Homilias JOÃO PAULO II 1186


NA CELEBRAÇÃO DA FESTA DOS SANTOS PEDRO E PAULO


E A IMPOSIÇÃO DO PÁLIO AOS NOVOS ARCEBISPOS


29 de Junho de 1998




1. A solene memória dos Apóstolos Pedro e Paulo convida-nos, mais uma vez, a dirigir-nos em peregrinação espiritual ao Cenáculo de Jerusalém, no dia da ressurreição de Cristo. As portas «estavam fechadas... por medo dos Judeus» (Jn 20,19); os Apóstolos presentes, já intimamente provados pela paixão e morte do Mestre, estavam conturbados pelas notícias sobre o túmulo vazio, que durante todo aquele dia estavam a suceder- se. E, de repente, apesar de a porta estar fechada, eis que aparece Jesus: «"A paz seja convosco – Ele diz. Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós"... "Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos"» (Jn 20,21-23).

Ele afirma isto com um poder que não dá lugar a dúvidas. E os Apóstolos crêem n'Ele porque O reconhecem: Ele é o mesmo a quem tinham conhecido; é o mesmo que haviam escutado; é o mesmo que três dias antes fora crucificado no Gólgota e sepultado não muito distante. Ele é o mesmo: está vivo. Para lhes assegurar que é precisamente Ele, mostra as feridas nas mãos, nos pés e no lado. São as Suas feridas que constituem a prova principal daquilo que acabara de dizer e da missão que lhes confia.

Os discípulos experimentam assim em plenitude a identidade do seu Mestre e, ao mesmo tempo, compreendem profundamente de onde Lhe vem o poder de perdoar os pecados; poder que só pertence a Deus. Certa vez, Jesus dissera a um paralítico: «Os teus pecados estão perdoados», e diante dos fariseus indignados, como sinal do próprio poder, curara-o (cf. Lc Lc 5,17-26). Agora retorna entre os Apóstolos, depois de ter realizado o maior milagre: a Sua ressurreição, na qual de modo singular e eloquente está inscrito o poder de perdoar os pecados. Sim, é verdade! Somente Deus pode perdoar os pecados, mas Deus quis realizar esta obra mediante o Filho crucificado e ressuscitado, a fim de que cada homem, no momento em que recebe o perdão das culpas, saiba com clareza que deste modo passa da morte para a vida.

2. Se nos detemos a reflectir sobre a perícope evangélica há pouco proclamada, voltamos ainda mais atrás na vida de Cristo, para meditar sobre um episódio altamente significativo, que se realiza nos arredores de Cesareia de Filipe, quando Ele interroga os discípulos: «Quem dizem os homens que é o Filho do homem?... E vós, quem dizeis que Eu sou?» (Mt 16,13-15). Em nome de todos, responde Simão Pedro: «Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo» (Mt 16,16). A esta confissão de fé seguem as conhecidas palavras de Jesus, destinadas a indicar para sempre o futuro de Pedro e da Igreja: «És feliz, Simão, filho de Jonas, porque não foram a carne nem o sangue que to revelou, mas o Meu Pai que está nos céus. Também Eu te digo: Tu és Pedro, e sobre esta Pedra edificarei a Minha Igreja e as portas do inferno nada poderão contra ela. Dar-te-ei as chaves do reino dos céus, e tudo quanto ligares na terra ficará ligado nos céus, e tudo quanto desligares na terra será desligado nos céus» (Mt 16,17-19).

O poder das chaves. O Apóstolo torna-se depositário das chaves de um tesouro inestimável: o tesouro da redenção. Tesouro que transcende abundantemente a dimensão temporal. É o tesouro da vida divina, da vida eterna. Após a ressurreição, ele foi confiado de maneira definitiva a Pedro e aos Apóstolos: «Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos» (Jn 20,22-23). Quem possui as chaves tem a faculdade e a responsabilidade de fechar e de abrir. Jesus habilita Pedro e os Apóstolos para dispensarem a graça da remissão dos pecados e para abrirem definitivamente as portas do Reino dos céus. Depois da Sua morte e da Sua ressurreição, eles bem compreendem a tarefa que lhes foi confiada e, com essa consciência, dirigem-se ao mundo, impelidos pelo amor do seu Mestre. Vão por toda a parte como Seus embaixadores (cf. 2Co 5,14 2Co 5,20), pois o tempo do Reino já se lhes tornou a herança.

