Homilias JOÃO PAULO II 944

VIAGEM APOSTÓLICA AO BRASIL




DURANTE A CELEBRAÇÃO DA SANTA MISSA


PARA OS FIÉIS DA ARQUIDIOCESE DE VITÓRIA


Vitória, 19 de Outubro de 1991




Pedro, colocando-se em pé, na companhia dos Onze, com voz forte” (Ac 2,14).

1. As leituras da liturgia de hoje nos conduzem às portas do Cenáculo de Jerusalém, no dia de Pentecostes. Pedro toma a palavra: “Homens da Judéia e vós todos que habitais em Jerusalém... Que toda a casa de Israel saiba, portanto, com a maior certeza, que este Jesus, que vós crucificastes, Deus o constituiu Senhor e Cristo” (Ac 2,14 Ac 2,36).

Na ressurreição de Cristo, Deus revelou que ele é o Messias, o “Ungido” com a plenitude do Espírito Santo. N’Ele se cumpriram plenamente as promessas feitas na Antiga Aliança a Abraão, e transmitidas através de Moisés e dos Profetas.

É Ele que vem ao mundo como luz: “Deus de Deus, Luz da Luz”. Às portas do Cenáculo de Jerusalém, a Igreja começou sua evangelização, que deve chegar até os mais distantes confins da terra. Os Apóstolos e seus sucessores, levarão a luz, que é Cristo, a todos os homens, a todos os povos e a todas as nações.

Queridos irmãos e irmãs deste Estado do Espírito Santo e todos que aqui vieram do Rio de Janeiro, de Minas Gerais, do sul da Bahia e de outros lugares! O Papa se sente feliz no dia de hoje. Veio ele conhecer uma das mais antigas comunidades na história da Igreja no Brasil. Começou ela, de fato, em 1541 com a chegada a esta terra do padre diocesano, Francisco da Luz, primeiro e zeloso pastor da recém-fundada Paróquia de Nossa Senhora da Vitória. Esta comunidade foi santificada pela presença do Beato José de Anchieta que passou neste Estado os últimos anos de sua vida missionária e faleceu no final do século dezesseis na aldeia indígena de Reritiba, que é hoje a cidade que leva o seu nome. Aqui viveu, na mesma época, o homem de Deus, frei Pedro Palácios, o virtuoso irmão leigo capuchinho, catequista e eremita, cuja ermida branca, no alto do rochedo, é hoje o Santuário de Nossa Senhora da Penha, padroeira deste Estado.

2. Cristo é a luz do mundo. “Quem me vê, vê aquele que me enviou”(Jn 12,45). Cristo, o Verbo eterno, é o Filho consubstancial ao Pai e imagem do Pai, é Deus de Deus. Ele diz: “Quem crê em mim, não é em mim que crê, mas naquele que me enviou”(Jn 12,44). “O próprio Pai... me ordenou o que devo dizer e falar... As coisas, pois, que eu digo, digo-as como meu Pai me disse” (Jn 12,49-50).

945 Pedro e os Apóstolos, às portas do Cenáculo de Jerusalém, começam a anunciar a palavra recebida de Cristo, a palavra que vem do Pai. Esta Palavra é a Boa Nova, ou seja o Evangelho. É a verdade sobre a salvação eterna do homem em Deus. Cristo diz: “Não vim para condenar o mundo, mas para salvá-lo”... “Eu vim ao mundo como uma luz para que todo o que crê em mim não permaneça nas trevas” (Jn 12,47 Jn 12,46).

Os que escutavam a Pedro no dia de Pentecostes, depois de ter ouvido a verdade sobre Cristo, converteram-se e fizeram-se batizar. Da palavra sobre a verdade evangélica, nasceu a Igreja como comunidade de batizados no Espírito Santo.

Como aqueles primeiros que se aproximaram de São Pedro no dia de Pentecostes, também nós fomos batizados. E através do Batismo, Deus nosso Pai, tomou posse de nossas vidas, incorporou-nos à Vida de Cristo e mandou-nos o Espírito Santo. O Senhor, diz a Sagrada Escritura, salvou-nos “fazendo-nos renascer pelo batismo, renovando-nos pelo Espírito Santo, que Ele derramou copiosamente sobre nós por Jesus Cristo Salvador nosso, para que, justificados pela graça, cheguemos a ser herdeiros da vida eterna conforme a esperança que possuímos” (Tt 3,5-7).

3. Quando o Espírito Santo desceu sobre os apóstolos, no dia de Pentecostes, entre eles estava a Mãe de Cristo.Junto a eles, perseverava Ela em oração desde o dia em que Cristo, tendo partido para o Pai, ordenou-lhes que esperassem juntos o Consolador.

