Homilias JOÃO PAULO II 1165


NO DOMINGO DE PENTECOSTES


31 de Maio de 1998




1. Credo Spiritum Sanctum, Dominum et vivificantem: Creio no Espírito Santo, que é Senhor e dá a vida.

1166 Com as palavras do Símbolo niceno-constantinopolitano, a Igreja proclama a sua fé no Paráclito; fé que nasce da experiência apostólica do Pentecostes. O texto dos Actos dos Apóstolos, que a Liturgia hodierna propôs à nossa meditação, recorda com efeito as maravilhas operadas no dia de Pentecostes, quando os Apóstolos constataram com grande admiração o cumprimento das palavras de Jesus. Ele, como refere a perícope do Evangelho de São João há pouco proclamada, tinha assegurado na vigília da Sua paixão: «Eu rogarei ao Pai e Ele vos dará outro Consolador, para estar convosco para sempre» (Jn 14,16). Este «Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em Meu nome, Esse ensinar-vos-á todas as coisas e vos recordará tudo o que vos tenho dito» (ibid., 14, 26).

E o Espírito Santo, ao descer sobre eles com força extraordinária, tornou-os capazes de anunciar ao mundo inteiro o ensinamento de Jesus Cristo. Era tão grande a sua coragem, tão segura a sua decisão, que estavam dispostos a tudo, até a dar a vida. O dom do Espírito havia-lhes libertado as energias mais profundas, empenhando-as no serviço da missão que lhes fora confiada pelo Redentor. E será o Consolador, o Parakletos, a guiá-los no anúncio do Evangelho a todos os homens. O Espírito ensinar-lhes-á toda a verdade, haurindo-a da riqueza da palavra de Cristo, a fim de que eles, por sua vez, a comuniquem aos homens de Jerusalém e ao resto do mundo.

2. Como não dar graças a Deus pelos prodígios que o Espírito não cessou de realizar nestes dois milénios de vida cristã? O evento de graça do Pentecostes tem, com efeito, continuado a produzir os seus maravilhosos frutos, suscitando em toda a parte ardor apostólico, desejo de contemplação, empenho em amar e servir com total dedicação a Deus e aos irmãos. Ainda hoje o Espírito alimenta na Igreja gestos pequenos e grandes de perdão e de profecia, dá vida a carismas e dons sempre novos, que atestam a Sua acção incessante no coração dos homens.

Disto é prova eloquente esta solene Liturgia, na qual estão presentes numerosos membros dos Movimentos e das novas Comunidades, que nestes dias celebraram em Roma o seu Congresso mundial. Ontem, nesta mesma Praça de São Pedro, vivemos um inesquecível encontro de festa, com cânticos, orações e testemunhos. Experimentámos o clima do Pentecostes, que tornou quase visível a fecundidade inexaurível do Espírito na Igreja. Movimentos e novas Comunidades, expressões providenciais da nova primavera suscitada pelo Espírito com o Concílio Vaticano II, constituem um anúncio do poder do amor de Deus que, superando divisões e barreiras de todo o género, renova a face da terra, para construir nela a civilização do amor.

3. Escreve São Paulo na Carta aos Romanos, há pouco proclamada: «Todos aqueles que são movidos pelo Espírito de Deus, são filhos de Deus» (8, 14).

Estas palavras oferecem ulteriores pontos de reflexão para compreender a acção admirável do Espírito na nossa vida de crentes. Elas abrem-nos a estrada para chegarmos ao coração do homem: o Espírito Santo, que a Igreja invoca para que dê «luz aos sentidos», visita o homem no íntimo e toca directamente a profundidade do seu ser.

Continua o Apóstolo: «Se o Espírito habita em vós, não estais sob o domínio da carne, mas do Espírito... Aqueles que são movidos pelo Espírito de Deus, são filhos de Deus» (cf. Rm Rm 8,9 Rm Rm 8,14). Contemplando, depois, a acção misteriosa do Paráclito, acrescenta com enlevo: «Vós não recebestes um espírito de escravidão..., recebestes, pelo contrário, um espírito de adopção, pelo qual clamamos: "Abba, Pai!". O próprio Espírito atesta, em união com o nosso espírito, que somos filhos de Deus» (Rm 8,15-16). Eis-nos no centro do mistério! É no encontro entre o Espírito Santo e o espírito do homem que se situa o coração mesmo da experiência vivida pelos Apóstolos no Pentecostes. Esta experiência extraordinária está presente na Igreja, nascida daquele evento, e acompanha-a no decurso dos séculos.

