Homilias JOÃO PAULO II 976

976 Nos Actos dos Apóstolos lemos acerca do baptismo administrado pelo apóstolo Pedro ao Centurião Cornélio e aos seus familiares. Deste modo, Pedro põe em acto as recomendações que Cristo ressuscitado faz aos seus discípulos: «Ide, pois, ensinai todas as nações, baptizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo» (Mt 28,19). O Baptismo na água e no Espírito Santo é o primeiro e fundamental sacramento da Igreja, sacramento da vida nova em Cristo.

4. Caríssimos Irmãos e Irmãs, daqui a pouco também estas crianças receberão este mesmo Baptismo e tornar-se-ão membros vivos da Igreja. Antes de tudo, serão ungidas com o óleo dos catecúmenos, sinal da fortaleza branda de Cristo, a elas doada para lutar contra o mal. Depois, sobre elas, será derramada a água benta, sinal da purificação interior mediante o dom do Espírito Santo, que Jesus efundiu ao morrer na cruz. Imediatamente depois receberão uma segunda e mais importante unção com o «crisma », o qual indica que elas são consagradas à imagem de Jesus, o Ungido do Pai. Em seguida, ao pai de cada uma será entregue uma vela para acender no círio pascal, símbolo da luz da fé que os pais, os padrinhos e as madrinhas deverão continuamente guardar e alimentar, com a graça vivificante do Espírito.

Queridos pais, padrinhos e madrinhas, confiamos estas pequenas criaturas à intercessão materna da Virgem Maria. Pedimos-lhe que, revestidas com a veste branca, sinal da sua nova dignidade de filhos de Deus, sejam durante toda a sua vida autênticos cristãos e testemunhas corajosas do Evangelho.

Amém!







NA PARÓQUIA ROMANA


DE SANTA MARIA DA ESPERANÇA


Domingo, 19 de Janeiro de 1997

1. «O Senhor chamou Samuel, que respondeu: “Eis-me”» (1S 3,4).


A Liturgia da palavra deste domingo apresenta-nos o tema da vocação. Ele é delineado, antes de tudo, na primeira Leitura, tirada do Primeiro Livro de Samuel. Há pouco escutámos de novo a sugestiva narração da vocação do profeta, que Deus chama pelo nome, acordando-o do sono. Num primeiro momento, o jovem Samuel não sabe donde provém esta voz misteriosa. Somente depois e de maneira gradual, graças também à explicação do ancião sacerdote Eli, descobre que aquela voz por ele escutada é a do próprio Deus. Então responde imediatamente: «Falai, Senhor, Vosso servo escuta» (ibid. 3, 10).

Pode-se dizer que o chamamento de Samuel tem um significado paradigmático, porque é a realização dum processo que se repete em todas as vocações. Com efeito, a voz de Deus faz-se ouvir com sempre maior clareza, e o indivíduo adquire progressivamente a consciência da sua proveniência divina. A pessoa chamada por Deus aprende com o tempo a abrir-se cada vez mais à palavra de Deus, dispondo-se a escutar e a realizar na própria vida a Sua vontade.

2. A narração da vocação de Samuel no contexto do Antigo Testamento encontra- se, num certo sentido, com tudo o que escreve São João sobre a vocação dos Apóstolos. O primeiro a ser chamado foi André, irmão de Simão Pedro. Foi precisamente ele que conduziu o próprio irmão a Cristo, anunciando-lhe: «Encontrámos o Messias» (Jn 1,41). Quando Jesus viu Simão, disse-lhe: «Tu és Simão, filho de João; chamar-te-ás Cefas (que quer dizer Pedro)» (ibid. 1, 42).

Nesta breve mas solene descrição da vocação dos discípulos de Jesus é posto, em primeiro plano, o tema do «procurar » e do «encontrar». Na atitude dos dois irmãos, André e Simão, manifesta-se aquela procura do cumprimento das profecias, que era parte essencial da fé do Antigo Testamento. Israel esperava o Messias prometido; procurava-O com maior zelo, especialmente a partir do momento em que João Baptista havia iniciado a pregar nas margens do Jordão. O Baptista não anunciou apenas a próxima vinda do Messias, mas indicou-O presente na pessoa de Jesus de Nazaré, que veio ao Jordão para Se fazer baptizar. O chamamento dos primeiros Apóstolos aconteceu precisamente neste contexto, isto é, nasceu da fé do Baptista no Messias, já presente no meio do Povo de Deus.