Ela mesma já tinha recebido o Espírito Santo no instante da Anunciação: “O Espírito Santo descerá sobre ti, e a força do Altíssimo te envolverá com a sua sombra. Por isso o Santo, que há de nascer de ti, será chamado o Filho de Deus” (Lc 1,35). Graças ao Espírito Santo, a Virgem de Nazaré concebeu e deu à luz o Verbo Eterno. Aquele que é a luz do mundo, d’Ela recebeu a humanidade. Tornou-se o Filho do Homem. Ela lhe deu a vida humana, para que, como homem verdadeiro, Cristo viesse a ser a fonte da Luz e da Vida para todos os homens, para todos os povos, para todos nós.

Não pensemos, porém, que Maria Santíssima tenha assumido um papel meramente passivo na Redenção da Humanidade. Desde o início de sua vocação de Mãe, em todos os momentos, a Virgem Santíssima participou de forma central, não marginal, no papel messiânico de Seu Filho.

Todos conhecemos como em Caná da Galiléia, quando os discípulos já começavam a acompanhar o Mestre, Maria fora também convidada àquela festa de casamento. Ali, Jesus converte a água em vinho, após um delicado aviso de Sua Mãe, ao constatar a dificuldade em que se encontravam os donos da festa.

“Maria põe-se de permeio entre seu Filho e os homens, na realidade das suas privações, das suas indigências e dos seus sofrimentos. Põe-se de "permeio", isto é, faz-se mediadora, não como uma estranha, mas na sua posição de mãe, consciente de que, como tal, pode, ou antes, "tem o direito de" fazer presente ao Filho as necessidades dos homens... E não é tudo. Como Mãe, deseja também que se manifeste o poder messiânico do Filho, ou seja, seu poder salvífico que se destina a socorrer às desventuras humanas, a libertar o homem do mal que, sob diversas formas e diversas proporções, faz sentir o peso em sua vida” (Redemptoris Mater, RMA 21).

Ela é a Consoladora dos aflitos: dos que sofrem todas as formas de violência, dos que são oprimidos pelas injustiças ofensivas à dignidade humana, a tortura, os seqüestros, os atentados à vida dos mais indefesos e doentes e a das crianças por nascer desde a concepção até sua natural conclusão. Ela é o Auxílio dos cristãos que clamam por uma mais justa e séria distribuição dos bens que Deus entregou a todos os homens, a terra ainda repartida entre poucos, a natureza, que está à disposição da Humanidade, agredida irracionalmente.

4. Assim é que a Mãe de Deus acha-se no início mesmo da evangelização, e sua presença no Cenáculo, no dia de Pentecostes, confirma-o plenamente. Aos pés da cruz a Mãe do Redentor torna-se a mãe dos redimidos, e no dia de Pentecostes a Mãe da Igreja.

É muito significativo que a Igreja tenha nascido no dia de Pentecostes, quando os discípulos e as santas mulheres estavam reunidos, em união de coração e de prece - com Maria, a Mãe de Jesus (Ac 1,14). Onde estavam os discípulos de Cristo, e os que escutaram seus ensinamentos e foram batizados, que “perseveravam na doutrina dos apóstolos, nas reuniões comuns, na fração do pão (eucarístico) e nas orações” (cfr. At Ac 2,42), a Mãe de Deus é para eles unidade no Espírito Santo. Esta união é particularmente expressiva e cheia de frutos salutares para a evangelização da Igreja. Onde está Maria - “a serva do Senhor” - ali se encontra a mesma Igreja que se manifesta mais plenamente como Mãe virginal das almas e serva da vida divina e da luz divina no meio dos homens (Cfr. Lumen Gentium LG 64).

946 5. A imagem quinhentista de Nossa Senhora da Penha que nos acompanha nesta Celebração Eucarística, evoca-nos aquela “mulher vestida de sol... e uma coroa de doze estrelas sobre a cabeça” (Ap 12,1-2) contemplada por São João. Nossa Mãe é Rainha. Rainha de todos os homens, dos filhos de Deus e irmãos de Jesus Cristo, até o fim dos séculos. Ela está agora na glória do Céu, junto da Trindade Santíssima. E junto de Deus Ela contempla, na luz da glória divina, todos e cada um dos seus filhos, em todos e cada um dos momentos da sua existência, e olha para eles: nas horas de alegria e de dor, nos transes difíceis, nos tempos de solidão, nas suas quedas e em seu levantar... Não há um passo de nossa vida, não há um latejar de nosso coração, que não esteja sendo acompanhado amorosamente pelo Coração de Maria.