Sob a acção do Espírito Santo, o homem descobre até ao fundo que a sua natureza espiritual não é velada pela corporeidade mas, ao contrário, é o espírito que dá sentido verdadeiro ao próprio corpo. Com efeito, vivendo segundo o Espírito, ele manifesta plenamente o dom da sua adopção como filho de Deus.

Nesse contexto, insere-se bem a questão fundamental da relação entre a vida e a morte, a que se refere Paulo ao observar textualmente: «Se viverdes segundo a carne, morrereis; mas, se pelo espírito fizerdes morrer as obras da carne, vivereis» (Rm 8,13). É precisamente assim: a docilidade ao Espírito oferece ao homem contínuas ocasiões de vida.

4. Caríssimos Irmãos e Irmãs, é para mim motivo de grande alegria saudar todos vós, que quisestes unir-vos a mim ao dar graças ao Senhor pelo dom do Espírito. Essa festa toda missionária alarga o nosso olhar para o mundo inteiro, com um pensamento particular aos muitos missionários sacerdotes, religiosos, religiosas e leigos que prodigalizam a sua vida, muitas vezes em condições de enormes dificuldades, para a difusão da verdade evangélica.

Saúdo-vos a vós aqui presentes: os Senhores Cardeais, os Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio, os numerosos membros dos vários Institutos de Vida Consagrada e de Vida Apostólica, os jovens, os doentes e de modo especial quantos vieram de muito longe para esta solene cerimónia.

1167 Uma recordação particular aos Movimentos e às novas Comunidades, que ontem tiveram o seu encontro e que hoje vejo presentes em grande número. Não tão grande como ontem, mas sempre grande! Dirijo um pensamento muito especial aos meninos e aos jovens que estão para receber os Sacramentos da Confirmação e da Eucaristia. Que exaltantes perspectivas apresentam as palavras do Apóstolo a cada um de vós, caríssimos! Através dos gestos e das palavras do Sacramento da Confirmação, ser-vos-á dado o Espírito Santo que aperfeiçoará a vossa conformidade a Cristo, já iniciada no Baptismo, para vos tornar adultos na fé e testemunhas autênticas e corajosas do Ressuscitado. Com a Confirmação, o Paráclito abre diante de vós um caminho de incessante redescoberta da graça de adopção como filhos de Deus, que vos tornará alegres investigadores da Verdade.

A Eucaristia, alimento de vida imortal, que pela primeira vez haveis de saborear, tornar-vos-á prontos a amar e a servir os irmãos, capazes de dar ocasiões de vida e de esperança, livres do domínio da «carne» e do temor. Ao deixar-vos guiar por Jesus, podereis experimentar de maneira concreta na vossa vida a maravilhosa acção do seu Espírito, de que fala o apóstolo Paulo no oitavo capítulo da Carta aos Romanos. Esse texto, cujo conteúdo resulta particularmente actual neste ano dedicado ao Espírito Santo, deveria ser lido hoje com maior atenção, para honrar a acção que o Espírito de Cristo realiza em cada um de nós.

5. Veni, Sancte Spiritus!

Também a magnífica sequência, que contém uma rica teologia do Espírito Santo, mereceria ser meditada estrofe por estrofe. Deter-nos-emos aqui somente na primeira palavra: Veni, vinde! Ela evoca a expectativa dos Apóstolos, depois da Ascensão de Cristo ao céu.

Nos Actos dos Apóstolos, Lucas apresenta-no-los reunidos no Cenáculo em oração com a Mãe de Jesus (cf. 1, 14). Que palavra melhor do que esta podia exprimir a sua oração: «Veni, Sancte Spiritus»? Isto é, a invocação d'Aquele que no início do mundo pairava sobre as águas (cf. Gn
Gn 1,2), e que Jesus lhes prometera como Paráclito?

O coração de Maria e dos Apóstolos naqueles momentos está voltado para a Sua vinda, num alternar-se de fé ardente e de confissão da insuficiência humana. A piedade da Igreja interpretou e transmitiu este sentimento no cântico do «Veni, Sancte Spiritus». Os Apóstolos sabem que é árdua a obra que lhes foi confiada por Cristo, mas decisiva para a história da salvação da humanidade. Serão eles capazes de levá-la a cabo? O Senhor tranquiliza os seus corações. A cada passo da missão que os levará a anunciar e a testemunhar o Evangelho até aos pontos mais remotos do globo, poderão contar com o Espírito prometido por Cristo. Os Apóstolos, ao recordarem-se da promessa de Cristo, nos dias que vão da Ascensão ao Pentecostes, concentrarão todo o pensamento e sentimento naquele veni – vinde!

