Homilias JOÃO PAULO II 959


VIAGEM PASTORAL DO PAPA JOÃO PAULO II

A ANGOLA E SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE

DURANTE

A CONCELEBRAÇÃO DA SANTA MISSA


NO DOMINGO DE PENTECOSTES


Luanda, 7 de Junho de 1992




Enviai o vosso Espírito e renovareis a face da terra” (Ps 104,30)

1. Este grito do Salmista do Antigo Testamento tem o seu cumprimento no dia de Pentecostes. Nesse dia, os Apóstolos reunidos no cenáculo de Jerusalém “ficaram todos cheios do Espírito Santo” (Ac 2,4). Isto deu-se de forma invisível, mas estava simultaneamente unido a um sinal expressivo. Era o sinal do vento impetuoso e do fogo: “...veio do céu um ruído, como se soprasse um vento... e encheu toda a casa onde estavam”(Ac 2,2). E, ao mesmo tempo, “apareceram-lhes uma espécie de línguas de fogo, que se repartiram e pousaram sobre cada um deles”(Ac 2,3). “Cheios do Espírito Santo... começaram a falar em outras línguas conforme o Espírito lhes concedia que se exprimissem”(Ac 2,4).

2. A Igreja nascia no dom das línguas. As línguas significavam a multiplicidade e variedade dos povos, que ao longo dos séculos deviam entrar na mesma comunidade da Igreja de Cristo.

“Como então todos nós os ouvimos falar, cada um em nossa língua materna?”(Ac 2,8), perguntavam os peregrinos presentes diante do cenáculo, vindos para a festa em Jerusalém. Os Actos dos Apóstolos descrevem nominalmente os habitantes dos sítios que tomaram parte directamente no nascimento da Igreja pelo sopro do Espírito Santo. Eis que todos: ouvimo-los anunciar em nossas línguas as maravilhas de Deus”(Ac 2,11).

Há quinhentos anos a este coro de línguas acrescentaram-se os povos de Angola. Naquele instante, na vossa Pátria africana, renovou-se o Pentecostes de Jerusalém. Vossos antepassados ouviram a mensagem da Boa Nova, que é a língua do Espírito. Seus corações acolheram pela primeira vez esta palavra e inclinaram suas cabeças nas fontes da água baptismal, em que o homem, por obra do Espírito Santo, morre junto com Cristo crucificado e renasce para uma nova vida na sua ressurreição.

Não posso conter a alegria que sinto, cristãos de Angola, ao celebrar convosco, na Solenidade do Pentecostes, a Eucaristia de acção de graças pelo encerramento do Jubileu angolano. Quinhentos anos de Evangelização! Poucas palavras, mas que encerram uma longa e gloriosa história da Igreja católica e do Cristianismo nestas terras abençoadas do vosso País.

960 É com este espírito que saúdo o Senhor Cardeal Alexandre do Nascimento e os demais Irmãos da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé. Com esta, saúdo os Bispo das Igrejas irmãs presentes: Moçambique, Zaire, Namíbia e África do Sul. Saúdo, e agradeço a sua presença, o Senhor Presidente da República e demais Autoridades. Saúdo também os angolanos que se encontram no estrangeiro. “Verdadeiramente o Espírito Santo é o protagonista de toda a missão da Igreja: a Sua obra brilha esplendorosamente na missão ad gentes” (Redemptoris Missio RMi 21).

Foi certamente o mesmo Espírito que impeliu aqueles homens de fé, os primeiros missionários, que em 1491 aportaram à foz do rio Zaire, em Pinda, iniciando uma autêntica epopeia missionária. Foi o Espírito Santo, que age a Seu modo no coração de cada homem, que moveu o grande rei do Congo Nzinga-a–Nkuwu a pedir missionários para anunciar o Evangelho. Foi o Espírito Santo que animou a vida daqueles quatro primeiros cristãos angolanos que, regressados da Europa, testemunhavam o valor da fé cristã. Depois dos primeiros missionários, muitos outros vieram de Portugal como de outros países da Europa, para continuar, ampliar e consolidar a obra começada: sacerdotes seculares, jesuítas, capuchinhos, espiritanos, beneditinos, saletinos e muitos outros religiosos em tempos mais recentes e sacerdotes angolanos, que sempre os houve no passado; e também tantas e tantas religiosas que a partir do século passado contribuíram eficazmente para a evangelização. Apraz-me recordar as primeiras e as mais antigas: Irmãs de São José de Cluny, Franciscanas Missionárias de Maria, Beneditinas de Tutzing, Doroteias, Irmãs do Santíssimo Salvador, Teresianas; a elas se juntam agora Congregações Femininas nascidas em Angola, algumas já com bons serviços no cultivo do campo do Senhor. A todos dirijo a minha calorosa saudação: “Graça e paz sejam dadas da parte de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo” (1Co 1,3).

