Homilias JOÃO PAULO II 951

1992



VIAGEM PASTORAL DO PAPA JOÃO PAULO II

A ANGOLA E SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE



DURANTE A CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA


AOS FIÉIS DA ARQUIDIOCESE DE HUAMBO


Sexta-feira, 5 de Junho de 1992




Não serás mais chamada a "Desamparada"” (Is 62,4).

952 1. É assim que o Deus da Aliança fala ao Seu povo, ao povo do Antigo Testamento e a nós, povo baptizado da Nova Aliança em Cristo. Nunca mais te darão o nome de “Desamparada”, ó cidade santa de Jerusalém!

O povo do Antigo Testamento fora libertado da escravidão do Egipto. Mas depois, devido aos seus pecados, caiu em duro exílio, longe das tradições pátrias, longe do culto do seu Deus. Mas pôde regressar: Deus não desampara aqueles que ama, Ele é Pai de todos.

Agora e aqui, quero dirigir a vós, gente da terra de Angola, as palavras do profeta Isaías, proclamadas na primeira leitura de hoje. Nesta primeira Eucaristia que me é dado celebrar na vossa Pátria, repito, como afirmação e como voto, as mesmas palavras do Profeta: Que tenha definitivamente terminado para ti, querida Angola, o tempo do teu desamparo! Fique para sempre no passado este período doloroso de destruição. Vence as tentações que induzem a prolongar o conflito armado, fonte de ruínas e de inúteis sofrimentos. Comece agora, decididamente, o tempo da reconstrução: reconstrução da paz e da consciência nacional, do bem-estar e das estruturas sociais, do espírito fraterno entre todos os teus filhos!

Nesta Santa Missa, o Papa reza pela justiça e pela paz em Angola. Reza em união com todos os filhos e filhas desta grande Nação. Juntos, demos graças, porque houve a coragem de pôr o bem do povo à frente de qualquer outra consideração. Confiemos ao amor da Divina Providência a nova etapa e a obra da reconstrução agora iniciada.

2. Apesar de a minha Visita ficar limitada à parte ocidental do país, o meu afecto e a minha oração vão para o povo de todas as Dioceses de Angola. Abraço antes de mais o povo desta circunscrição eclesiástica do centro do país, o Huambo, e com ele Kwito-Bié e Lwena, além de Benguela que visitarei mais tarde. Saúdo o Senhor Arcebispo do Huambo, Dom Francisco Viti, bem como todos os convidados a esta celebração. Uma saudação também para os sacerdotes, religiosos e religiosas, dedicados e heróicos catequistas e famílias cristãs destas Dioceses. Evocamos juntos aqueles que vos precederam na fé, e estão juntos connosco na Comunhão dos Santos: os missionários, dezenas deles sepultados ao lado das várias Missões deste planalto central. Evocamos também os catequistas falecidos, os vossos “mais velhos” que vos transmitiram a fé, a qual foi acolhida pelo bom povo desta região de Angola de maneira tão generosa.

Não podemos deixar de lembrar também perante o Senhor e sufragá-los, aqueles irmãos e irmãs que nesta martirizada parte de Angola foram vítimas, muitas vezes inocentes, da confrontação ideológica e da guerra: milhares e milhares de pessoas. Saúdo-te e peço a bênção para ti, gente do Bailundo, tão marcada pelo sofrimento; gente do Kwito-Bié, do Kwito-Canavale e de toda essa imensa região até Lwena e a fronteira do país. Saúdo-te, gente do Sambo, de Sangueve, do Cuima e de Caconda, do Quipeio e da Ganda, até às terras do litoral: gente das grandes e fervorosas comunidades cristãs deste planalto central, e terra de sofrimento! Dos quatro cantos da Nação, ouvimos um grito, que é um apelo ao mesmo tempo de reconciliação e de esperança: nunca mais a guerra! Paz a Angola, paz a Angola para sempre!

3. “Os nossos olhos estão postos no Senhor nosso Deus, até que Ele tenha piedade de nós” (
Ps 123,2 Ps 123,

A família angolana precisa da graça de Deus, para sanar as feridas provocadas pelo pecado da guerra e do ódio. Ela precisa de Deus para ter a necessária força de alma e superar as dificuldades que se levantam no seu caminho. E, por isso, “nossos olhos estão postos no Senhor”.

