Homilias JOÃO PAULO II 1176

1176 Celebramos juntos a Eucaristia neste XI domingo do tempo ordinário. O sacrifício eucarístico é a fonte e o ápice da vida da Igreja e do nosso caminho pessoal de santificação (cf. Const. Lumen gentium LG 11). Na quinta-feira passada, solenidade de Corpus Christi, a Eucaristia reuniu-nos diante da Basílica de São João de Latrão, e juntos acompanhámos o Santíssimo Sacramento na tradicional procissão até Santa Maria Maior. Hoje celebramos este mesmo Mistério sob o olhar solícito da Mãe dos sacerdotes.

2. A Virgem, caríssimos, quer conduzir todos os homens a Cristo; sabe que para isto é necessário o generoso serviço de santos ministros da Eucaristia. Por esta razão, Maria indica-vos o altar que, desde o dia da Ordenação, se torna o lugar culminante do encontro quotidiano do sacerdote com o seu Senhor. É antes de tudo na Santa Missa, com efeito, que o sacerdote percorre o itinerário da conformação a Cristo.

«Estou crucificado com Cristo, já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim» (Ga 2,20). As palavras do Apóstolo Paulo aos Gálatas, que há pouco escutámos na segunda Leitura, exprimem de maneira sintética o fruto essencial da comunhão eucarística: a morada de Cristo na alma, por obra do Espírito Santo. Quem mais do que o sacerdote é chamado a fazer próprias estas palavras e a propô-las a si mesmo como programa de vida? Quem mais do que ele vive integralmente do Pão de vida eterna, que Cristo deu para a salvação do mundo?

3. Na verdade, a Missa é o centro da vida do sacerdote, o âmago de toda a sua jornada. Esta centralidade é, portanto, objectivo prioritário do projecto formativo do Seminário, e pede a adesão consciente e total de cada candidato ao sacerdócio. O seminarista é, antes de tudo, um apaixonado da Eucaristia: ele reconhece que a sua vocação o orienta para a participação assídua e cada vez mais interior e empenhativa no Sacrifício da Missa, participação que num certo ponto assume o significado duma chamada muito pessoal. O «Fazei isto em Minha memória» fala ao seu coração com íntima eloquência. Na Eucaristia ele reconhece o sacramento vivo da graça de Cristo e, por isso, sente que não tem outra coisa a fazer senão oferecer-se a si mesmo em troca.

Quando num jovem amadurece esta resposta de fé e de amor, alegra-se o coração da Igreja; alegra-se o coração de Maria, cuja solicitude materna antecede e acompanha o desabrochar de cada vocação. Ela, invocada sob o título de Nossa Senhora da Confiança, vela em particular sobre cada um de vós, caríssimos Alunos do Seminário Maior Romano. Nesta Missa oro por vós, para que possais tornar-vos santos sacerdotes. Oro pelos vossos Superiores e Professores, que vos guiam neste caminho. Oro também pelos vossos familiares, que seguem apreensivos os vossos passos com a discreta atenção de Maria para com o Filho Jesus.

4. A Imaculada vos obtenha nutrir sempre um acentuado sentido de Deus, do Seu amor gratuito e preveniente, da Sua iniciativa de graça que merece uma resposta generosa, como a da mulher pecadora, de que fala hoje o Evangelho, a qual não se envergonha de manifestar o seu amor reconhecido por Jesus, seu Salvador. Deste modo sereis sempre testemunhas convictas do amor misericordioso de Deus, fonte inexaurível de conversão e de perdão, e, uma vez sacerdotes, ministros zelosos do sacramento da Reconciliação.

O Espírito Santo realize tudo isto, operando no íntimo dos vossos corações. Assim como plasmou o Coração sacerdotal de Cristo, desde o seio de Maria até à extrema oblação na cruz e à plenitude de vida da ressurreição, de igual modo Ele forme os vossos corações segundo a medida da plena maturidade de Cristo Bom Pastor, para a salvação das almas e a glória de Deus.

Amém!



VIAGEM APOSTÓLICA À ÁUSTRIA



DURANTE A CONCELEBRAÇÃO


DA EUCARISTIA NA CATEDRAL


Salisburgo, 19 de Junho de 1998




«O Senhor é meu pastor, nada me falta» (Ps 23,1).

1. As palavras com que o Salmista se refere ao Deus da Antiga Aliança, podemos dirigi-las hoje ao Verbo de Deus encarnado, nosso Pastor: «O Senhor é meu pastor, nada me falta». Com gratidão contemplamos os múltiplos frutos da fé, que se desenvolveu nesta região como árvore poderosa e fez história: «Alegra-te, Juvavum, porque na margem das tuas águas o Senhor plantou árvores que jamais cessarão de produzir fruto» (1ª Ant. do Ofício das Leituras para a festa dos Santos Ruperto e Virgílio).

1177 Aqui a luz da fé começou a brilhar pela primeira vez por volta do final do século V, quando chegou a esta região o famoso missionário Severino, enquanto as antigas províncias romanas já estavam a desfazer-se. Deviam passar mais de dois séculos antes que outro bom Pastor, proveniente da cidade de Worms nas margens do Reno, encontrasse a estrada que conduzia à pequenina cidade na margem do rio Salzach, em grande parte destruída: aquele Bispo itinerante chamava-se Ruperto. Ele construiu igrejas e centros estratégicos de espiritualidade. O primeiro templo foi dedicado ao apóstolo Pedro.