Queremos pedir a Maria Santíssima que reine também em nossos corações, e no coração de todos os homens. Em primeiro lugar, em toda essa Arquidiocese abençoando e dirigindo maternalmente os Planos Pastorais do Senhor Arcebispo, o querido irmão Dom Silvestre Luís Scandian e dos Bispos desta Província Eclesiástica, em união com seus sacerdotes, com os leigos, as religiosas e os religiosos comprometidos com a Igreja na aurora de uma “nova evangelização”. Aproveito, ao mesmo tempo, para saudar e agradecer a presença, nesta Celebração Eucarística, do Senhor Governador e demais Autoridades civis e militares do Espírito Santo. Pedimos também pelas Autoridades e Magistrados em nível nacional, estadual e municipal, para que saibam velar cada vez mais pelo bem comum de cada cidadão, comprometidos com a causa da justiça, para que os que têm fome e sede de justiça, sejam saciados (Cfr. Mt Mt 5,6).

Amadíssimos filhos e filhas, coloquemos estes propósitos nas mãos do Beato José de Anchieta. Este Apóstolo do Brasil, que se consagrou inteiramente à causa do Evangelho, a quem tanto venerais, sirva de modelo e de estímulo para que possais colocar vossas melhores energias a serviço da Igreja, nossa Mãe.

Que o Espírito Santo ilumine este Estado do Brasil, que leva Seu mesmo nome, dirigindo os passos de seus filhos e filhas em direção ao porto definitivo, o Reino dos Céus.



VIAGEM APOSTÓLICA AO BRASIL




NA CELEBRAÇÃO DA PALAVRA


AOS FIÉIS REUNIDOS NO CONJUNTO


«VIRGEM DOS POBRES»


Maceió, 19 de Outubro de 1991




Ide vós também, para a minha vinha” (Mt 20,4).

1. Assim fala no Evangelho o dono da vinha, aos operários que ele contrata para trabalhar em distintas horas do dia. Assim fala também, desde o início da história do homem sobre a terra o Deus-Criador, o Dono Absoluto do universo: “Crescei e multiplicai-vos, enchei a terra e dominai-a” (Gn 1,28). Esta frase do livro do Gênesis, indica as diretrizes essenciais da vocação do homem sobre a terra: família e trabalho.De fato, todos os homens e mulheres devem nascer e crescer numa família, que encontra o sustento no trabalho de seus membros.

“Ide trabalhar!” fala o Divino Senhor às gerações sempre novas, nas diversas horas da história e nos mais variados lugares em que habita o ser humano. Também aqui, neste grande e vasto País, pátria de tantas gerações, do passado, do futuro, e de hoje, Ele repete: “Ide vós também, para a minha vinha”. A todos, Ele insiste: “Ide trabalhar na minha vinha”.

2. O trabalho, a vocação ao trabalho, é a vocação de todos os homens. O homem deve tomar parte na obra criadora de Deus, deve completá-la de modo criativo, transformando a natureza na medida das suas necessidades e dos seus objetivos, “humanizando” a gigantesca matéria do mundo criado, conforme a vontade do Criador e segundo as leis que Ele deu à criação. O homem criado à imagem e semelhança de Deus, deve exprimir esta semelhança através do trabalho e de sua inteligência. “A glória de Deus é o homem vivo” (S. Irenaei Adversus Haereses, IV,20,7: ) . Toda a criação visível, todo o mundo material convoca o homem para glorificar o Criador cumprindo a tarefa que Ele lhe confiou: Ide trabalhar na minha vinha!

3. Entramos assim no tema que nos trouxe hoje aqui, em que se unem dois tópicos de importância capital para o homem: o trabalho e a moradia. O trabalho humano deve revestir-se de amor sobretudo naquele pequeno espaço vital, no qual os homens vivem em comum como família: o casal e os filhos. Existe uma estreita ligação entre o trabalho e a casa. O homem mora, para trabalhar. Mas também, o homem trabalha para morar, para alcançar as condições de revestir pelo amor sua vida no lar.

O Concílio Vaticano II, afirmou que “com o seu trabalho, ordinariamente, o homem sustenta-se a si e à família, associa-se aos seus irmãos e presta-lhes serviços, pode exercer a verdadeira caridade e cooperar no aperfeiçoamento da criação divina” (Gaudium et spes GS 67). Estas condições ideais, conferem ao trabalho humano tal valor e dignidade, que o tornam capaz de assemelhar-se àquele que o mesmo Cristo desempenhou na Sua humilde casa de Nazaré. O Senhor nos ensinou o sentido profundo desta verdade, hoje, sem dúvida, patrimônio comum da nossa fé, e o Concílio promulgou-a definitivamente, conclamando a todos à santidade no meio do mundo através do próprio trabalho. Por que, então, isso parece, às vezes um sonho irrealizável, uma utopia?

