450 anos da presença de Maria Santíssima de Guadalupe, no Tepeyac.

Volto assim, peregrino de fé, como naquela manhã de 27 de Janeiro de 1979, para continuar o acto mariano que realizei no Santuário do povo do México e de toda a América Latina, no qual desde há séculos se mostra a maternidade de Maria. Por isso, sinto que este lugar sagrado onde nos encontramos, a Basílica de São Pedro, se prolonga, com a ajuda da imagem televisada, até à Basílica guadalupana, sempre coração espiritual do México e de modo especial nesta singular circunstância.

Mas não só aí, e nem sequer apenas em toda a Nação mexicana, ressoa este brado de fé cristã, mariana e eclesial; são tantíssimos os corações que, de todas as Nações da América, de Norte a Sul, convergem em peregrinação devota para a Mãe de Guadalupe. Prova disso é a significativa participação neste acto, em uníssono com as gentes dos seus respectivos Povos, dos Representantes dos Países latino-americanos e da Península Ibérica, unidos por comuns laços de cultura e devoção mariana.

Bem desejaria que a minha presença entre vós fosse também física; mas não sendo possível, enviei-vos como Legado meu o Cardeal Secretário de Estado Agostino Casaroli, para ser uma prolongação minha durante estas celebrações e sinal da minha particular benevolência.

2. A mensagem guadalupana e a presença da venerada Imagem de Nossa Senhora que preside, ao seu novo Templo, como o fizera cerca de três séculos na anterior basílica, é um facto religioso de primeira, grandeza, que de maneira determinante marcou os caminhos da evangelização no continente americano e selou a configuração do catolicismo do povo mexicano e as suas expressões vitais.

Essa presença de Maria na vida do povo, foi característica inseparável da arraigada religiosidade dos mexicanos. Boa prova disso têm sido as multidões incessantes que, no decorrer dos séculos passados, foram rodeando os pés da Mãe e Senhora, e ali se renovaram no seu propósito de fidelidade à fé cristã. Prova evidente são também os quase oito milhões de pessoas que anualmente peregrinam a caminho do seu Templo, assim como a presença de Maria em tantos lares, fábricas, caminhos, igrejas e montanhas do País.

Esse facto guadalupano encerra elementos construtivos e expressivos que abarcam profundos valores religiosos, que é preciso saber reforçar a fim de que sejam, cada vez mais, canais de evangelização futura. Limitar-me-ei a indicar três aspectos que revestem particular significado.

3. Na mensagem guadalupana sobressai com singular energia a constante referência à maternidade virginal de Maria. O povo fiel, na verdade, sempre teve viva consciência de que a boa Mãe do céu de quem, implorante, se aproxima, é a "perfeita sempre Virgem" da antiga tradição cristã, a "aeiparthénos" dos Padres gregos, a donzela virgem do Evangelho (cf. Mt
Mt 1,18-25 Lc 1,26-38), a "cheia de graça" (Lc 1,28), objecto de uma singularíssima benevolência divina que a destina a ser a Mãe do Deus encarnado, a Theotókos do Concílio de Éfeso, a Deípara venerada na continuidade do Magistério eclesial até aos nossos dias.

Diante dessa realidade tão rica e profunda, ainda captada às vezes de maneira simples ou incompleta, mas em sincero espírito de fé e obediência à Igreja, esse mesmo povo, católico na maioria e guadalupano na totalidade, reaccionou com entusiástica manifestação de amor mariano, que o uniu num mesmo sentimento colectivo e tornou para ele mais simbólica ainda a colina de Tepeyac. Porque ali se encontrou a si mesmo, na profissão da sua fervorosa religiosidade mariana, a mesma dos outros povos da América, cultivada também em distintos santuários, como pude verificar pessoalmente durante a minha visita ao Brasil.

838 4. Outro aspecto fundamental na mensagem guadalupana é a maternidade espiritual de Maria sobre todos os homens, tão intimamente unida à maternidade divina. Com efeito, na devoção guadalupana, aparece desde o princípio esse traço característico, que os Pastores inculcaram sempre e os fiéis viveram com firme confiança. Traço aprendido ao contemplarem Maria, no seu papel singular dentro do magistério da Igreja, derivado da sua missão de Mãe do Salvador.

Precisamente porque Ela aceita colaborar livremente no plano salvífico de Deus, participa de maneira activa, unida ao seu Filho, na obra de salvação dos homens. Sobre esta função expressa-se de modo luminoso o Concílio Vaticano II: Maria, "concebendo Cristo, gerando-O, alimentando-O, apresentando-O ao Pai no templo e padecendo com o seu Filho quando este morria na cruz, cooperou, de forma inteiramente sem igual, na obra do Salvador com a obediência, a fé, a esperança e a ardente caridade, com o fim de restaurai' a vicia. sobrenatural. das almas. Por isso é nossa mãe na ordem da graça" (Lumen gentium
LG 61).