No ano 739, São Bonifácio, como Legado do Papa para a Germânia, erigiu quatro dioceses: Ratisbona, Passau, Frisinga e Salisburgo. Estão hoje presentes connosco os Pastores destas antiquíssimas Igrejas. Dirijo, portanto, uma especial saudação ao Arcebispo D. Georg Eder, que faz as honras de casa, ao Cardeal Friedrich Wetter de Mónaco e Frisinga, ao Bispo de Ratisbona, D. Manfred Müller, e ao Bispo de Passau, D. Franz Xaver Eder.

Antiga e ilustre é esta Igreja de Salisburgo! Como sabeis, depois de o santo Bispo Virgílio, proveniente da Irlanda, ter consagrado a primeira catedral, ela foi elevada, há 1200 anos, pelo Papa Leão III a Sede Metropolitana. Os momentos salientes do passado induzem-nos hoje, solenidade do Sagrado Coração de Jesus, a entoar justamente o Te Deum louvando o Senhor, Bom Pastor, que levou Salisburgo através dos séculos sobre os Seus ombros: «O Senhor é meu pastor, nada me falta».

2. A jornada hodierna, na qual ao Sucessor de Pedro é concedido visitar pela segunda vez «a Roma germânica», não é somente dedicada a evocar de novo a memória dum grande passado. Ela entende suscitar em cada um o empenho de uma sincera renovação na fé e de uma generosa coordenação das próprias energias com as dos outros crentes, em vista da nova evangelização.

Ao dizer isto, o meu olhar alarga-se ao inteiro território da região de Salisburgo. Saúdo o Presidente da República da Áustria, Senhor Thomas Klestil. Dirijo cordiais boas-vindas também aos numerosos irmãos no Episcopado e no Sacerdócio, aqui vindos da Áustria e das Nações confinantes, assim como ao Arcebispo de Viena, Cardeal Christoph Schönborn, e ao Presidente da Conferência Episcopal Austríaca, o Bispo de Graz-Seckau, D. Johann Weber.

À luz da actividade missionária de quantos nos precederam, tomamos renovada consciência do facto que a fé não pode estar confinada nas igrejas. Devemos levá-la ao nosso mundo pequeno e grande. O empenho missionário tem uma longa tradição nesta Sede metropolitana. Como bons Pastores, os Bispos de Salisburgo foram para longe rumo ao Leste, levando a mensagem evangélica à Boémia, à Morávia e à Hungria, e enviaram os seus colaboradores como missionários até ao Maribor na margem do Dravo, a Bressanone, ao Lech e ao Danúbio.

Hoje, a Diocese-mãe foi um pouco reduzida sob o ponto de vista geográfico. Mas nas pedras desta venerável catedral e na antiga fortaleza permanece esculpido aquilo que Salisburgo foi na história e o que deverá continuar a ser também no futuro: um centro missionário, que irradia a sua influência para além dos confins da Diocese e do País.

Tu, Salisburgo, cidade construída no alto do monte, levas o sal no teu nome: possam os teus habitantes continuar a fazer próprio na fé o sal do Evangelho, confirmando-o com o seu testemunho. Recorda-te da missão a ti transmitida pela história: difundir o sal da mensagem salvífica em toda a região circunstante.

Tu, sede do «Primas Germaniae», recebeste da história uma espécie de primado missionário: que os teus fiéis sejam sempre conscientes da responsabilidade que um semelhante privilégio comporta.

Tens uma missão a cumprir em relação aos homens e às mulheres que procuram a via capaz de os conduzir «às águas refrescantes». Possam eles encontrar, através do testemunho dos teus fiéis, Aquele que sabe guiá-los pelo justo caminho até «descansarem em verdes prados», e encontrarem conforto (cf. Sl
Ps 23,2-3): «O Senhor é meu pastor, nada me falta».

3. «Mesmo que atravesse os vales sombrios, nenhum mal temerei» (Ps 23,4). Estamos conscientes dos perigos presentes nos vales profundos e sombrios. A imagem geográfica reflecte de modo plástico certas situações do espírito. Também a alma está exposta ao risco de abismos cheios de insídias. Conhecemos as trevas obscuras das desilusões, das desventuras, das dúvidas na fé. Aqueles que depositam a sua confiança em Deus, encontram tutela e segurança na protecção do Bom Pastor: «O Vosso bastão e o Vosso cajado dão-me conforto ».

1178 Como não entrever nesta palavra da Escritura a alusão à função magisterial, confiada por Cristo aos Pastores da sua Igreja? O Magistério não é invenção humana para exercer um predomínio sobre as almas. Cristo mesmo nos confiou esta tarefa, a fim de que a Sua palavra divina pudesse ser reproposta por lábios humanos e tornar-se para o homem «bastão e cajado», orientação e apoio.

Caros Irmãos e Irmãs! Movido pela consciência das tarefas conexas com o múnus de Sucessor de Pedro, vim até vós na Áustria para vos trazer a minha palavra de encorajamento e de exortação. Agradeço a vossa presença, na qual vejo testemunhada a vossa adesão a Cristo. À semelhança do Pastor da parábola evangélica, que leva a ovelha aos ombros, nos meses passados levei-vos com particular afecto no meu coração.

O coração do Bispo de Roma pulsa por todos vós!

Não abandoneis o rebanho de Cristo, bom Pastor!

Não vos afasteis da Igreja! Antes, entrai nela, para levardes o alegre anúncio, capaz de iluminar também as trevas da nossa vida: «O Senhor é meu pastor, nada me falta».