6. Veni, Sancte Spiritus! Iniciando assim a sua invocação ao Espírito Santo, a Igreja faz próprio o conteúdo da oração dos Apóstolos reunidos com Maria no Cenáculo; antes, prolonga-a na história e torna-a sempre actual.

Veni, Sancte Spiritus! Assim continua a repetir em cada ângulo da terra com imutável ardor, firmemente consciente de dever permanecer de forma ideal no Cenáculo, em perene espera do Espírito. Ao mesmo tempo, ela sabe que do Cenáculo deve sair pelas estradas do mundo, com a tarefa sempre nova de dar testemunho do mistério do Espírito.

Veni, Sancte Spiritus! Oramos assim com Maria, santuário do Espírito Santo, preciosíssima morada de Cristo entre nós, para que nos ajude a ser templo vivo do Espírito e testemunhas incansáveis do Evangelho.

Veni, Sancte Spiritus! Veni, Sancte Spiritus! Veni, Sancte Spiritus!

Louvado seja Jesus Cristo!





NA MISSA CELEBRADA NA PARÓQUIA


DE S. NICOLAU DE BARI EM LIDO DE ÓSTIA


1168
7 de Junho de 1998




1. «Vinde, adoremos o único e verdadeiro Deus: Pai, Filho e Espírito Santo» (Invitatório). Com estas palavras inicia neste dia a Liturgia das Horas. Delas fazem eco as da Antífona de entrada da hodierna Santa Missa: «Bendito seja Deus Pai, e o unigénito Filho de Deus, e o Espírito Santo, porque grande é o Seu amor por nós» (Antífona da entrada).

São um hino de louvor à Santíssima Trindade, o grande Mistério que celebramos neste domingo.

Com efeito, toda a Liturgia é um cântico de louvor ao mistério trinitário; cada oração é dirigida a Deus Pai, por meio do Filho, no Espírito Santo. A mais simples invocação, como o «sinal da cruz», é feita «no nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo», e as mais solenes orações litúrgicas concluem com o louvor trinitário. Todas as vezes que elevamos a nossa mente e o nosso coração a Deus, entramos no eterno diálogo de amor da Santíssima Trindade.

«Bendita seja a Santíssima Trindade e indivisível Unidade; nós Lhe damos graças porque usou de misericórdia para connosco» (Segunda antífona das Primeiras Vésperas).

2. «O amor de Deus foi derramado em nossos corações por meio do Espírito Santo» (
Rm 5,5).

Quando nos aproximamos do mistério da Santíssima Trindade, temos bem clara a consciência de nos encontrarmos diante do primeiro daqueles «mistérios escondidos em Deus, que não podem ser conhecidos se não forem revelados divinamente» (Concílio Vaticano I, Denz. Schönm., 3015).

O inteiro desenvolvimento da revelação divina está orientado para a manifestação do Deus-Amor, do Deus-Comunhão. Isto refere-se, antes de tudo, à vida trinitária considerada em si mesma, na perfeita comunhão que desde a eternidade une as três Pessoas divinas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Ao revelar ao homem o próprio amor, Deus chama os homens a participarem da Sua mesma vida e a entrarem em comunhão com Ele.

À universal vocação dos crentes à santidade, cada uma das três Pessoas divinas dá o próprio contributo específico: o Pai é a fonte de toda a santidade, o Filho é o mediador de toda a salvação, e o Espírito Santo é Aquele que anima e sustenta o caminho do homem para a plena e definitiva comunhão com Deus.

No Ofício das Leituras, lemos neste dia um significativo texto de Santo Atanásio: «Assim como toda a graça nos vem do Pai por meio do Filho, assim também não podemos receber nenhuma graça senão no Espírito Santo, por cuja participação temos o amor do Pai, a graça do Filho e a comunhão do mesmo Espírito» (Segunda Leitura).

