Homilias JOÃO PAULO II 936

VIAGEM APOSTÓLICA AO BRASIL




NA SANTA MISSA PARA OS FIÉIS


DA ARQUIDIOCESE DE CUIABÁ


Quarta-feira, 16 de Outubro de 1991




Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer?”.

1. Procuremos lembrar-nos desta pergunta. Ela é muito importante e decisiva. Ela pertence à grande parábola do Juízo Final, segundo o Evangelho de São Mateus, que há poucos instantes foi lido.

Nesta imagem do Juízo, que Cristo fará no fim do mundo, Cristo, o Filho do homem (pois o Pai Lhe deu o poder para julgá-lo, como Redentor do mundo), fica confirmada toda a Boa Nova. Por que “Boa”? Porque nela se exprime a eterna vontade de salvação do homem. “Com efeito, de tal modo Deus amou o mundo, que lhe deu seu Filho único, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jn 3,16).

Qual o preço da vida eterna? É infinito.

Mas, como o homem, ser finito, pode pagar um tal preço? Como pode salvar-se?

Na parábola do Juízo Final, Cristo dá a resposta: O preço da eterna salvação, a ser pago por cada homem, é um só, o preço do amor.

“Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer?”, perguntam aqueles que durante o juízo estarão do lado direito. O Filho do homem responde: “Na verdade vos digo: todas as vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes” (Mt 25,40).

2. O Juízo Final refere-se ao final da história do homem sobre a terra. Ao mesmo tempo, meditando o Evangelho de Mateus, devemos afirmar que tal juízo realiza-se constantemente.Continua sempre e em toda a parte. Os homens, com efeito, continuam fazendo o bem aos demais, salvando uns e outros da fome, dando hospitalidade, vestindo, cuidando dos doentes ou dos presos... ou, pelo contrário, não fazem nada disso: fecham-se dentro de si mesmos, no próprio egoísmo, na busca da comodidade, permanecendo insensíveis aos outros e às suas necessidades.

937 De um modo ou do outro, a divisão nesta “direita” ou “esquerda” evangélicas ou escatológicas acontece nos homens, nos ambientes e nas sociedades.

Por isso, a verdade sobre o Juízo é sempre dos nossos dias, sempre atual. Não pode ser transferida para um futuro desconhecido. É preciso vê-la “aqui e agora”. “Aqui e agora” na vida de toda a sociedade, “aqui e agora” do norte ao sul do Brasil. Mas também “aqui e agora” na vida de cada um de nós, sem exceções. Daquele que agora vos fala e de todos que escutam essas palavras: Esta verdade se refere a cada um de nós!

Ao mesmo tempo, é ela condição essencial da evangelização, ou seja, da Boa Nova da salvação.

3. Por diversas vezes tenho considerado, durante as viagens por este imenso território brasileiro, a bondade de Deus ao dotá-lo de incomensuráveis riquezas, para que o homem e sua família, delas se servindo, pudesse dar glória ao Criador. Estes pensamentos dão-me agora a pauta para uma atenta reflexão sobre dois problemas que afligem a todos, especialmente ao homem do Mato Grosso: o problema da migração e o ecológico.

O problema do migrante - aqui como em outras regiões do Brasil - é, em primeiro lugar, o do homem que vem de outros Estados da Federação ou do Exterior, à procura de melhores condições de vida e de trabalho para si e sua família. Geralmente sonha com um pedaço de chão onde se estabelecer, quer no campo quer na cidade. Dificilmente o encontrará. Ou porque o migrante não possui condições técnicas ou financeiras para começar uma nova vida; ou porque, os grandes latifúndios, por vezes improdutivos, não lhes permitem o acesso à terra para trabalhar. Assim, o migrante entra num círculo vicioso de difícil solução.

Não escondo a todos minha preocupação pelas famílias de brasileiros, desarraigadas de seu ambiente, de suas tradições, de sua vida religiosa comunitária, entregues às vicissitudes de longas e penosas viagens. Elas se sentem inseguras na procura do trabalho e impossibilitadas de encontrar uma moradia, embora pobre, onde abrigar-se. Com o parque industrial ainda nos inícios de sua instalação no Estado e incapaz de absorver a mão-de-obra, em geral pouco ou nada qualificada, aumenta dolorosamente o número dos subempregados e dos desempregados. As crianças são as grandes vítimas de uma migração descontrolada e crescente, aumentando, com a miséria, a delinqüência, o abandono e os maus costumes.... Cuiabá, portal da Amazônia, vem sendo considerada a meta de tantos migrantes que para aqui se dirigem na esperança de uma vida melhor. Mas acabam compondo este doloroso quadro de irmãos que sofrem, de crianças famintas e doentes, vítimas da migração descontrolada. Cabem aos órgãos públicos e às organizações comunitárias a consciência deste sério problema, e medidas de âmbito político e de ação social inteligentes, de grande sensibilidade humana e generosidade.