É ensinamento que, ao assinalar a cooperação da Virgem Santíssima para restaurar a vida sobrenatural das almas, fala da sua missão como Mãe espiritual dos homens. Por isso lhe tributa a Igreja a sua homenagem de amor ardente "quando considera a Maternidade espiritual de Maria para com todos os membros do Corpo Místico" (Marialis cultus, 22). Nesta mesma linha, de ensinamento, o Papa Paulo VI declarará coerentemente Maria como "Mãe da Igreja" (cf. AAS 1964, 1007). Por isto mesmo quis eu confiar também à Mãe de Deus todos os povos da terra (7 de junho e 8 de Dezembro de 1981).

Estes conteúdos doutrinais foram íntima vivência, repetida até hoje na história religiosa latino-americana, e mais em concreto do povo mexicano, sempre animado nessa linha pelos seus Pastores. Tarefa começada pela significativa figura episcopal de Frei Juan de Zumárraga e continuada zelosamente por todos os seus irmãos e sucessores. Tratou-se de um empenho manifestado porfiadamente em todas as partes, e realizado de maneira singular no Santuário guadalupano, ponto de encontro comum. Assim foi também neste ano centenário, que indica precisamente o quadringentésimo quinquagésimo aniversário da arquidiocese do México. Uma vez mais, o povo fiel experimentou a presença, consoladora, e alentadora da mãe, como a sentiu sempre no decorrer da sua história.

5. Guadalupe e a sua mensagem são, finalmente, o acontecimento que cria e expressa da maneira mais cabal os traços salientes da cultura própria do povo mexicano, não como alguma coisa que se impusesse de fora, mas em harmonia com as suas tradições culturais.

Com efeito, na dominadora cultura azteca, penetra, dez anos depois da conquista, o facto evangelizador de Maria de Guadalupe, entendida como o novo sol, criador de harmonia entre os elementos em luta e iniciador doutra era. Essa presença evangelizadora, com a imagem mestiça de Maria que une em si duas raças, constitui um marco histórico de criatividade conatural de uma nova cultura cristã num País e, paralelamente, num continente. Por isso poderá dizer justamente a Conferência de Puebla, que "O Evangelho encarnado nos nossos povos os congrega numa originalidade histórica cultural a que chamamos América Latina. Essa identidade simboliza-se muito luminosamente no rosto mestiço de Maria, de Guadalupe que se ergue no princípio da Evangelização" (Puebla, 446). Por isso, na minha visita ao Santuário guadalupano afirmei que "a partir do momento em que o índio Juan Diego falou da doce Senhora de Tepéyac, Tu, Mãe de Guadalupe entras de modo determinante na vida cristã do povo do México" (Homilia, 27 de Janeiro de 1979). Efectivamente, a coesão à volta dos valores essenciais da cultura da Nação mexicana realiza-se à roda de um valor fundamental, que para o mexicano — assim como para o latino-americano em geral — foi Cristo, trazido de modo apreciável por Maria de Guadalupe. Por isso Ela, com óbvia referência a seu Filho, foi o centro da religiosidade popular do mexicano e da sua cultura, e esteve presente nos momentos decisivos da sua vida individual e colectiva.

6. Esta realidade cultural, com a presença tão sentida da Mãe e Senhora, é elemento potencial que deve ser aproveitado em todas as suas virtualidades evangelizadoras diante do futuro, a fim de conduzir o povo fiel, por mão de Maria, até Cristo, centro de toda a vida cristã. De tal maneira que a piedade não deixe de colocar cada Vez mais em relevo "o vínculo indissolúvel e a essencial referência da Virgem ao Salvador divino (Marialis cultus, 25).

Não há dúvida que — desde a raiz religiosa, que inspira todas as outras ordens de cultura; desde a própria vinculação de fé em Deus, e desde a nota mariana — haverá que buscar no México, assim como nas outras Nações, as condutas de comunhão e participação que levem a que se evangelizem os diversos sectores da sociedade.

Daí haverá que tirar inspiração para um urgente compromisso em favor da justiça, para tratar seriamente de preencher os graves desníveis existentes nos campos económico, social e cultural; e para construir essa unidade na liberdade que façam do México e de cada um dos Países da América, uma sociedade solidária e responsavelmente participada, uma autêntica e inviolável comunidade de fé, fiel à sua essência e dinamicamente aberta à conveniente integração — desde a comunhão de credo — no nível nacional, latino-americano e universal.

Nessa ampla perspectiva, guiado por Nossa Senhora de Guadalupe, padroeira da América Latina, dirijo o meu pensamento e simpatia a todos os povos da área, especialmente aos que sofrem maiores privações, e de maneira particular aos da América Central, aqueles sobretudo provados hoje por duras e dolorosas situações que tanta preocupação despertam, no meu ânimo e no mundo, pelas suas consequências negativas para uma pacífica convivência e pelo risco que encerram mesmo para a ordem internacional.