3. Caríssimos Irmãos e Irmãs da Paróquia de São Nicolau de Bari! Estou grato ao Senhor que hoje me dá a oportunidade de celebrar esta Solenidade litúrgica juntamente com a vossa Comunidade. A todos vós a minha mais cordial saudação! Antes de tudo ao Cardeal Vigário, ao Bispo Auxiliar para o Sector Sul da pastoral da Diocese, D. Clemente Riva, ao vosso zeloso Pároco, Padre Lorenzo Meati, juntamente com o Vigário paroquial, ambos pertencentes à família espiritual dos Oblatos Filhos de Nossa Senhora do Divino Amor.

1169 Saúdo depois os Sacerdotes e as Religiosas que prestam o seu generoso serviço nos Organismos presentes no território paroquial, especialmente no Hospital «Grassi», no Centro de Paraplégicos de Óstia e no Quartel Itália.

A minha saudação estende-se às pessoas do bairro, com um pensamento fraterno aos doentes e aos anciãos, que não tiveram a possibilidade de se unir a nós para a celebração eucarística. Desejo chegar espiritualmente a todos os habitantes de Óstia, assegurando a minha proximidade na oração a cada pessoa e a cada família. De bom grado acrescento uma recordação à Comunidade polaca, que já há muito tempo, cada domingo, se reúne na vossa Paróquia.

4. A vossa Comunidade paroquial é numerosa, e cresce ainda mais durante o período estivo com a chegada dos veraneantes. Infelizmente, porém, a localização da igreja não facilita aos crentes, como seria desejável, a participação na vida sacramental e na formação cristã.

Caríssimos Irmãos e Irmãs, estas dificuldades reais não devem deter a vossa acção apostólica, devem antes constituir um ulterior estímulo a multiplicar todos os esforços para tornar a Comunidade sempre mais viva e missionária.

Testemunhai com coragem e coerência a vossa fé e senti-vos directamente envolvidos na obra da nova evangelização, na perspectiva do Terceiro Milénio. Prossegui com generosidade as iniciativas da «Missão da cidade», empreendendo actividades de evangelização orientadas para quantos, tendo casa aqui junto do mar, vêm transcorrer alguns meses, especialmente no Verão.

Ao lado deste fervor missionário não faltem o esforço formativo dos jovens e a animação espiritual das famílias, células primordiais da Comunidade eclesial. Enquanto vos encorajo a prosseguir neste empenho, desejaria saudar de maneira particular as crianças que frequentam o catecismo, assim como os jovens, alguns dos quais pertencem ao Grupo de Escuteiros. Faço extensiva a minha saudação aos noivos que se preparam para o Matrimónio e a todos os jovens. A propósito dos jovens, como não ir desde agora, com a mente e o coração, ao Dia Mundial dos Jovens, em programa em Roma para os dias 19 e 20 de Agosto do ano 2000? A inteira Comunidade diocesana deverá mobilizar-se por ocasião daquele importante encontro, para acolher muitos jovens e moças que chegarão de todas as partes do mundo para uma tão extraordinária experiência de fé.

Preparar-se para o Grande Jubileu é tarefa de todos, porque a ele «está sem dúvida conexa uma particular graça do Senhor para a Igreja e para a humanidade inteira» (cf. Carta Apostólica Tertio millennio adveniente, 55).

Neste dia dedicado à Santíssima Trindade, como não ressaltar que o Ano Santo terá como objectivo «a glorificação da Trindade, da qual tudo procede e para a qual tudo se dirige, no mundo e na história» (Ibid.)?

A solenidade do «Corpus Domini», com a celebração eucarística na próxima quinta-feira em São João de Latrão e a sucessiva e já tradicional procissão, na qual desde agora convido todos a participar, remete-nos ao Congresso Eucarístico Internacional. Este extraordinário encontro espiritual abrir-se-á junto da própria Basílica de São João de Latrão, precisamente na Festa da Trindade do ano 2000, para recordar a todos que Cristo é a única via de acesso ao Pai e que Ele está presente e vivo na Igreja e no mundo.

5. «Louvor e glória a Deus, Trindade Santíssima, Pai, Filho e Espírito Santo, agora e para sempre» (Terceira antífona das Primeiras Vésperas).

Sim, louvor e glória à Santíssima Trindade!

1170 Elevemos juntos o nosso cântico de louvor e de acção de graças à Santíssima Trindade. Adoremos o mistério da arcana presença de Deus entre nós, contemplando em silêncio os Seus desígnios de salvação.

Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo!