3. Hoje a Igreja, em particular a que está em Roma, celebra a memória dos Santos Pedro e Paulo. Roma, coração da Comunidade católica espalhada pelo mundo; Roma, lugar que a Providência dispôs como sede do testemunho definitivo oferecido a Cristo por estes dois Apóstolos.

O Roma felix! Na tua longuíssima história o dia do martírio deles é, sem dúvida, absolutamente o mais importante. Naquele dia, mediante o testemunho de Pedro e Paulo mortos por amor de Cristo, os desígnios de Deus inscreveram-se no teu rico património de eventos. A Igreja, ao aproximar-se do início do terceiro milénio – tertio millennio adveniente – não cessa de anunciar esses desígnios à humanidade inteira.

1187 4. Neste dia tão solene, para Roma convergem, segundo uma significativa tradição, os Arcebispos Metropolitanos nomeados no decurso do último ano. Vieram de várias partes do mundo, para receber do Sucessor de Pedro o Sagrado Pálio, sinal de comunhão com ele e com a Igreja universal.

Com grande alegria acolho-vos, venerados Irmãos no Episcopado, e abraço-vos no Senhor! Exprimo intenso reconhecimento a cada um de vós pela vossa presença, que manifesta de modo singular três das notas essenciais da Igreja: ou seja, que ela é una, católica e apostólica; quanto à sua santidade, ela manifesta- se em plena luz no testemunho das «colunas» Pedro e Paulo. Ao celebrar convosco a Eucaristia, oro de modo particular pelas Comunidades eclesiais confiadas aos vossos cuidados pastorais: invoco sobre elas a abundante efusão do Espírito Santo, que as guie para cruzarem, repletas de fé, esperança e amor, o limiar do terceiro milénio cristão.

5. Além disso, é motivo de particular alegria e conforto a presença dos venerados Irmãos da Igreja Ortodoxa, delegados do Patriarca Ecuménico de Constantinopla, na hodierna celebração. Agradeço-lhes de coração este renovado sinal de homenagem à memória dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, e recordo com emoção que há três anos, nesta solene comemoração, Sua Santidade Bartolomeu I quis vir encontrar-se comigo em Roma: tivemos então a comum alegria de professar a fé junto do túmulo de Pedro e de abençoar os fiéis.

Esses sinais de recíproca proximidade espiritual são providenciais, de modo especial neste tempo de preparação imediata para o Grande Jubileu do Ano 2000: todos os cristãos, e de maneira especial os Pastores, são convidados a fazer gestos de caridade que, no respeito pela verdade, manifestem o empenho evangélico em prol da plena unidade e, ao mesmo tempo, a promovam segundo a vontade do único Senhor Jesus. A fé diz-nos que o itinerário ecuménico está firme nas mãos de Deus, mas pede a solícita cooperação dos homens. Confiamos hoje os seus destinos à intercessão dos Santos Pedro e Paulo, que pela Igreja derramaram o próprio sangue.

6. Jerusalém e Roma são os dois pólos da vida de Pedro e de Paulo. Os dois pólos da Igreja, que a Liturgia hodierna nos fez evocar; do Cenáculo de Jerusalém ao «cenáculo» desta Basílica Vaticana. O testemunho de Pedro e de Paulo teve início em Jerusalém e completou-se em Roma. Assim quis a Providência divina, que os libertou de precedentes perigos de morte, mas deixou que terminassem em Roma a sua corrida (cf.
2Tm 4,7) e aqui recebessem a coroa do martírio.

Jerusalém e Roma são também os dois pólos do Grande Jubileu do Ano 2000, rumo ao qual a presente celebração nos faz avançar com íntimo impulso de fé. Possa o testemunho dos Santos Apóstolos recordar a todo o Povo de Deus o verdadeiro sentido desta meta, que é certamente histórica, mas transcende a história e a transforma com o dinamismo espiritual próprio do Reino de Deus.

Nesta perspectiva, a Igreja faz próprias as palavras do Apóstolo das gentes: «O Senhor me livrará de todo o mal e me dará a salvação no Seu Reino celestial. A Ele seja dada glória, por toda a eternidade. Amém» (2Tm 4,18).





PALAVRAS DO PAPA JOÃO PAULO II


RECORDANDO SEU VENERÁVEL PREDECESSOR


PAPA PAULO VI


6 de Agosto de 1998




É sempre viva em toda a Igreja a memória do meu venerado predecessor, o Servo de Deus Paulo VI, que faleceu há vinte anos aqui em Castel Gandolfo. O tempo não diminuiu a sua recordação; pelo contrário, o transcorrer dos anos faz aparecer cada vez mais luminosa a sua figura e mais actuais e surpreendentes as suas proféticas intuições apostólicas. Depois, neste ano a celebração do centenário do nascimento deste Pontífice, guia sábia e fiel do povo cristão durante o Concílio Vaticano II e o difícil período pós-conciliar, faz-nos sentir mais familiar a chamada à sua pessoa e mais incisivo o testemunho do seu amor a Cristo e à Igreja.