É necessário e urgente que a própria fé mariana e cristã leve à acção generalizada em favor da paz para uns povos que tanto estão sofrendo; é necessário pôr em prática medidas eficazes de justiça, que ultrapassem a crescente distância entre os que vivem na opulência e aqueles que estão destituídos do mais indispensável; há-de vencer-se, com procedimentos que o ataquem na sua raiz mesma, o fenómeno subversão-repressão que alimenta a espiral de uma funesta violência; há-de restabelecer-se, na mente e nas acções de todos, a estima do valor supremo e tutela da sacralidade da vida; há-de eliminar-se todo o tipo de tortura que degrada o homem, respeitando pelo contrário integralmente os direitos humanos e religiosos da pessoa; é necessário cuidar com diligência a promoção das pessoas, sem imposições que impeçam a sua realização livre como cidadãos, membros de uma família e comunidade nacional.

839 Não pode omitir-se a devida reforma de certas estruturas injustas, evitando ao mesmo tempo métodos de acção que obedeçam a concepções de luta de classes; há-de promover-se a educação cultural de todos, assegurando a dimensão humana e religiosa de cada cidadão ou pai de família.

Um compromisso de moralidade pública há-de ser o primeiro requisito na implantação de uma sólida moralidade particular; e se é certo que devem salvaguardar-se as exigências de uma ordenada convivência, nunca a pessoa humana e os seus valores hão-de ficar sujeitos a outras exigências ou finalidades, nem ser também vítimas de ideologias materialistas — de qualquer tipo — que sufocam no ser humano a sua dimensão transcendente.

O amor ao homem imagem de Deus, a opção preferencial pelo mais pobre — sem exclusivismos nem ódios —, o respeito pela sua dignidade e vocação terrestre e eterna, devem ser o parâmetro que guie todo aquele que diga inspirar-se nos valores da fé.

Nesse espírito de serviço ao homem, incluindo o seu reflexo naciónal e internacional, aceitei — poucos dias antes da minha visita ao santuário guadalupano — a obra de mediação entre as Nações irmãs da Argentina e do Chile.

Tratava-se de evitar imediatamente, e evitou-se, um conflito bélico que parecia iminente e teria funestas consequências. Há quase três anos que se está a trabalhar nessa obra, sem poupar esforços nem tempo.

Todos convido a que peçam à Mãe de Guadalupe depressa se resolva essa longa e penosa controvérsia. As vantagens serão grandíssimas para os dois povos interessados — assim como para toda a América Latina e mesmo para o mundo — que desejam ardentemente esse resultado. Prova disso são as numerosas assinaturas recolhidas entre os jovens, às quais vão ser depositadas diante deste altar. Oxalá sejam estes jovens os arautos da paz.

Sejam pesados serenamente os sacrifícios que implica a concórdia. Ver-se-á então que vale a pena enfrentá-los, olhando para os bens superiores.

7. Aos pés de Nossa Senhora de Guadalupe depósito estas intenções, junto com as riquezas e dificuldades da América Latina inteira.

Sê tu, Mãe, aquela que guarde os Bispos, sacerdotes, religiosos e religiosas para que, imbuídos de um profundo amor à Igreja e generosamente fiéis à sua missão, procedam com o devido discernimento no serviço eclesial que desempenham, e edifiquem na verdade e na caridade o povo de Deus. Sê tu quem inspire os governantes, para que, respeitando escrupulosamente os direitos de cada cidadão e em espírito de serviço ao seu povo, busquem sempre a paz, a justiça, a concórdia, o verdadeiro progresso e a moralidade em toda a vida pública. Sê tu quem ilumine com propósitos de equidade e rectidão todos os que têm nas suas mãos o poder económico e social, para não esquecerem as exigências da justiça nas relações comunitárias, sobretudo com os menos favorecidos. Ajuda os jovens e estudantes, a fim de que se preparem bem para infundir novas forças de honestidade, competência e generosidade nas relações sociais. Olha com bondade para os trabalhadores do campo, a fim de que se lhes procure um nível de vida mais justo e decoroso. Protege os irmãos de Juan Diego, os indígenas, para que se lhes conceda lugar digno na sociedade, sem marginalizações nem discriminações. Cuida das crianças, para que tenham sempre o bom exemplo e amor de seus pais. Conserva na unidade as famílias, para que sejam fortes e perseverantes no amor cristão.

E unia vez que és Imperatriz das Américas, faz chegar a tua protecção a todas as Nações do Continente americano e às que aí levaram a fé e o amor a Ti.

Faz por último, Mãe, que esta celebração centenária do povo mexicano, a qual assinala a sua fidelidade mariana nos passados 450 anos, seja, em Ti, princípio de uma renovada fidelidade a Cristo e à Sua Igreja. Assim seja.



VISITA PASTORAL À PARÓQUIA ROMANA

DO IMACULADO CORAÇÃO DE MARIA


840
Domingo, 13 de Dezembro de 1981




1. "A minha alma glorifica o Senhor e o meu Espírito se alegra em Deus, meu Salvador, porque pôs os olhos na humildade da Sua serva. De hoje em diante me chamarão bem-aventurada todas as gerações. O Todo-Poderoso fez em mim maravilhas, Santo é o Seu nome..." (
Lc 1,46-49).