Façamos nossas as palavras que nos são sugeridas por esta Liturgia: «Glória e louvor a Deus que é, que era e que vem».

Amém!







NA CELEBRAÇÃO DO «CORPUS CHRISTI»


Quinta-feira, 11 de Junho de 1998




1. «Vós caminhais através dos séculos » (Cântico eucarístico polaco).

A hodierna solenidade de «Corpus Christi» convida a meditar sobre o singular caminho que é o itinerarium salvificum de Cristo através da história, uma história escrita desde as origens, de modo contextual, por Deus e pelo homem. Mediante as vicissitudes humanas, a mão divina traça a história da salvação.

É um caminho que inicia no Éden quando, após o pecado do primeiro homem, Adão, Deus intervém para orientar a história rumo à vinda do «segundo » Adão. No Livro do Génesis está presente o primitivo anúncio do Messias, e a partir de então, ao longo do suceder-se das gerações, como é narrado nas páginas do Antigo Testamento, desenrola-se o caminho dos homens rumo a Cristo.

Depois, quando na plenitude dos tempos o Filho de Deus encarnado derrama na cruz o sangue para a nossa salvação e ressuscita dos mortos, a história entra, por assim dizer, numa dimensão nova e definitiva: realiza-se então a nova e eterna aliança, da qual Cristo crucificado e ressuscitado é princípio e cumprimento. No Calvário o caminho da humanidade, segundo os desígnios divinos, conhece a sua viragem decisiva: Cristo põe-se à frente do novo Povo para o guiar rumo à meta definitiva. A Eucaristia, sacramento da morte e ressurreição do Senhor, constitui o centro deste itinerarium espiritual escatológico.

2. «Eu sou o pão vivo que desceu do Céu. Se alguém comer deste pão viverá eternamente» (Jn 6,51).

Estas palavras foram proclamadas há pouco nesta solene Liturgia. Jesus pronunciou- as depois da multiplicação milagrosa dos pães junto do lago da Galileia. Segundo o evangelista João, elas prenunciam o dom salvífico da Eucaristia. Na Antiga Aliança não faltam significativas prefigurações da Eucaristia, entre as quais bastante eloquente é aquela que se refere ao sacerdote Melquisedeque, do qual a hodierna Liturgia evoca a figura misteriosa e o sacerdócio singular. O discurso de Cristo na sinagoga de Cafarnaum representa o ápice das profecias veterotestamentárias e, ao mesmo tempo, prenuncia o seu cumprimento, que se realizará na última Ceia. Sabemos que naquela circunstância as palavras do Senhor constituíram, para quem as ouvia e para os próprios Apóstolos, uma árdua prova de fé.

1171 Mas como esquecer a clara e ardente profissão de fé de Simão Pedro, que proclamou: «Senhor, para quem havemos nós de ir? Tu tens palavras de vida eterna; nós acreditamos e sabemos que és o Santo de Deus» (Jn 6,68-69)!

Os mesmos sentimentos animam todos nós neste dia enquanto, reunidos à volta da Eucaristia, retornamos de forma ideal ao Cenáculo onde, na Quinta- Feira Santa, a Igreja se reúne espiritualmente para comemorar a instituição da Eucaristia.

3. «In supremae nocte cenae, recumbens com fratribus...?».

«Celebrando a despedida,
Com os doze Ele ceou,
toda a Páscoa foi cumprida,
novo rito inaugurou.
E seu Corpo, pão da vida,
aos irmãos Ele entregou».

Com estas palavras, S. Tomás de Aquino sintetiza o evento extraordinário da última Ceia, diante do qual a Igreja permanece em contemplação silenciosa e, de certo modo, imerge-se no silêncio do Jardim das Oliveiras e do Gólgota.

O Doutor Angélico exorta: «Pange, lingua, gloriosi Corporis mysterium...».

1172 «Canta, Igreja, o Rei do mundo,
que se esconde sob os véus;
canta o sangue tão fecundo,
derramado pelos seus,
e o mistério tão profundo
de uma Virgem, Mãe de Deus!».

O profundo silêncio da Quinta-Feira Santa envolve o sacramento do Corpo e Sangue de Cristo. O cântico dos fiéis parece quase não poder expressar-se em toda a sua intensidade e, com maior razão, nem o podem as outras manifestações públicas da piedade eucarística popular.