O Papa abençoa com alegria e profundo reconhecimento os que, superando as barreiras do comodismo ou do desinteresse, dedicam-se a acolher aquele que, na verdade, é o mesmo Cristo peregrino que passa e pede uma ajuda eficaz. Como poderia esquecer-me, portanto, do Centro de Pastoral para Migrantes mantido pelos padres Escalabrianos em Cuiabá que ajudam, na medida de seus parcos recursos, a minorar tanto sofrimento?

Mas, meus Irmãos, não posso deixar de recordar aqui, outro tipo de migrante. Aquele que com próprios recursos vem ao Mato Grosso desenvolver suas atividades comerciais, industriais, agropecuárias ou de serviço num Estado que tem, de fato, um futuro promissor. Estes migrantes são como molas propulsoras de progresso, mas podem ser vítimas desse mesmo progresso, pois lançando-se inteiramente ao trabalho, aspirando ao sucesso rápido em seus empreendimentos, sem o acompanhamento, e o apoio de suas Comunidades eclesiais, abandonam aquela vida religiosa que viviam em suas cidades natais. Triunfam na vida empresarial, mas podem naufragar religiosamente, esquecendo seus deveres para com Deus, que lhes mostraram o caminho, na terra de origem, para a alegria do bem realizado, da família bem constituída e fiel, dos filhos crescendo no amor a Deus e aos próprios pais.

Sem dúvida, o problema das migrações não é somente de caráter sócio-econômico ou político, mas é acima de tudo um desafio à caridade e à justiça no mundo. “Seja qual for a situação de cada um - como eu disse na Mensagem para a Jornada Mundial do Migrante, - todos hoje se sentem engajados numa vigorosa corrente de participação, reflexo e exigência da consciência adquirida da própria dignidade” (Ioannis Pauli PP. II Nuntius scripto datus ob diem in universa Ecclesia migrantibus dicatum, 3 c, die 5 aug. 1987: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, X, 3 (1987) 176). A Igreja, conhecedora da complexidade dos vossos problemas, quer permanecer ao vosso lado para que a “fé em Cristo habite nos vossos corações” (
Ep 3,17). Ela está empenhada em aliviar vossos sofrimentos, feitos de humilhações e de pobreza. Ela quer dar à família cristã, os verdadeiros traços de “igreja doméstica”, onde nasce a vida do corpo e a vida da fé. Dai seu dever de um trabalho vigilante e inteligente, para prevenir e neutralizar a ação agressiva e insidiosa das seitas que, no seu proselitismo, procuram sobretudo os migrantes.

4. Outro grande problema que afeta a sociedade do nosso tempo, é a questão ambiental, também chamada ecológica. É de todos conhecida a causa deste problema. Quando da recente publicação da Encíclica “Centesimus Annus”, o tema foi abordado para salientar que “o homem, tomado mais pelo desejo de ter e do prazer, do que pelo de ser e de crescer, consome de maneira excessiva e desordenada os recursos da terra e da sua própria vida” (Centesimus Annus CA 37). Naquela oportunidade, eu quis recordar que não se “pode dispor arbitrariamente da terra, submetendo-a sem reservas... como se não possuísse uma forma própria e um destino anterior que Deus lhe deu, e que o homem pode, sim, desenvolver, mas não deve trair” (Centesimus Annus CA 37).

Ao tomar contato com os problemas ambientais, tanto da Bacia Amazônica quanto do Pantanal mato-grossense, pude ver confirmadas aquelas observações que, infelizmente, afetam não só o Brasil mas também várias regiões do planeta, inclusive nos Países desenvolvidos. Tenho acompanhado com interesse os preparativos da Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente e o Desenvolvimento, que terá lugar no Rio de Janeiro em junho do ano que vem. Faço votos de que, tanto na sua fase preparatória como na instalação dos trabalhos, as Nações ali reunidas saibam “salvaguardar as condições morais de uma autêntica "ecologia humana"” (Centesimus Annus CA 38). Para o Brasil, a proteção ambiental é antes de mais nada o direito e a proteção à vida. Se considerarmos os graves problemas de infra-estrutura dos grandes centros urbanos, teremos uma imagem dos desafios que se apresentarão para o País neste final de século.

938 5. Queridos Irmãos e Irmãs!

Saúdo os sacerdotes desta terra que trabalham neste Estado de Mato Grosso e agradeço o seu empenho pastoral para o Povo de Deus. Saúdo também e agradeço ao Senhor Governador e às demais Autoridades civis e militares. Saúdo a todos os presentes e também a todos que não podiam vir e participar pessoalmente nesta Celebração Eucarística.