Caros Irmãos e Irmãs

Permiti que, por ocasião da visita à vossa paróquia, dedicada ao Coração Imaculado de Maria, eu faça referência a estas palavras da Mãe de Deus, que a Liturgia de hoje escolheu como salmo responsorial.

A solenidade da Imaculada Conceição acaba de passar, imprimindo o seu sinal bem-aventurado sobre todo o período do Advento. Por isso hoje — quase como prolongamento de tal festa — é-me concedido visitar a paróquia dedicada ao Coração Imaculado de Maria, a fim de poder pronunciar, juntamente com a vossa Comunidade, as palavras da adoração de Deus, que só podiam sair do coração da "Cheia de Graça", e só no coração da "cheia de Graça" podiam ressoar com eco tão profundo como requeria o seu significado.

"O Todo-Poderoso fez em mim maravilhas" — disse Aquela que na Anunciação chamou a si mesma "serva" e no Magnificat se expressou de maneira análoga: "Pôs os olhos na humildade da Sua, serva".

Oh, quanto amamos esta serva do Senhor! Quão profundamente confiamos a Ela tudo e todos, a Igreja, o mundo! Quanto nos diz esta sua "humildade"! Ela constitui quase o espaço adequado para Que n'Ela se possa revelar Deus. Para que possa d'Ela nascer Deus. Para que possa, por meio d'Ela, "de geração em geração" operar Deus.

As palavras de Maria estão verdadeiramente cheias de Advento! É difícil "sentir" melhor a proximidade de Deus se não escutamos estas palavras!

2. Desejo exprimir a minha alegria porque entre estas "gerações", de que a Mãe de Deus afirma que lhe "chamarão bem-aventurada", se encontra a vossa paróquia desde o início mesmo da sua existência, que remonta a 1936.

Quero nesta circunstância dirigir e minha saudação ao Cardeal Vigário, ao Bispo Auxiliar da Área, Dom Alessandro Plotti, ao Rev.do P. Gustavo Alonso, Superior-Geral dos Missionários Filhos do Coração Imaculado de Maria ou Claretianos e aos Componentes do Conselho Geral; ao pároco, P. Tullio Vinci, ao coadjutor, P. Renato Logar, a todos os bons e zelosos religiosos que dão o seu contributo de oração, sacrifício e dedicação pelas obras pastorais da paróquia.

Uma saudação também às religiosas, que trabalham na área da paróquia: as Irmãs Servas de Maria da Congregação de Pistóia; as Irmãs da Caridade de Santa Antide Thouret; as Irmãs da Caridade do príncipe Palagonia; e as Missionárias Reparadoras do Sagrado Coração.

841 Um cumprimento às Associações Masculinas e Femininas, ao Conselho Pastoral, aos pais, às mães, aos jovens, aos meninos, aos anciãos e aos enfermos; a todos os 11.000 fiéis da Comunidade paroquial. A minha cordial e afectuosa saudação!

3. O Advento fala-nos, na liturgia hodierna, com as palavras do Magnificat mariano. Fala também com outra figura que volta continuamente na Liturgia do Advento. É João, filho de Zacarias e de Isabel, o qual prega nas vizinhanças do Jordão.

Eis o testemunho de João. Primeiro que tudo de si mesmo. "És Elias? — Não sou. És o Profeta? Não. Quem és tu? — Eu sou a voz de quem brada no deserto".

João é a voz. Disse admiravelmente Santo Agostinho: "João é a voz. Do Senhor (Jesus) pelo contrário diz-se: 'No princípio era a Palavra'. João é a voz que passa, Cristo é a Palavra eterna que era no princípio. Se à voz tiras a palavra, que é que fica? Onde não há sentido inteligível, o que fica é simplesmente um som vago. A voz sem a palavra fere o ouvido, mas não edifica o coração..." (Sermo 293, 3: PL 38, 1328).

Assim portanto João não é o Messias, nem Elias nem o Profeta. Todavia prega e baptiza. "Então, porque baptizas?" — perguntam os enviados de Jerusalém. Esta era a causa principal da inquietação deles. João pregava repetindo as palavras de Isaías: "Preparai os caminhos do Senhor", e o baptismo que recebiam os seus ouvintes era o sinal de as palavras chegarem até eles, e convertiam-nos; depois os enviados de Jerusalém perguntam: "Porque baptizas?" (
Jn 1,25).

João responde: "Eu baptizo em água, mas no meio de vós se encontra quem não conheceis: Aquele que vem depois de mim, a quem eu não sou digno de desatar a correia da sandália" (Jn 1,26 s.).

João é um precursor: sabe que Aquele, que é esperado, vem "depois dele".

João é anunciador de Advento. Diz: "No meio de vós se encontra quem vós não conheceis".

O Advento não é só espera. É anunciação da Vinda. João diz: "Aquele que deve vir já veio".

As palavras de João junto do rio estão cheias de Advento; como uma vez as palavras de Maria no limiar da casa de Zacarias, quando foi visitar Isabel, sua parente, a mãe de João.