4. Por esta razão a Igreja sentiu a necessidade de uma festa apropriada, na qual fosse possível exprimir de maneira mais intensa a alegria pela instituição da Eucaristia: surgiu assim, há mais de sete séculos, a solenidade de «Corpus Christi», caracterizada por grandes procissões eucarísticas, que põem em evidência o «itinerarium» do Redentor do mundo no tempo: «Vós caminhais através dos séculos».

Também a procissão, que hoje realizaremos no final da Santa Missa, evoca com eloquência o caminho de Cristo solidário com a história dos homens. Significativamente, Roma é denominada «Cidade eterna», porque nela se reflectem de maneira admirável diversas épocas da história. Em especial, ela conserva os vestígios de dois mil anos de cristianismo.

Na procissão que nos conduzirá desta praça até à Basílica de Santa Maria Maior, estará idealmente presente a inteira Comunidade cristã de Roma reunida em torno do seu Pastor, com os Bispos colaboradores, os sacerdotes, os religiosos, as religiosas e as várias representações das paróquias, dos movimentos, das associações e das confrarias. A todos dirijo uma cordial saudação. Desejaria reservar um pensamento singular aos Bispos cubanos que, presentes em Roma há alguns dias, quiseram unir-se a nós hoje, para mais uma vez darem graças ao Senhor pelo dom da minha recente Visita e implorarem a luz e o apoio do Espírito no caminho da nova evangelização. Acompanhamo-los com o nosso afecto e a nossa comunhão fraterna.

5. Ao celebrar neste dia a festa do Corpo e Sangue do Senhor, o pensamento dirige-se depois ao dia 18 de Junho do ano 2000 quando aqui, junto desta Basílica, se inaugurará o XLVII Congresso Eucarístico Internacional. Na quinta-feira sucessiva, 22 de Junho, solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo, partirá desta Praça a grande procissão eucarística. Reunidos depois em assembleia litúrgica para a «Statio Orbis», no domingo 25 de Junho, celebraremos a solene Eucaristia unidos aos numerosos peregrinos que, acompanhados dos seus Pastores, virão de todos os Continentes a Roma para o Congresso e para venerar os túmulos dos Apóstolos.

1173 Nos dois anos que nos separam do Grande Jubileu, preparemo-nos quer singular quer comunitariamente, para aprofundar o grande dom do Pão partido para nós na celebração eucarística. Vivamos em espírito e verdade o profundo mistério da presença de Cristo nos nossos tabernáculos: o Senhor permanece entre nós para confortar os doentes, ser viático dos moribundos, fazer com que a Sua doçura seja saboreada por toda a alma que O procura na adoração, no louvor e na oração. Cristo, que nos nutre com o seu Corpo e Sangue, nos conceda entrar no terceiro milénio com renovado entusiasmo espiritual e missionário.

6. Jesus está e caminha connosco, sustentando a nossa esperança. «Vós caminhais através dos séculos», dizemos- Lhe, evocando e abraçando na oração quantos O seguem com fidelidade e confiança.

Já no ocaso deste século, esperando o alvorecer do novo milénio, também nós queremos unir-nos a este imenso cortejo de fiéis.

Proclamemos com enlevo e íntima fé:

«Tantum ergo Sacramentum veneremus cernui...?».

«Adoremos o Sacramento que Deus Pai nos deu, Novo pão, novo rito na fé realizou-se. Ao mistério é fundamento a palavra de Jesus».

«Genitori Genitoque Laus et iubilatio... ?».

«Glória ao Pai omnipotente, glória ao Filho Redentor, louvor grande, suma honra à eterna Caridade.

Glória imensa, eterno amor à Santíssima Trindade»!

Amém.







NA MISSA DE SUFRÁGIO PELA ALMA


DO CARDEAL AGOSTINO CASAROLI


12 de Junho de 1998




1174 1. «Ego resuscitabo eum in novissimo die» (Jn 6,54): «Ressuscitá-lo-ei no último dia».

Hoje, estas palavras do Senhor Jesus ressoam com singular eloquência na Basílica de São Pedro, que nos vê reunidos na dor e na esperança para as exéquias do venerado Irmão, Cardeal Agostino Casaroli, chamado pelo Pai no meio da noite de terça-feira passada.