Uma cordial saudação também aos crentes das outras Igrejas cristãs e de outras religiões.

3. “As maravilhas de Deus” (Ac 2,11).

O Pentecostes teve início no Cenáculo de Jerusalém, onde, depois da crucifixão de Cristo e da sua sepultura, os seus discípulos permaneciam ainda, tolhidos por um profundo temor. Na tarde do dia de Páscoa, lá estavam eles medrosos e desorientados.

De repente, dão-se “as maravilhas de Deus”: Jesus veio e pôs-se no meio deles: Jesus vivo. Os Apóstolos convenceram-se que Ele tinha verdadeiramente ressuscitado, como já pela manhã as mulheres tinham anunciado, depois de ter encontrado vazio o sepulcro no lugar onde fora sepultado.

Cristo ressuscitou. Está no meio deles e diz: “A paz esteja convosco!” (Jn 20,21). Fala; portanto, de facto, ressuscitou. E é o mesmo que fora crucificado e depositado no sepulcro pois que lhes mostra as mãos e o lado trespassados na Cruz.

4. Então Cristo diz aos Apóstolos: “Como o Pai me enviou, assim também Eu vos envio a vós” (Jn 20,21). Depois destas palavras, soprou sobre eles dizendo-lhes: “Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes–ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes–ão retidos” (Jn 20,22-23).

O que deveria cumprir-se no dia de Pentecostes, tinha-se iniciado no Cenáculo de Jerusalém no dia da ressurreição. Estas são precisamente “as maravilhas de Deus”: a redenção através da Cruz de Cristo e o nascimento do novo povo na Igreja de Deus pelo sopro santificador do Espírito Paráclito.

“Como o Pai me enviou, assim também Eu vos envio a vós”. Dêmos hoje graças ao Espírito Santo porque há quinhentos anos, aquela chamada aos apóstolos por parte de Cristo, cumpriu-se na vossa história. “As maravilhas de Deus” cumpriram-se em vossos Predecessores e foram acolhidas com fé e de coração.

5. Sem a ajuda do Espírito Santo, ninguém pode dizer: “Jesus é o Senhor” (1Co 12,3). Desde aqueles dias, que são agora coisas do passado, os corações dos angolanos começaram a confessar que “Jesus é o Senhor” e os vossos antepassados pronunciavam esta mesma fé na língua nativa.

961Jesus é o Senhor”, crucificado e ressuscitado, que junto ao Pai e na unidade do Espírito Santo recebe a mesma honra e glória: “Deus de Deus, Luz da Luz” (Credo) - Jesus Cristo que “por nós homens e para a nossa salvação se fez homem por obra do Espírito Santo e nasceu da Virgem Maria”.

Em Seu nome, pela acção invisível do Espírito Santo são perdoados os pecados do homem, primeiramente através do Baptismo, e, depois, pelo sacramento da Penitência e da reconciliação.

Sei que durante o quinquénio de preparação para as celebrações do V Centenário da Evangelização de Angola, reflectistes sobre a Igreja e seus Sacramentos, orientados, nesta reflexão, pelas Cartas Pastorais dos vossos bispos. Continuai a meditar nelas e a pôr em prática quanto vos ensinam sobre a evangelização e catequese, além do Baptismo e da Penitência, também sobre a Confirmação e a Eucaristia; sobre o mistério da Igreja, Povo de Deus, chamado à santidade e enviado a evangelizar.

A nova evangelização exige que se faça uma Iniciação cristã, que a partir do primeiro anúncio da salvação em Cristo, ou kerigma, através de um catecumenado bem ordenado, acompanhe os passos, a caminhada daqueles que abraçaram a fé, se converteram a Cristo e receberam os sacramentos para viver a novidade do Evangelho, isto é uma vida nova.