As palavras de João estão cheias de Advento, embora ressoem cerca de trinta anos mais tarde. A Liturgia une o Advento, expresso com as palavras de Maria, ao advento das palavras de João. A vinda do Messias, que nascerá na noite de Belém do seio da Virgem, e a Sua vinda, no poder do Espírito Santo, perto do Jordão, onde João pregava e baptizava.

842 4. O advento de João manifesta-se com uma singular atitude. Diz: "Não sou digno de desatar a correia da sandália" àquele que vem depois de mim (cf. Jo Jn 1,27).

É um encargo muito importante. O Advento, com efeito, significa uma atitude. Exprime-se mediante uma atitude.

João, perto do Jordão, define esta atitude com as palavras citadas. Mediante estas palavras vemos o que ele diz de si: aquele que sente estar diante de Quem ele antecipadamente anunciava.

A correia da sandália, como é sabido, era desatada por um servo ao seu Patrão. E João diz: "Não sou digno de desatar a correia da sandália". Não sou digno! Sente-se mais pequeno que um servo.

Esta é a atitude do Advento. A Igreja aceita-a em pleno e repete sempre com os lábios de todos os seus sacerdotes e de todos os fiéis: "Senhor, não sou digno...".

E pronuncia estas palavras sempre diante da vinda do Senhor, diante do advento eucarístico de Cristo: "Senhor, não sou digno". O Senhor vem exactamente àqueles que sentem profundamente a sua indignidade e a manifestam.

As nossas palavras, quando inclinamos a cabeça e o coração diante da Sagrada Comunhão, estão cheias de Advento. Aprendamos sempre de novo esta atitude.

5. O que lemos hoje na liturgia, da primeira carta de São Paulo aos Tessalonicenses, explica-nos ainda mais amplamente qual deve ser em cada um de nós aquela atitude de Advento, na qual se realiza a vinda, o Advento de Deus.

O Apóstolo escreve:

"Vivei sempre na alegria, orai sem cessar, dai graças em todas as circunstâncias... Não apagueis o Espírito, não desprezeis os dons proféticos; mas avaliai tudo, mantendo o que é bom. Conservai-vos longe de qualquer espécie de mal" (1Th 5,16-22).

São estes, por assim dizer, os elementos constitutivos da atitude interior, mediante a qual o Advento perdura no nosso coração. Corno ouvimos, ele é composto de alegria e de constante oração. Uma e outra estão ligadas com o esforço para evitar toda a espécie de mal. Ao mesmo tempo, esta atitude interior manifesta-se como abertura a toda a verdade da profecia, seja daquela que provém de Deus — e realiza-se isto pelo caminho da revelação e da fé seja também daquela que provém pelo caminho da busca honesta por parte do homem. Atitude, que se exprime na disposição para fazer tudo o que é bom e nobre. Perseverando em tal disposição, o homem consente ao Espírito Santo operar nele e não permite seja apagada em si a luz; que Ele acende na alma.

843 O Apóstolo escreve: "Não apagueis o Espírito".

A atitude do Advento exprime-se na abertura interior à acção do Espírito Santo; na obediência a esta acção.

E eis que, perseverando nós em semelhante atitude, o Deus da paz santifica-nos até à perfeição, e o nosso espírito, a alma, e o corpo conservam-se irrepreensíveis para a vinda do Senhor nosso Jesus Cristo (cf.
1Th 5,23).

O apóstolo Paulo, na primeira carta aos Tessalonicenses, assim ensinou aos primeiros cristãos. O seu ensinamento é sempre actual; a atitude de Advento dá ao homem a certeza de que Deus veio ao mundo em Jesus Cristo; de que entrou na história do homem; de que está no meio de nós; e de que, ao mesmo tempo, dá ao homem a maturidade do encontro com Deus durante a vida terrena e a maturidade do encontro definitivo com Ele!

Aprendamos esta atitude! Aprendamo-la de ano para ano, de dia para dia!

A isso nos convida e predispõe toda a Liturgia do Advento.

6. Quem é Aquele que já veio, que Vem constantemente e deve vir definitivamente?

Pois bem, é Aquele que traz o alegre anúncio aos pobres, que pensa as chagas dos corações despedaçados, que proclama a libertação aos homens desprovidos de liberdade, aos homens obrigados interior ou exteriormente à escravidão.

Aquele que promulga o ano de misericórdia do Senhor (cf. Is Is 61,1 s.).

É necessário aqui, na paróquia do Coração Imaculado de Maria, ser Ele esperado com alegria; repetirem todos com Maria:

"o meu espírito alegra-se em Deus, meu Salvador" (Lc 1,47).

844 Floresça em todos esta atitude interior de Advento: nas pessoas anciãs que se aproximam dos limites da vida, e nos jovens que principiam esta vida. É necessário que tal atitude penetre na vossa Comunidade e nos vários ambientes; que se torne clima da vida familiar.Que nele cresça e atinja a maturidade cada homem entre todas as experiências e provas, que a vida não poupa. Que nela, na atitude de Advento, encontrem apoio todos os que sofrem: "O meu coração exulta no meu Deus, porque me revestiu com a roupagem da salvação" (Is 61,10).