A divina Providência quis que as exéquias se realizassem no dia seguinte à solenidade de Corpus Christi, na qual a Igreja adora o grande mistério da Eucaristia, sacramento de Cristo morto e ressuscitado, pão de vida imortal. Luminosa como um farol nesta hora de luto, abriu-se-nos a página joanina do «pão da vida». «Eu sou o pão da vida (...) E o pão que Eu vou dar é a minha própria carne, para que o mundo tenha a vida. (...) Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e Eu ressuscitá-lo-ei no último dia» (Jn 6,48 Jn 6,51 Jn 6,54).

Que íntimo alívio nos vem hoje destas palavras, enquanto pousamos o olhar no ataúde do querido Secretário de Estado Emérito: que íntima consolação pensar que ele foi e é para sempre sacerdote de Cristo, ministro do pão da vida! Ele nutriu- se quotidianamente com o Sacramento, ao qual o Senhor vinculou o penhor da ressurreição. E todos os dias, por mais de 60 anos, distribuiu-o ao povo de Deus. A carne de Cristo é dada para a vida do mundo, recorda-nos o Evangelista João (cf. 6, 51), e isto evoca a missão do sacerdote, que é «na Igreja para o mundo», como indica o título do volume que reúne as homilias e os discursos, proferidos pelo falecido Cardeal Casaroli durante a sua longa e benemérita actividade de pastor zeloso e de ilustre diplomata.

2. «Rogate, quae ad pacem sunt Ierusalem »: «Desejai a paz para Jerusalém... Pelos meus irmãos e amigos, eu digo: "A paz esteja contigo!". "Pax in te!"» (Ps 121 [122], 6.8).

A obra da paz! Neste momento é-me grato evocar o nosso falecido Irmão como sábio servo daquela paz que é expressão histórica do dom escatológico legado por Cristo à sua Igreja. Como deixar de reconhecer e indicar n'Ele um autêntico «pacificador», um exemplo luminoso daqueles artífices da «opus iustitiae », a que Jesus denomina «felizes... porque serão chamados filhos de Deus» (Mt 5,9)?

Por ocasião do 70º aniversário de nascimento, ele quis abrir a sua alma e expor as linhas directrizes do serviço eclesial por ele levado a cabo no seio da Santa Sé. Entre estas, elenca o «profundo amor pela causa da paz e da cooperação entre as Nações e no interior das mesmas, sustentado pela convicção de que se trata de imperativos morais e, sobretudo hoje, de uma necessidade para a própria sobrevivência da humanidade » (Agostino Casaroli, Nella Chiesa per il mondo, Milão 1987, pág. 494).

Ele sempre pediu esta paz – como diz o Salmo – sobretudo «para Jerusalém», ou seja, para a Igreja. Inumeráveis são os colóquios e os encontros que o Cardeal Casaroli quis ter com representantes de Estados e Organismos nacionais e internacionais, como Subsecretário e depois Secretário da Congregação para os Assuntos Eclesiásticos Extraordinários, que sucessivamente se tornou Secção para as Relações com os Estados, e enfim como Secretário de Estado. A sua solicitude constante foi a defesa da liberdade da Igreja no cumprimento da missão que o Redentor lhe confiara. A esta luz devem interpretar-se os contactos por ele entretecidos em tempos difíceis com os regimes do mundo comunista, em vista de assegurar a permanência das estruturas eclesiais legítimas nesses países. O fim supremo em que sempre inspirou a sua acção foi o bem das almas, em particular do grande número de católicos que permaneceram fiéis à Igreja, mas em grave perigo de progressiva descristianização.

Nestes delicados encargos, ele pôde demonstrar-se realizador efectivo e criativo do princípio do diálogo, tão querido ao Servo de Deus Papa Paulo VI, de quem foi estreito colaborador, depois de ter trabalhado fielmente com os veneráveis Pontífices, os Servos de Deus Pio XII e João XXIII. «O diálogo – afirma ainda ele mesmo – como via-mestra e método supremo, não só para servir a paz, mas também para favorecer a eficácia e os resultados da acção diplomática»; isto é, o diálogo autêntico, «assente na afirmação da verdade e na salvaguarda do direito respeitoso das pessoas » (Ibid.). Mediante este serviço, sempre animado por um maravilhoso espírito eclesial, ele ofereceu uma contribuição relevante, por todos reconhecida, à causa da verdade e da liberdade em tempos difíceis para a Igreja e para a humanidade. Ele teve a alegria de ver os seus sábios e pacientes esforços coroar-se com o advento da nova fase histórica, assinalada pelos acontecimentos de 1989.