947 Pensemos nas dificuldades do trabalhador rural que passa por grandes apuros e incompreensões devido ao descumprimento das leis sociais, por parte dos proprietários das terras. Abandonados e sem o apoio daqueles, que por justiça, deveriam auxiliá-los, a grande maioria dos pobres que trabalham no campo, carece de condições adequadas para fazer crescer, no próprio lar, aquela esperança de uma vida melhor e mais digna. A vida do trabalhador urbano, não se distingue em muito da dos outros trabalhadores. O êxodo rural para as grandes cidades, com o aumento assustador das favelas, sem o devido atendimento hospitalar e de educação, a dificuldade de emprego estável e os baixos salários, são problemas comuns que nos desafiam e mostram um completo desconhecimento do sentido cristão da vida. E os desocupados, os menores abandonados, vítimas prematuras do vício das drogas que lhes reserva morte cruel e implacável!

Queridos Irmãos, queridas Irmãs será possível que ainda hoje se repita aquele grito do rei Davi em seu cativeiro?: “Não há quem cuide de mim! Não existe para mim refúgio. Ninguém que se interesse por minha vida!” (
Ps 141,5). É bem verdade, que existem exemplos de cidadãos, homens e mulheres, dispostos, tanto no campo como na cidade, a não deixar desamparados seus irmãos que vivem na pobreza, sem trabalho e sem teto. Certamente, Deus Nosso Senhor os recompensará por sua sensibilidade pelos problemas dos seus semelhantes, solidarizando-se, através de medidas concretas, não poupando esforços para a promoção social na cidade e no campo, dos trabalhadores e suas famílias.

4. Não, caros brasileiros, não é uma utopia!

Deus quer que os homens vivam como irmãos!

Permiti-me insistir no tema da Campanha da Fraternidade proposto pelo Episcopado brasileiro para este ano: Solidários na dignidade do trabalho! Na Mensagem transmitida pela Televisão, dizia a todos que “o homem deve procurar encarar seu trabalho, não só como instrumento indispensável para o progresso da sociedade e meio mais eficaz para o relacionamento humano, mas também como sinal do amor de Deus pelas suas criaturas e do amor dos homens entre si e com Deus”. Mas como isso acontecerá se não houver doação mútua, generosidade, solidariedade?

Quando se pensa que todos têm o direito a alcançar os bens necessários para uma vida digna e atingir o seu fim proposto por Deus, compreende-se a angústia, e mesmo a impaciência, de muitos cidadãos de vosso País que não se conformam com a injustiça pessoal e social em tantos setores da sociedade. Todos estão exigindo que se faça justiça e se cumpra o direito, que os bens da terra sejam repartidos e que as vidas humanas sejam respeitadas. Elas são santas, porque vêm de Deus, e não podem ser tratadas como simples coisas, através das inúmeras formas de intolerância e de discriminação. Todos clamam por moradia digna, por condições de trabalho protegidas por leis justas e efetivamente cumpridas, por uma política de saneamento eficaz, um atendimento hospitalar e um amparo à velhice justo e responsável. Os cristãos, como exigência de sua fé e de sua fidelidade a Cristo, que nos faz ver seu rosto divino no pobre, no faminto, no homem da rua ou no prisioneiro, devemos ser os primeiros nesta missão. Ela não possui motivações ideológicas ou políticas. Ela é a expressão de nosso amor e serviço a Cristo em nossos irmãos. Somente assim a família brasileira poderá ser essa “Igreja doméstica”, onde a paz e a harmonia reinarão, tornando-se o berço de uma sociedade cristã.

5. Queridos irmãos e irmãs de Alagoas e do Brasil!

De vossa bela terra que deu tantos filhos ilustres à pátria, quero elevar a Deus minha prece pelo homem brasileiro que precisa de trabalho e de teto. Deus ilumine a todos, de modo especial aos que conduzem os destinos do país, para que encontrem caminhos sábios e eficazes na solução de problemas do trabalho e da moradia. Um país tão jovem precisa cada ano de ver crescer os postos de trabalho. Um país de tal expressão demográfica, necessita com urgência de uma política habitacional inteligente, baseada no fato evidente de que a casa não é algo mais, mas um componente fundamental de qualquer política autêntica! Retribuo de todo coração as palavras de saudação que enviou através de vós o Senhor Presidente da República. Todos sentimos sua presença aqui.