Mas não há vida nova em Cristo, se não houver “uma nova maneira de ser, de viver, de estar junto com os outros, que o Evangelho inaugura” (Evangelii Nuntiandi
EN 23). É preciso superar a dicotomia, a separação entre o Evangelho e a vida do cristão. Para que isto aconteça, convém prestar uma maior atenção à evangelização e catequese dos adultos, à formação de autênticas famílias cristãs e de pequenas comunidades eclesiais, também nas grandes cidades, qual instrumento de formação cristã e de irradiação missionária (Redemptoris Missio RMi 51).

6. Dêmos hoje graças a Deus pelo Baptismo. “Na verdade todos fomos baptizados num só Espírito, para formar um só corpo” (1Co 12,13). Este Corpo é a Igreja de Cristo, na qual almejamos à comunhão dos santos na eternidade.

Mas aqui, professando juntos que “Jesus é o Senhor”, recebemos do mesmo Espírito Santo “uma variedade de carismas” e também uma “variedade de ministérios” (1Co 12,13). Nesta variedade manifesta-se o único Senhor, “um só é o Deus, que opera tudo em todos” (1Co 12,6). Através de muitos homens e de distintos modos de acção, realiza-se “o proveito comum” (1Co 12,7)da salvação, em que se manifesta o Espírito Santo. Deste modo o Pentecostes continua sempre na Igreja neste mundo: nesta Igreja, na qual também os filhos e as filhas da vossa terra africana confessam e proclamam “as maravilhas de Deus”.

Considerando agora a nova etapa que se abre para vós, cristãos, não posso deixar de vos exortar a um renovado empenho evangelizador que comprometa todas as forças vivas da Igreja. Por isso, tomei conhecimento com muita satisfação de que no próximo mês de Julho será realizado, por vontade dos vossos bispos, o 1° Congresso Nacional dos Leigos, o qual será como que a primeira resposta concreta ao desafio da nova evangelização de Angola. Aos leigos cabe a imensa tarefa de ser o fermento vivo do Evangelho em todas as estruturas da vida social, económica e política do País. Não somente a Igreja, também a Pátria precisa de vós para a sua reconstrução, que não será, nem pode ser exclusivamente material e económica, mas sobretudo moral e espiritual. Vos espera a imensa tarefa da promoção da dignidade e dos direitos do homem e da mulher; da protecção da vida humana em todas as suas fases, desde a concepção até à morte natural; na acção a favor da família ameaçada por ideologias e campanhas que atentam contra a sua unidade e indissolubilidade; na participação activa na vida política da Nação, para a edificação duma sociedade mais livre, justa e solidária; na comunicação social, cujos meios devem ser hoje os caminhos privilegiados do Evange lho para a difusão duma cultura cristã, e de uma civilização do amor.

7. Ao encerrar as celebrações do 500° aniversário da Evangelização de Angola, o Bispo de Roma, sucessor de Pedro, bendiz, convosco, a Santíssima Trindade:

“Senhor, meu Deus, vós sois imensamente grande!
Como são grandes, Senhor, as vossas obras!
962 A terra está cheia das coisas que criastes.
Enviai o vosso Espírito, e serão criadas,
e renovai a face da terra.
Ao Senhor, a glória eterna;
alegre-se o Senhor em suas obras” (
Ps 104,1 Ps 104,24 Ps 104,30-31).
Amém.



VIAGEM PASTORAL DO PAPA JOÃO PAULO II

A ANGOLA E SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE



NA CELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA


EM CABINDA, ANGOLA


Segunda-feira, 8 de Junho de 1992




Tudo o que fizerdes, fazei-o de todo o coração como quem o faz pelo Senhor e não pelos homens” (Col 3,23).

1. Assim fala o Apóstolo São Paulo ao exprimir o valor das acções dos cristãos, chamados a serem testemunhas perante os seus iguais, do Redentor dos homens, Cristo Nosso Senhor.

Estou feliz por me encontrar convosco, com o vosso Pastor e Bispo Dom Paulino Fernandes Madeca e os Presbíteros, os agentes da Pastoral, os religiosos e as religiosas e os leigos junto a todos os representantes da Província de Cabinda. Muito obrigado pelo acolhimento que fizestes ao Sucessor de Pedro, que vem de Roma encontrar-vos com particular júbilo e emoção. Ele vem trazer uma palavra de afecto e de estímulo às vossas famílias e aos vossos filhos, para que vos sintais acompanhados nas vossas normais ocupações no seio da sociedade cabindense.