Ele morreu no dia em que a liturgia comemora o evento extraordinário da Transfiguração do Senhor.

Numa homilia, ele comentava do seguinte modo a hodierna página evangélica: «É preciso redescobrir o rosto transfigurado de Cristo, para sentir que Ele é ainda, e precisamente para nós, a nossa luz. Aquela que ilumina cada alma que o procura e o acolhe, que faz resplandecer cada cena humana, cada cansaço, e lhe dá cor e relevo, mérito e destino, esperança e felicidade» (Insegnamenti di Paolo VI: II, 1964, PP 133-134). Ao iniciarmos a celebração da Eucaristia, na qual elevaremos as nossas orações por este inesquecível Pontífice, as suas palavras exortam-nos a pedir ao Senhor, para a Igreja e para cada fiel, a corajosa e heróica fidelidade ao Evangelho, que caracterizou o seu ministério de Sucessor de Pedro.



HOMILIA DO PAPA JOÃO PAULO II

FESTA DA ASSUNÇÃO DE NOSSA SENHORA

1188
15 de Agosto de 1998




1. «Feliz daquela que acreditou que teriam cumprimento as coisas que lhe foram ditas da parte do Senhor» (
Lc 1,45).

Com estas palavras, Isabel recebe Maria, que a fora visitar. Esta mesma bem-aventurança ecoa no Céu e na terra, de geração em geração (cf. Lc Lc 1,48) e de maneira particular na solene celebração de hoje. Maria é bem-aventurada porque acreditou imediatamente na Palavra do Senhor, porque sem hesitar aceitou a vontade do Altíssimo, que lhe fora manifestada pelo Anjo na Anunciação.

Poderíamos ver na viagem que Maria fizera de Nazaré até Ain-Karin, da qual o Evangelho nos fala hoje, como que uma prefiguração da sua particular viagem espiritual que, tendo iniciado com o «sim» no dia da Anunciação, culmina precisamente com a Assunção ao céu em corpo e alma. Um itinerário rumo a Deus, sempre iluminado e apoiado pela fé.

O Concílio Vaticano II afirma que Maria «avançou no caminho da fé, e conservou fielmente a união com seu Filho até à cruz» (Lumen gentium LG 58). Por este motivo, ela, na sua incomparável beleza, agradou de tal maneira ao Rei do universo, que agora, plenamente associada a Ele em corpo e alma, resplandece como Rainha à sua Direita (Sal. resp.).

Sinto-me feliz por celebrar esta Solenidade, uma das mais antigas em honra de Nossa Senhora, com a comunidade de Castel Gandolfo. Saúdo com afecto todos vós aqui presentes, o Bispo de Albano, D. Dante Bernini, e o seu Auxiliar, D. Paolo Gillet. Dirijo o meu pensamento aos Salesianos, aos quais está confiada esta paróquia. Dirijo também uma saudação cordial aos habitantes de Castel Gandolfo, ao Presidente da Câmara Municipal e aos veraneantes.

2. Na hodierna solenidade, a liturgia convida todos nós a contemplar Maria como a «mulher revestida de Sol, tendo a Lua debaixo dos seus pés e uma coroa de doze estrelas sobre a cabeça» (Ap 12,1). Nela resplandece a vitória de Cristo sobre o maligno, representado na linguagem apocalíptica como um «grande dragão vermelho» (Ap 12,3).

Esta visão gloriosa, e ao mesmo tempo dramática, recorda à Igreja de todos os tempos o seu destino de luz no Reino dos céus e conforta-a nas provações que deve suportar ao longo da peregrinação terrena. Enquanto este mundo durar, a história será sempre teatro do conflito entre Deus e satanás, entre o bem e o mal, entre a graça e o pecado, entre a vida e a morte.

Também as vicissitudes deste século que se aproxima do seu fim, testemunham com extraordinária eloquência a profundidade desta luta, que assinala a história dos povos, mas também o coração de cada homem e mulher. Contudo, o anúncio pascal, que ecoou há pouco nas palavras do apóstolo Paulo (cf. 1Co 15,20), é fundamento de esperança certa para todos. Nossa Senhora da Assunção é ícone luminoso deste mistério e desta esperança.