Agradeço ao querido irmão no Episcopado, Dom Edvaldo Gonçalves Amaral e a todos os Bispos aqui presentes a acolhida fraterna ao Bispo de Roma e Sucessor do Príncipe dos Apóstolos. Felicito a Arquidiocese de Maceió, por ocasião do nonagésimo aniversário de sua instalação, com a posse do primeiro Bispo de Alagoas, Dom Antônio Brandão. Possa a continuidade da obra de exímios pastores constituir um estímulo aos meus irmãos para prosseguir no caminho por eles empreendido.

Esta celebração da Palavra tem como cenário este conjunto habitacional que recebeu o nome tão sugestivo de “Virgem dos Pobres”. O Papa está feliz de estar em vosso meio, queridos Irmãs e Irmãos que aqui morais. O nome do vosso bairro me traz à lembrança uma presença permanente na minha vida e meu ministério: a Virgem Maria! Que Ela, a quem nesta cidade venerais de modo especial com a invocação Nossa Senhora dos Prazeres, vos abençoe a todos! Ela, a esposa de José, o carpinteiro de Nazaré, a Mãe de Jesus, proteja a todos os trabalhadores de Alagoas e do Brasil!

Ela, que não encontrou casa onde pudesse dar à luz seu filho Jesus, não permita que continue faltando a moradia digna para as famílias brasileiras. Ela vos faça sentir sempre sua proteção materna! Por sua intercessão, abençoo a todos os que estão comprometidos com a causa do Evangelho de Cristo nesta diocese, leigos, sacerdotes, religiosas e religiosos, diáconos e os seminaristas, esperanças da Igreja de Alagoas. Desejo, enfim, que esta bênção recaia sobre todas as autoridades aqui presentes, como os Governadores de Alagoas e de Sergipe, a fim de que Deus lhes dê a força necessária para servir ao povo brasileiro.

948 Deus vos abençoe a todos!

6. “No fim da tarde o dono da vinha disse ao administrador:

Chama os operários e paga-lhes o salário, começando pelos últimos até os primeiros” (
Mt 20,8).

A parábola dos operários da vinha tem como tema o trabalho humano, que conforme os princípios da justiça requer um pagamento adequado. Mas, ao mesmo tempo, esta parábola apresenta a imagem do conjunto da vida humana sobre a terra. A vida do homem no seu conjunto orienta-se para a justiça definitiva, que é superior à da terra. Nós cremos, e esta é uma das verdades fundamentais da fé, que Deus premia o bem e castiga o mal. O critério para entrar na glória do seu Reino é o serviço ao irmão necessitado, presença viva de Cristo entre nós, no amor e na justiça (cfr. Mt Mt 25,31-46).

A parábola do Evangelho confirma esta verdade. Mas ao mesmo tempo, a supera. Assim se explica que os operários da primeira hora reclamassem, porque não receberam salário maior. O que Deus, Senhor da grande vinha da história, quer oferecer-nos, na eternidade do seu Reino, supera qualquer proporção com a justiça terrena. O que “nem o olho viu, nem o ouvido ouviu, nem entrou no coração do homem, é o que Deus preparou para aqueles que o amam” (1Co 2,9). Este é, sem dúvida, o Dom sobrenatural, o dom da participação na vida íntima da Santíssima Trindade, quando veremos a Deus face a face.

7. Caros Irmãos e Irmãs, procurai acolher aquela exortação que São Paulo dirigia aos Colossenses, e que hoje repete para nós:

“Tudo o que fizerdes, em palavras ou em obras, fazei em nome do Senhor Jesus Cristo, dando graças a Deus Pai” (Col 3,17).

Tudo o que fizerdes, fazei-o de boa vontade, como quem o faz para o Senhor e não para os homens, sabendo que recebereis do Senhor a herança (eterna) como recompensa”(Ibidem 3, 23)

Sim. Recebereis a herança!

“Servi, portanto, a Cristo Senhor” (Ibidem 3, 24)!

Amen!



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AOS FIÉIS DE SÃO SALVADOR DA BAHIA


NO DOMINGO DAS MISSÕES


949
Domingo, 20 de Outubro de 1991




Nossa alma espera no Senhor (
Ps 33,20).
Senhor, esteja sobre nós a tua graça”(Ps 22).