A liturgia da Igreja, concluiu ontem o chamado Ciclo Pascal, com a festa de Pentecostes, iniciando, a partir de hoje, o Tempo Comum. Esse tempo comum, que terminará com o Advento em preparação do Natal, pode também significar para nós o tempo de sempre, o tempo em que estamos chamados a exprimir, com a nossa vida e nossas obras de bem e de amor a Deus, o mais profundo significado que Cristo quis imprimir na humanidade redimida do alto da Cruz.

963 Esta simples constatação quer ajudar-vos a reflectir – mesmo hoje que viestes ouvir o Papa, interrompendo o ritmo normal das vossas actividades diárias – acerca do trabalho, esta realidade de alcance ilimitado que a Providência vos chama a viver.

2. Vós sois, neste enclave da nação angolana, um povo de espírito empreendedor que vislumbra um futuro de prosperidade e de bem-estar. O Criador do céu e da terra, vos deu esta riqueza em vossas mãos e “viu que era bom” (
Gn 1,10). Esta terra e seu litoral são fruto da generosidade divina que, como o semeador divino, espalha sementes de bondade para todos os seus filhos.

Mas vós fostes chamados a transformar tudo o que o Senhor vos deu, através do vosso trabalho e das vossas ocupações diárias, em obras de bem e de progresso humano e espiritual. Fostes chamados, deixai-me dizê-lo – voltando à primeira Encíclica do meu Pontificado –, para compreender que a “Redenção que se verificou por meio da Cruz, restituiu definitivamente ao homem a dignidade e o sentido da sua existência no mundo, sentido que ele havia perdido em considerável medida por causa do pecado”(Redemptor Hominis RH 10).

Infelizmente, pelo pecado, o homem prejudicou as suas relações não só com Deus e com os outros homens, mas também com a criação inteira. O homem tornou-se egoísta e preguiçoso. Quer gozar já, agora e aqui... sem assumir a dureza do trabalho e o sacrifício necessários para atingir o bem-estar que ele procura. Esquece-se que o trabalho acompanha inevitavelmente a sua vida sobre a terra. Com ele aparecem o esforço, a fadiga, o cansaço, que são expressões daquela afirmação divina: “Comerás o pão com o suor do teu rosto” (Gn 3,19). A busca de caminhos fáceis e de resultado imediato, o roubo ou o trabalho não produtivo nem construtivo a que vós chamais candonga, são situações, quase sempre derivadas do pecado pessoal, mas também do pecado colectivo-social: a falta de planeamento e de trabalho organizado, e até mesmo de espaço para a livre iniciativa; as guerras ou outras calamidades que impedem a verdadeira actividade humana, tudo isto são factores que impedem, pessoas e povos, de apreender a verdadeira felicidade de ser trabalhador.

3. É hora de que todos nós, cristãos, proclamemos com toda a força que o trabalho é um dom de Deus. Todo o trabalho honesto se apresenta como participação na obra criadora de Deus que, ao criar o homem, disse: “Crescei e multiplicai-vos, e enchei a terra e submetei-a, e dominai-a” (Gn 1,28). Além disso, ao ser assumido por Cristo, o trabalho se nos apresenta como realidade redimida e redentora, que nos introduz na esfera do mistério da salvação humana do Filho de Deus, feito Homem.

Há certas religiões que educam os homens no medo diante da criação, das forças da natureza e dos acontecimentos ou movimentos dos astros e da terra. Esse medo paralisa o homem e mantém-no passivo, em atitude de espectador, quase como vítima dessas forças ou situações que ele interpreta como desejadas e comandadas por seus deuses.

A nós, cristãos, dá-nos, pelo contrário, grande alegria pensar no imenso panorama de paz e de gozosa esperança que nos descobriu o nosso Redentor, o qual, por amor aos homens, nos ensinou a glória do seu Reino, através dos afazeres comuns de todos os dias.

É grande o privilégio do cristão saber que o caminho que Deus o chama a santificar está no meio dos afazeres normais de todos os dias, no seu tempo comum.

Quando nos sentimos atingidos pelas palavras exigentes e comprometedoras de Cristo: “Sede perfeitos como é perfeito vosso Pai celeste” (Mt 5,48), podemos deixar-nos levar por um certo sobressalto, motivado pelas nossas íntimas indagações: Como? Porquê?