O Coração Imaculado de Maria, obtenha a cada um de vós esta alegria de salvação, que é maior que tudo quanto pode oferecer-nos o mundo!



SANTA MISSA PARA OS UNIVERSITÁRIOS EM PREPARAÇÃO PARA O NATAL


Basílica Vaticana

Quinta-feira, 17 de Dezembro de 1981




1. Caríssimos, a todos as minhas cordiais boas-vindas! Saúdo os estudantes e os professores das Universidades e das outras Escolas superiores de Roma, como também os hóspedes vindos de fora de Roma e aqui reunidos.

Encontramo-nos nesta assembleia litúrgica todos os anos nos tempos do Advento e da Quaresma, a fim de pormos deste modo em evidência o carácter particular destes dois períodos, que na linguagem litúrgica são definidos como "tempos fortes". Esta qualificação fala de uma particular intensidade dos conteúdos religiosos do Advento (e, em seguida, da Quaresma), aos quais pela nossa parte devemos responder com particular intensificação do esforço religioso. Num e noutro caso o mistério central do tempo, ou seja o mistério da Encarnação no Advento, e o mistério da Redenção na Quaresma, constituem como um grande desafio para o cristão, para a sua fé e para o seu comportamento.

E por isso exprimo viva alegria pela vossa presença. Hoje, assim como há um ano, podemos aceitar juntos o desafio da liturgia, procurando adequada resposta nos nossos corações e nas nossas consciências.

2. A Liturgia do Advento entra hoje no seu ciclo último e definitivo, ligado com a imediata preparação para o mistério da Encarnação: para, o Natal.

E é a esta luz que é necessário entender ambas as leituras, que — a seu modo cada uma — põem em relevo a genealogia humana de Cristo — do Messias. O Filho de Deus que por obra do Espírito Santo se torna homem, nascendo da Virgem Maria na noite de Belém (na liturgia separam-nos dela sete dias), tem, como homem, a sua humana ascendência. Hoje a Igreja torna a ler esta genealogia segundo o evangelho de Mateus.Escutemos pois uma série inteira de nomes que seguem um atrás do outro, ordenando-se nos três ciclos que se apresentam sucessivamente: de Abraão a David; de David à deportação para Babilónia; e da deportação para Babilónia até ao nascimento de Jesus "chamado Cristo".

Devemos deter-nos no texto de hoje. Devemos reflectir sobre o que se encontra debaixo da superfície desta lista de nomes, que se seguem na enumeração de Mateus. Descobre-se nela o Advento. Sim, o Advento. Talvez mesmo este texto "árido" — destituído da força poética dos trechos de Isaías ou da expressão dramática dos Evangelhos que referem a missão de João Baptista no Jordão — fale ainda mais plena e fortemente do que foi e do que é o Advento. Cada um dos nomes que lemos hoje testemunham gerações de homens, que esperaram com a fé o cumprimento da Promessa. Esperavam a vinda do Messias, isto é do Ungido: do Homem enviado por Deus para libertar o Seu povo. Este Messias, mandado por Deus, havia de nascer deles — devia ser o último elo de todas as gerações do Povo eleito, e primeiro que tudo da Estirpe. Desta Estirpe — da qual nascia cada membro e morria na esperança de cumprir-se a Promessa — devia nascer Ele. Mateus coloca-Lhe o nome no fim da sua genealogia.

3. A genealogia humana de Jesus "chamado Cristo", é constituída pelos nomes de homens parentes entre si, pela união de um Povo, e mais ainda pela Estirpe, e é constituída pela Promessa.

845 Esta Promessa foi Abraão o primeiro a recebe-la.

Na liturgia de hoje, a promessa feita a Abraão revive nas palavras do testamento de Jacob — neto de Abraão. Jacob, isto é Israel, reúne os seus 12 filhos: "Ajuntai-vos para escutar filhos de Jacob, para escutar Israel, vosso pai..." (
Gn 49,2). Iluminado pela inspiração profética dirige-se a todos, mas sobretudo a um deles, a Judá, distinguindo-o entre os irmãos. E distingue-o não pelo seu valor ou por outras qualidades, mas por motivo da Promessa.

"O ceptro não escapará a Judá, nem a autoridade à sua descendência, até à vinda do Pacífico, ao qual os povos obedecerão" (Gn 49,10).

Como ouvimos na genealogia de Mateus, entre os descendentes de Judá — precisamente de Judá — encontrou-se David; como rei, empunhou o ceptro, reinando sobre a tribo de Judá e sobre todo o Israel. De David, portanto, começam a contar-se as gerações reais. Da estirpe real devia nascer Aquele de quem falava. a Promessa.

4. Saúda-O como rei também a hodierna liturgia com as palavras do salmo responsorial.

Este Rei é o Ungido de Deus, isto é o Messias. A imagem, a que se referem as palavras do salmo, aproxima-se daquela que conhecemos da profecia de Isaías; todavia a imagem de Isaías parece estar ainda mais perto da verdade sobre Cristo, por isso das palavras deste Profeta se vale Jesus seja durante a Sua primeira aparição pública em Nazaré, sua terra, seja também mais tarde respondendo à pergunta dos discípulos de João:

"O Espírito do Senhor está sobre Mim, porque Me ungiu, para anunciar a Boa Nova aos pobres; enviou-Me a proclamar a libertação aos cativos e, aos cegos, o recobrar da vista; a mandar em liberdade os oprimidos, a proclamar um ano de graça do Senhor" (Lc 4,18-19 cf. Lc 7,22).