3. Neste segundo ano de preparação imediata para o Grande Jubileu do Ano 2000, eu quis convidar os crentes a tornarem-se mais atentos à presença e à acção do Espírito Santo e a «redescobrirem a virtude teologal da esperança» (Tertio millennio adveniente, 46).

Maria, glorificada no corpo, mostra-se hoje como estrela de esperança para a Igreja e para a humanidade, a caminho rumo ao Terceiro Milénio cristão. A sua altura sublime não a afasta do seu Povo nem dos problemas do mundo, pelo contrário, permite-lhe vigiar de maneira eficaz sobre as vicissitudes humanas com a mesma solicitude atenciosa com que obteve de Jesus o primeiro milagre, durante as Bodas de Caná.

1189 O Apocalipse afirma que a mulher revestida de sol «estava grávida, com dores de parto e gritava com ânsias de dar à luz» (12, 2). Isto leva a pensar numa página muito importante para a teologia cristã da esperança, escrita pelo apóstolo Paulo: «Sabemos, com efeito, que toda a criação tem gemido e sofrido as dores de parto, até ao presente. E não só ela, mas também nós próprios, que possuímos as primícias do Espírito, gememos igualmente em nós mesmos, aguardando a filiação adoptiva, a libertação do nosso corpo. Porque na esperança é que fomos salvos» (8, 22-24).

Ao celebrar a sua Assunção ao Céu em corpo e alma, oramos a Maria para que ajude os homens e as mulheres do nosso tempo a viverem com fé e esperança neste mundo, procurando o Reino de Deus em todas as coisas; oxalá ela ajude os crentes a abrirem-se à presença e à acção do Espírito Santo, Espírito Criador e Renovador, capaz de transformar os corações; ilumine as mentes acerca do destino que nos espera, da dignidade de cada pessoa e da nobreza do corpo humano.

Maria, elevada ao Céu, mostra-te a todos como Mãe de esperança! Mostra-te a todos como Rainha da Civilização do amor!



VISITA PASTORAL ÀS DIOCESES DE CHIÁVARI E BRÉSCIA



NA CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA


EM CHIÁVARI


19 de Setembro de 1998


1. «Felizes são aqueles que ouvem a Palavra de Deus e a põem em prática» (Lc 11,28).

Estas palavras de Cristo, que acabámos de escutar do Evangelho de Lucas, colocam no centro da nossa celebração a figura de Maria Santíssima, ícone do discípulo perfeito e da santa Igreja. Respondendo à exclamação de uma mulher do povo, Jesus faz uma afirmação que, à primeira vista, pode surpreender mas que, se for considerada profundamente, revela a verdadeira grandeza de Nossa Senhora: Maria é deveras bem-aventurada, não simplesmente porque gerou e educou Jesus, mas porque acolheu com fé a vontade do Senhor, colocando-a em prática. Esta é a autêntica grandeza de Maria e constitui também a sua bem-aventurança: a bem-aventurança da fé, que abre a vida do homem à acção do Espírito Santo, tornando-a fecunda de frutos abençoados para a glória de Deus.

Queridos Irmãos e Irmãs, neste ícone reflecte-se hoje a vossa Comunidade diocesana, a Igreja que está em Chiávari. Reflecte-se em Maria como no seu sublime modelo, e olha para Ela na esperança de sentir que são aplicadas a si mesma as palavras que Jesus pronunciou naquele dia: «Feliz és tu, Igreja de Chiávari, que ouves a palavra de Deus e a pões em prática!».

Caríssimos, o Papa veio entre vós sobretudo por este motivo: para vos trazer a palavra salvífica do Evangelho e para vos ajudar a cumpri-la.

2. Dilectos habitantes de Chiávari! Sinto grande alegria por me encontrar hoje no meio de vós. Saúdo com afecto o vosso Bispo, D. Alberto Maria Careggio. Enviei-o até vós como Pastor, a ele que me acompanhou nas sendas de montanha, para que vos guie pelos caminhos que conduzem ao Céu! Ajudai-o a ser uma boa guia para todos vós! Juntamente com ele, abraço também o Bispo Emérito, D. Daniele Ferrari, que tanto fez por esta Diocese. Saúdo cordialmente o Cardeal Arcebispo de Génova e todo o Episcopado da Ligúria. Saúdo também os Bispos hóspedes e agradeço-lhes a presença.