Também o Salmo responsorial deste dia fala da vinda do Messias ao mundo. A Liturgia deste domingo coloca as palavras do salmista nos lábios de Jesus: «Eis que venho. No rolo do livro está-me prescrito que devo cumprir a Vossa vontade» (Ps 39,8-9). Esta presença do Messias, anunciada por Deus nos livros proféticos, quando chegou a plenitude dos tempos, tornou-se uma realidade histórica no mistério da Encarnação. Todos nós, tendo há pouco vivido o período do Natal, tempo de alegria e festa por causa do nascimento do Salvador, ainda temos nos olhos e no coração a celebração daquele cumprimento das profecias messiânicas na noite de Belém. Terminado o tempo natalício, a Liturgia mostra-nos agora o início gradual da missão salvífica de Jesus, através das narrações simples e imediatas da vocação dos Apóstolos.

977 3. Caríssimos Irmãos e Irmãs da paróquia de Santa Maria da Esperança! Sinto- me feliz por estar convosco hoje, para celebrar a Eucaristia neste Domingo que coincide com a «Semana de oração pela unidade dos cristãos». Estou certo de que, durante estes dias, não deixará de se erguer também da vossa paróquia uma oração mais insistente por este objectivo — a unidade dos cristãos — tão querido ao coração do Redentor Divino.

Sei que há muito tempo esperáveis esta minha Visita Pastoral. Saúdo-vos a todos com afecto, a começar pelo Cardeal Vigário, Camillo Ruini, pelo Bispo Auxiliar do Sector, D. Enzo Dieci, e pelo Reitor-Mor dos Salesianos, Padre Juan Edmundo Vecchi, que hoje nos apraz ter connosco. Saúdo também o Pároco, Padre Stelvio Tonnini, juntamente com os Vigários paroquiais e todos os Filhos e Filhas de Dom Bosco, que com tanta generosidade ?trabalham nesta Comunidade, desde a sua fundação.

O meu pensamento dirige-se, depois, às Irmãs dos Sagrados Corações, fundadas pelo Padre Variara, aos membros dos vários órgãos de participação pastoral, aos representantes dos numerosos e vivazes grupos paroquiais, aos inúmeros leigos empenhados, a vários títulos, nas diversas actividades da vossa paróquia.

Viveis num grande bairro metropolitano, onde os problemas pareceriam não ser tão graves como noutras zonas de Roma. Todavia, também aqui, o povo deve quotidianamente enfrentar dificuldades como, por exemplo, a de viver a inteira jornada longe da própria casa, com consequências negativas para a vida de família e para a formação de relações de verdadeira amizade com os vizinhos. Neste contexto a paróquia, que constitui o único centro de agregação, assume uma tarefa importante. Com as suas propostas diversificadas e bem organizadas, ela torna-se um lugar idóneo para um caminho espiritual, formativo, cultural e recreativo para todos.

A vossa Comunidade dispõe agora dum lugar de culto bonito e amplo, fortemente querido por todos vós e, sobretudo, pelo saudoso Reitor-Mor da Sociedade Salesiana, Padre Egídio Viganó, que recordamos com particular afecto nesta Eucaristia. Antes da consagração deste Templo, ocorrida há cerca de um ano, a paróquia teve como sede, durante vários anos, a cidadela adjacente à Pontifícia Universidade Salesiana. Agradeço aos responsáveis e aos professores da Universidade Salesiana não só a hospitalidade oferecida durante longos anos à vossa Comunidade paroquial, mas também o generoso serviço teológico, pastoral e cultural que prestam à Diocese de Roma e a toda a Igreja.

4. Caríssimos Irmãos e Irmãs! Neste nosso encontro pude observar como o cuidado pastoral dos jovens, aos quais S. João Bosco dedicava tanta atenção, é para a vossa paróquia uma opção privilegiada. De facto, inumeráveis são as iniciativas e os caminhos oferecidos a eles como, por exemplo, o Oratório- Centro Juvenil, no qual estão empenhados oitenta animadores, entre jovens e adultos, que conferem uma nota de vivacidade e energia à inteira Comunidade paroquial.