Angola precisa igualmente da ajuda solidária e desinteressada da comunidade internacional. No passado, se houve quem empurrasse o país para o desentendimento, também houve países e organizações internacionais que aliviaram generosamente o sofrimento do povo angolano. “Felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia” – disse o Senhor (Mt 5,7). Agradecendo as ajudas do passado, lanço um apelo para que Angola continue a ser internacionalmente ajudada.

Mas Angola precisa sobretudo de se ajudar a si própria. Queridos angolanos: é com o trabalho, com a honestidade, com a solidariedade entre todos, sem olhar se o vizinho é do Norte ou do Sul, com o amor à Pátria, com o cultivo das virtudes sociais, que o vosso País se poderá desenvolver e alcançar o lugar de relevo que lhe compete no concerto das Nações.

“Os nossos olhos estão postos no Senhor” e, por isso, nós temos confiança. O Senhor há-de ajudar-vos a realizar a reconstrução das consciências e da fraternidade social, a reconstrução das estruturas necessárias ao funcionamento da Nação.

953 4. “Opus iustitiae pax”.

Porém, “a paz é fruto da justiça” (
Is 32,7).

Temos de reconhecer que os longos anos de guerra geraram hábitos que inclinam à confrontação, quando é a colaboração que é necessária. Além disso, afastar Deus da vida, da família, da educação, da sociedade, leva ao empobrecimento humano da pessoa. A importação de hábitos e costumes não consentâneos com a vossa identidade cultural, que é religiosa, enfraqueceu o sentido dos grandes valores morais que fazem parte da vossa tradição. Para restaurar a paz, há que repor a justiça: a justiça da verdade, a justiça da igualdade social, a justiça da solidariedade fraterna.

É a procura do bem comum que deve nortear a dedicação dos Responsáveis pela vida pública e social, tal como deve inspirar o contributo de todos para o progresso da Nação. O povo de Angola já manifestou, aos responsáveis pelo presente e pelo futuro do país, o seu profundo reconhecimento pela coragem e lucidez com que lançaram o difícil processo da reconciliação nacional. A nossa oração sobe a Deus nesta Eucaristia, a fim de que possam gerir frutuosamente o espinhoso tempo de transição, encaminhando Angola para uma justiça integral.

A Igreja, como declarei várias vezes em Documentos de natureza social, não tem por missão propor um modelo típico de organização social; tais realidades dependem das circunstâncias e das características de cada povo (Centesimus Annus CA 43). Mas na sua Doutrina Social, a Igreja fornece motivação e orientações de fundo para toda a organização social que queira ser justa.

Na base da Doutrina Social da Igreja, está a consciência da dignidade e valor da pessoa humana e das comunidades naturais, como a família. Segundo a verdade cristã, a pessoa humana é sagrada por vários títulos: porque tem dentro de si o selo de Deus, que a criou à Sua imagem e semelhança; porque tem uma vocação divina de comunhão com Deus; porque Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, se fez em tudo igual a nós, excepto no pecado (He 4,15). Ao longo da Sagrada Escritura, perpassa a ideia forte do valor e dignidade da pessoa. Daí a Igreja retira a sua sensibilidade perante o valor sagrado da pessoa humana, o que lhe permite ser tida como “entendida em humanismo” (Sollicitudo Rei Socialis SRS 7).

No seguimento de Cristo, seu Mestre, amigo de todos, em especial dos mais fracos e dos marginalizados, morrendo por todos para a todos salvar, a Igreja entende que a pessoa humana, na sua dimensão pessoal e comunitária, no que ela é e no seu desenvolvimento, deve ser o ponto de referência para a organização da sociedade e da economia, para a elaboração das leis, para o ordenamento das relações sociais, para a distribuição dos bens da Comunidade Nacional. Se analisarmos bem os direitos humanos e os deveres correspondentes consignados, por exemplo, na Declaração Universal dos Direitos do Homem, e outros que lhe podíamos juntar, mesmo tendo como fundamento imediato a natureza humana criada por Deus, eles evocam os dez Mandamentos da Lei de Deus e as normas do Evangelho. São, na verdade, um valor cristão, em consonância com o Evangelho da nossa fé. Com imensa consolação, nós cristãos vamo-nos dando conta de como o Evangelho se vai tornando o fermento da humanidade na criação do Homem Novo e na construção do Reino de Deus. Verdadeiramente o Evangelho é em si mesmo fermento: importa que o façamos levedar!