4. Aproveito de bom grado esta ocasião para exprimir a minha estima a todos aqueles que se empenham de maneira incansável em reavivar as comunidades paroquiais. Com efeito, elas constituem «a própria Igreja que vive no meio das casas dos seus filhos e das suas filhas» (Ex. Apost. Christifideles laici
CL 26). É deveras louvável que depois do Concílio Vaticano II tenha emergido uma multidão de serviços, aos quais se dedicam generosamente numerosos leigos, assumindo com grande empenho de tempo a co-responsabilidade que lhes compete, em virtude do Baptismo e da Confirmação.

A diversidade dos papéis torna algumas vezes difícil encontrar a estrada justa para o diálogo e a cooperação. A igualdade de dignidade não significa no rebanho do bom Pastor igualdade de ofício e de actividade. As tarefas particulares do ministério episcopal e sacerdotal não podem simplesmente passar aos leigos. Vice-versa, os Pastores devem respeitar o papel específico dos leigos. Portanto, não deve acontecer que os leigos deleguem as suas tarefas aos sacerdotes, aos diáconos ou então às pessoas chamadas a colaborar. Só assumindo cada um o papel específico que lhe compete, o comum caminho do pastor com o seu rebanho poderá progredir rumo à meta.

Sinto o grande dever de vos exprimir, caros Irmãos e Irmãs leigos, a minha estima profunda. O vosso empenho não tem um preço indemnizável em dinheiro. Sem vós as comunidades paroquiais não seriam apenas mais pobres, mas faltar-lhes-ia o essencial. Peço-vos, portanto, que continueis a exercer de maneira generosa o vosso apostolado como leitores ou como dispensadores da Eucaristia, como membros do Coro e dos grupos de oração, ou então como catequistas que preparam as crianças e os adolescentes para a Primeira Eucaristia e a Confirmação. Desejo encorajar explicitamente os leigos à estreita cooperação com os seus sacerdotes.

Quereria também ressaltar a importância dos Conselhos paroquiais, nos quais se estudam e se resolvem «em conselho comum» os problemas pastorais (cf. Apostolicam actuositatem AA 10). Tende a audácia do diálogo nos vossos organismos!

Não posso deixar de mencionar os numerosos homens e, de modo especial, as inúmeras mulheres que se sacrificam, sem dizer muitas palavras, mas com grande espírito de dedicação no campo caritativo. Eles cuidam das pessoas idosas, doentes e sozinhas. Deste modo fazem com que precisamente as pessoas desafortunadas na vida possam compreender o que significa: «O Senhor é meu pastor, nada me falta».

5. «Preparais-me um banquete frente aos meus adversários» (Ps 23,5). Mesmo quando não há perseguições violentas, a tarefa de testemunho dos cristãos jamais é fácil. Muitas vezes eles encontram, não menos pesada que a hostilidade, a indiferença da multidão. Acontece assim que o sacerdote e os seus colaboradores preparam com zelo a mesa da Palavra e da Eucaristia, mas depois têm a desilusão de constatar que o número dos convidados que aceitam o convite, é sempre mais restrito. A mesa do bem-estar e do consumismo parece ser mais atractiva. Por isto são muitos aqueles que hoje vivem como se Deus não existisse. Permanecem formas difundidas de religiosidade popular, às quais contudo falta o dinamismo de uma convicção reflectida. Elas, portanto, estão ameaçadas de insensibilização em relação com a secularização crescente. A indiferença a respeito da herança cristã é perigosa tanto quanto o ódio aberto.

1179 Somente uma nova evangelização poder á assegurar o aprofundamento de uma fé autêntica, capaz de transformar em forças libertadoras as tradições transmitidas.

Dispomos ainda de recursos suficientes para poder vivê-la? Onde estão as fontes nas quais podemos beber? Vós, cristãos da Áustria, sabeis onde se encontram estas fontes!

A antiga Europa, que quer tornar-se uma família de nações, parece que se tornou árida. O Continente encaminhase para esquecer a mensagem que lhe chegou desde os primeiros séculos da nova era. Em muitos Países da Europa central e oriental durante mais de cinquenta anos não foi permitido o anúncio do Evangelho. Sob regimes ateus e ditatoriais a luz nos tabernáculos apagou-se. As igrejas tornaram-se monumentos de tempos já superados.

Hoje, entretanto, podemos constatar que aqueles regimes passaram, enquanto continuam a jorrar as antigas fontes, as quais mantêm todo seu vigor: a Sagrada Escritura com a sua inexaurível veia da verdade; os sacramentos da Igreja, nos quais Cristo nos dá o dinamismo da Sua presença; a oração, mediante a qual a alma pode respirar o oxigénio regenerador da graça de Deus.

6. Estas fontes estão à disposição de todos. Estão à disposição em particular de vós, jovens, que podeis beber nelas. Sabei que o Papa conta convosco. Ainda que vos sintais algumas vezes um pequeno rebanho, não desanimeis: vós sois o capital do bom Pastor.

No início doze homens enfrentaram o mundo. O Papa confia em vós, jovens, para dardes de novo uma feição cristã à antiga Europa. Empenhai-vos com o vosso testemunho pessoal. Sois «uma carta de Cristo» (
2Co 3,3), o seu cartão de visita! Aquele que se encontra convosco deve estar certo de ter encontrado a orientação justa.

Ao realizar o meu ministério pastoral nas diversas regiões da terra, experimentei sempre melhor a verdade de quanto escrevi na Encíclica Redemptoris missio: «O homem contemporâneo acredita mais nas testemunhas do que nos mestres, mais na experiência do que na doutrina, mais na vida e nos factos do que nas teorias» (n. RMi 42). Ao entrarem em contacto convosco, os vossos coetâneos devem poder intuir que há em vós alguma coisa de que não sabem dar explicação, algo que vós bem conheceis, algo que o Salmo exprime muito bem: «O Senhor é meu pastor, nada me falta».