É com grande satisfação que estou aqui em Cuiabá. O Papa não veio, como os bandeirantes de outrora ou os garimpeiros de hoje, à procura do ouro. Ele está nesta cidade, coração geográfico da América do Sul, para conhecer, abençoar e trazer sua palavra ao povo bom desta terra, aos que aqui nasceram ou para aqui vieram, em tão grande número, nos últimos anos. Agradeço a acolhida fraterna do Arcebispo Dom Bonifácio Piccinini e dos irmãos do episcopado mato-grossense. Seu trabalho apostólico continua a obra dos antecessores e dos missionários, vindos de tantas partes, que plantaram a Igreja nos sertões e florestas desta região fascinante, desde aqui, desde que aqui aportou, em 1801 o primeiro Bispo-Prelado de Cuiabá, Dom Luiz de Castro.

6. “Quem nos separará do amor de Cristo” (
Rm 8,35) ?

São Paulo faz esta pergunta aos primeiros cristãos, a homens que com freqüência padeciam tribulações em meio aos mais diversos perigos, e perseguições, chegando até mesmo a perder a própria vida.

No entanto, responde o Apóstolo, nada disso é capaz de nos separar do amor de Cristo. Ao contrário: “Em todas estas coisas saímos mais que vencedores pela virtude daquele que nos amou” (Rm 8,37).

Eis realmente uma Boa Nova, também para os homens de hoje que padecem injustiças, enganos e ameaças de morte por defenderem causas nobres.

O que nos pode separar do amor de Deus? Somente nossa falta de amor é que poderá separar-nos, o egoísmo, a indiferença, a falta de sensibilidade, a cobiça. Estes são os inimigos de nossa salvação. São eles que nos julgarão diante do Tribunal do Filho do Homem, e pronunciarão contra nós a sentença. Talvez agora a estejam pronunciando na voz interior da consciência. Quê fazer no caso da consciência surda e insensível? Dia virá em que ela se fará ouvir, quando não mais poderá calar-se, quando se encontrar face a face com a majestade do Filho do Homem, do Redentor do mundo crucificado e ressuscitado.

7. “Se Deus é por nós, quem será contra nós?” (Rm 8,31) - pergunta ainda o Apóstolo. Deus está conosco. Deus quer a nossa salvação. Com efeito: “não poupou seu próprio Filho, mas por todos nós o entregou” (Rm 8,32). N’Ele fomos escolhidos. Por meio d’Ele fomos justificados, por Jesus Cristo, “que morreu, melhor, que ressuscitou, que está à direita de Deus e intercede por nós” (Rm 8,34)!

Portanto... quem nos poderá separar do amor de Cristo, daquele amor que é Deus? Somente nós. Somente a nossa própria falta de amor.

Meus caros Irmãos e Irmãs!

939 Que o amor vença em nós. Que vença na nossa vida social em todas as suas dimensões. Possa cada um de nós sequer uma vez, ouvir estas palavras do Filho do Homem: “Na verdade vos digo: todas as vezes que fizestes isto a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes”.



VIAGEM APOSTÓLICA AO BRASIL




NA SANTA MISSA PARA OS FIÉIS


DA ARQUIDIOCESE DE CAMPO GRANDE


Quinta-feira, 17 de Outubro de 1991




“O homem deixará seu pai e sua mãe e se unirá à sua mulher; e serão os dois uma só carne” (Ep 5,31 cfr. Gn Gn 2,42).

1. Vamos abrir o Livro do Gênesis, no trecho onde se fala das origens e da história do homem sobre a terra. Deus criou o homem e a mulher à sua imagem e semelhança. O Criador, dando-lhes uma particular dignidade no mundo visível, institui já desde o início aquele sacramento da união matrimonial. Pela aliança matrimonial o homem e a mulher dão a vida, tornam-se pai e mãe dos próprios filhos. Criados à imagem e semelhança do seu Criador, refletem Sua paternidade naquela paternidade e maternidade humana.

2. A presença do Filho de Deus nas bodas de Caná da Galiléia serve de especial confirmação desta grande verdade. Jesus ali chega com sua Mãe e os apóstolos. Antes mesmo de confirmar, com suas palavras, a indissolubilidade do matrimônio, como instituição divina “desde o início”, Jesus confirma com sua presença em Caná, a importância deste Sacramento, inclusive, com o primeiro milagre (ou sinal), que realiza pelo bem dos donos da festa, e após o pedido de sua Mãe (Cfr. Jo Jn 2,1-11).

Antes que este fato acontecesse em Caná da Galiléia, podemos pensar quantas vezes na história do homem sobre toda a terra, cumpriram-se aquelas palavras dirigidas “no início” ao homem e à mulher: “O homem deixará seu pai e sua mãe e se unirá à sua mulher; e serão os dois uma só carne”.