A História, porém, ensina que nem sempre as Nações respeitam os direitos fundamentais da pessoa, mesmo quando assinaram a Declaração Universal. De há séculos para cá, a história de Angola também regista graves violações dos direitos pessoais e colectivos. O ambiente gerado nos últimos anos levou a excessos que todos desejamos não aconteçam mais, nesta nobre Nação. Mal seria para a Nação, se viesse a instalar-se ainda em Angola alguma discriminação por motivos de pertença religiosa, justificando-a com erros e injustiças do passado.

5. A justiça, porém, é imperfeita sem o amor. Por isso, um outro fundamento seguro para os direitos humanos da pessoa, escutámo-lo na leitura do Evangelho desta Eucaristia: durante a Última Ceia, na hora suprema do derradeiro encontro, Jesus falou assim aos Seus discípulos: “Dou-vos um Mandamento novo: que vos ameis uns aos outros... Nisto conhecerão que sois Meus discípulos, se vos amardes uns aos outros” (Jn 13,34-35).

É necessário que ressoe por todo o lado este mandamento de Jesus, capaz de renovar a humanidade. Deus fez o homem, irmão de todos os outros homens. Pela Sua encarnação, Jesus tornou mais forte o apelo a esta comum fraternidade. Pela Sua morte e ressurreição, Ele lançou o movimento da Redenção da fraternidade original. É função da Igreja e dos cristãos chamar os homens e os povos à reconciliação e ao amor. Tantos séculos de convivência entre os homens, e ainda tanto ódio, tanto fanatismo, tanta destruição, em olhos que não querem ver e em corações que não querem amar.

Compreendo bem e partilho a impaciência de tantas vidas à procura da justiça e da paz. E dirijo o olhar para Cristo, convidando-vos, em Seu nome, a escutar e a pôr em prática o mandamento novo do amor: “amai-vos uns aos outros, tal como Jesus vos amou”. Neste mandamento, têm apoio e resumem-se os deveres correspondentes aos direitos do próximo: o respeito pela sua liberdade, pelo direito ao próprio desenvolvimento, por aquilo que é necessário à sua vida social e espiritual. O amor fraterno conduz à solidariedade, ao perdão das ofensas, à superação das discriminações. “Nisto conhecerão que sois Meus discípulos, se vos amardes uns aos outros”.

954 Caros angolanos: os vossos Pastores, várias vezes, vos chamaram à reconciliação e à paz. O apelo tem sido e é ainda a voz de quem vos ama e sofre com os sofrimentos da Pátria. Cabe à Igreja a missão de iluminar as situações, denunciar as injustiças, apontar pistas de vida e comunhão, pois que ela está ao serviço da pessoa e da comunidade. Ela quer continuar a ajudar-vos nos caminhos da reconciliação e do entendimento nacional.

6. Diz o Deus da Aliança: “Por amor de Sião, eu não me calarei, por amor de Jerusalém não terei sossego, até que a Sua justiça brilhe como a aurora e a sua salvação como um facho brilhante” (
Is 62,1).

Deus e Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, Redentor de todos os homens, deseja a justiça e a paz para cada povo e nação. Deseja-a para vós, angolanos, deseja para vós a paz e a justiça.

Sejam abençoados todos quantos estão contribuindo para a obra da justiça e da paz na vossa Pátria. Sejam abençoados todos quantos abrem o seu coração a Deus, para serem agentes da paz e do amor, nesta querida Nação que é Angola.



VIAGEM PASTORAL DO PAPA JOÃO PAULO II

A ANGOLA E SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE



DURANTE A CELEBRAÇÃO DA PALAVRA


AOS FIÉIS DA ARQUIDIOCESE DE LUBANGO


Sexta-feira, 5 de Junho de 1992




Reine em vossos corações a paz de Cristo, à qual fostes chamados, em um só corpo, e mostrai-vos agradecidos” (Col 3,15).