7. Nas fontes inexauríveis da graça beberam os Santos. Por esta razão eles são verdadeiros missionários (cf. Redemptoris missio RMi 2). A história da vossa pátria é, por isso, também a história dos vossos Santos: é uma história que perdura até aos nossos tempos.

Há alguns meses, em Roma foram beatificados os sacerdotes Otto Neururer e Jakob Gapp. No próximo domingo, em Viena, elevarei às honras dos altares a Irmã Restituta Kafka, juntamente com outros dois Servos de Deus. Nas suas figuras manifesta-se aquilo que constitui o ápice de toda a existência pastoral: «O bom pastor dá a vida pelas suas ovelhas» (Jn 10,11). Recordando os capítulos sombrios da história, a Igreja não quer reabrir as antigas feridas, mas só purificar a memória. Os autores da violência saíram de cena; chegaram os heróis da caridade. Eles testemunharam que precisamente nos anos tristes do nosso século, quando também a vossa Terra era sacudida com violência pelo turbilhão do mal, se verificou a parábola do Bom Pastor. Na sua vida e na sua morte resplandece a esperança: «O Senhor é meu pastor, nada me falta».

8. Caros Irmãos e Irmãs! O vosso Pastor diocesano, o Arcebispo Eder, pediu-me que coroasse a estátua de Nossa Senhora de Fátima e pusesse a já doze vezes centenária arquidiocese de Salisburgo sob a protecção da Mãe de Deus. Correspondi de bom grado a este pedido. Esta vossa antiga e ilustre Igreja sempre tributou um culto sincero e profundo a Nossa Senhora. Estou certo que Maria Santíssima não rejeita o vosso desejo de a ter como padroeira e guia no vosso caminho.

A Ela confio a vossa Arquidiocese e cada um de vós. Acolha-vos Maria sob o seu manto materno: «Sob a tua protecção procuramos refúgio, Santa Mãe de Deus não desprezes as nossas súplicas, que estamos na prova...».

1180 Sob a protecção do teu manto, ó Maria, os nossos anseios e preocupações tranquilizam-se e nós encontramos confiança e coragem. Ao olharmos para Ti, aprendemos a entregarmo-nos a Deus com renovado abandono confiante e total: «O Senhor é meu pastor, nada me falta». Amém!



VIAGEM APOSTÓLICA À ÁUSTRIA



DURANTE A CONCELEBRAÇÃO


EUCARÍSTICA NO "LANDHAUSPARK"


Sankt Pölten, 20 de Junho de 1998




«O Espírito do Senhor está sobre Mim, porque Me ungiu» (Lc 4,18).

1. Toda a vida de Jesus está sob a influência do Espírito Santo. No início, é Ele que cobre com a Sua sombra a Virgem Maria no mistério da Encarnação. No Jordão é ainda o Espírito que desce sobre Jesus, enquanto o Pai dá testemunho do Filho predilecto. É depois o Espírito que conduz Jesus ao deserto. Na sinagoga de Nazaré Jesus afirma de Si mesmo: «O Espírito do Senhor está sobre Mim» (Ibid.).

Cristo promete aos Apóstolos este Espírito como garante perpétuo da Sua presença no meio deles. Na cruz o Filho entrega o espírito ao Pai (cf. Jo Jn 19,30). Deste modo Ele imprime o sigilo à Nova Aliança que nasce da sua Páscoa. No dia de Pentecostes, por fim, Cristo efunde o Espírito Santo sobre a primeira comunidade, para a confirmar na fé e enviar os Apóstolos como testemunhas vivas e corajosas pelas estradas do mundo.

2. A partir de então, até hoje, o Corpo místico de Cristo, a sua Igreja, no caminho através dos tempos é impelida pelo sopro do mesmo Espírito. A Igreja ilumina a história com o fogo ardente da palavra de Deus e purifica os corações humanos, com a água que dela brota (cf. Ez Ez 36,25). Assim ela se torna «o povo unido em virtude da comunhão do Pai, do Filho e do Espírito Santo» (Cipriano, De Dom. Orat., 23). ù

Nesta comunhão com o Deus Uno e Trino, cada baptizado tem a possibilidade de viver sob «a lei do Espírito de vida em Cristo Jesus» (Rm 8,2). Guiado pelo Espírito, o cristão entra no «espaço espiritual» no qual se desenvolve o diálogo com Deus. As perguntas que o homem faz a si próprio são, na verdade, os interrogativos que Deus mesmo suscita na sua alma: De onde venho? Quem sou eu? Aonde devo ir?

Caros Irmãos e Irmãs! Vós sois os interlocutores de Deus! Desde quando aderistes a Cristo no Baptismo, Deus adoptou-vos em Cristo como Seus filhos e filhas. Sede conscientes da vossa alta dignidade! Não desperdiceis este grande privilégio!

Deus tem um projecto específico para cada um de vós. Os Seus olhos pousam afectuosamente sobre cada um. Ele sempre escuta todos. Como um pai solícito e sensível, está próximo de vós. Dá-vos aquilo que vos é necessário para a nova vida: o seu Santo Espírito.

3. Com a vossa incorporação à Igreja não assumistes apenas o nome de «cristãos», isto é, de «ungidos», mas recebestes também a unção do Espírito Santo. Por isso não deveis somente chamar-vos cristãos, mas deveis sê-lo verdadeiramente. O Espírito de Deus está sobre vós, porque vos consagrou com a unção (cf. Lc Lc 4,18).