Dirijo uma especial e calorosa saudação aos sacerdotes, aos religiosos e às religiosas, congratulando-me com eles pela generosidade com que desempenham o seu serviço eclesial, sem se preocuparem com os esforços e os incómodos. A saudação torna-se extensiva também aos leigos comprometidos, cuja preciosa colaboração é indispensável para a actividade nas diversas comunidades. Transmito uma deferente saudação depois às autoridades civis, às quais agradeço a presença nesta celebração. O meu pensamento vai inclusivamente a quantos estão unidos a nós mediante a rádio e a televisão. Penso de maneira particular nos idosos e nos enfermos, que nos acompanham de casa. A todos asseguro uma especial oração.

3. Na comunidade de Chiávari, a Bem-Aventurada Virgem é particularmente amada e venerada. Com o título de Nossa Senhora do Horto, Maria é a Padroeira desta Diocese. Todavia, quem não conhece o bonito Santuário de Montallegro, sobre o monte Rapallo? Também ali uma célebre efígie evoca a presença espiritual da Mãe de Deus. É muito conhecido, de igual modo, o Santuário de Velva, consagrado a Nossa Senhora da Guarda.

1190 Em conformidade com a lição do Concílio Ecuménico Vaticano II, este rico património de piedade popular mariana deve ser conservado e valorizado a fim de que, mediante a Virgem Santíssima, inclusive as novas gerações encontrem a Cristo, único Medianeiro entre Deus e o homem, e n'Ele descubram a salvação.

4. Depois, o que pode significar concretamente para vós, Comunidade eclesial de Chiávari, o empenhamento de escutar e observar a palavra de Deus? Significa decerto lê-la e meditá-la na Bíblia, mas significa também escutá-la e pô-la em prática na meditação que dela fez o Sínodo diocesano, que se concluiu em 1992, cem anos após a fundação desta Igreja particular.

Como Sucessor de Pedro, convido-vos a crescer na unidade e na missionariedade, seguindo as directrizes do Sínodo. Sede cada vez mais unidos entre vós e, ao mesmo tempo, abri-vos para os vastos horizontes da evangelização: todos aqueles que ainda não encontraram Cristo e a Igreja devem estar-vos a peito, desde o vosso território até aos países de missão.

Tende sempre presente a palavra de Cristo: «Se tiverdes amor uns para com os outros, todos reconhecerão que sois Meus discípulos» (
Jn 13,35). Na comunidade, isto significa carregar os pesos uns dos outros, compartilhar, colaborar e sentir-se co-responsáveis. Todos são chamados a criar este estilo de comunhão: Bispos, sacerdotes, religiosos e leigos; associações, movimentos e grupos. O primeiro âmbito em que se deve criar a comunidade é a paróquia: como fragmentos de um mosaico, as paróquias formam a comunidade diocesana; em seguida, esta insere-se no organismo vivo da Igreja universal.

No vosso território, duas categorias de pessoas merecem uma atenção particular: os turistas e os idosos. É importante que os veraneantes, ao virem em grande número para transcorrer períodos também longos de férias à beira-mar, encontrem comunidades vivas e hospitaleiras, em que se possam sentir à vontade, num clima familiar. Por outro lado, não se deverá transcurar os inúmeros anciãos locais, que constituem uma inestimável riqueza humana e espiritual.

5. A Bem-Aventurada Virgem Maria é a terra boa e fecunda em que a semente da Palavra de Deus foi acolhida com fé e produziu o fruto messiânico, bênção salvífica para todo o género humano. A Igreja reflecte-se neste modelo: cada Comunidade diocesana é comparável ao jardim de que fala o Profeta Isaías, onde florescem múltiplos carismas que manifestam a acção da Graça e enriquecem o Povo de Deus.

Penso nos numerosos santos e beatos desta terra: no Bispo Santo António Maria Gianelli e em Santa Catarina Fieschi Adorno; nos Beatos Alberto e Baltasar de Chiávari, no Beato sacerdote Agostinho Roscelli e na neo-Beata Brígida Morello, fundadora das Ursulinas de Maria Imaculada. A estes, acrescentam-se alguns Veneráveis e Servos de Deus.

Penso nos vários Institutos de vida consagrada, femininos e masculinos, e convido os jovens a conhecê-los, dado que em algum destes eles poderiam encontrar o carisma que corresponde à sua busca de significado e de doação a Deus e aos irmãos.

Penso também nas associações, nos movimentos, nas comunidades e nos grupos laicais que oferecem uma contribuição indispensável para a missão da Igreja, tanto para a formação como para a animação espiritual, caritativa, social e cultural. Invoco para cada uma destas realidades eclesiais a força do Espírito Santo e convido-as a trabalhar sempre em harmonia com a pastoral diocesana, segundo as indicações do Bispo.