Meus caros irmãos e irmãs em Cristo,
Estimadas famílias angolanas,
Queridos meninos e meninas,

1. Estas palavras do apóstolo São Paulo, proclamadas na presente Celebração, convidam-nos a entoar um cântico de louvor ao Senhor, pela graça maravilhosa da nossa vocação cristã. Essa graça reconciliou-nos com Deus e fez de nós um só Corpo, a Igreja. Em nome de Jesus Cristo e como Sucessor de Pedro, vim a esta província eclesiástica do sul de Angola, com o centro nesta arquidiocese de Lubango.

Queridos cristãos da arquidiocese de Lubango, e das dioceses de Menongue e de Ondjiva, o Papa está convosco! No meu coração, alterna-se a alegria de vos ver com o desejo de convosco dar graças ao Pai do Céu que vos sustentou admiravelmente na vossa dedicação a Jesus Cristo, como há pouco lembrava o venerado Irmão, Dom Manuel Franklin da Costa. Agradeço-lhe a saudação que me dirigiu.

955 O meu abraço fraterno vai para toda a gente da Huíla, do Cubango, do Cunene e do Namibe, com uma saudação deferente às suas Autoridades. Saúdo, em particular, as famílias daqui e de Angola inteira, a quem dedico agora a minha palavra de Pastor universal; com a palavra do Senhor que vos trago, quero confirmar-vos no papel que é próprio da família cristã de transmitir e defender a vida, e na sua tarefa de construir um novo mundo de paz.

2. Em África, a família é altamente considerada e o casamento foi sempre concebido como algo de muito importante. A evangelização veio, sem dúvida, completar tais bens com a graça de Cristo Redentor, ao elevar o matrimónio a sacramento, e a família a “santuário doméstico da Igreja” (Apostolicam Actuositatem
AA 11). Porém, influências estranhas e os acontecimentos dos últimos anos vieram causar males enormes ao casamento e às famílias de Angola.

Por um lado, a guerra dispersou as famílias, desuniu, foi ocasião para que a vida dos casais se complicasse; separou crianças dos pais ou privou-as deles. A perda das raízes pelo facto de se desconjuntar o mundo rural, e a emigração dos jovens para as cidades afectaram também a solidez familiar, tradicionalmente defendida pela atenção dos “mais velhos”.

Por outro lado, os valores familiares angolanos foram postos à prova por ideias e costumes vindos de fora, os quais propunham desviar o amor entre o homem e a mulher do seu verdadeiro sentido, em prejuízo da sua dimensão de comunidade duradoura de vida e de amor.

Queridos “casados”, não tenhais medo de ser “sinal de contradição”, à semelhança de Cristo, neste mundo que tudo quer permitir e só pensa em gozar; e assim às vezes “rejeita a indissolubilidade matrimonial e ridiculariza abertamente o empenho de fidelidade dos esposos” (Familiaris Consortio FC 20). Ora pensar só no corpo do outro ou na utilidade que a sua pessoa possa ter, não é amor; é egoísmo e exploração. O amor é querer bem à pessoa do outro, mais do que a si próprio; interessar-se pela pessoa do outro e querer partilhar com ela o peso e as alegrias da vida.

3. Para chegar a viver este ideal tão nobre e exigente, é preciso que haja uma adequada preparação daqueles que, por vocação, são chamados ao matrimónio. Os primeiros missionários sentiram este apelo e levaram-no a sério, quando, há mais de um século, aqui vos anunciaram a Boa Nova cristã. Eles começaram por cuidar particularmente dos primeiros matrimónios entre aqueles que acolheram, no seu coração bem disposto, o fermento novo da mensagem de Jesus Cristo. Pode-se mesmo dizer que os bons resultados da evangelização no sul de Angola se ficaram a dever ao cuidado com que os missionários se dedicaram à formação de famílias verdadeiramente cristãs. Pois bem! Como ontem, também hoje “a evangelização depende em grande parte da "Igreja doméstica"” (Familiaris Consortio FC 65).

Neste momento, renovo aqui para vós, famílias cristãs de Angola, o apelo por mim dirigido a todas as famílias do mundo: “Família, torna-te aquilo que és!” (Familiaris Consortio FC 17). Sim, aquilo que és “desde o princípio” (Cfr. Mt Mt 19,3-6), segundo o plano de Deus Criador e Redentor. Torna-te verdadeira comunidade de amor, duradoura e firme, onde a vida humana possa germinar e crescer!