Na nova vida que brota do Baptismo e se desenvolve através da Palavra e dos Sacramentos, os carismas, os ministérios e as várias formas de vida consagrada encontram a sua fonte. O apóstolo Paulo, ao escrever à comunidade de Corinto, afirma: «Há, pois, diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo» (1Co 12,4).

1181 Também hoje se verificam novas chamadas por parte do Espírito. É preciso criar um ambiente favorável à Sua escuta. Grande importância, a respeito disso, têm as comunidades paroquiais. Quando nelas se vive uma atitude de verdadeira fidelidade ao Senhor, numa atmosfera de intensa religiosidade e de sincera disposição ao testemunho, é mais fácil que alguém que é chamado responda positivamente. A vitalidade da comunidade paroquial não se mede apenas com a multiplicidade das suas iniciativas, mas com a profundidade da sua vida de oração. A escuta da Palavra de Deus, por um lado, a celebração e a adoração da Eucaristia, por outro, são as duas colunas essenciais que sustentam e consolidam a comunidade paroquial.

Não serve lamentar-se da falta de vocações sacerdotais e religiosas. As vocações não podem ser «construídas» de maneira humana. Obtêm-se de Deus as vocações com a oração. Convido-vos a pedir ao Senhor da messe, com fervor e constância, novas vocações ao sacerdócio e à vida consagrada.

4. Quando na cruz Jesus entregou o seu Espírito ao Pai, Ele fez de todos os Seus discípulos «um reino de sacerdotes e uma nação santa» (
Ex 19,6). Constituiu-os em «edifício espiritual, por meio dum sacerdócio santo, cujo fim é oferecer sacrifícios espirituais que serão agradáveis a Deus» (1P 2,5). É este o sacerdócio comum, para cujo serviço Ele chamou os Doze a fim de «andarem com Ele» (Mc 3,14), para depois serem enviados a trabalhar em Seu nome e no Seu lugar.

Através do sacerdócio ministerial, Cristo continua ininterruptamente a Sua missão salvífica até aos nossos dias. Por esta razão, Ele instituiu os Bispos e os sacerdotes, que «são, na Igreja e para a Igreja, uma representação sacramental de Jesus Cristo, Cabeça e Pastor, proclamam a Sua palavra com autoridade, repetem os Seus gestos de perdão e oferta de salvação» (Ex. Apostólica Pastores dabo vobis PDV 15). Eles são enviados para anunciar aos pobres uma alegre mensagem, para proclamar aos prisioneiros a libertação e aos cegos a visão; para mandar em liberdade os oprimidos (cf. Lc Lc 4,18). Na Igreja o ministério não é, portanto, uma conquista humana, mas uma instituição divina.

Com todo o respeito e estima pelos preciosos serviços dos leigos nas comunidades paroquiais, não se deve esquecer que, no âmbito sacramental, o leigo jamais pode suprir aquilo que é típico do sacerdote. Só um sacerdote pode substituir outro sacerdote.

5. Quereria agora saudar D. Kurt Krenn, que juntamente com o seu Auxiliar, D. Heinrich Fasching, não só preparou com cuidado a hodierna festa de fé, mas não está a poupar esforços para poder enviar, também no futuro, sacerdotes aos fiéis das numerosas paróquias da Diocese de Sankt Pölten a ele confiada. Não quero esquecer o precedente Bispo, Franz Zak, que lançou boas bases para o seu sucessor. Saúdo todos os Irmãos no Episcopado, de modo especial o Arcebispo Metropolitano, Cardeal Christoph Schönborn, e o Presidente da Conferência Episcopal Austríaca, D. Johann Weber.

Tenho o prazer de saudar também o Presidente Federal, Senhor Thomas Klestil, que participa nesta celebração. Com ele saúdo os representantes da vida política e pública, que nos honram com a sua presença.

Ao dirigir-me aos sacerdotes e aos diáconos, desejaria exprimir-lhes o meu apreço e gratidão. São sentimentos que faço extensivos a todos os ministros sagrados que trabalham nas várias dioceses deste País. Como em Sankt Pölten, também nas outras partes da Áustria são muitos aqueles que se prodigam no cuidado das almas, com dedicação incansável, e que não se rendem nem sequer diante da doença ou da idade avançada. Penso ainda com admiração naqueles sacerdotes que, além da paróquia que lhes é confiada, aceitam cuidar também de comunidades limítrofes, para que não faltem aos fiéis os meios da salvação. Também muitos religiosos estão louvavelmente empenhados na pastoral. Nem quereria esquecer os sacerdotes provenientes de outros Países – alguns também da minha Pátria – que oferecem o seu válido contributo à actividade pastoral.

Caríssimos sacerdotes, os jovens olham para vós. Possam eles constatar como, embora repletos de trabalho, vós sois alegres servidores do Evangelho e na adesão à vossa forma de vida encontrais plena satisfação! No vosso testemunho, possam os jovens ver que o sacerdócio não é um modelo de vida ultrapassado, mas uma vocação promitente para o futuro! O sacerdócio é uma vocação que tem um futuro!

6. Como não recordar com gratidão ao Espírito Santo as numerosas comunidades de vida consagrada, que precisamente na história desta Diocese têm uma função tão importante no cuidado das almas? Irmãos e Irmãs, de todo o coração vos saúdo! Ao viverdes segundo os conselhos evangélicos, esforçais-vos por indicar com o vosso comportamento a via para o Reino dos céus. A vida consagrada representa no coração da Igreja um elemento essencial para o cumprimento da sua missão. Ela exprime a índole da vocação cristã e a tensão da Igreja inteira que, como esposa, aspira a poder unir-se ao seu único Esposo.