Encorajo-as a dar continuidade à já imensa acção de pastoral juvenil, formando os «próximos» e ao mesmo tempo procurando os «distantes». Formulo votos de um frutuoso desenvolvimento das inumeráveis iniciativas antigas e novas, entre as quais evoco os itinerários formativos da Acção Católica, a catequese interparoquial para o sacramento da Crisma e – como «planta» muito florescente no jardim da Diocese – a «Obra da Aldeia do Jovem».

Convido-as a promover de modo cada vez mais orgânico e específico a pastoral familiar, que tem um ponto de referência no centro de espiritualidade «Madonnina del Grappa». A família é o elemento-base da vida social e só trabalhando muito e bem com as famílias será possível renovar o tecido da comunidade eclesial e a própria sociedade civil.

1191 6. Caríssimos Irmãos e Irmãs de Chiávari! Nesta solene Eucaristia, confio todos vós à Mãe de Deus e da Igreja. Ela esteja sempre no centro da vossa Comunidade, como esteve entre os primeiros discípulos em Jerusalém. Pela sua intercessão, neste segundo ano de preparação imediata para o Jubileu do Ano 2000, invoquemos juntos uma renovada efusão do Espírito Santo sobre esta jovem Diocese, a fim de que escute sempre a Palavra de Deus e a ponha em prática e, além de rica de belezas naturais, seja pródiga de fé, de esperança e de amor. «Como a noiva que se adorna com jóias» (Is 61,10).

Bem-aventurada és tu, Igreja de Chiávari, se souberes escutar a palavra de Deus e te esforçares no sentido de a pôr em prática (cf. Lc Lc 11,28)!

Oxalá sejas o jardim de que fala o Profeta Isaías: o Senhor Deus faça germinar em ti a justiça e isto te leve a merecer «o louvor na presença de todas as nações!» (cf. Is Is 61,11).

Amém!

Na conclusão desta Celebração eucarística, o Santo Padre pronunciou ainda as seguintes palavras:

Inserimos esta Santíssima Eucaristia neste maravilhoso panorama da costa da Ligúria, panorama que acompanhou muitos séculos e numerosas gerações desta cidade de Chiávari.

Agora faço votos por que ele acompanhe também vós, jovens, que deveis ser corajosos e fiéis como inúmeros dos vossos antepassados. Desejo-vos uma boa continuação desta belíssima tradição, própria da vossa terra e da vossa pátria. Louvado seja Jesus Cristo!



VISITA PASTORAL ÀS DIOCESES DE CHIÁVARI E BRÉSCIA



NA CONCLUSÃO DO I CENTENÁRIO


DO NASCIMENTO DE PAULO VI


E RITO DE BEATIFICAÇÃO DE JOSÉ TOVINI


Bréscia, 20 de Setembro de 1998




1. Pedro, amas-Me? (cf. Jo Jn 21,15). Nesta solene Celebração eucarística, com a qual se encerra o centenário do nascimento do Servo de Deus Paulo VI, foi proclamado o Evangelho no qual Cristo pergunta a Pedro se O ama. Antes de lhe confiar o cargo de Chefe do Colégio apostólico e a missão de ser o fundamento da unidade da Igreja, Cristo faz a Pedro o exame sobre o amor: «Tu amas-Me?». E fá-lo porque o serviço, para o qual quer chamá-lo, é um serviço de amor a Deus, à Igreja, à humanidade.

Na primeira leitura escutámos as palavras do Livro do profeta Isaías: «O Senhor... enviou-me a levar a boa nova aos que sofrem» (61, 1). Elas evocam à mente o testemunho evangélico de José Tovini, que hoje tive a alegria de elevar às honras dos altares. Ele morreu no mesmo ano em que nasceu João Baptista Montini. O futuro Papa testemunhará várias vezes ter recolhido dos lábios do seu pai e de amigos de família tantos episódios relativos ao empenho católico de Tovini e as iniciativas promovidas por ele com outros intrépidos brescianos. Sinto-me feliz pelo facto de a beatificação desta figura tão insigne se ter realizado enquanto se encerra o centenário do nascimento de Paulo VI.