4. A família possui um bem que lhe é próprio; os filhos. Ela tem como tarefa fundamental o serviço da vida: é o seu berço e primeira escola. O respeito pela vida é uma das características mais notáveis da tradição e da cultura africana, que aceita o casamento como ele é e como Deus o quis, fecundo por sua própria natureza. Meus irmãos e amigos, rejeitai de maneira resoluta, com a vossa palavra e com o vosso exemplo, a propaganda enganadora a favor do aborto; rejeitai a destruição criminosa de pessoas inocentes e indefesas. Jovens que vos preparais para a vida, respeitai sempre a maternidade! Recordai o que nos conta o Evangelho (Cfr. Lc Lc 1,41 Lc Lc 1,44), quando Jesus quis ser reconhecido por João Baptista, ainda antes de nascer; João Baptista alegrou-se e saltou de contentamento perante a presença de Cristo no seio virginal de Maria!

A defesa da vida estende-se por toda a duração da mesma, desde o instante da concepção até ao seu termo natural. Assim a educação é também defesa da vida, e o núcleo familiar deverá funcionar como transmissor fiel dos valores humanos e da fé cristã. Na verdade, “os pais, que transmitiram a vida aos filhos, têm uma gravíssima obrigação de os educar e, por isso, devem ser reconhecidos como seus primeiros e principais educadores. Esta função educativa é de tanto peso que, onde não existir, dificilmente poderá ser suprida” (Gravissimum Educationis GE 3). Estou a par das sérias dificuldades, que se vos deparam, nessa tarefa educativa, mas, com a graça de Deus, vós – o pai e a mãe juntos – podereis fazer da vossa família a primeira escola das virtudes humanas e cristãs.

Também neste ponto a influência da tradição antiga se está a perder. Antes, na aldeia, a família toda olhava pelo bom comportamento e pela educação dos filhos. As circunstâncias presentes têm enfraquecido essa influência da família dita “alargada”. Então aumenta a responsabilidade do pai e dos parentes mais próximos. Pais cristãos: tomai a sério a vossa obrigação de educar humana e cristãmente os vossos filhos. Eles são a vossa continuação. Dai-lhes do que tendes de melhor; uma consciência recta, uma vida cristã, a capacidade de serem membros úteis e preparados para a sociedade e o País.

Levantai os olhos para a Sagrada Família de Nazaré! Vede o estilo de vida oculta, que o Filho de Deus feito homem levava junto de Maria e de José. Diz o Evangelho: “desceu com eles, voltou para Nazaré e era-lhes submisso. Sua Mãe guardava todas estas coisas no seu coração. E Jesus crescia em sabedoria, em estatura e em graça, diante de Deus e dos homens” (Lc 2,51-52). Que a Sagrada Família vos conceda esta profunda maturidade humana e cristã. Condição necessária para tal, é que o vosso lar seja um lugar privilegiado de oração e de catequese viva, que faça crescer os filhos na sua vocação sobrenatural e os forme para os valores dignos do homem e da mulher. Então a vossa família será verdadeiramente uma “Igreja doméstica” (Lumen Gentium LG 11), onde encontrarão bom terreno para germinar e crescer as diversas vocações de que a sociedade e a Igreja precisam. Pais e mães! Às vezes esta vocação é de uma doação total ao serviço da Igreja como sacerdotes ou como consagrados na vida religiosa. Sabei discernir esta vocação, respeitai-a e colaborai para a sua realização.

956 5. Olhando aqui tantos dos vossos filhos e filhas, não posso deixar de lhes dirigir uma palavra: Queridos meninos e meninas, estar aqui convosco, neste momento, é uma alegria muito grande para mim. Antes de mais, quero dizer isto: em Roma, onde tenho a minha casa, quando vou visitar as paróquias, o encontro com as crianças é sempre um momento de muita alegria para mim. Sou amigo das crianças! E também sou amigo de vós todos! E vós: também sois meus amigos? Sois amigos do Papa?

Eu sou “mais velho” que vós. Posso ensinar-vos muitas coisas. Vós, se fordes bons, também podeis ensinar os “mais velhos”. Penso que andais na escola; penso que andais na catequese. É verdade? A catequese, a escola, os vossos pais e tios, o missionário, as Irmãs, o senhor Arcebispo, ensinam-vos o caminho de Deus. Eu também quero ensinar-vos o caminho de Deus. Quereis mesmo aprender o caminho de Deus?