7. Não posso deixar de mencionar os esposos cristãos. Também a vossa forma de vida é uma vocação! Louvo-vos e encorajo-vos em todos os esforços que fazeis por viver a graça do sacramento do matrimónio. As vossas famílias sejam «igrejas domésticas», onde os filhos aprendem a viver e a celebrar a fé.

1182 Vós, pais e mães de família, sois a primeira escola para os vossos filhos. Procurai cultivar em casa a concórdia, o espírito de fé, de esperança e de caridade, a participação assídua na vida eclesial, a serenidade e a fortaleza no meio das dificuldades quotidianas. Pedi ao Senhor que os vossos filhos saibam um dia escolher a sua estrada, segundo o projecto que Deus faz para eles! Deixai-os livres, se sentem a chamada do Senhor a porem-se no seguimento radical de Jesus Cristo. Os filhos não são vossa propriedade. São-vos confiados por Deus por um certo período de tempo. A vossa missão é fazê-los crescer naquela liberdade que é requerida para poderem assumir de maneira responsável os próprios compromissos.

8. Nas famílias decide-se também o futuro da Igreja e da sociedade. Além das muitas iniciativas e ajudas pastorais ao serviço da família, quereria mencionar em particular o Instituto Internacional de Estudos sobre Matrimónio e Família, que foi posto como uma semente em Gaming e que é sustentado também pelos Bispos austríacos. Deus queira fazê-lo crescer até ser uma árvore forte, capaz de produzir muitos frutos em benefício do matrimónio e da família.

9. Caros Irmãos e Irmãs!

«Amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus!» (
1Jn 4,7). Muitos dos nossos contemporâneos abandonaram a Deus Pai. Por isso ignoram a língua-mãe da fé. Procuremos ensinar-lhes o alfabeto da fé. A dedicação, o serviço e a caridade fazem parte do vocabulário fundamental que todos compreendem. Sobre isto pode-se edificar uma «gramática da vida», que ajuda o homem a decifrar no Espírito Santo o plano de Deus para ele.

Vivei concretamente aquilo que ensinais com as palavras. Demonstrai que também a alegria é fruto do Espírito. No limiar do Terceiro Milénio é necessário reavivar esta consciência: Deus, assim como tem um plano para cada um, de igual modo tem uma missão para todos. Não sois apenas administradores da herança do passado; sois também precursores de um futuro, para o qual o Espírito Santo conduz a Igreja!

O vosso Padroeiro, São Leopoldo, seja para vós modelo e advogado. Ele não foi somente um pai de família, mas também um pai da pátria. A sua lápide, que benzi durante a minha precedente Visita pastoral à Áustria, encontra-se hoje neste novo bairro governativo. Seja ela motivo de inspiração e de encorajamento para todos vós.

Olhemos para a Santíssima Virgem Maria, cuja vida foi um caminho no Espírito Santo.

Maria, Magna Mater Austriae, a Ti confiamos o cuidado das vocações sacerdotais e religiosas.

Maria, Mãe de Deus, intercede junto do teu Filho pela Igreja na Áustria. Obtém para ela numerosos jovens dispostos a escolherem o seguimento de Cristo e a oferecerem-se a si mesmos pelo Reino de Deus.

Maria, Mãe da Igreja, roga por nós! Amém.



VIAGEM APOSTÓLICA À ÁUSTRIA



DURANTE A A CERIMÓNIA DE BEATIFICAÇÃO


DE TRÊS SERVOS DE DEUS


Viena, 21 de Junho de 1998




1183 1. «Quem dizem as multidões que Eu sou? (Lc 9,18).

Esta pergunta foi feita certa vez por Jesus aos Seus discípulos que caminhavam com Ele. Também aos cristãos a caminho pelas estradas do nosso tempo Jesus faz a mesma pergunta: «Quem dizem as multidões que Eu sou?».

Como aconteceu há dois mil anos num lugar afastado do mundo conhecido de então, também hoje diante de Jesus as opiniões humanas são diversas. Alguns Lhe atribuem a qualificação de profeta. Outros O consideram uma personalidade extraordinária, um ídolo que atrai as pessoas. Outros ainda acreditam que Ele é capaz de iniciar uma nova era.

«E vós quem dizeis que Eu sou?» (Lc 9,20). A pergunta é tal que não consente uma resposta «neutral». É uma pergunta que exige uma escolha de campo e envolve todos. Também hoje Cristo pergunta: vós, católicos da Áustria, vós, cristãos deste País, vós cidadãos, homens e mulheres, quem dizeis que Eu sou?

A pergunta brota do próprio coração de Jesus. Aquele que abre o próprio coração, quer que a pessoa que está à Sua frente não responda apenas com a mente. A pergunta proveniente do coração de Jesus deve tocar os nossos corações! Quem sou Eu para vós? O que represento Eu para vós? Conheceis-Me verdadeiramente? Sois as Minhas testemunhas? Amais-Me?

2. Então Pedro, porta-voz dos discípulos, respondeu: Nós cremos que Tu és «o Messias de Deus» (Ibid.). O evangelista Mateus refere a profissão de Pedro de maneira mais detalhada: «Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo!» (16, 16). Hoje o Papa, como sucessor, por vontade divina, do Apóstolo Pedro, professa em vosso nome e juntamente convosco: Tu és o Messias de Deus, Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo.

3. No decurso dos séculos a justa profissão de fé foi repetidas vezes objecto de afanosa busca. Seja agradecido Pedro, cujas palavras se tornaram normativas.

Com elas devem ser medidos os esforços da Igreja que procura exprimir no tempo o que representa Cristo para ela. Com efeito, não é suficiente a profissão com os lábios. O conhecimento da Escritura e da Tradição é importante, o estudo do Catecismo é precioso: mas para que serve tudo isto se à fé cognitiva faltam os factos?