Pensemos também quantas vezes se cumpre essa mesma instituição divina em todo esse imenso Brasil. Basta que os esposos permaneçam fiéis aos desígnios do Deus-Criador, que é o Pai de toda a criatura. É preciso que os cumpram, de acordo com a lei do Evangelho de Cristo, como o Apóstolo nos mostra na Carta aos Efésios: “os maridos devem amar suas mulheres, como seus próprios corpos. Quem ama sua mulher, ama-se a si mesmo... Por isso também cada um de vós ame sua mulher como a si mesmo, e a mulher reverencie seu marido” (Ep 5,28-33).

3. Portanto, amor e respeito mútuo! Não pode existir um, sem o outro.

Amar quer dizer não só desejar mas respeitar, merecer e aprender o mútuo respeito e, tendo sempre diante dos olhos o vínculo que une no matrimônio dois seres humanos. Amar é ter a consciência de que tal ligame é indissolúvel, dura, por instituição divina até a morte.

Recebo-te por minha esposa... recebo-te por meu esposo e te prometo ser fiel na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, amando-te e respeitando-te todos os dias da minha vida”.

Eis o vínculo matrimonial que nasce do amor recíproco, se exprime mediante o juramento conjugal, que começa e se realiza diante da infinita majestade de Deus, por aquele mesmo amor com que o Pai nos amou no seu Filho, Jesus Cristo, Redentor do mundo!

940 Os esposos participam da função redentora de Cristo, ao assumirem integralmente, por vocação divina, a finalidade para a qual o matrimônio foi instituído. Cada união nasce pelo pacto entre um casal, mas com um conteúdo divinamente estabelecido, a unidade e a indissolubilidade, ordenado à procriação e à educação da prole.

Eis a beleza e a honra que o Senhor atribui ao homem e à mulher: poder participar, em cada nova criatura, não só do poder criador de Deus, mas também da realização em um novo ser humano dos frutos da Redenção. Cada criatura que vem ao mundo, torna-se herdeira, pelo Batismo, da Bem-Aventurança do Reino dos Céus!

4. Queridos irmãos e irmãs de Campo Grande, do Mato Grosso do Sul e do Brasil! Um célebre brasileiro, o escritor Rui Barbosa deixou-nos esta frase muito significativa: “A pátria é a família amplificada. Multiplicai a família e tereis a pátria”. Desta bela cidade que construístes, desta região privilegiada do Brasil onde morais, com seus campos imensos, sua terra fértil, com esta maravilha da natureza que é o Pantanal matogrossense, quero lançar hoje um veemente apelo a toda a Igreja no Brasil: a família deve ser vossa grande prioridade pastoral! Sem uma família respeitada e estável não pode haver um organismo social sadio, sem ela não pode haver uma verdadeira comunidade eclesial!

5. É necessária, pois, uma Pastoral famíliar porque a evangelização no futuro depende em grande parte da “Igreja doméstica”. Esta pastoral, como o disse em Puebla, “é tanto mais importante quanto a família é objeto de tantas ameaças. Pensai nas campanhas favoráveis ao divórcio, ao uso das práticas anticoncepcionais e ao aborto, que destroem a sociedade” (Ioannis Pauli PP. II Allocutio in urbe “Puebla de Los Angeles”, ineunte III Coetu generali Episcopatus Latino-americani, IV, 1, a, die 28 ian. 1979: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, II (1979) 209).

Hoje, se comprova esta realidade. Ela está produzindo um esfacelamento da instituição famíliar. As uniões ilícitas muito freqüentes na sociedade brasileira, a perda dos valores cristãos, afetados por uma Publicidade permissiva e as agressões de certos meios de comunicação social tudo isso está obscurecendo a visão cristã do amor humano. A falta de uma ética que defenda a dignidade do ser humano nos ambientes escolares, nos Cursos preparatórios para o ingresso nas Universidades e nas mesmas Universidades, vai privando a juventude do conhecimento da Lei de Deus e de suas conseqüências. Enfim, a falta de uma autêntica formação espiritual e moral e um desvio do ensinamento doutrinário, para dar preferência aos problemas sociais, estão criando um progressivo esvaziamento do conteúdo da fé, tornando mais atraente a participação em “seitas” das mais distintas denominações.

É certo também que, no ambiente rural e nas cidades, muitas famílias continuam mantendo as mais belas tradições da vida cristã. Elas constituem um verdadeiro baluarte da fé do vosso Povo. Abençoo de coração os pais, os esposos e noivos comprometidos realmente na vivência séria dos princípios do Magistério da Igreja Católica, que é depositária autêntica da verdade revelada. Peço ao Senhor abundantes graças para que se mantenham fiéis aos ideais de santidade no matrimônio a que são chamados. O Papa quer que saibam, por maiores que sejam as dificuldades da vida, que sua fidelidade será sempre sustentada pela graça do Sacramento do Matrimônio, e pela atenção e o apoio da Igreja.