1. Assim reza o Salmista. Assim ergue a Deus o seu grito em nome do seu povo, do Povo que o Senhor e Deus verdadeiro escolheu e envolveu com sua graça. Muitas vezes, Deus deu a conhecer a este Povo a graça da sua eleição e vocação na história de toda a grande família humana. Dizia a este Povo: “Eu sou o Senhor teu Deus, que te fez sair do país Egito, da condição de escravidão: não terás outros deuses diante de mim” (Ex 20,2-3). Assim falava Deus ao povo eleito estabelecendo com ele um Aliança e manifestando-lhe sua vontade, por meio de Moisés, no sopé do monte Sinai.

“Senhor, esteja sobre nós a tua graça”. Será só em nome do seu povo - Israel - que o Salmista eleva o seu grito ao Senhor? Não estará presente no seu grito a voz de todos os povos e de todos os homens em toda a terra? À espera do Senhor, não estão as almas de todos? Não esperavam pelo Senhor, o Deus verdadeiro, as almas de todos os homens e povos, que habitavam no grande Continente americano, antes mesmo que aqui desembarcassem os Apóstolos chamados pelo Senhor - os apóstolos da graça e da salvação?

2. “Esteja sobre nós a tua graça”...

A graça, isto é, o amor da divina eleição, abraça todos os homens no Verbo eterno: o Filho consubstancial ao Pai. Do Pai e do Filho, procede eternamente o Espírito, Sopro salvífico de amor, com o qual Deus envolve e penetra toda a criação e, de modo peculiar, as almas dos homens criados à imagem e semelhança de Deus.

Isso acontece, por obra do Filho que se fez Homem, o divino Emanuel: “Cresceu como um rebento diante dele e como uma raiz em terra árida” segundo as palavras do profeta Isaías (Is 53,2). Cresceu na história da humanidade como o Filho da Virgem de Nazaré, Maria, a qual, em virtude do Espírito Santo, O concebeu e O deu à luz. N’Ele, o Deus eterno e inefável deu cumprimento às esperanças do homem: “O olhar do Senhor vela sobre quem o teme, sobre quem espera na sua graça” (Ps 33,18); em Cristo, Deus e Homem se deteve em cada homem “para livrá-lo da morte e nutri-lo no tempo da fome” (Ps 33,19).

Cumpriu-se tudo isso por obra da cruz, como anunciava o mesmo profeta Isaías, quando afirmava: “Aprouve ao Senhor prostrá-lo com padecimentos. Quando se oferecer, a si mesmo, em expiação... cumprir-se-á por meio dele a vontade do Senhor. O justo meu servo justificará a muitos, tomará sobre seu dorso suas iniqüidades” (Is 53,10-11).

Assim, pois, o Filho consubstancial ao Pai, Deus nascido de Deus e Luz nascida da Luz, como Homem nascido de uma Virgem, tornou-se servo: servo da santidade de Deus, servo dos desígnios eternos e salvíficos de Deus. Servo da nossa eterna salvação, de nós homens, de todos os homens.

Quando contemplamos o Crucificado, cumpre-se aquilo que Isaías profetizava. Aqui, diante de nós está Cristo: “Desprezado, rejeitado pelos homens, homem das dores”(Is 53,3). Ei-lo diante de nós, o Cristo, servo da eterna salvação do homem, de todos os homens, povos e nações.

950 Deste modo Ele se tornou, como proclama o Apóstolo na Carta aos Hebreus, sumo sacerdote, o único sumo sacerdote de toda a história do Cosmos, da história do homem no mundo, em todos os Continentes.

3. Ao ordenar aos seus apóstolos com persuasiva clareza, “Ide” (
Mc 16,15), e ao assegurar-lhes “Eu estarei convosco” (Mt 28,20), o Messias crucificado e morto, mas ressuscitado, os constituía, sem reserva e sem retorno, arautos, testemunhas e comunicadores da graça salvífica, outrora invocada pelo Salmista, prometida pelos profetas, agora garantida por Ele, Filho do Pai Eterno. Aos quatro horizontes correram os Doze, portadores da salvação e impelidos no mais íntimo de si próprios pela urgência de anunciá-la como “boa notícia” e como fonte de vida.

Também, às costas da América, há 500 anos, às costas da terra que chamaram Vera Cruz e Santa Cruz, antes de chamá-la Brasil, foram chegando em levas sucessivas, os mensageiros e ministros da graça da Salvação. Sacerdotes do clero diocesano, franciscanos e dominicanos, carmelitas e mercedários, beneditinos e jesuítas, precederam muitos outros. Eles assumiram corajosamente estas terras imensamente vastas, como campo de sua missão. Eles deram início, sem a mínima demora, à tarefa da evangelização por eles entendida como anúncio claro e explícito de Jesus Cristo, seu nome, sua pessoa, sua boa nova salvífica, suas normas de vida. Mas também para conviver com os habitantes destas plagas, defendendo seus direitos e promovendo sua dignidade de seres humanos. A gesta destes homens, teve rasgos de heroísmo, de solidariedade humana e, ao mesmo tempo, ardores de caridade sobrenatural, de fé contagiante, de zelo apostólico abrasador.

