Homilias JOÃO PAULO II 1001


VIAGEM APOSTÓLICA DE JOÃO PAULO II À SARAJEVO



NAS VÉSPERAS, COM SACERDOTES,


RELIGIOSOS E SEMINARISTAS


12 de Abril de 1997


Senhor Cardeal
1002 Venerados Bispos da Bósnia-Herzegovina
Venerados Irmãos no Episcopado aqui presentes
Caríssimos Sacerdotes, Religiosos, Religiosas e Seminaristas

1. «Vós... sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa» (
1P 2,9). Com estas palavras do apóstolo Pedro aos cristãos, dirijo-me a vós para vos apresentar a minha cordial saudação: a vós que Deus «chamou das trevas para a Sua luz admirável», a vós que tendes a tarefa de proclamar perante o mundo as «(Suas) obras maravilhosas» (ibid.).

Quais são estas «obras maravilhosas »? São inumeráveis as «maravilhas» que Deus realizou na história dos homens! Mas a «obra maravilhosa» que sobressai entre todas é sem dúvida a ressurreição de Jesus Cristo, onde teve início aquele Povo ao qual pertencemos.

No mistério pascal, superaram-se as antigas inimizades: quantos antes «não eram povo», porque «não tinham alcançado a misericórdia», agora tornaram- se ou são chamados a ser o único «Povo de Deus» que, no sangue de Cristo, «alcançaram a misericórdia» (cf. 1P 2,10).

É esta alegre mensagem que a Igreja revive e anuncia neste tempo pascal, entoando o cântico do louvor e da grati-dão a Jesus Cristo, «entregue à morte pelos nossos pecados e... ressuscitado para nos tornar justos» (Rm 4,25).

2. Caríssimos Irmãos e Irmãs, agradeço do profundo da alma ao Senhor que me concedeu realizar esta peregrinação, que desde há muito tempo desejei e esperei. Sinto-me feliz por estar aqui, nesta catedral, juntamente convosco, para me unir à vossa oração Àquele que «é a nossa paz» (Ep 2,14).

Saúdo com afecto todos vós e, particularmente, o Senhor Cardeal Vinko Puljic, a quem exprimo a minha gratidão pelos sentimentos manifestados em nome de todos os presentes. O meu pensamento dirige-se neste momento aos sacerdotes e às pessoas consagradas, que mais sofreram neste anos difíceis. Não esqueço aqueles que desapareceram, como os sacerdotes Grgic e Matanovic, sobre cuja sorte peço que se lance luz. Recordo de modo especial quantos pagaram com o sangue o próprio testemunho de amor a Cristo e aos irmãos. O sangue por eles derramado infunda renovado vigor na Igreja, que não deseja senão poder pregar livremente na Bósnia-Herzegovina o Evangelho da eterna salvação, no respeito de cada ser humano, de cada cultura e de cada religião.

Vim a Sarajevo para repetir nesta terra martirizada a mensagem do apóstolo Paulo: «Cristo é a nossa paz. De dois povos, Ele fez um só... derrubou o muro da separação: o ódio» (Ep 2,14). No alto do «muro da separação», diante do qual o mundo se sentia quase impotente, finalmente se abriu «a brecha da paz».

Foi escutada a insistente e premente oração, da qual era símbolo a lâmpada acesa na Basílica de São Pedro durante os terríveis dias da guerra. Agora, ela é entregue a vós, para que desta catedral continue a alimentar a confiança no socorro materno da Virgem Santíssima, recordando a cada um o dever de trabalhar incansavelmente ao serviço da paz.

1003 3. Aqui, nesta «cidade mártir», e em toda a Bósnia-Herzegovina, assinaladas pela fúria de uma louca «lógica» da morte, divisão e aniquilamento, havia pessoas que lutavam para «derrubar o muro da separação». Fostes vós que, entre sofrimentos e riscos de todo o género, agistes alacremente para abrir a vereda à paz. Penso de modo especial em vós, sacerdotes que, durante o triste período da guerra permanecestes ao lado dos vossos fiéis e sofrestes com eles, continuando a exercer com coragem e fidelidade o vosso ministério. Obrigado por este sinal de amor a Cristo e à sua Igreja! Nestes anos, escrevestes páginas de autêntico heroísmo, que não poderão ser esquecidas.

Hoje vim para vos dizer: coragem, não vos canseis de fazer progredir a paz tão longamente almejada! A aurora de Deus já está presente no meio de vós, a luz do novo dia já refulge o vosso caminho.

Caríssimos, exorto-vos a permanecer, ainda que a preço de graves sacrifícios, entre as pequenas ovelhas do rebanho que vos foi confiado, como portadores de esperança, e límpidas testemunhas da paz de Cristo. Na vossa missão, conservai firmemente o sentido da vossa vocação e da vossa identidade de sacerdotes de Cristo. Seja para vós motivo de orgulho poder repetir com São Paulo: «Em tudo nos recomendamos como ministros de Deus: pela grande perseverança nas tribulações... com pureza, ciência, paciência e bondade, pela actuação do Espírito Santo, pelo amor sem fingimento » (
2Co 6,4-6).