6. Não há quem não veja, queridos Irmãos e Irmãs, que o futuro da Igreja está nas famílias cristãs devidamente preparadas para assumir o papel de condutoras da sociedade nacional. Isso vale, sobretudo quando se trata de enfrentar o grave problema da escassez de sacerdotes num País com uma população em contínuo crescimento. Nunca se poderá enfrentar eficazmente este problema, sem antes considerar com coragem e decisão dois aspectos que iluminam as diretrizes a serem tomadas.

Volto a reafirmar aqui, em primeiro lugar, que, “onde existe uma pastoral esclarecida e eficaz da família, da mesma forma que se torna natural acolher com alegria a vida, será mais fácil ouvir a voz de Deus e mais generosa a resposta de quem a escuta”. Se os pais forem generosos em acolher um novo filho que Deus lhes enviar, será mais fácil que sejam também generosos os filhos quando se decidirem a oferecer a própria vida a Deus, no serviço apostólico. “A família que realiza com generosa fidelidade seus deveres e tem consciência da sua participação quotidiana no mistério da Cruz gloriosa de Cristo, torna-se o primeiro e o melhor seminário da vocação à vida consagrada ao Reino de Deus” (Familiaris Consortio
FC 53).

Deve-se, por isso valorizar as motivações cristãs que estão na base das grandes opções da juventude. A vida humana alcança sua plenitude quando se torna dom de si mesma: um dom que pode se exprimir no matrimônio, na virgindade consagrada, na entrega ao próximo por um ideal e na escolha do sacerdócio ministerial. Os pais prestarão verdadeiro serviço à vida dos filhos, se os ajudarem a fazer da própria existência um dom, respeitando suas escolhas amadurecidas e promovendo com alegria cada vocação, inclusive a religiosa ou sacerdotal. A família desempenhará assim um papel primordial no desabrochar, no crescimento e na maturação final da vocação sacerdotal. Por conseguinte, a pastoral das vocações é também pastoral da família. E as comunidades paroquiais deveriam participar ativamente no acompanhamento da formação dos candidatos ao sacerdócio.

Estou certo de que os esforços de conscientização neste sentido, não deixarão de alcançar, com a contínua assistência divina, abundantes frutos. Com a certeza da esperança que não confunde e da intercessão da Virgem Maria e de seu esposo São José, peço a Deus Todo-Poderoso, que dentro em pouco estará sobre este altar no Santo Sacrifício da Missa, que proteja a família brasileira, a família de todos que viestes assistir à Missa do Papa e dos que a nós estão unidos pela rádio ou pela televisão!

Em segundo lugar, a insistência, tantas vezes reiterada, da necessidade dos fiéis leigos assumirem suas responsabilidades, para tornar possível uma presença mais viva da luz cristã na sociedade, deve vir acompanhada pelo trabalho contínuo, generoso, humilde e audaz, do ministério dos sacerdotes. As famílias cristãs assumirão plenamente aquelas responsabilidades se encontrarem “sacerdotes que sejam plenamente sacerdotes... Quanto mais descristianizado está o mundo ou carece de maturidade na fé, tanto maior necessidade tem de sacerdotes que estejam totalmente consagrados a dar testemunho da plenitude do mistério de Cristo” (Insegnamenti di Giovanni Paolo II, III, 1 (1980) 1532). Sacerdotes, segundo o coração de Cristo: homens de vida de oração, que dão testemunho exemplar com a própria conduta e que saibam orientar as famílias e os jovens na verdade, de acordo com o magistério perene da Igreja.

941 7. No início de sua atividade messiânica Jesus foi a Caná da Galiléia, e ali, para atender ao pedido de sua Mãe, fez o primeiro milagre, para atender à necessidade dos donos da festa e dos recém-casados. Transformou a água em vinho. A água, na sua simplicidade, passou a ser uma bebida nobre.

Deste modo Jesus deu a conhecer que Ele, o Redentor do mundo, com seu poder redentor não só deseja confirmar o matrimônio da Antiga Aliança mas deseja enobrecê-lo e santificá-lo.Cristo deseja, como ensina o Apóstolo na Carta aos Efésios, exprimir na aliança matrimonial do homem e da mulher um grande mistério (Cfr. Ef
Ep 5,32)! Este mistério é o do amor com que Ele mesmo amou a Igreja. O Redentor do mundo tornou-se o Esposo da Igreja, sua Esposa. “Cristo amou a Igreja e por ela se entregou a si mesmo, para a santificar... para apresentá-la sem mácula” (Ibid. 5, 25. 27). O mistério deste amor esponsal do Filho de Deus pela Igreja é a medida e o modelo do amor que deve unir no matrimônio sacramental marido e mulher. Cristo amou a Igreja até ao sacrifício de Sua vida. É necessário, portanto, que os esposos descubram n’Ele o modelo do próprio amor conjugal. É preciso que aprendam de Cristo, renovando constantemente o matrimônio, ao longo dos dias e dos anos, com a graça deste grande sacramento.