Saúdo com afecto todos vós, caríssimos Irmãos e Irmãs, que participais nesta solene assembleia eucarística. Saúdo o Bispo de Bréscia, o caro D. Bruno Foresti, o Senhor Cardeal Martini e todos os Bispos da Lombardia, bem como os Bispos visitantes. Dirijo um particular pensamento a D. Giovanni Battista Re, nascido nesta terra e formado no Seminário de Bréscia. Com ele saúdo também D. Pasquale Macchi, que durante tantos anos foi secretário particular do Papa Paulo VI. Dirijo um deferente pensamento ao Representante do Governo e a todas as Autoridades presentes.

1192 Com intenso afecto saúdo-te, cidade de Bréscia, tão rica de obras de inspiração cristã; saúdo os teus Sacerdotes, os Religiosos, as Religiosas, assim como os muitíssimos leigos, que nas várias funções eclesiais e civis se distinguiram e se distinguem pelo seu empenho religioso, social e cultural.

2. «Pedro, amas-Me?». Podemos dizer que toda a vida de Paulo VI foi uma resposta a esta pergunta de Cristo: uma grande prova de amor a Deus, à Igreja e aos homens. Ele amou a Deus como Pai condescendente e solícito e, nas passagens importantes da sua exigência, especialmente naquelas repletas de dificuldades e sofrimentos, mostrou sempre um fortíssimo sentido da paternidade divina.

Quando, como Arcebispo de Milão, decidiu realizar uma Missão popular para imprimir um renovado impulso à tradição cristã da Cidade, escolheu como tema fundamental: Deus é Pai. Depois, no momento de concluir a sua jornada terrena em Castel Gandolfo, a 6 de Agosto de há 20 anos, quis recitar como última oração o Pai-Nosso.

E que dizer do seu amor apaixonado por Cristo? A sua espiritualidade foi essencialmente cristocêntrica. Na homilia para o início do Pontificado, explicou ter escolhido o nome de Paulo porque é o Apóstolo «que de maneira suprema amou Cristo, que em sumo grau desejou e se esforçou por levar o Evangelho de Cristo a todas as nações, que pelo nome de Cristo ofereceu a sua vida» (30 de Junho de 1963, em Insegnamenti I [1963],
PP 24-25). E noutra ocasião acrescentou que é impossível prescindirmos de Cristo, «se quisermos saber alguma coisa de certo, de pleno, de revelado sobre Deus; ou melhor, se quisermos ter alguma relação viva, directa e autêntica com Deus» (Audiência geral, 18 de Dezembro de 1968, em Insegnamenti VI [1968], pág. 660).

3. Ao amor por Deus Pai e por Cristo Mestre, Paulo VI uniu um intenso amor pela Igreja, em benefício da qual despendeu todos os seus recursos físicos, intelectuais e espirituais, como testemunha a comovedora confissão registrada no Pensiero alla morte: «A Igreja... poderia dizer que a amei sempre... e que por ela, não por outra coisa, me parece ter vivido» (Publicação do Instituto Paulo VI, Bréscia 1988, PP 28-29).

Deste amor por Cristo e pela Igreja brotava quase espontaneamente aquela sua paixão pastoral pelo homem, com intensa intuição das angústias e das expectativas da época contemporânea. Poucos como ele souberam interpretar os anseios, as audácias, as fadigas e as aspirações dos homens do nosso século. Ele quis caminhar ao lado deles; fez-se por isto peregrino pelas suas estradas, encontrando-os lá onde vivem e lutam por construir um mundo mais atento e respeitoso da dignidade de cada ser humano.

Quis ser servo de uma Igreja evangelizadora dos pobres, chamada com todas as pessoas de boa vontade a construir aquela «civilização do amor», na qual aos últimos não vão apenas as migalhas do progresso económico e civil, mas onde devem reinar a justiça e a solidariedade.

4. Esta singular sensibilidade do Papa Montini pelas grandes questões sociais do nosso século aprofunda as próprias raízes nas suas origens brescianas. No seio da própria família e depois durante os anos da juventude transcorridos em Bréscia, ele respirou o clima e o fervor de iniciativas que fizeram do catolicismo bresciano um dos significativos pontos de referência da presença dos católicos na vida social e política do País. No início do pontificado, ao dirigir-se aos seus concidadãos, Paulo VI exprimia esta dívida de reconhecimento: «Bréscia! Cidade que não só me deu o nascimento, mas uma grande parte da tradição civil, espiritual e humana, ensinando-me, além disso, o que significa viver neste mundo, oferecendo-me sempre um quadro que, creio, sustenta as experiências sucessivas, dispostas ao longo dos vários anos pela Providência divina» (Discurso a uma peregrinação de Milão e Bréscia, 29 de Junho de 1963, em Insegnamenti I [1963], pág. 647).