Evocando esta epopéia missionária da primeira evangelização aqui, neste solo generoso e sob o céu da Bahia, não posso deixar de pronunciar um nome que é todo um programa: o do Padre José de Anchieta, merecidamente cognominado “o Apóstolo do Brasil”. Eu tive a íntima satisfação de elevar às honras dos altares, beatificando-o na Basílica Vaticana, poucos dias antes da minha primeira viagem ao Brasil, este filho de Tenerife que, entrando na Companhia de Jesus e vindo pouco mais que adolescente à Terra da Santa Cruz, aqui viveu vida santa e apostolar, toda dedicada à educação humana e cristã dos índios em meio a sofrimentos e tribulações de toda ordem. Como Superior da Companhia, ele passou anos da sua existência nesta Cidade do Salvador, antes de morrer, consumido pela fadiga mais do que pela idade, junto ao mar de Reritiba, no Estado do Espírito Santo, que ontem visitei.

4. Aqui onde teve início e primeiros desdobramentos a obra evangelizadora, mais do que questionar o passado, devemos interrogar-nos sobre o presente. Mais do que perguntar-nos como foi, que obstáculos enfrentou, que limites e condicionamentos conheceu a primeira evangelização, devemos e queremos deixar-nos interpelar pela segunda evangelização da qual somos protagonistas.

A indagação que deve provocar-nos de modo particular neste Domingo de outubro, tradicionalmente consagrado às Missões, é uma das que registrei na recente Encíclica “Redemptoris missio”. Vós, baianos, homens e mulheres, anciãos, adultos, jovens, adolescentes e crianças, letrados ou de pouca instrução, vós, de que modo continuais a obra dos vossos pais na fé? Que é feito da missão e da evangelização, que deve apresentar-se como nova evangelização, em Salvador e na Bahia de hoje?

Aqui na Bahia oferece-se de imediato, evidente, iniludível, o “mundo” dos que se afirmam cristãos e católicos por origem familiar, pelos sacramentos que receberam, pela prática mais ou menos freqüente das normas e preceitos da Igreja. Entre eles, há os mais empenhados na comunidade eclesial, na sua vida e atividade, como também os que padecem da insuficiente formação religiosa e são, por isso, vulneráveis às superstições, ao sincretismo religioso, ao fascínio de grupos ou correntes religiosas incompatíveis com a fé católica. Este mundo religioso de grandes proporções, no qual se insere a complexa realidade da religiosidade popular com suas várias facetas, tem urgente necessidade de perseverante e cuidadoso atendimento e clama por ele com uma resignação urgida de dramático sofrimento espiritual.

Um outro “mundo”, não menos necessitado é dos indiferentes; dos que foram católicos num passado mais ou menos recente, mas por falta da presença ativa de Pastores, pela turbulência da vida, pela influência dos estudos e leituras, pela negligência, abandonaram toda prática religiosa. É muito grande o número dessas pessoas ligadas à sua fé original, somente pelo tênue vínculo de uma prática religiosa esporádica.

Há também o “mundo” dos marcados pelo ateísmo ideológico ou pelo ateísmo prático - do hedonismo e do consumismo -, pelo secularismo, pela total ausência de um referencial religioso. Fazem parte deste “mundo”, predominantemente elementos das classes superiores, sobretudo jovens ou jovens-adultos das Universidades, engajados em atividades decisionais na sociedade. Sente-se a urgente necessidade de inserir o Evangelho neste “mundo” do qual, queiramos ou não, provêm em grande parte os grandes rumos da vida política, social, econômica e cultural de uma Cidade, de um Estado, de um País.

5. Mas o Domingo das Missões, desperta na nossa consciência também o dever missionário “ad gentes”.

O senso desse dever, quando vivido com certa plenitude, produz hoje um resultado: as Igrejas mesmo pobres, dão da sua pobreza a outras mais pobres ainda. Neste sentido, o documento de Puebla traz esta afirmação de enorme alcance: nosso Continente é missionário, no sentido de precisar ainda, e muito, da contribuição missionária de outros países. É missionário também porque, no interior do próprio País, missionários de uma região mais dotada de recursos e de pessoas dão a outras mais carentes; é missionário enfim, porque já se começa a enviar missionários “ad gentes” a outros Continentes.