8. Cristo vos está ensinando, queridos Esposos e Pais, não só através do Evangelho, mas também por meio do grande mistério do seu amor redentor.

Em Caná da Galiléia, ao lado dos esposos recém-casados está a Mãe de Cristo. Ela diz aos criados: “Fazei tudo que Ele, meu Filho, vos disser” (Jn 2,5).

Que junto a todos, do primeiro ao último dia de vosso matrimônio, esteja a Mãe de Cristo! Que Ela vos repita sempre estas palavras: “Fazei tudo que meu Filho vos disser”.

9. Agradeço o acolhimento do meu querido irmão Dom Vitório Pavanello e dos outros Bispos deste Estado. Agradeço aos caros Padres Salesianos a hospedagem que me deram em sua casa. Vão aqui também minhas palavras de estímulo aos queridos religiosos e religiosas para que saibam continuar no seu serviço alegre e abnegado pelo Reino de Deus numa constante e irrevogável consagração de suas vidas. Para os presbíteros, seminaristas e candidatos que estão se formando no Estado, sobretudo em Campo Grande, no Seminário Regional Propedêûtico, no Seminário Maior Maria Mãe da Igreja, no Instituto Teológico do Oeste, no Postulantado e Noviciado intercongregacional, invoco a proteção do Altíssimo para que saibam corresponder às expectativas que a Igreja neles deposita para a construção do Reino de Deus. Aqui vai também meu agradecimento às autoridades de Mato Grosso do Sul, ao Senhor Governador, e demais autoridades civis e militares pela acolhida, pelas atenções que tiveram comigo durante minha permanência em Campo Grande.

Enfim, meus caros amigos, todos que me ouvis, de tantas raças e povos, brancos, negros, índios, latino-americanos sobretudo paraguaios e bolivianos, emigrantes europeus, árabes, asiáticos sobretudo os japoneses em tão grande número neste Estado, todos que formais esta grande família sul-matogrossense e brasileira, líderes e animadores das comunidades, leigos empenhados na luta pela dignidade da vida e a consolidação da família, aos jovens e aos doentes, o Papa quer dar um grande abraço e sua bênção. O Papa não se esquecerá de ninguém!

A Virgem Maria, a quem invocais com tanto amor nesta Arquidiocese como Nossa Senhora dos Prazeres, vos conceda, queridos Esposos e pais, sentir em vossa vida Sua presença materna, transformando em vinho, dando uma nobreza nova à vossa sublime missão. Que o poder santificador do Espírito, que desceu sobre a Virgem de Nazaré e a fez Mãe do Filho de Deus, desça também sobre vossas famílias, sobre todas as famílias do Brasil! Deus vos abençoe!

Veni, Creator Spiritus!



VIAGEM APOSTÓLICA AO BRASIL




NA CELEBRAÇÃO DA MISSA DE BEATIFICAÇÃO


DE MADRE PAULINA


Florianópolis, 18 de Outubro de 1991




“Quando aparecer Cristo, que é a vossa vida, então também vós aparecereis com ele na glória”(Col 3,4).

942 1. Minha alegria no dia de hoje, queridos irmãos e irmãs de Florianópolis e de Santa Catarina, tem um motivo todo especial: a beatificação da Madre Paulina do Coração de Jesus Agonizante. Ela é, na verdade, uma representante bem legítima do povo catarinense. Como os pais e os avós de muitos dos que aqui estão, pertence ela a uma destas famílias que aqui chegaram no século passado e deram uma feição toda especial à terra catarinense. O cenário maravilhoso das lindas praias e ilhas do litoral, do vale do Itajaí, dos campos da região serrana, das imensas e férteis regiões do oeste, passou a ser habitado por um povo novo que hoje ainda conserva a herança das culturas, dos costumes e da língua de seus antepassados. Aos portugueses das ilhas dos Açores ou aos paulistas vindos dos campos de Piratininga ou de Curitiba, se uniram, há mais de cem anos, tantas famílias procedentes do norte da Itália, das montanhas do Tirol, de diversas regiões da Alemanha, de muitos outros lugares do planeta.