5. Uma grande testemunha do Evangelho encarnado nas vicissitudes sociais e económicas da Itália do século passado é, certamente, o Beato José Tovini. Ele brilha pela sua forte personalidade, pela sua profunda espiritualidade familiar e laical e pelo empenho com que se prodigou para melhorar a sociedade. Entre Tovini e João Baptista Montini existe – considerando bem – um íntimo e profundo vínculo espiritual e ideal.

Com efeito, de Tovini o próprio Pontífice escreveu: «A memória por ele deixada entre todos os que conheci e estimei em primeiro lugar era tão viva e presente que, com muita frequência, escutei comentários e elogios da sua singular pessoa e da sua multiforme actividade; aturdido, ouvi admiráveis expressões da sua virtude e entristecidos lamentos pelo seu precoce falecimento» (Prefácio de João Baptista Montini à biografia de José Tovini, redigida pelo Pe. António Cistellini em 1953, I).

6. Ardente, leal, activo na vida social e política, José Tovini proclamou com a sua vida a mensagem cristã, sempre fiel às indicações do Magistério da Igreja. A sua preocupação constante foi a defesa da fé, convicto de que – como afirmou num congresso – «os nossos filhos sem a fé jamais serão ricos, com a fé nunca serão pobres». Viveu num momento delicado da história italiana e da própria Igreja e compreendeu claramente que não era possível responder de modo total ao chamamento de Deus, sem uma dedicação generosa e desinteressada às problemáticas sociais.

1193 Teve um olhar profético, respondendo com audácia apostólica às exigências dos tempos que, à luz das novas formas de discriminação, exigiam dos crentes uma mais incisiva obra de animação das realidades temporais.

Facilitado pela competência jurídica e pelo rigor profissional que o caracterizaram, promoveu e guiou múltiplos organismos sociais, assumindo também cargos políticos em Cividate Camuno e em Bréscia, no desejo de tornar presentes no meio do povo a doutrina e a moral cristã. Ele considerou prioritário o empenho pela educação e, entre as suas inúmeras iniciativas, distinguiu-se a defesa da escola e da liberdade do ensino.

Com meios humildes e grande coragem prodigalizou-se incansavelmente para salvar o que a sociedade de Bréscia e da Itália tem de mais característico, isto é, o património religioso e moral.

A honestidade e coerência de Tovini encontravam raízes na profunda e vital relação com Deus, que alimentava constantemente com a Eucaristia, a meditação e a devoção à Virgem. Da escuta de Deus na oração diuturna, hauria a luz e o vigor para as grandes batalhas sociais e políticas, que teve de sustentar a fim de tutelar os valores cristãos. Da sua piedade é testemunha a igreja de São Lucas, com a bonita efígie da imaculada, onde se encontram agora os seus restos mortais.

Agora na vigília do Terceiro Milénio, José Tovini, que hoje contemplamos na glória do Paraíso, serve-nos de estímulo. Para este grande apóstolo social, que soube dar esperança a quantos estavam privados de voz na sociedade do seu tempo, convido a olhar sobretudo vós, caros fiéis leigos de Bréscia e da Itália, para que o seu exemplo seja para todos estímulo e encorajamento a trabalhar ainda hoje e sempre com generosidade, a fim de defenderdes e difundirdes a verdade e as exigências do Evangelho. Do Céu, ele vos proteja e com a sua intercessão vos ampare.

Caros brescianos, recebestes uma grande herança religiosa e civil: conservai-a como um património incomparável e testemunhai-a de maneira operosa, com a genialidade e a coerência, a fidelidade e a perseverança que distinguiram Paulo VI e José Tovini.

7. «Combati o bom combate... o Senhor assistiu-me» (
2Tm 4,7 2Tm 4,17). Estas palavras da segunda leitura da Missa sintetizam a experiência espiritual das duas Personalidades que hoje recordamos com devota admiração. Damos graças a Deus pelo seu testemunho: ele é dom precioso não só para Bréscia, mas para a Itália e para a humanidade inteira. Com o transcorrer do tempo, a sua recordação não se deve debilitar. Em campos diversos e com responsabilidades diferentes, eles semearam um imenso bem e combateram o bom combate: a batalha da Verdade e da civilização do Amor.

Maria, Mãe da Igreja, nos ajude a recolher a herança deles e a seguir os seus passos, para que seja concedido também a nós, como ao apóstolo Pedro, responder a Cristo: «Senhor, Tu sabes tudo;bem sabes que Te amo» (Jn 21,17).

Amém!




Homilias JOÃO PAULO II 1186