Pois bem, caros Irmãos e Irmãs de Cabinda, é necessário repetir muitas vezes que Jesus não se dirigiu a um grupo privilegiado de pessoas, dotadas de qualidades excepcionais para entender a Sua mensagem, mas veio revelar-nos a todos o amor universal de Deus. Todos os homens e mulheres são amados por Deus, de todos Deus espera amor. De todos espera que façam tudo “em nome do Senhor Jesus, dando graças por Ele a Deus Pai” (Col 3,17).

Pelo trabalho, “o homem não somente transforma a natureza, adaptando-a às suas próprias necessidades, mas também se realiza a si mesmo como homem” (Laborem Exercens, LE 9), isto é, torna-se, em colaboração com Deus, agente e sujeito do progresso do seu país.

964 Pelo trabalho, o homem cria e desenvolve a solidariedade e fraternidade com os outros seus irmãos. Deus chama-o através das vicissitudes da vida diária, no sofrimento e na alegria das pessoas com quem convive, nas aspirações humanas dos seus companheiros, nos pequenos acontecimentos da vida familiar. Chama-o também através dos grandes problemas e tarefas que definem a época histórica, colaborando para solucionar os destinos da humanidade.

“Qualquer que seja o tipo de actividade a que o homem se dedica, ela tem sempre uma dignidade intrínseca que vai muito além do quadro económico e produtivo, pelos valores humanos e morais que exprime e encarna” (João Paulo II, Angelus, 10 de fevereiro de 1991). Por isso, o trabalho é um direito e um dever de todas as pessoas, que deve ser protegido e estimulado, em todos os âmbitos, pelas autoridades competentes. Um direito e um dever mesmo para os mutilados e deficientes; para todos os homens e mulheres. E quando falo do trabalho, falo também, do estudo como trabalho construtivo que é.

4. Estas condições ideais, conferem ao trabalho humano tal valor e dignidade, que o tornam capaz de assemelhar-se àquele que o mesmo Cristo desempenhou na Sua humilde casa de Nazaré.

Jesus assumiu e viveu o trabalho no meio do seu povo: os vizinhos de Nazaré se referiam a Ele indistintamente como faber e fabri filius: trabalhador e filho de trabalhador. O Senhor, primeiro como criança, depois como adolescente, ajudando na oficina de José, não fugiu ao sacrifício por cumprir bem as suas tarefas. São Marcos deixou-o registado, ao afirmar que: “ommia bene fecit”, fez bem tudo o que fez (
Mc 7,37).

“Muito bem, servo bom e fiel, foste fiel em coisas de pouca monta, muito Te confiarei” (Mt 25,21).

Assim nos fala o Senhor na Parábola dos Talentos, dando-nos a chancela definitiva da Bem-Aventurança eterna. Ser fiel no pouco, no pouco de todos os dias, no comum, mas feito com amor de Deus e por amor daqueles que nos circundam, seja no ambiente profissional, familiar ou social, é um penhor que nos abre as portas do céu, quando realizamos com a maior perfeição possível os afazeres diários, em união com a Santíssima Trindade, e com nossa alma em graça de Deus.

Como é belo contemplar Maria, a Mãe do Deus feito Homem, realizando sua tarefa com amor e dedicação, intimamente unida, nos pensamentos e nas obras, com o Seu Filho Jesus.

5. As grandes obras que distinguem os cristãos no meio do mundo, devem levar o sinal do amor. Um amor levado até ao extremo, onde o menor dos gestos nunca é banal, mas cheio de vida, porque transcende até a grandeza de Deus.

Pelo seu trabalho generoso e abnegado, o povo de Angola poderá produzir tudo o que precisa na construção de uma Nação próspera e feliz ao edificar sua vida em Cristo que, com a sua Incarnação, a Sua Vida e a Sua Morte e Ressurreição, redimiu a humanidade e, como diz São João, atraiu “a si todas as coisas” (Mc 6,13).

A vossa Pátria, esta grande Angola, precisa do trabalho e da solidariedade de todos para se reconstruir. A reconstrução não avança sem paz. Espero que todos ajudem a resolver os problemas de Cabinda sem violência, mas com paz e diálogo, respeitando o povo e seus anseios, mas olhando também às necessidades do país inteiro. Assim, com o trabalho, com a solidariedade, ajudando-se uns aos outros, uma era de paz e de prosperidade poderá chegar para todos.