Sei que estais a preparar-vos com empenho para a celebração da grande missão da cidade. Precisamente ontem foi tornada pública a carta que, no dia de Natal, enviei a todos os romanos para lhes apresentar o Evangelho de Marcos: ele será entregue também a cada uma das famílias desta Comunidade. Naquela carta, pus em relevo como nenhuma boa nova é mais surpreendente do que a contida no Evangelho: «Deus — em Jesus Cristo — veio pessoalmente ao nosso encontro, fez-Se um de nós, foi crucificado, ressuscitou e chama todos a participarem da Sua própria vida para sempre». Exorto-vos a levar esta boa nova também a quantos hoje não estão aqui connosco; levai-a a todos os meninos e meninas, às famílias, às pessoas sozinhas, aos idosos e aos doentes. A todos oferecei a boa nova do Evangelho, a fim de que possam dizer, como o apóstolo André: «Encontrámos o Messias!» (
Jn 1,41).

5. «Não sabeis que os vossos corpos são membros de Cristo?... Não sabeis, porventura, que o vosso corpo é templo do Espírito Santo, que habita em vós?» (1Co 6,15 1Co 6,19). Estas palavras do apóstolo Paulo aos Coríntios merecem uma reflexão particular, pois descrevem a vocação cristã. Sim, o Espírito Santo está presente em cada um de nós, e nós O recebemos de Deus. Portanto, já não pertencemos a nós mesmos (cf. 1Co 6,19), porque fomos «comprados por um grande preço» (cf. ibid., 6, 20).

Paulo quer tornar conscientes os Coríntios, destinatários da sua carta, desta verdade: o homem pertence a Deus, antes de tudo porque é uma Sua criatura, mas ainda mais pelo facto de ter sido remido do pecado, por obra de Cristo. Dar-se conta disto significa atingir as raízes mesmas de cada vocação.

Isto é verdadeiro em primeiro lugar para a vocação cristã e, sobre este fundamento, é verdadeiro para cada vocação particular: para a vocação sacerdotal e religiosa, para a vocação ao matrimónio, assim como para qualquer outra vocação ligada às várias actividades e às diversas profissões como as do médico, engenheiro, artista, professor, etc. Para o cristão, todas estas vocações particulares encontram o seu fundamento no grande mistério da Redenção.

Precisamente por ter sido remido por Cristo e se ter tornado habitação do Espírito Santo, cada cristão pode encontrar em si mesmo os vários talentos e carismas, que lhe permitem desenvolver de modo criativo a própria vida. Ele tornou-se assim capaz de servir a Deus e aos homens, respondendo de maneira adequada à sua particular vocação na Comunidade cristã e no contexto social em que vive. Faço votos por que sejais sempre conscientes da dignidade da vossa vocação cristã, atentos à voz de Deus que chama, generosos ao anunciar a Sua presença salvífica aos irmãos.

978 Falai, Senhor, que nós, Vossos servos, estamos prontos a escutar-Vos! «Só Vós tendes palavras de vida eterna » (cf. Aclamação ao Evangelho). Amém!





NO ENCERRAMENTO DA SEMANA DE ORAÇÃO


PELA UNIDADE DOS CRISTÃOS


25 de Janeiro de 1997

1. «Louvai o Senhor, todos os povos, exaltai-O, todas as nações. Grande é o seu amor para connosco e a sua fidelidade permanece para sempre» (Ps 116,1-2). Com estas palavras do Salmo, já o Antigo Testamento anunciava o desígnio salvífico de Deus a respeito de todas as nações. Trata-se de um desígnio universal, ou melhor, poder-se-ia dizer «ecuménico », pois refere-se à inteira terra habitada, isto é, ao oikouméne.


Esta visão da salvação, oferecida por Deus a todos os povos da terra, é descrita também na primeira Leitura da liturgia hodierna, mediante a imagem do banquete messiânico. «O Senhor dos Exércitos prepara para todos os povos sobre este monte um banquete de manjares suculentos» (Is 25,6). O profeta Isaías faz-nos entrever a misteriosa e próvida obra do Senhor, que age ao serviço da unidade e da salvação da humanidade. Ele levanta o véu que ofusca o olhar dos povos, destrói a morte, enxuga as lágrimas de todas as faces (cf. Is Is 25,7-8).

Sim, este poder extraordinário provém verdadeiramente de Deus; n’Ele colocamos as nossas esperanças. Ao mesmo tempo, porém, sentimo-nos empenhados em satisfazer, com a nossa energia, este desígnio de salvação.