O futuro vai ser bom para vós, se vós, com a ajuda dos vossos pais e dos vossos mestres, o preparardes bem. Preparar o futuro é aprender bem agora, é ter um coração bom, é gostar de ir falar com Jesus na igreja. Vós não gostais da guerra, pois não? Vedes! Tanta desgraça aconteceu, houve tanto sofrimento, agora há tantos meninos e meninas sem pai nem mãe. Então, eu quero dizer-vos para serdes bons, a fim de que nunca mais existam guerras.

Ser bom, às vezes custa. Tendes de rezar muito. Vós sabeis rezar? Olhai! Houve um dia três meninos, que viram Nossa Senhora; chamavam-se Lúcia, Jacinta e Francisco. Duas meninas e um rapaz. Rezavam muito; e então um dia Nossa Senhora começou a falar com eles. Nós chamamos a esses meninos os Pastorinhos de Fátima. Quantos eram? Eram três, sim. Como rezaram muito, foram muito bons. Quereis ser bons, como eles? Então rezai; rezai a Jesus, rezai a Nossa Senhora. E escutai os vossos pais e os vossos tios! Eu espero que eles só vos dão bons conselhos. Escutai também os catequistas, os vossos Mestres, e os missionários. E sede amigos uns dos outros. Está bem?

Eu também vou rezar, por vós e por todos os meninos e meninas de Angola. Estai certos de que o Papa é muito vosso amigo. Vou rezar para que todos sejam bons; para que ajudem o colega que perdeu o pai ou a mãe, ou passa necessidade. Vou rezar também para que as pessoas “mais velhas” vos dêem um País sem guerra, um país de paz e de progresso. Como não desejar a Bênção de Deus e a prosperidade para Angola, diante desta imensa riqueza que são as suas crianças – tão novas mas já tiveram de conhecer o sofrimento!

6. Em nome de Jesus, meninos e meninas, eu vos abraço a todos e abençoo. De coração, estendo a minha Bênção ao vosso pai e à vossa mãe, aos irmãos e a toda a vossa família. Abençoo todas as famílias de Angola, especialmente aquelas que mais sofrem ou foram mais sacrificadas nos últimos anos. Abençoo ainda os velhinhos e os doentes.

À Sagrada Família, eu consagro todos os corações e todos os lares angolanos, com os seus propósitos de fidelidade e de renovação. Obrigado, famílias angolanas, porque também vós quereis ser mensageiras da vida! Abri de par em par as portas do vosso lar a Cristo!

Ao terminar, deixo-vos a exortação do apóstolo São Paulo: “Tudo o que fizerdes por palavras ou por obras, seja tudo em nome do Senhor Jesus, dando graças por Ele, a Deus Pai” (
Col 3,17). Assim seja!



VIAGEM PASTORAL DO PAPA JOÃO PAULO II

A ANGOLA E SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE



NA PRAÇA DO PALÁCIO DO CONGRESSO


EM SÃO TOMÉ


Sábado, 6 de Junho de 1992




A palavra de Cristo permaneça em vós abundantemente” (Col 3,16).

1. Saúdo em nome de Cristo a Igreja que está nas Ilhas de São Tomé e Príncipe. Saúdo todos os que aqui se encontram com a palavra da verdade divina revelada ao mundo em Jesus Cristo. Que a Sua palavra, com toda a sua riqueza permaneça em vós – esteja convosco, Irmãos e Irmãs, amados no Senhor.

957 Saúdo também o querido bispo Dom Abílio Ribas e os sacerdotes, religiosos e religiosas que o acompanham na edificação do Reino de Deus. “A graça do Senhor Jesus Cristo seja com o vosso espírito” (Ph 4,23).

2. A verdade divina contida no Verbo Incarnado é ao mesmo tempo a mais completa verdade sobre o homem. O homem criado à imagem e semelhança de Deus, Seu Criador, recebeu, como lemos no livro do Génesis, o poder de dar o nome a todas as criaturas. Dar o nome, quer dizer, ao mesmo tempo, governar as criaturas no mundo visível, conforme as leis do conhecimento e da sabedoria que estão em Deus e provêm de Deus. A eterna Sabedoria significa, quanto às criaturas, a Providência, e o homem que participa desta Providência, a ela se submete e, ao mesmo tempo, coopera com ela.