Jesus, José e Maria, a vossa padroeira, a quem chamais com o título de Imaculado Coração de Maria, vos ensinem a assumir a vocação de colaboradores de Deus no desenvolvimento da vossa terra e no desenvolvimento integral de todo o vosso Povo, nomeadamente dos mais pobres e necessitados que esperam de vós não só compaixão, mas solidariedade efectiva.

965 Caros Irmãos e Irmãs de Cabinda, procurai acolher aquela exortação que São Paulo dirigia aos Colossenses, e que hoje repete para nós: “Tudo o que fizerdes, fazei-o de todo o coração como quem o faz pelo Senhor e não pelos homens, sabendo que recebereis do Senhor a herança (eterna) como recompensa” (Col 3,23).

Sim. Recebereis a herança!

“Servi, portanto, a Cristo Senhor!” (Col 3,24).

Amém.





VIAGEM PASTORAL DO PAPA JOÃO PAULO II

A ANGOLA E SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE



DURANTE A CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA


AOS FIÉIS DE BENGUELA


Terça-feira, 9 de Junho de 1992




O Senhor é a minha luz e a minha salvação” (Ps 27 Ps 1).

1. No centro do Evangelho encontramos escrita esta pergunta: “Mestre, que devo fazer para conseguir a vida eterna?” (Mt 19,16). É uma questão à qual Jesus Cristo responde através de tudo o que faz e que ensina, mas nomeadamente através daquilo que Ele é. Escutemos esta pergunta nas leituras da liturgia de hoje: “que devo fazer...”? O homem pergunta qual é o caminho que deve seguir para alcançar a Deus. O Evangelho que responde a tal pergunta é o Evangelho da vocação.

Mesmo nos anos mais duros em que o vosso país estava dividido pela guerra civil, o Evangelho da vocação cristã não foi sufocado. Também naquela época os filhos e as filhas de Angola dirigiam a Cristo a mesma questão, a fim de conhecer o caminho para onde Deus os chamava, e encontravam a resposta. O Papa eleva ao Céu esta Eucaristia por todos os consagrados que em Angola servem o Reino de Deus, concretamente os da Diocese de Benguela, com o seu amado Bispo, o caro Irmão D. Óscar Lopes Fernandes Braga, a quem agradeço a saudação de boas vindas.

2. A vocação vem de Deus.Se o homem põe a pergunta: “que devo fazer?”, fá-lo porque o Senhor que “é luz e salvação”, preparou no coração do homem o espaço para tal indagação.

Às vezes, a vocação é uma clara chamada por parte de Deus, como no caso de Abraão, segundo o testemunha o Livro do Génesis. Deus fala-lhe directamente: “Sai do teu país... em direcção ao país que Eu te indicar” (Gn 12,1). E Abraão “partiu, como o Senhor lhe ordenara” (Gn 12,4). Mas normalmente o Senhor espera pela resposta do homem. Ele criou-o como um ser racional e livre, capaz de pôr interrogações essenciais a Deus, e indagar o caminho que deve escolher na vida, o caminho da própria vocação. Deus quer responder a tal pergunta, mas fá-lo como Cristo respondeu ao jovem do Evangelho de hoje.

3. Devemos reflectir atentamente sobre esta resposta de Cristo.

966 Ante a questão do jovem, Jesus começa por responder com outra pergunta: “Porque me interrogas sobre o que é bom: Só um é bom” (Mt 19,17). Esta é a primeira e a mais importante parte da resposta de Cristo. O jovem indaga: “Que devo fazer de bom?”. Jesus responde: se fazes questão do que é bem, então deves dirigir-te sobretudo a quem é a fonte de todo o bem: a Deus.

Deus indicou a todos o caminho para a salvação, para a vida eterna, dando aos homens os seus mandamentos. A via que leva à vida eterna é a via dos mandamentos de Deus: “Se queres entrar na vida, observa os mandamentos” (Mt 19,17), responde a seguir Jesus ao jovem.

Ao mesmo tempo, o caminho da salvação consiste na resposta fundamental em relação à questão da vocação na vida do homem. Cada um e cada uma de vós, encontra nestes mandamentos a via que leva a Deus, e sobre a qual deverão caminhar. Os Mandamentos são uma condição fundamental e indispensável para que o homem possa realizar a vocação da sua vida: alcançar o fim pelo qual vive na terra. Esta é a primeira e essencial resposta de Cristo, d’Aquele que “é luz e salvação” do homem: “Se queres entrar na vida, observa os mandamentos”.