A profissão de fé em Cristo chama ao seguimento de Cristo. A justa profissão de fé deve ser acompanhada de uma justa conduta de vida. A ortodoxia requer a ortopráxis. Desde o início Jesus jamais ocultou aos Seus discípulos esta verdade exigente. De facto, Pedro havia acabado de pronunciar uma extraordinária profissão de fé e, imediatamente, ele e os outros discípulos ouvem de Jesus aquilo que o Mestre espera deles: «Se alguém quer vir após Mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz, dia após dia, e siga-Me» (Lc 9,23).

Assim como foi no início, assim continua a ser agora: Jesus não procura pessoas que só O aclamem. Ele procura pessoas que O sigam.

4. Caros Irmãos e Irmãs! Quem reflecte sobre a história da Igreja com os olhos do amor, vê com gratidão que, apesar de todos os defeitos e de todas as sombras, houve e ainda hoje há em toda a parte homens e mulheres, cuja existência põe em evidência a credibilidade do Evangelho.

1184 Hoje, é-me dada a alegria de poder incluir no livro dos Beatos três cristãos da vossa Terra. Cada um deles confirmou a profissão de fé no Messias, mediante o testemunho pessoal dado no próprio ambiente. Os três Beatos demonstram-nos que, com o título de «Messias», não reconhecemos apenas um atributo de Cristo, mas empenhamo-nos também em cooperar com a obra messiânica: os grandes tornam-se pequenos, os débeis tornam-se protagonistas.

Não são os heróis do mundo que têm a palavra hoje aqui na Heldenplatz, mas os heróis da Igreja, os três novos Beatos. Do balcão que se debruça sobre esta praça, há sessenta anos, um homem proclamou em si mesmo a salvação. Os novos Beatos trazem outro anúncio: a salvação não se encontra no homem, mas em Cristo, Rei e Salvador!

5. Jakob Kern provinha de uma modesta família vienense de trabalhadores. A primeira guerra mundial arrancou-o bruscamente dos estudos no Seminário Menor de Hollanbrunn. Uma grave ferida de guerra tornou a sua breve existência terrena no Seminário Maior e no Mosteiro de Geras – como ele mesmo dizia – um Calvário. Por amor de Cristo ele não se agarrou à vida, mas sofreu-a de maneira consciente pelos outros. Num primeiro momento queria tornar-se sacerdote diocesano. Mas um evento fez-lhe mudar o caminho. Quando um religioso premonstratense abandonou o convento, seguindo a Igreja nacional tcheca que se formou após a separação de Roma, há pouco ocorrida, Jakob Kern descobriu neste triste evento a sua vocação. Ele quis reparar a acção daquele religioso. Jacob Kern entrou no seu lugar no Mosteiro de Geras e o Senhor aceitou a oferta do «substituto».

O Beato Jakob Kern apresenta-se a nós como testemunha da fidelidade ao sacerdócio. No início era um desejo de infância, que se exprimia em imitar o sacerdote no altar. Sucessivamente o desejo amadureceu. Através da purificação do sofrimento, apareceu o significado profundo da sua vocação sacerdotal: unir a própria vida ao sacrifício de Cristo na Cruz e oferecê-la em substituição para a salvação dos outros.

Possa o Beato Jakob Kern, que era um estudante vivaz e empenhado, encorajar muitos jovens a acolherem com generosidade a chamada ao sacerdócio para seguir Cristo. As suas palavras de então são dirigidas a nós: «Hoje, mais do que nunca, há necessidade de sacerdotes autênticos e santos. Todas as orações, sacrifícios, esforços e sofrimentos unidos à recta intenção tornam-se semente divina que, mais cedo ou mais tarde, produzirá o seu fruto».

6. O Padre Anton Maria Schwartz, há cem anos, preocupou-se com as condições dos trabalhadores em Viena, dedicando-se em primeiro lugar aos jovens aprendizes em fase de formação profissional. Tendo sempre presentes as próprias origens humildes, sentiu-se especialmente unido aos pobres operários. Para a assistência deles fundou, adoptando a regra de São José de Calasanz, a «Congregação dos Pios Operários», ainda hoje florescente. O seu grande desejo foi converter a sociedade a Cristo e restaurá-la n'Ele. Foi sensível às necessidades dos aprendizes e dos operários, aos quais muitas vezes faltavam apoio e orientação. O Padre Schwartz dedicava-se a eles com amor e criatividade, encontrando meios e vias para construir a primeira «igreja para os operários de Viena». Este templo humilde e escondido pelas casas populares assemelha-se à obra do seu fundador, que a vivificou durante quarenta anos.

Diante do «apóstolo operário» de Viena as opiniões eram distintas. Muitos consideravam o seu empenho exagerado. Outros o julgavam digno da mais alta consideração. O Padre Schwartz permaneceu fiel a si mesmo e empreendeu também passos corajosos. Com os seus pedidos para lugares de formação profissional para os jovens e para o repouso dominical, ele chegou ao «Reichstang», ao Parlamento.

Ele deixa-nos uma mensagem: Fazei todo o possível para salvaguardar o Domingo! Demonstrai que este dia não pode ser de trabalho, porque é celebrado como dia do Senhor! Sustentai sobretudo os jovens privados de trabalho! Quem proporciona aos jovens de hoje a possibilidade de ganhar o próprio pão, contribui para fazer com que os adultos de amanhã possam transmitir aos seus filhos o sentido da vida. Bem sei que não há soluções fáceis. Razão por que repito a exortação sob a qual o Beato Padre Schwartz pôs todos os seus múltiplos esforços: «Devemos orar mais!».