Destas perspectivas universalistas já presentes no Antigo Testamento faz eco o Evangelho de hoje, que nos apresenta o mandato missionário confiado por Jesus aos Apóstolos, antes da Sua ascensão ao céu: «Ide pelo mundo inteiro e anunciai a Boa Nova a toda a criatura» (Mc 16,15). Depois acrescenta: «Quem acreditar e for baptizado será salvo, mas quem não acreditar será condenado» (Mc 16,16). No termo da Sua missão messiânica, com palavras fortes e decididas Cristo confirma mais uma vez o plano universal da salvação querido pelo Pai, e indica a sua dimensão planetária, falando de todas as nações e da terra inteira.

2. Esta missão universal de salvação assume um forte relevo no dia em que a Igreja recorda a conversão de São Paulo. Entre os Apóstolos, com efeito, precisamente Paulo exprime e realiza de modo particular a missão universal da Igreja. No caminho de Damasco Cristo associa-o ao desígnio divino da salvação universal: «O Deus dos nossos pais predestinou-te para conheceres a Sua vontade... porque serás testemunha diante de todos os homens» (Ac 22,14-16).

Até àquele momento o zeloso fariseu Saulo estava convencido de que o plano da salvação se referisse a um único povo: Israel. Ele, por isso, combatia com todos os meios os discípulos de Jesus de Nazaré, os cristãos. De Jerusalém dirigia-se para Damasco, precisamente porque ali, onde o cristianismo estava a difundir-se rapidamente, ele queria aprisionar e punir todos aqueles que, abandonando as antigas tradições dos pais, abraçavam a fé cristã. Perto de Damasco ele é iluminado pela luz que provinha do Alto. Cai por terra e naquele momento dramático Cristo torna-o consciente do seu erro.

Nessa circunstância, Jesus revela-Se plenamente a Paulo como Aquele que ressuscitou dentre os mortos. Assim, ao Apóstolo é concedido «ver o Justo e ouvir as palavras da Sua boca» (Ac 22,14). A partir daquele momento, Paulo é constituído «apóstolo» como os Doze, e poderá afirmar, ao dirigir-se aos Gálatas: «Quando aprouve a Deus — que me reservou desde o seio de minha mãe e me chamou pela Sua graça — revelar a Seu Filho em mim, para que O anunciasse entre os gentios» (Ga 1,15 s.).

A conversão de Paulo realiza-se através do sofrimento. Pode-se dizer que, em primeiro lugar, foi derrotado nele Saulo, o perseguidor, a fim de que pudesse nascer Paulo, o Apóstolo das nações. O seu chamamento como Apóstolo é, talvez, o mais singular: o próprio Cristo vence nele o fariseu e transforma-o num ardoroso mensageiro do Evangelho. A missão que Paulo recebe de Cristo está em harmonia com a missão confiada aos Doze, mas com um teor e um itinerário particular: ele será o Apóstolo das nações.

3. Caríssimos Irmãos e Irmãs! É deveras uma feliz circunstância a que nos reúne cada ano nesta antiga Basílica, para a Celebração eucarística que conclui a «Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos». Recordamos a conversão de Paulo, neste templo a ele dedicado. Desde o momento em que em Damasco Jesus ressuscitado Se lhe revelou, até ao supremo testemunho dado aqui em Roma, Paulo foi fervoroso servidor da comunhão que deve existir entre os membros do Corpo de Cristo. A sua «obsessão quotidiana» era, como ele mesmo confessa, «o cuidado de todas as Igrejas» (2Co 11,28).

979 É precisamente na sua actividade apostólica em favor da reconciliação e da comunhão dos crentes que se inspira o tema da Semana de Oração deste ano: «Suplicamo-vos, pois, em nome de Cristo: Reconciliai-vos com Deus» (2Co 5,20).

A tensão para a reconciliação segundo a verdade e na caridade, que esteve no centro da nossa oração durante esta Semana, deve acompanhar-nos cada dia. A Celebração eucarística deste dia constitui um sinal da nossa busca de uma comunhão mais profunda entre todos os cristãos. Ela assume um significado ecuménico particular, graças à presença do nosso caríssimo Irmão em Cristo, Catholicos da Grande Casa da Cilícia, Sua Santidade Aram I, a quem saúdo com afecto cordial e fraterno.

A nação arménia foi baptizada no início do século IV. São conhecidas as provas e as perseguições sofridas, ao longo dos séculos, pelo povo arménio e pela sua Igreja. Precisamente por causa destes eventos, no início do segundo milénio, uma parte da população teve de fugir da Arménia e refugiar-se na Cilícia, a pátria de Paulo de Tarso. O Catholicossado da Grande Casa da Cilícia desempenhou um importante papel ao garantir a vida cristã ao povo arménio na diáspora.