4. O interlocutor do Bom Mestre põe porém uma outra pergunta.

Tendo em conta que na sua vida precedente ele tinha observado os mandamentos, o jovem pergunta: “que me falta ainda?” (Mt 19,20). Porque é que ele faz esta pergunta? Também aqui a pergunta tinha sido preparada no seu coração pela graça anterior de Deus. O homem pode procurar na sua vida um caminho mais perfeito, e para cada indagação por tal via, Cristo tem a resposta própria para cada um. Portanto, o interlocutor evangélico ouve Cristo dizer-lhe: “Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que possuis, dá o dinheiro aos pobres e terás um tesouro nos céus; depois, vem e segue-Me” (Mt 19,21).

Aquele que na sua vida observa os mandamentos de Deus, já segue a Cristo. Mas é preciso que haja também alguns que vão mais além. Trata-se daqueles a quem Jesus possa dizer: “vem e segue-Me” de um modo particular. Segue-Me, abandonando tudo o que é teu (como Abraão ao deixar a sua terra natal), segue-Me de um modo exclusivo. Vem para junto de mim a fim de salvarmos o mundo!

5. Primeiramente, vós sacerdotes, que fostes ungidos especialmente para serdes outros Cristos diante dos homens, sois, antes de mais, homens de Deus, chamados para testemunhar a presença de Deus no meio dos crentes, anunciando-lhes o Evangelho, exercendo o ministério da doutrina “in iis quae sunt ad Deum” (He 5,1), em tudo e somente naquilo que se refere a Deus, e alimentando a Igreja com os sacramentos.

Em segundo lugar, sois homens da Igreja. Foi esta que vos acolheu, vos formou, ordenou e enviou, em nome de Deus, para serdes, no meio do povo, a presença salvadora de Jesus Cristo, de quem sois ministros. Fostes ordenados para serdes os dispensadores da graça de Cristo, que é administrada através dos Sacramentos e que pelo Baptismo introduz os homens no Povo de Deus; pela Penitência, reconcilia os pecadores com Deus e com a Igreja; com o óleo dos enfermos, alivia os doentes; com o matrimónio, constitui os lares cristãos; e sobretudo com a celebração da Santa Missa, oferece sacramentalmente o Sacrifício de Cristo (Cfr. Presbyterorum Ordinis PO 5) em benefício da Igreja. Sois chamados a servir como o Bom Pastor, o qual apascenta as suas ovelhas conduzindo-as ao redil, empenhado em que nenhuma se perca. Grande é a vossa responsabilidade diante da Igreja, que vos confiou um rebanho de grande valor, porque é uma comunidade redimida pelo Sangue de Cristo.

Enfim, sois homens da comunidade. Como o Bom Pastor que dá a vida por suas ovelhas, não vos pertenceis a vós; pertenceis sim ao povo a quem fostes enviados. “Exercendo, com a autoridade que lhes toca - dizia o Concílio Vaticano II - o múnus de Cristo cabeça e pastor, os presbíteros reúnem, em nome do Bispo, a família de Deus, como fraternidade bem unida, e por Cristo, no Espírito, levam-na a Deus Pai” (Presbyterorum Ordinis PO 6).

Enfim, homens de Deus, homens da Igreja, homens da comunidade, vós sois tudo isso dentro de um corpo sacerdotal, isto é, o presbitério constituído à volta do vosso Bispo. O ministério hierárquico e ordenado não é um dom meramente individual: pela ordenação, vós entrastes dentro do colégio dos presbíteros, para viver nele a entreajuda fraterna e espiritual, a co-responsabilidade pastoral, o exemplo para a Igreja de comunhão santa com Cristo e com o próximo.

6. “Vem e segue-Me”! Como são belas estas palavras para todos vós, religiosos e religiosas, que vos entregastes a Deus numa consagração total pelo amor e para glória do Seu Reino, como sinal da Aliança do Senhor com a humanidade, particularmente com o Povo de Deus que está em Angola.

967 Por isso, estais chamados a ser o sinal do Absoluto de Deus.

“Todos os que são chamados por Deus, como diz o Concílio, à prática dos conselhos evangélicos e fielmente os professam, consagram-se de um modo particular ao Senhor, seguindo a Cristo” (Perfectae Caritatis
PC 1). E caminhar em seguimento de Cristo leva a compartilhar sempre mais conscientemente o mistério da Sua Paixão, Morte e Ressurreição. Deus Nosso Senhor far-se–á presente no mundo se souberdes ser testemunhas do Mistério Pascal, numa sociedade consumida pelos atractivos do bem-estar, do erotismo e do abuso do poder.