A imagem do Messias-Rei do hodierno salmo aproxima-se em muitos pontos da de Isaías. O Messias-Rei deve governar "o... povo com justiça e os... humildes servos com equidade" (71/72, 2). - Melhor, "protegerá os humildes do povo, salvará os filhos dos pobres" (v. 4). Estes trechos estão sobretudo perto de Isaías. Contudo o salmo insiste sobretudo na justiça e na universalidade do Messias-Rei:

"Nos Seus dias florescerá a justiça e a abundância da paz... E dominará de um ao outro mar, desde o grande rio até aos confins da terra" (vv. 7-8).

5. Através da série dos nomes que lemos na genealogia de Jesus "chamado Cristo", escrita por Mateus, transparece todo o acontecimento histórico: a expectativa da descendência de Abraão e de Jacob, as esperanças ligadas à dinastia de David...

Todavia Jacob disse:

846 "O ceptro não escapará a Judá, nem a autoridade à sua descendência, até à vinda do Pacífico, ao qual os povos obedecerão" (Gn 49,10).

O que significa: quando Ele vier, o ceptro será tomado por outro Rei, como sinal doutro Reino! — e o ceptro do soberano terreno, pastor do povo, será substituído pelo cajado do Bom Pastor.

As palavras do Patriarca parecem anunciar o que nos cálculos humanos foi extraviado ou ofuscado...

Mas precisamente neste acontecimento "histórico" não se trata de cálculos humanos, mas da Promessa mesma na sua eterna Verdade divina — e Deus é sempre maior!

É maior que os cálculos humanos e que as humanas expectativas. A Promessa do Deus vivo sobe acima do que dela entenderam os homens e ainda agora dela entendem... Precisamente nisto consiste o significado particular do Advento, tanto do "histórico" como do que volta cada ano na liturgia da Igreja.

Deus é sempre maior!

A promessa, que se cumprirá na noite de Belém, "humanamente" desiludirá aqueles que esperaram a vinda de um rei, a salvadora encarnação de um descendente no trono terrestre de David. Mas, de facto, na noite de Belém nascerá um Menino, a cuja cabeça José e Maria não serão capazes de garantir um tecto.

Assim portanto a Promessa cumpre-se "abaixo" das expectativas humanas.

e contemporaneamente...

— contemporaneamente o cumprimento da Promessa supera todas as expectativas humanas dos descendentes de Abraão, Jacob e David: na noite de Belém, Deus mesmo virá salvar-nos (cf. Is Is 35,4).

Nós seremos testemunhas não da encarnação salvadora de um rei da estirpe de David, mas testemunhas da Encarnação Salvadora de Deus na estirpe de David.

847 Assim portanto Mateus, que redigiu a genealogia humana de Jesus "chamado Cristo", reconstruiu neste seu registo a humana genealogia do Verbo Encarnado: "Deus de Deus Luz de Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado, da mesma substância do Pai", que "por obra do Espírito Santo encarnou seio da Virgem Maria e se fez homem".

6. Assim Deus é maior, na Sua Promessa, que toda a humana expectativa. Cristo, que nasceu na noite de Belém, até ao fim dos Seus dias cá em baixo será uma desilusão para as expectativas terrenas. Já depois da Sua crucifixão — mas não sabendo ainda que ressuscitara — dois discípulos na estrada para Emaús dirão a um casual Passante (não sabendo que falavam a Cristo): "Nós esperávamos que fosse Ele quem libertasse Israel..." (
Lc 24,21). Não é este um "divino paradoxo"?

A noite de Belém trará já consigo o início deste, divino "Paradoxo": o Filho de Deus, e ao mesmo tempo descendente real de David, nascerá em condições dignas do último pobre.

A noite de Belém já traz em si o primeiro anúncio da noite pascal: Deus revela-se no Seu poder salvador mediante a fraqueza, mediante a humilhação e o despojamento.

Ele demonstra que é sempre "maior" mediante, o facto de se tornar "mais pequeno".

O Advento prepara-nos para este Paradoxo do Emanuel. Emanuel quer dizer "Deus connosco".

Em certo modo habituámo-nos ao facto de Ele "estar connosco". Devemos continuamente descobrir isto de novo. Devemos de novo admirar-nos com esta admiração da noite de Belém, que nos permite cada ano reencontrar Deus "connosco". Devemos entrar neste espaço. Devemos reencontrar o sabor de Deus.

Deste Deus que "vem" continuamente, e sempre "está connosco".

Deste Deus que sempre "é maior" — precisamente mediante o que é "mais pequeno": igualmente como Menino sem tecto na noite de Belém, e como Condenado sem qualquer vestuário na cruz do Gólgota.