4. O abraço de paz do Catholicos e do Bispo de Roma, Sucessor do Apóstolo Pedro, e a bênção que eles darão juntos no nome do Senhor, testemunham o reconhecimento recíproco da legitimidade da sucessão apostólica. Embora na diversidade de tarefas confiadas a cada um, somos co-responsáveis daquilo que nos une: transmitir com fidelidade a fé recebida dos Apóstolos, testemunhar o amor de Cristo por todos os seres humanos, nas situações muitas vezes dramáticas do mundo contemporâneo, e fortalecer o nosso caminho rumo à plena unidade de todos os discípulos de Cristo. Para o fazer, temos necessidade de nos consultar periodicamente, de maneira que possamos anunciar o Evangelho com voz concorde e servi-lo com coração indiviso.

Convido todos vós, caríssimos Irmãos e Irmãs aqui presentes, a orar a fim de que a grata visita do Catholicos da Grande Casa da Cilícia ao Bispo de Roma encoraje cada um de nós a viver cada vez mais o mistério da comunhão, segundo a verdade e na caridade. O sangue dos nossos mártires e a comunhão dos nossos Santos nos ajudem a renovar-nos na Tradição que nos é comum. A recente visita do Catholicos de todos os Arménios, Sua Santidade Karekin I, foi um testemunho eloquente da nossa vontade de aprofundar a comunhão numa recíproca diakonia: «Se um membro sofre, todos os membros sofrem com ele» (1Co 12,26). Deste modo, somos encorajados mutuamente a colocar-nos ao serviço, uns dos outros, por meio da caridade (cf. Gál Ga 5,13).

5. Nestes últimos anos a celebração da conversão de São Paulo tornou-se a festa anual do empenho ecuménico. Em Roma, como no mundo inteiro, encontram-se os discípulos de Cristo das várias Igrejas e Comunidades, para elevarem a Deus um coro de orações pela unidade dos cristãos. O vínculo dessa oração com a festa litúrgica da conversão de São Paulo põe em relevo o facto de a unidade e a comunhão de todos os cristãos só poderem ser conseguidas ao longo do caminho da conversão.

Especialmente neste dia recordamos as palavras da oração sacerdotal de Jesus: Ó Pai, faze com que «todos sejam um só; como Tu, ó Pai, estás em Mim e Eu em Ti, que também eles estejam em Nós, para que o mundo creia que Tu Me enviaste» (Jn 17,21). A oração de Cristo revela-nos a dimensão profunda da conversão: converter-se à unidade significa eliminar o caminho o maior obstáculo para a conversão do mundo a Cristo.

Assim como Paulo de Tarso descobriu o verdadeiro caminho que leva à salvação, e compreendeu que Cristo crucificado e ressuscitado introduziu nele o povo de Israel e a humanidade inteira, de igual modo também os cristãos devem tomar consciência do facto que o caminho da salvação passa através da sua unidade em Cristo e que esta requer de todos eles um particular empenho espiritual.

O Concílio Vaticano II determinou com clareza o significado da unitatis redintegratio entre todos os cristãos, demonstrando os seus métodos e meios no actual momento histórico da Igreja. Na Encíclica Ut unum sint eu quis recordar, trinta anos após a sua publicação, as indicações do Documento conciliar, haurindo dele aplicações actualizadas.

6. Hoje, damos graças à Santíssima Trindade pelos esforços realizados nestes anos e, ao mesmo tempo, pedimos luz para os novos passos a dar neste caminho, em generosa e fiel adesão aos impulsos do Espírito Santo.

Durante esta Semana de Oração foram realizados no mundo inteiro encontros ecuménicos e especiais celebrações, para pedir a Deus o grande dom da unidade. Também a Igreja que está em Roma, ligada de modo particular à tradição apostólica dos Santos Pedro e Paulo, participou nesta oração coral de todos os cristãos. Ela está fundada sobre as colunas dos Corifeus dos Apóstolos. Precisamente por esta sua identidade particular, ela deseja oferecer sinais de acolhimento e de comunhão às Comunidades dos discípulos de Cristo de todas as partes do mundo. Juntamente com eles, proclama também no nosso tempo a todos os povos a grandeza do nome do Senhor.

980 «Louvai o Senhor, todos os povos,
exaltai-O, todas as nações.
Grande é o seu amor para connosco
e a sua fidelidade
permanece para sempre».