951 Estou informado de que já centenas de sacerdotes, leigos e religiosos brasileiros aceitaram a missão “ad gentes” e hoje estão em terras distantes, comprometidos com a ação missionária em todas as suas dimensões. Ofereço o meu mais claro e vigoroso incentivo, de um lado ao programa “Igrejas-irmãs”, válido instrumento do mandato missionário no interior do próprio País, e, de outro lado, aos programas de “missões ad gentes” a partir do Brasil.

6. Sinto, neste ponto da homilia, o impulso interior de dirigir-me a toda a Igreja peregrina no Brasil inteiro. Peregrina nos Estados e Territórios que não me foi ainda possível visitar, a cujos Pastores, Governantes e Povo envio daqui a minha Bênção Apostólica mais escolhida: o pequeno e querido Sergipe, geograficamente próximo da Bahia e eclesialmente unido no Regional Nordeste III, com sua Arquidiocese e dioceses sufragâneas. Acre e Rondônia, Amapá e Roraima. Peregrina em cada cidade, aldeia e povoação; em cada Comunidade Eclesial de Base, Paróquia e Diocese. Em cada fábrica, mina, gleba ou fazenda, escola ou universidade. Em cada família acalentada pela felicidade e pela alegria, ou batida pela dor e pelo luto. Peregrina nos hospitais e nas prisões, nos estádios e nos lugares de divertimento honesto e sadio. A esta Igreja peregrina na esperança, comunhão de fé, amor, oração e serviço mútuo entre Pastores e fiéis, exorto: “Sê no meio do mundo, testemunha fiel e confiável da imensa ternura de Deus para com a Humanidade!”.

À Igreja que se constrói cada dia na Arquidiocese de Salvador e no Estado da Bahia, ao seu Cardeal Arcebispo, Dom Lucas Moreira Neves e aos demais Bispos, Presbíteros e Diáconos, pessoas consagradas e leigos, quero deixar, por ocasião deste segundo encontro, a expressão da minha afeição e a minha Bênção Apostólica, especialmente para os mais pobres e carentes, os mais necessitados e esquecidos. O Filho de Deus, o Senhor do Bonfim, a cujos pés me prostrei em adoração esta manhã, abençoe Salvador e a Bahia, os responsáveis pelo bem comum e toda a população.

7. Encontrando-nos, pois, neste momento histórico - verdadeiro “kairos” - da evangelização e da missão “ad gentes”, é preciso escutar as palavras dirigidas por Jesus Cristo aos Apóstolos, e em particular aos dois filhos de Zebedeu, Tiago e João: “Podeis beber o cálice que eu bebo e receber o batismo com o qual sou batizado?” (
Mc 10,38).

Podeis tomar parte da cruz salvífica da redenção? Estais dispostos a perseverar sob o poder do Espírito de verdade, mesmo passando pelos trabalhos e sofrimentos, mediante o ministério da palavra e da caridade? Sob o poder do Espírito que se doa aos corações humildes e fortes?

E Cristo continua: Não penseis nas honrarias deste mundo, nas grandezas terrenas. “Quem quiser ser grande no meio de vós, deve tornar-se vosso servo” - servo de todos. “O Filho do homem, com efeito, não veio para ser servido, mas para servir e dar a própria vida em resgate por muitos” (Mc 10,43-45).

Um dia Cristo perguntou aos Apóstolos: “Podeis?” - e estes responderam: “Podemos” (Mc 10,39).

Hoje, o mesmo Cristo vos pergunta - a vós, baianos, a vós, brasileiros -, a vós que sois o Povo de Deus e a Igreja do Deus vivo: “Podeis colocar-vos, para o vosso bem e o bem de vossos irmãos e irmãs, ao serviço da minha palavra e dos meus sacramentos, da minha Boa Nova de salvação, ao serviço da Esperança que vim trazer e do Amor que vim acender para que abrase o mundo? Podeis, vós jovens, renunciar aos ídolos do ter, do poder e do prazer e dar testemunho de perfeita adesão a mim, aceitando seguir-me pelos caminhos da vida consagrada e do ministério diaconal e presbiteral? Podeis abraçar o chamado que, neste sentido vos faço: “Vem e segue-me!”, como diz a cada um dos Doze? Podeis entregar o melhor de vossa vida aos pobres, aos doentes, aos marginalizados, aos pecadores, aos distantes de Mim e de meu Pai?

Seja a vossa resposta também: “Podemos, Senhor! Não por nossa capacidade, mas por vossa graça. Podemos, tudo podemos em vós que nos dais força!”(Cfr. Fl Ph 4,13).






Homilias JOÃO PAULO II 944