Vós, pela vossa consagração, abandonando a família e renunciando à constituição de um lar, entregastes-vos em exclusivo ao “Deus que é Amor” (Cfr. 1Jn 4,8) para demonstrar, entre outras coisas, quanto é relativo tudo o que há no mundo. O Reino de Deus, cuja “elevação sobre tudo o que é terreno” é manifestada pela vida religiosa (Cfr. Lumen Gentium LG 44), não é deste mundo. O povo necessita deste vosso testemunho.

Consagrados ao amor de Deus, vós, religiosos e religiosas, não estais perdidos para o povo - bem ao contrário. Em vez de serdes pais ou mães de um pequena família e com a geração física, sois pais e mães pela geração espiritual dentro de uma família muito mais numerosa, a família santa de Deus, a Igreja, “Mãe e Mestra” dos povos.

Também a vós, caríssimas religiosas que consagrastes a vida à contemplação e viveis no recolhimento e na clausura a vossa vida religiosa, o Papa lembra-vos que a vossa forma de vida vos coloca no coração do mistério da Igreja. Sois um motor oculto que lhe fornece energia para a sua actividade fecunda. Perseverai na vossa função indispensável de orar, contribuindo para que a acção do Espírito vivifique todo o organismo eclesial.

Por outro lado, vós religiosos, deveis ser sinal e fermento de fraternidade. Deus quer construir no mundo a grande família de Deus, onde todos os homens, de todas as raças, cores e condições habitem juntos num espírito de convivência e de paz. Vós sois já uma linda expressão dessa família. Podeis também ajudar o vosso povo a construir-se como povo-família, a partir das famílias, tribos, culturas diversas...

Finalmente, deveis ser sinal e fermento do Amor libertador e salvador de Deus pelo vosso povo e por todos os homens. A vida consagrada nasce do Espírito Santo, mas em resposta a situações e carências da Igreja ou dos homens. Deus é Salvador e não quer que ninguém se perca.

Todos os que se aproximam de vós, querem ver o rosto do Cristo Redentor, o qual “quer que todos se salvem e cheguem ao conhecimento da Verdade” (1Tm 2,4). Sede testemunhas de Cristo pelo vosso modo de viver e de orar, abri “os espaços imensos da caridade, do anúncio evangélico, da educação cristã, da cultura e da solidariedade com os pobres, os discriminados, os marginalizados e os oprimidos” (Redemptoris Missio RMi 69). Sede veículo da esperança libertadora para aqueles que sofrem por causa da escravidão do pecado, que é a pior de todas as escravidões; levai muitos irmãos ao Sacramento da Misericórdia divina, da Reconciliação.

Sois o sinal de Deus. Deveis ser testemunhas d’Ele e de quanto Ele é o centro e a fonte da vida dos homens.

7. A concluir, convido-vos ainda a escutar uma voz que nos quer falar, a qual está contida também na liturgia de hoje. É a voz do Apóstolo e Evangelista São João: “Jovens, escrevo-vos, porque sois fortes e a palavra de Deus permanece em vós e vencestes o Maligno. Não ameis o mundo... porque o mundo passa com as suas concupiscências, mas quem cumpre a vontade de Deus permanece eternamente” (1Jn 2,14-15 1Jn 2,17).

Assim escreve o Apóstolo de Cristo. Escreve o que ele mesmo ouvira da boca do Mestre divino: “Vem e segue-Me”. E ele seguiu-O. Esteve depois no Calvário, junto a Maria, Mãe do Redentor. E ali, ele, um homem, foi dado como filho à Mãe do Filho de Deus.

968 Ele seguiu Jesus e não se arrependeu. E diz-nos: “jovens, o mundo passa com as suas concupiscências”. A palavra de Jesus que atraiu João, ressoa também para nós: o Senhor diz-nos também: “Vem e segue-Me”.

Lembrai-vos desta mensagem que o Apóstolo João dirigiu aos jovens, no termo da sua vida quando já era velhinho. Que esta mensagem vos dê coragem quando a algum de vós - rapazes ou raparigas - Jesus dirigir uma chamada semelhante. “Segue-Me”.

O Senhor é a minha luz e a minha salvação, a quem temerei?”.





Homilias JOÃO PAULO II 959