Amém!







POR OCASIÃO DO DIA DA VIDA CONSAGRADA


2 de Fevereiro de 1997

1. Lumen ad revelationem gentium: Luz para iluminar as nações (cf. Lc Lc 2,32).


Quarenta dias após o nascimento, Jesus foi levado por Maria e José ao Templo para ser apresentado ao Senhor (cf. Lc Lc 2,22), segundo quanto está escrito na Lei de Moisés: «Todo o primogénito varão será consagrado ao Senhor» (Lc 2,23); e para oferecerem em sacrifício, «como se diz na lei do Senhor, um par de rolas ou duas pombinhas» (Lc 2,24).

Ao recordar estes eventos, a liturgia segue, intencionalmente e com precisão, o ritmo dos acontecimentos evangélicos: o prazo dos quarenta dias desde o nascimento de Cristo. Fará de igual modo, depois, no que se refere ao período que vai da ressurreição à ascensão ao céu.

Três elementos fundamentais emergem no evento evangélico que hoje se celebra: o mistério da vinda, a realidade do encontro e a proclamação da profecia.

981 2. Antes de tudo o mistério da vinda. As leituras bíblicas, que acabámos de escutar, ressaltam o aspecto extraordinário desta vinda de Deus: anuncia-o com enlevo e alegria o profeta Malaquias, canta-o o Salmo responsorial, descreve-o o texto do Evangelho segundo Lucas. Basta, por exemplo, pôr-se em escuta do Salmo responsorial: «Portas, levantai os vossos frontões... pois vai entrar o Rei da glória! Quem é esse Rei da glória? O Senhor forte e poderoso... É Javé dos Exércitos. Ele é o Rei da glória» (Ps 23,7-8 Ps 23,10).

Entra no Templo de Jerusalém o Esperado durante séculos, Aquele que é o cumprimento das promessas da Antiga Aliança: o Messias anunciado. O Salmista chama-o «Rei da glória». Só mais tarde tornar-se-á claro que o seu Reino não é deste mundo (cf. Jo Jn 18,36) e que quantos pertencem a este mundo estão a preparar para Ele, não uma coroa régia, mas uma coroa de espinhos.

A liturgia, todavia, olha para além. Vê naquele Menino de quarenta dias a «luz» destinada a iluminar as nações e apresenta-O como a «glória» do povo de Israel (cf. Lc Lc 2,32). Ele é Aquele que deverá vencer a morte, como anuncia a Carta aos Hebreus, explicando o mistério da Encarnação e da Redenção: «Como os filhos participam do sangue e da carne, também Ele participou das mesmas coisas» (He 2,14), tendo assumido a natureza humana.

Depois de ter descrito o mistério da Encarnação, o Autor da Carta aos Hebreus apresenta o mistério da Redenção: «Por isso, teve de assemelhar-Se em tudo aos Seus irmãos, a fim de ser um sumo sacerdote misericordioso e fiel no serviço de Deus, para expiar os pecados do povo. E porque Ele mesmo sofreu e foi tentado é que pode socorrer os que são tentados» (ibid., 2, 17-18). Eis uma profunda e comovedora apresentação do mistério de Cristo. O trecho da Carta aos Hebreus ajuda-nos a compreender melhor porque esta vinda a Jerusalém, do recém-nascido Filho de Maria, é um evento decisivo para a história da salvação. O Templo desde a sua construção esperava, de um modo muito particular, Aquele que tinha sido prometido. A sua vinda reveste, portanto, um significado sacerdotal: «Ecce sacerdos magnus»; eis que o verdadeiro e eterno Sumo Sacerdote entra no Templo.

3. O segundo elemento característico da Celebração hodierna é a realidade do encontro. Mesmo se ninguém está a receber José e Maria que chegam, confundidos entre as pessoas, com o pequenino Jesus, no Templo de Jerusalém, acontece algo de muito singular. Aqui eles encontram pessoas guiadas pelo Espírito Santo: o velho Simeão, a respeito do qual escreve São Lucas: «Era justo e piedoso, esperava a consolação de Israel, e o Espírito Santo estava nele. Tinha-lhe sido revelado pelo Espírito Santo que não morreria antes de ter visto o Messias do Senhor» (Lc 2,25-26), e a profetisa Ana, que tendo vivido «casada sete anos, após o seu tempo de donzela, ficara viúva. Tinha oitenta e quatro anos. Não se afastava do Templo, servindo a Deus, noite e dia, com jejuns e orações» (Lc 2,36-37). O Evangelista prossegue: «Aparecendo nessa mesma ocasião, pôs-se a louvar a Deus e a falar do Menino a todos os que esperavam a libertação de Jerusalém» (Lc 2,38).