Todos fizeram de Santa Catarina um só povo, com muitas falas, hábitos e tradições, cuja face humana se tornou bem brasileira pela riqueza do trabalho, da cordialidade e, sobretudo, da única fé cristã. Foi uma destas famílias, vindas do Tirol e radicadas na região de Nova Trento, que deu ao Brasil e à Igreja a Madre Paulina. Hoje, diante de vós, ela será elevada pelo Papa à glória dos altares.

A glória com a qual a Igreja circunda seus santos e beatos é um particular anúncio da vinda de Cristo, que “é a nossa vida em Deus”. Tornando-se homem, ele, o Filho unigênito do Pai, fez-nos participar da vida divina, que está n’Ele. Com o poder do Espírito Santo, dado por Cristo à Igreja no dia da sua Ressurreição, esta vida divina frutifica na santidade dos filhos e das filhas da Igreja.

Hoje, com a cerimônia da beatificação professamos nossa fé na Comunhão dos Santos. E ao mesmo tempo, consolida-se nossa esperança de santidade, de participação na vida de Deus. Ora, os santos nos indicam o caminho desta esperança. Deste modo cumprem eles uma particular tarefa dentro da missão evangelizadora da Igreja sobre a terra, e proclamam a vocação cristã à santidade. Eles nos exortam: “Revesti-vos da caridade, que é o vínculo da perfeição” (Cfr . Cl
Col 3,14).

2. Como foi que a Madre Paulina, que hoje proclamaremos beata, se revestiu desta caridade?

O que mais se destaca na vida dos santos é sua capacidade de despertar o desejo de Deus, naqueles que tem a felicidade de deles se aproximar. A generosa correspondência às graças divinas, torna-se, então, premiada por uma constante inclinação para Deus, desejado, conhecido, louvado e amado. É precisamente nesta luz que a Serva de Deus se nos apresenta, quando nos preparamos para reconhecê-la solenemente entre os bem-aventurados do Reino dos céus.

“Afeiçoai-vos às coisas que são de cima” (Col 3,2).

Foi precisamente este o dom vivido em sumo grau por Madre Paulina. Soube ela converter todas as suas palavras e ações, num contínuo ato de louvor a Deus. Durante a juventude pediu a Deus a graça de entrar na vida religiosa com o único fim de amá-Lo e de servi-Lo com a maior perfeição possível. Sua conformidade com a vontade de Deus, levou-a a uma constante renúncia de si mesma, não recusando qualquer sacrifício para cumprir os desígnios divinos, especialmente no período, particularmente heróico, da sua destituição como Superiora Geral da Congregação por ela fundada.

Fruto desse grande amor de Deus, foi a caridade vivida pela Serva de Deus, desde menina até o último instante de sua vida terrena, em relação a todos que conviveram com ela. No seu testamento espiritual ela escreveu: Muito vos encareço que haja entre todas a santa Caridade, especialmente para com os doentes das Santas Casas, (os velhos) dos asilos, etc. Tende grande apreço pela prática da santa Caridade. Foi por isso que, no Hospital de Vígolo, ela e sua primeira companheira receberam o título de “enfermeira”. Esse estar-para-os-outros, constituiu-se como o pano de fundo de toda sua vida. Os pobres e os doentes, foram os dois ideais da vida ascética da Madre Paulina, que, no seu serviço encontrava o incentivo para crescer no amor de Deus e na prática das virtudes.

3. Queridas filhas da Congregação das Irmãzinhas da Imaculada Conceição, o exemplo de santidade de vossa Madre Fundadora, recolhe esta mensagem perene que a Santa Igreja guarda como tesouro precioso.

Hoje, a Igreja quer fazer-se eco, mais uma vez, das palavras inspiradas de São Paulo aos Tessalonicenses: “Esta é a vontade de Deus: a vossa santificação” (1Th 4,3). Pelo Batismo, fomos regenerados para a nova vida da filiação divina, ou até, como diz São Pedro, da participação na natureza divina (Cfr. 2Pd 2P 1,4). Pela santificação não recebemos apenas o perdão dos pecados, mas somos introduzidos na comunhão de amor com Deus, somos inseridos no corpo místico de Cristo e participamos da vida divina do Senhor, do mesmo modo como o ramo participa da seiva do tronco (Cfr. Jo Jn 15, 1s). A santidade faz de nós templos vivos de Deus: “meu Pai o amará e a ele viremos e nele faremos morada” (Cfr. Jo Jn 14,23).

943 Ser santo significa opor-se ao pecado, à ruptura com Deus. O homem dessacralizado, não santificado, continua na escravidão do pecado e não é atingido pela ação do mistério pascal redentor do divino Salvador dos homens. A Igreja existe para a santificação dos homens em Cristo. É esta santidade que ela deve levar também aos homens do mundo secularizado para que não se profanizem. Por isso ela ensina também que santidade não é “alienação”, como às vezes se ouve dizer, mas uma maior familiaridade com as realidades mais profundas de Deus.