3. Poucos meses após o início do meu Pontificado, chamei o Mons. Agostino Casaroli ao meu lado como Secretário de Estado e, pouco tempo depois, criei-o Cardeal. Durante longos anos, até à conclusão do seu mandato em Dezembro de 1990, foi com admiração que pude testemunhar a sua fidelidade e os seus múltiplos dotes humanos, pastorais e diplomáticos, dos quais fui o primeiro a beneficiar.

Por ocasião da minha visita à diocese de Placência, há dez anos, eu quis ir a Castel San Giovanni, sua terra natal, e entrar na igreja paroquial onde ele foi baptizado, crismado e ordenado sacerdote. Neste momento o meu pensamento de profundo pesar dirige-se espontaneamente aos seus familiares e aos inúmeros amigos e conhecidos da sua terra de origem. Mas sobretudo, como fiz naquela feliz circunstância (cf. Insegnamenti XI, 2 [1988], pág. 1809), quereria elevar uma acção de graças ao Espírito Santo por o ter concedido à Igreja, ao serviço directo da Sé Apostólica.

1175 Além disso, apraz-me mencionar outro aspecto, menos conhecido mas muito edificante, da sua personalidade. Embora se ocupasse de questões de grande relevância para a Igreja e para as relações internacionais, a partir de 1943 não cessou de desempenhar o serviço pastoral no Centro de reeducação para os adolescentes de Casal del Marmo, em Roma. Com aqueles jovens e as suas famílias, ele tinha um estreito vínculo de confiança recíproca: chamavam-lhe familiarmente «dom Agostino». Assim, unia ao empenhativo trabalho de pastor e diplomata o contacto concreto com as pessoas, de forma especial com os «seus» jovens, que há cerca de dez dias puderam encontrar-se com ele pela última vez.

«Vivam seguros os que te amam» (
Ps 121 [122], 6): é consolador – como auspicia o Salmo responsorial – pensar que a oração de muitos, que do seu sacerdócio hauriram conforto e esperança, se une hoje à nossa, elevando-se agradecida ao Pai celestial, em sufrágio pela sua alma.

4. Fazemos votos por que Deus, infinitamente bom e misericordioso, queira acolher na sua paz o nosso venerado Irmão, que nos deixa o testemunho das suas virtudes humanas, cristãs e sacerdotais, graças às quais ele nos é inolvidável.

Aquele que, em conformidade com as palavras do Apóstolo Pedro que há pouco escutámos, «ressuscitando a Jesus Cristo dentre os mortos, nos fez renascer para uma esperança viva, para uma herança que não se corrompe, não se mancha e não murcha» (1P 1,3-4), não deixará de o introduzir naquele Reino pelo qual ele despendeu toda a sua vida.

Desta esperança é-nos dado um sinal em Maria Santíssima, associada ao mistério do Redentor e entrada na glória. A Ela, Mãe e Rainha dos Apóstolos, confiamos a alma do Cardeal Agostino Casaroli, para que alcance em plenitude de alegria e de paz a meta da sua fé (cf. 1P 1,9).

Todos nós, que saudamos pela derradeira vez este nosso inesquecível Irmão, somos convidados a dirigir o olhar para o alto e a renovar a fé na ressurreição. No nosso espírito ressoam as palavras de Deus, contidas no livro do profeta Ezequiel: «Ecce ego aperiam tumulos vestros et educam vos de sepulcris vestris... Et dabo spiritum meum in vobis, et vivetis, et collocabo vos super humum vestram, et scietis quia ego Dominus. Locutus sum et facio, ait Dominus Deus» (37, 12.14).

Amém!







PARA OS ALUNOS DO SEMINÁRIO MAIOR ROMANO


14 de Junho de 1998


Caríssimos!

1. Em Fevereiro passado, por ocasião da festa anual de Nossa Senhora da Confiança, Padroeira do Seminário Maior Romano, não me foi possível visitar a vossa comunidade, como tanto desejaria! Por isso, é-me particularmente grato acolher-vos hoje para esta celebração eucarística numa singular moldura, ao lado da Gruta de Lourdes nos Jardins do Vaticano, que evoca a presença espiritual da Virgem Imaculada.

Saúdo o Cardeal Vigário que quis estar presente, o Reitor, Mons. Pierino Fragnelli, os Superiores e todos vós, caríssimos alunos do Seminário.


Homilias JOÃO PAULO II 1165