Simeão e Ana: um homem e uma mulher, representantes da Antiga Aliança que, num certo sentido, tinham vivido a sua inteira existência em vista do momento em que o Templo de Jerusalém haveria de ser visitado pelo esperado Messias. Simeão e Ana compreendem que o momento finalmente chegou e, confirmados pelo encontro, podem enfrentar com a paz no coração a última etapa da sua vida: «Agora, Senhor, podeis deixar o Teu servo partir em paz, segundo a Tua palavra, porque os meus olhos viram a Salvação» (Lc 2,29-30).

Neste encontro discreto, as palavras e os gestos exprimem de maneira eficaz a realidade do evento que se cumpre. A vinda do Messias não passou despercebida. Foi reconhecida mediante o olhar penetrante da fé, que o velho Simeão manifesta nas suas tocantes palavras.

4. O terceiro elemento que emerge nesta festa é a profecia: hoje ressoam palavras deveras proféticas. Com o cântico inspirado de Simeão, a Liturgia das Horas conclui cada dia a jornada: «Agora, Senhor, os meus olhos viram a Salvação... luz para iluminar as nações e glória de Israel, Teu povo» (Lc 2,29-32).

O velho Simeão, ao dirigir-se a Maria, acrescenta: «Este Menino está aqui para queda e ressurgimento de muitos em Israel e para ser sinal de contradição; uma espada trespassará a tua alma, a fim de se revelarem os pensamentos de muitos corações» (Lc 2,34-35).

Assim, pois, enquanto ainda estamos no alvorecer da vida de Jesus, somos já orientados para o Calvário. É na cruz que Jesus se confirmará, de modo definitivo, como sinal de contradição, e é lá que o coração da Mãe será trespassado pela espada da dor. Tudo nos é dito desde o início, no quadragésimo dia após o nascimento de Jesus, na festa da apresentação de Jesus no Templo, bastante importante na liturgia da Igreja.

5. Caríssimos Irmãos e Irmãs! A celebração hodierna enriquece-se este ano de um novo significado. Pela primeira vez, com efeito, celebramos o Dia da Vida consagrada.

982 A todos vós, caros Religiosos e Religiosas, e a vós, caros Irmãos e Irmãs membros dos Institutos Seculares e das Sociedades de Vida Apostólica, é confiada a tarefa de proclamar, com a palavra e com o exemplo, a primazia do Absoluto sobre qualquer realidade humana. É um empenho urgente neste nosso tempo, que não raro parece ter perdido o sentido autêntico de Deus. Como recordei na Mensagem a vós dirigida para este primeiro Dia da Vida consagrada, nos nossos dias, «na verdade, existe uma grande urgência de que a vida consagrada se mostre sempre mais “cheia de alegria e de Espírito Santo”, se lance com entusiasmo nas estradas da missão, se torne credível pelo testemunho vivido, já que “o homem contemporâneo escuta com melhor boa vontade as testemunhas do que os mestres, ou então se escuta os mestres, é porque eles são testemunhas”» (n. 4). Possa a vossa missão na Igreja e no mundo ser luz e fonte de esperança.

Juntamente com o velho Simeão e com a profetisa Ana vamos ao encontro do Senhor no seu Templo. Acolhamos a luz da sua Revelação, empenhando-nos em difundi-la aos nossos irmãos, em vista do já próximo Grande Jubileu do Ano 2000.

Acompanhe-nos a Virgem Santa,
Mãe da esperança e da alegria,
e obtenha para todos os crentes
a graça de serem testemunhas
da salvação, que Deus preparou
diante de todos os povos,
no seu Filho encarnado, Jesus Cristo,
Luz para iluminar as nações
e glória de Israel, Seu povo.

Amém!





NA MISSA DA QUARTA-FEIRA DE CINZAS


983
12 de Fevereiro de 1997




1. «Ó Senhor, criai em mim um coração puro e renovai ao meu interior um espírito recto» (
Ps 50,12).