Por sua vez, Cristo é o Verbo feito carne, e o mesmo Verbo é o Criador e Salvador. A Encarnação leva a criação a seu termo, e nesta, o homem realiza em si mesmo, por Cristo a imagem de Deus, cooperando, através da história, para esta plenitude da obra divina da criação. Cristo nos chama a todos nós, cada um seguindo a própria vocação - no lar, no trabalho profissional, no cumprimento das obrigações que competem ao próprio estado, quer inseridos nas realidades temporais, quer no sacerdócio ministerial ou na vida religiosa, nos deveres de cidadão, no exercício dos próprios direitos - todos somos chamados a participar do reino dos céus.

Esta santidade, que faz que cada cristão deva ser Cristo presente entre os homens, lembra-nos, como foi dito em Puebla, que existe “um povo que nasce apenas de Deus, e se orienta para ele; ... os cidadãos deste povo devem caminhar na terra, mas como cidadãos do céu, com o coração enraizado em Deus, através da oração e da contemplação. Esta atitude não significa fuga do terreno, mas sim condição para uma entrega fecunda aos homens. Porque quem não aprendeu a adorar a vontade do Pai, no silêncio da oração, dificilmente conseguirá fazê-lo quando sua condição de irmão lhe pedir renúncia, dor ou humilhação” (Puebla, 250-251).

4. Foi precisamente esta capacidade de manter-se constantemente unida a Deus e, ao mesmo tempo, de desenvolver um intensíssimo trabalho pelo bem das almas, que caracterizou a vida da Beata Paulina do Coração de Jesus Agonizante. A Igreja a propõe, a partir de hoje, como modelo de vida a ser admirado e imitado.

A santidade se prova na vida do dia-a-dia, no trabalho em favor dos irmãos, como fruto da união com Deus. Ela está vinculada a um amor, ativo e efetivo, para com a Igreja de Cristo, representada pelos seus Pastores que, dentro do Colégio Episcopal, estão unidos ao Sucessor de Pedro. A santidade, enfim, é a expressão dessa fé vivenciada pela caridade, “Fides operatur per caritatem”, capaz de dar um novo sopro de esperança e uma resposta à sociedade que parece querer viver num clima de hedonismo e de consumismo.

5. Deus disse a Abraão: “Deixa tua terra, tua família e a casa do teu pai, e vai para a terra que eu te mostrar” (
Gn 12,1).

No Sermão da Montanha Cristo disse: “Bem-aventurados os que têm um coração de pobre, porque deles é o reino dos céus... Bem-aventurados os mansos... os que têm fome e sede de justiça... os misericordiosos... os puros de coração... os pacíficos... os que são perseguidos por causa da justiça..” (Mt 5,1-10).

Cristo acrescentou: “deles é o reino dos céus”.

Ele repete hoje a todos nós, a cada um de nós: deixa tua terra, que é um lugar de passagem, deixa o lugar da casa dos teus pais, lugar de tantas gerações - e vai para a terra que eu te indicar.

Esta terra é o reino dos céus, é a casa de meu Pai, na qual existem muitas moradas ( Cfr. Jo Jn 14,2).

A Beata Paulina do Coração de Jesus Agonizante seguiu este chamado de Cristo.

944 “Quando Cristo se manifestar - Ele, a nossa vida - também ela junto d’Ele se manifestará na sua glória”.

Ao concluir, aproveito a ocasião para saudar ao Senhor Ministro da Justiça, Dr. Jarbas Passarinho, agradecendo sua participação nesta Celebração Eucarística. Saúdo também ao Senhor Governador de Santa Catarina e demais Autoridades civis e militares.

Queridos irmãos e irmãs, o Papa agradece vossa acolhida calorosa e amiga, como também ao caro irmão no Episcopado, o Arcebispo Dom Eusébio Oscar Scheid, aos Cardeais e a todos os Bispos que aqui vieram, especialmente o Senhor Cardeal Arcebispo de São Paulo. Envio uma saudação afetuosa ao Senhor Cardeal Agnelo Rossi, Decano do Colégio Cardinalício, que tanto desejou esta Beatificação. Mais uma vez vos digo: o Brasil precisa de santos, de muitos santos! A santidade é a prova mais clara, mais convincente da vitalidade da Igreja em todos os tempos e em todos os lugares.

Que o exemplo de Madre Paulina possa inspirar a todos uma resposta decidida, generosa, ao chamado de Cristo à santidade! Confio à proteção materna da Virgem Maria, Nossa Senhora Aparecida, Nossa Senhora do Desterro como A venerais aqui em Florianópolis, o presente e o futuro da Igreja no Brasil. Ela precisa, hoje, mais do que nunca, de santos!




Homilias JOÃO PAULO II 936