Neste sentido, adquire particular significado a sua participação no poder criador de Deus quando ele se torna colaborador para a geração e a educação de novos seres que a Providência divina quer trazer ao mundo.

Saber-se amado por Deus, contribuindo para a edificação do Seu Reino neste mundo, é motivo de viva alegria e de esperança para quem, homem e mulher, inicia uma vida a dois. Mais ainda quando considera que o matrimónio foi elevado à dignidade de Sacramento por Cristo Nosso Senhor, para sanar, aperfeiçoar e elevar o amor dos cônjuges com um dom especial de graça e caridade (Cfr. Gaudium et Spes GS 49).

Ao criar o homem e a mulher, Deus inseriu-os no mundo com uma particular vocação à comunidade e à união.“Por isso, o homem deixará o pai e a mãe para se unir à sua mulher; e os dois serão uma só carne” (Gn 2,24). Porém, para um cristão, o matrimónio não consiste num simples remédio criado pelos homens para ordenar e regular as relações domésticas na sociedade civil: é uma autêntica vocação, uma chamada à santificação dirigida aos cônjuges e aos pais cristãos. Sacramento grande em Cristo e na Igreja, diz São Paulo (Ep 5,32), sinal sagrado que santifica, acção de Jesus que se apossa da alma dos que se casam e os convida a segui-l’O, transformando toda a vida matrimonial num caminho divino sobre a terra.

Precisamente por isto, é útil recordar aqui que “o dom do sacramento é, ao mesmo tempo, vocação e dever dos esposos cristãos, para que permaneçam fiéis um ao outro para sempre, para além de todas as provas e dificuldades, em generosa obediência à santa vontade do Senhor: "O que Deus uniu, não o separe o homem"” (Familiaris Consortio FC 20). O matrimónio, segundo o Evangelho de Cristo, é uma comunidade de vida e de amor para sempre, onde os esposos se entreajudam e se completam na sua vida humana e cristã.

3. A união matrimonial do homem e da mulher – o Sacramento do matrimónio – dá origem à família. A liturgia de hoje contém uma particular mensagem para as famílias.

O Apóstolo Paulo, exorta os maridos e as esposas a comportarem-se de acordo com o que Deus estabeleceu, o que “é desde o início” e foi renovado por Cristo e consolidado de um modo particular. A fonte desta consolidação é o mandamento do amor, que se refere de um modo particular ao matrimónio e à família. Se o verdadeiro amor que vem de Deus, une os esposos e por sua vez une pais e filhos no amor recíproco, então o matrimónio e a família actuam a sua vocação humana e cristã. Daí surge “o empenho quotidiano de promover uma autêntica comunidade de pessoas, fundada e alimentada por uma íntima comunhão de amor” (Familiaris Consortio FC 64). O amor ao outro cônjuge não pode ser um disfarçado amor a si próprio. Muitos casamentos fracassam porque os esposos não estão unidos por um amor autêntico, mas por um egoísmo a dois. O verdadeiro amor mede-se pela capacidade de sacrifício e de entrega mútua. Os filhos, e toda a comunidade familiar, seriam os primeiros a ressentirem-se, quando vêem que os pais não correspondem a esses ideais cristãos.

Desejo, por isso formular meu apelo veemente: escutai os planos de Deus para a família. Não deixeis que a influência do ambiente ou da propaganda vos afaste da responsabilidade de formar uma verdadeira família cristã dentro do lar. Aos jovens casais, lembro que o futuro começa no lar; deveis procurar uma sólida formação cristã para poderdes levar à humanidade aqueles grandes ideais de paz e de amor que o mundo anseia. Tempos felizmente passados, em que boa parte da população santomense não gozava da liberdade pessoal a que tinha direito como pessoas e filhos de Deus, provocaram uma perda do sentido verdadeiro do matrimónio. Mas esse tempo passou. Importa que passem também as sequelas dessa condição antiga. A Pátria e a Igreja precisam de famílias unidas e estáveis, onde o amor dos esposos, firmado na graça de Cristo, possa vencer todos os obstáculos, e onde os filhos possam crescer sadios e ser educados na lei de Deus.