Estas palavras do Salmo responsorial contêm, num certo sentido, o núcleo mais profundo da Quaresma e, ao mesmo tempo, exprimem o seu programa essencial. São palavras tiradas do salmo Miserere, no qual o pecador abre o próprio coração a Deus, confessa a própria culpabilidade e implora a remissão dos pecados: «Lavai-me totalmente das minhas iniquidades, purificai-me dos meus delitos. Reconheço, de verdade, as minhas culpas, o meu pecado está sempre diante de mim. Contra Vós apenas é que eu pequei, pratiquei o mal perante os Vossos olhos... Não me afasteis da Vossa presença nem me priveis do Vosso santo espírito» (ibid., 50, 46.13).

Este Salmo constitui um comentário litúrgico de singular eficácia ao rito das Cinzas. A cinza é sinal da caducidade do homem e da sua submissão à morte. Neste tempo em que nos preparamos para reviver liturgicamente o mistério da morte do Redentor na cruz, devemos sentir e viver de modo mais profundo a nossa mortalidade. Somos seres mortais, contudo, a nossa morte não significa destruição nem aniquilamento. Deus inscreveu nela a perspectiva profunda da nova criação. Por isso o pecador que celebra a Quarta-Feira de Cinzas pode e deve bradar: «Ó Senhor, criai em mim um coração puro e renovai ao meu interior um espírito recto» (ibid., 50, 12).

2. Na Quaresma a certeza desta nova criação brota da luz do mistério de Cristo: mistério da Sua paixão, morte e ressurreição. São Paulo, na Liturgia hodierna, afirma: «Suplicamo-vos, pois, em nome de Cristo: reconciliai-vos com Deus. Aquele que não havia conhecido pecado, Deus O fez pecado por nós para que nos tornássemos n’Ele justiça de Deus» (2Co 5,20-21). Aceitando experimentar na Sua carne o drama da morte humana, Cristo tornou-Se partícipe do aspecto destrutível ligado à existência temporal do homem. O Apóstolo fala disto com muita clareza, quando afirma: «Deus O fez pecado». Isto significa que Deus tratou Cristo, «Aquele que não havia conhecido pecado», como se fosse um pecador, e isto em nosso favor. Com efeito, Cristo compartilhou a nossa sorte de homens sobrecarregados pelo pecado, para que por meio d’Ele pudéssemos tornar-nos justiça de Deus. Por esta nossa fé em Cristo podemos bradar juntamente com o Salmista: «Ó Senhor, criai em mim um coração puro e renovai ao meu interior um espírito recto» (Ps 50,12). Para que serviria a imposição das cinzas, se não nos iluminasse a esperança da vida nova, da nova criação, que Deus nos deu em Cristo?

3. Durante todo o Ano litúrgico a Igreja vive do Sacrifício redentor de Cristo. Contudo, no tempo da Quaresma, desejamos imergir-nos nele de modo particularmente intenso, segundo a exortação do Apóstolo: «É este o tempo favorável; este é o dia da salvação!» (2Co 6,2). Neste tempo forte foram-nos dispensados, dum modo muito especial, os tesouros da redenção, que Cristo crucificado e ressuscitado nos obteve. A exclamação do Salmista: «Criai em mim... um coração novo e renovai ao meu interior um espírito recto» tornou-se, assim, no início da Quaresma, um forte apelo à conversão.

Com as palavras do salmo Miserere o pecador não só acusa as próprias culpas, mas inicia ao mesmo tempo um novo itinerário criativo, o caminho da conversão: «Convertei-vos a Mim de todo o vosso coração» (Jl 2,12), diz em nome de Deus o profeta Joel na primeira Leitura. «Converter-se» significa, por conseguinte, entrar em profunda intimidade com Deus, como propõe também o Evangelho de hoje.

Uma conversão autêntica implica o cumprimento de todas aquelas obras que são próprias do tempo da Quaresma: a esmola, a oração, o jejum. Contudo, elas não devem ser vividas apenas como cumprimento exterior, mas como expressão do encontro íntimo, e em certa medida desconhecido aos homens, com o próprio Deus. A conversão comporta uma nova descoberta de Deus. Na conversão, experimenta-se que n’Ele reside a plenitude do bem, que foi revelada no mistério pascal de Cristo, e dela se bebe a mãos-cheias na morada íntima do coração.

Deus espera isto! Deus quer criar em nós um coração puro e renovar em nós um espírito recto. E nós, no início desta Quaresma, queremos abrir a nossa alma à graça de Deus, para vivermos intensamente o itinerário de conversão rumo à Páscoa.






Homilias JOÃO PAULO II 976