Devemos reencontrar o sabor deste Deus: do Deus Vivo. Do Deus dos nossos pais: Abraão, Isaac e Jacob. De Deus que se revela até ao fim em Jesus Cristo.

Devemos reencontrar o sabor simples e maravilhoso deste Deus. Para isto sobretudo serve o Advento.

848 7. No dia 17 de Dezembro, primeiro dos últimos sete dias do Advento litúrgico, a Igreja reza assim:

"Ó Sabedoria do Altíssimo, que tudo governais com firmeza e suavidade: Vinde ensinar-nos o caminho da vida" (Antíf. do Magnificat).

No termo da genealogia humana de Jesus "chamado Cristo" encontra-se o mistério da Encarnação.

Diante de tal mistério sempre ocorre a pergunta, que formulou com palavras lapidares um dos mais ilustres pensadores da Idade Média, Santo Anselmo: "Cur Deus homo".

Porque é que Deus se fez homem?

Porque entrou na história da humanidade, vindo ao mundo através da continuação das gerações do Povo eleito de Deus?

É necessário que nós nos ponhamos esta pergunta "Cur Deus humo" — que em certo modo não nos separemos dela.

Esta pergunta é importante — central, é a mais importante — quanto ao homem.

O último Concílio responde: Deus fez-se homem para revelar ao homem, até ao fundo, quem é o homem, manifestando-lhe a grandeza da sua mais alta vocação.

No termo da humana genealogia de Cristo encontra-se o mistério da Encarnação. No mistério da Encarnação o homem reencontra não só Deus, que é "maior" porque tornado "mais pequeno", que é "outro" e se tornou semelhante a nós, que é "ilimitado" e se tornou "vizinho"...

No mistério da Encarnação o homem reencontra-se contemporaneamente a si mesmo. A verdade sobre o homem está inscrita no mistério da Encarnação não menos que a verdade sobre Deus.

849 O Advento diz a cada um de nós que deve aprender a sua humanidade à luz do mistério da Encarnação de Deus.

O homem não foi criado desde o princípio à imagem e semelhança de Deus?

8. Assim se compreende o hodierno apelo, dirigido à mesma eterna Sabedoria. A Igreja dirige-se a ela e diz: "vinde"..

"Vinde ensinar-nos o caminho da vida".

O homem de hoje sabe muito mais sobre si mesmo e sobre o mundo que o homem das gerações passadas. Conhece muito melhor as estruturas e os mecanismos condicionadores dos processos da sua vida e da sua actividade. A soma da ciência específica sobre o homem — assim como sobre toda a natureza morta e viva — é colossal.

Contemporaneamente o homem — com toda a enormidade desta ciência específica sobre si — não se conhece a si mesmo até ao fundo. Permanece para si mesmo incomparável enigma. Ou antes mistério imperscrutável, sempre de novo o aflige a pergunta, sobre o sentido: sobre o sentido tudo, e principalmente sobre o sentido da sua humanidade. Cur homo? (Porquê o homem!).

O apelo do Advento, dirigido à Sabedoria, é sempre actual. De facto, ao homem não basta a ciência, a descrever com penetrante exactidão as estruturas e os mecanismos condicionadores da sua existência e das suas acções. Ao homem é necessária a Sabedoria que — única — lhe permite compreender o sentido desta existência humana e orientar adequadamente as próprias acções.

O inundo que nos circunda fornece provas espantosas daquilo para que pode ser orientada a actividade deste pequeno homem, quando não encontra em si mesmo a resposta à pergunta sobre o sentido:

Cur homo? Porquê o homem?

9. A Igreja do Advento invoca hoje, uma semana antes do Natal do Senhor, a eterna Sabedoria.

Devem-se encontrar na nossa consciência estas duas perguntas: cur homo? e cur Deus-homo? se devemos aprender os "caminhos da vida", isto é os caminhos da vida verdadeiramente digna do homem. Talvez nenhuma época, mais do que a nossa, tenha sentido a necessidade de sublinhar a dignidade do homem e, ao mesmo tempo, talvez nenhuma tenha caído em tantas colisões com esta dignidade.

850 Ajude-nos o nosso hodierno encontro, a nossa vigília comum de Advento, a vencer esta antinomia.

O Verbo, que se fez Carne, ensine a cada um de nós "o caminho da vida", e incessantemente nos indique este caminho nos sacramentos da fé: no sacramento da penitência e da reconciliação — na Eucaristia.

Procuremos participar neles. Procuremos tornar esta participação cada vez mais esclarecida:

— nas grades do confessionário —na mesa eucarística — revivem estas duas perguntas: cur homo? e cur Deus homo? E uma permite-nos encontrar a resposta à segunda ... "vinde ensinar-nos os caminhos da vida"

Caros Amigos:

Aceitai estes pensamentos do vosso Bispo, nascidos da meditação da liturgia do Advento e, ao mesmo tempo, do amor por cada um de vós. Do amor pelo homem que, assim como vós, procura "o caminho da vida".






Homilias JOÃO PAULO II 836