Escutai a Igreja: que não fique em vão o trabalho abnegado dos sacerdotes, das Irmãs e catequistas, para que os demais vejam em vós o mesmo Cristo. Com Cristo, é possível redimir o amor e vencer o receio e a desconfiança ante as dúvidas entre a possibilidade de serdes felizes num matrimónio cristão, ou se não é preferível a união livre.

4. A Igreja é a família de Deus. Em certo sentido a Igreja é a família das famílias. O que são Paulo escreve na liturgia de hoje, refere-se tanto à família quanto à Igreja. Desde os primeiros séculos, a família foi chamada “igreja doméstica”. É o “santuário doméstico da Igreja” (Familiaris Consortio FC 55), onde os esposos, com o auxílio da graça, procuram santificar a vida conjugal e familiar.

958 Por um lado, importa santificar a vida conjugal, pois Deus quis servir-se do amor conjugal para trazer novas criaturas ao mundo e completar a edificação do seu Reino. Mas a paternidade e a maternidade não terminam com o nascimento: incluem a educação dos filhos. No tempo antigo, era a família inteira, ou a aldeia, que velava sobre a educação das crianças e jovens. Com a mudança que os tempos trouxeram, essa obrigação cabe agora muito mais aos pais: são eles que devem transmitir aos filhos os valores humanos e a chama da fé cristã de que estes necessitam para se tornarem cidadãos conscientes e cristãos esclarecidos.

E os pais prestarão um verdadeiro serviço à vida dos filhos, se os ajudarem a fazer da própria existência um dom, respeitando as escolhas amadurecidas e promovendo com alegria cada vocação, inclusive a religiosa ou sacerdotal. Um filho sacerdote, religioso ou missionário; uma filha consagrada a Deus e ao serviço da Igreja são uma bênção para a família. Através desse filho ou filha, a família inteira participa da sua entrega a Deus, do seu serviço à comunidade cristã.

A família que goza de saúde espiritual, encontra seu sustento na Igreja, constituindo-se numa força moral fundamental da sociedade. O Bispo de Roma faz votos por que surjam tais famílias na Igreja e na sociedade de São Tomé.

5. A liturgia de hoje menciona a sagrada Família de Nazaré.

Maria e José, junto com Jesus nos seus doze anos de idade, vão de viagem para participar nas festas de Jerusalém. Concluídos os dias festivos, os pais de Jesus iniciam o caminho de volta para Nazaré: Maria entre as mulheres, José com os homens, como era costume daquele povo. Mas Jesus permaneceu no templo “...sentado entre os doutores, a ouvi-los e a fazer-lhes perguntas. Todos quantos O ouviam estavam estupefactos com a Sua inteligência e as Suas respostas” (
Lc 2,46-47).

No Filho de Maria, aos doze anos, tinha-se manifestado a Sua futura vocação messiânica. Por isso, diante da repreensão feita pela Mãe, quando com José O encontram no templo, Jesus responde: “Porque Me procuráveis? Não sabíeis que devo estar ocupado com as coisas do meu Pai?” (Lc 2,49).

Não estará a indicar este passo do Evangelho, que a família é o ambiente em que o homem amadurece e “cresce em idade” (Cfr. Lc Lc 2,52), mas que é necessário que cresça também “em sabedoria e graça” (Cfr. ibid.) diante de Deus e dos homens?

6. Irmãos e Irmãs! Faço votos que Cristo esteja convosco com toda a Sua riqueza. Faço votos que a paz de Cristo reine nos vossos corações. Esta é fruto do amor que Cristo nos trouxe pois constitui “o vínculo da perfeição” (Col 3,14) no coração do homem e entre a comunidade dos homens.

A graça de Deus esteja convosco.

Amém.
***


959 No final da Santa Missa João Paulo II acrescentou as seguintes palavras.

Renovo a todos a minha cordial saudação e a grande alegria que sinto por termos vivido juntos esta magnífica celebração. Obrigado a todos! Estas ilhas também foram testemunhas do triste fenómeno do comércio de escravos. Como já fiz em Goreia, no Senegal, não posso deixar de deplorar aqui essa cruel ofensa à dignidade do homem africano.

Estes sofrimentos do passado são para o Papa um motivo de maior amor e solidariedade espiritual pelo povo santomense e pelos povos africanos todos.

Que esta amada Nação cresça na concórdia e na prosperidade, iluminando o seu caminho com a mensagem de Cristo.



Homilias JOÃO PAULO II 951