7. A Irmã Restituta Kafka ainda não tinha atingido a maioridade, quando exprimiu a sua intenção de entrar no convento. Os pais opuseram-se, mas a jovem permaneceu fiel ao seu objectivo de se tornar religiosa «por amor de Deus e dos homens». Queria servir o Senhor especialmente nos pobres e nos doentes. Encontrou acolhimento junto das Irmãs Franciscanas da Caridade, para realizar a sua vocação no quotidiano empenho hospitalar, muitas vezes pesado e monótono. Autêntica enfermeira, tornou-se rapidamente uma instituição em Mödling. A sua competência em enfermagem, a sua resolução e cordialidade fizeram com que muitos lhe chamassem irmã «Resoluta» e não irmã Restituta.

Pela sua coragem e o seu ânimo decidido, não quis calar nem sequer diante do regime nacional-socialista. Desafiando as proibições da autoridade política, a Irmã Restituta fez colocar o Crucifixo em todos os quartos do hospital. Na quarta-feira de Cinzas de 1942 foi aprisionada pela Gestapo. Na prisão começou para ela um «Calvário» que durou mais de um ano, para se concluir, no fim, com o patíbulo. As suas últimas palavras a nós transmitidas, foram: «Por Cristo vivi, por Cristo quero morrer!»

Ao olharmos para a Beata Irmã Restituta, podemos divisar a que cumes de maturidade interior uma pessoa pode ser conduzida pela mão divina. Ela arriscou a vida com o seu testemunho em favor do Crucificado. E conservou o Crucifixo no seu coração, testemunhando-o de novo pouco antes de ser levada à execução capital, quando pediu ao capelão do cárcere que lhe fizesse «o sinal da cruz na fronte».

1185 Tantas coisas podem ser tiradas a nós cristãos. Mas a cruz, como sinal de salvação, não deixaremos que nos seja tirada. Não permitiremos que ela seja excluída da vida pública! Escutaremos a voz da consciência que diz: «Importa mais obedecer a Deus do que aos homens! » (Ac 5,29).

8. Caros Irmãos e Irmãs! A celebração hodierna possui uma particular conotação europeia. Ao lado do ilustre Presidente da República da Áustria, Senhor Thomas Klestil, honram-nos com a sua presença também os Presidentes da Lituânia e da Roménia, os responsáveis da vida política tanto do interior como do exterior. Saúdo-os cordialmente e, através das suas pessoas, saúdo também os povos que eles representam.

Na alegria pelo dom que hoje nos é feito de três novos Beatos, dirijo-me a todos os irmãos e irmãs do Povo de Deus que estão aqui reunidos ou ligados connosco através da rádio ou da televis ão. Saúdo, em particular, o Pastor da Arquidiocese de Viena, o Senhor Cardeal Christoph Schönborn, e o Presidente da Conferência Episcopal Austríaca, D. Johann Weber, assim como os Irm ãos no episcopado que, de perto e de longe, vieram à Heldenplatz. Não posso depois esquecer os numerosos sacerdotes e diáconos, os religiosos, as religiosas e os colaboradores pastorais nas paróquias e nas comunidades.

Queridos jovens! Uma saudação particular dirijo-a hoje a vós. A vossa presença tão numerosa é para mim motivo de grande alegria. Muitos de vós vieram de longe, e não só em sentido geográfico... Agora, porém, estais aqui: o dom da juventude que tem diante de si a vida! Os três heróis da Igreja há pouco inscritos no álbum dos Beatos podem sustentar-vos no vosso caminho: o jovem Jakob Kern, que precisamente através da sua doença conquistou a confiança dos jovens; o Padre Anton Maria Schwartz, que soube tocar os corações dos aprendizes; a Irmã Restituta Kafka, pronta a pagar contanto que não faltasse à própria convicção.

Eles não foram «cristãos fotocopiados », mas cada um foi em si mesmo autêntico, irrepetível, único. Começaram como vós: desde jovens, repletos de ideais, procurando dar um sentido à própria vida.

Outra coisa torna os três Beatos tão atraentes: as suas biografias demonstram- nos que as suas personalidades conheceram uma maturação progressiva. Assim também a vossa vida deve ainda tornar-se um fruto maduro. Por isso é importante que cultiveis a vida de modo que possa florescer e amadurecer. Alimentai-a com a linfa do Evangelho! Oferecei- a a Cristo, a Ele que é o sol da salvação! Plantai na vossa vida a cruz de Cristo! É a cruz a verdadeira árvore da vida.

9. Caros Irmãos e Irmãs! «Mas vós quem dizeis que Eu sou?».

Daqui a pouco professaremos a nossa fé. A esta profissão que nos coloca na comunidade dos apóstolos e na tradição da Igreja, assim como na plêiade dos Santos e dos Beatos, devemos acrescentar também a nossa resposta pessoal. A incisividade social da mensagem depende também da credibilidade dos seus mensageiros. Com efeito, a nova evangelização tem início a partir de nós, do nosso estilo de vida.

A Igreja de hoje não tem necessidade de católicos a tempo parcial, mas de cristãos a tempo inteiro. Tais foram os três novos Beatos! Deles podemos tomar o exemplo.

Obrigado, Beato Jakob Kern, pela tua fidelidade sacerdotal!

Obrigado, Beato Anton Maria Schwartz, pelo teu empenho em favor dos operários!

1186 Obrigado, Irmã Restituta Kafka, pela tua resistência à moda do momento!

Vós todos Santos e Beatos, rogai por nós.

Amém.







Homilias JOÃO PAULO II 1176