4. Também a vós, estimados Religiosos e Religiosas, desejo expressar a gratidão da Igreja pela preciosa obra que desempenhastes e desempenhais ao serviço do povo de Deus, dando testemunho do Evangelho na profissão dos conselhos evangélicos e em múltiplas formas de apostolado.

Sabei reavivar o carisma genuíno que vos foi confiado pelos Fundadores e Fundadoras, redescobrindo continuamente a sua riqueza e vivendo-o com convicção e intensidade cada vez maiores.

Como deixar de recordar nesta catedral D. Josip Stadler, primeiro Arcebispo da renovada Sede da antiga Vrhbosna, hoje Sarajevo, e fundador da Congregação das Servas do Menino Jesus, única Congregação nascida na Bósnia- Herzegovina? Possa a memória viva deste grande Prelado, fidelíssimo à Sé Apostólica e sempre pronto a servir os irmãos, encorajar e sustentar o empenhamento missionário de todas as pessoas consagradas operantes nesta região que me é tão querida!

Uma palavra especial desejo reservar a vós prezados Frades Menores, que cumprimento juntamente com o vosso Ministro-Geral, presente connosco hoje à noite. Ao longo dos séculos, prodigalizastes- vos muito para difundir e conservar a fé cristã na Bósnia-Herzegovina, contribuindo eficazmente para a pregação do Evangelho entre estas populações. O vosso glorioso passado empenha- vos numa generosidade a toda a prova no momento actual, nas pegadas de São Francisco que, segundo o primeiro biógrafo, estava completamente repleto — «no coração, nos lábios, nos ouvidos, nos olhos, nas mãos, em todos os outros membros» — da recordação apaixonada de Jesus crucificado (I Cel. 115), trazendo os Seus estigmas no coração antes ainda que nos membros (II Cel.11). Extremamente actual é o convite que ele dirigia aos seus frades: «Aconselho, admoesto e exorto os meus irmãos frades no Senhor Jesus Cristo a fim de que, quando vão pelo mundo, não contestem, evitem as discussões orais e não julguem os outros, mas sejam mansos, pacíficos e modestos, plácidos e humildes, falando honestamente com todos, como convém» (Regula bullata, cap. III). Que vantagens hão-de haurir a unidade da Igreja, a acção apostólica e a causa da paz de tal testemunho de mansidão franciscana!

5. Uma palavra também a vós, queridos Seminaristas, esperança da Igreja nesta terra. Seguindo o exemplo do Servo de Deus Petra Barbaric, deixai-vos fascinar por Cristo! Descobri a beleza de Lhe entregar a vossa vida, para levar aos irmãos o Seu Evangelho de salvação. A vocação é uma aventura que vale a pena viver até ao fundo! Na resposta generosa e perseverante à chamada do Senhor está o segredo de uma vida plenamente realizada.

A todos vós, sacerdotes, religiosos, religiosas e seminaristas, quereria dirigir uma dúplice recomendação: vivei entre vós aquela solidariedade e sede «estreitamente unidos no mesmo espírito e no mesmo modo de pensar» (1Co 1,10), que é um sinal inequivocável da presença actuante de Cristo.

Cultivai com espírito de humildade e obediência a comunhão e a efectiva colaboração pastoral com os vossos Bispos, segundo a exortação de Santo Inácio de Antioquia: «Esconjuro-vos, tende cuidado de fazer tudo na concórdia de Deus, sob a guia do Bispo» (Ad Magn. 6, 1). De resto, é este o ensinamento que transmite o Concílio Vaticano II, que admoesta: «Os Bispos regem, como vigários e legados de Cristo, as Igrejas particulares a eles confiadas» (Lumen gentium LG 27). Em virtude de tal tarefa, o Concílio especifica, «os Bispos têm o direito sagrado e, diante do Senhor, o dever de legislar sobre os seus súbditos, de os julgar, e de regular tudo quanto respeita à organização do culto e do apostolado» (ibid.). Por isso, os fiéis, conclui o Concílio, «devem conservar-se unidos ao Bispo como a Igreja está unida a Jesus Cristo, e como Jesus Cristo ao Pai, para que todas as coisas se harmonizem na unidade e redundem em glória de Deus» (ibid.).

6. Caríssimos, chegou para todos o tempo de um profundo exame de consciência: chegou o tempo de um decidido empenho em prol da reconciliação e da paz.

1004 Como ministros do amor de Deus, sois enviados a enxugar as lágrimas de inúmeras pessoas que choram os próprios parentes assassinados, a escutar o brado impotente de quem viu espezinhados os próprios direitos e destruídos os próprios afectos. Como irmãos e irmãs de todos, estai próximos dos refugiados e dos deslocados, de quem foi expulso da própria casa e privado daquilo sobre o que pretendia construir o seu porvir. Socorrei os idosos, os órfãos e as viúvas. Encorajai os jovens, com frequência constrangidos a renunciar a uma serena inserção na vida e obrigados pelas asperezas do conflito a tornarem- se adultos precocemente.

É preciso dizer em voz alta e forte: nunca mais a guerra! É necessário renovar cada dia o cansaço do encontro, interrogando a própria consciência, não só sobre as culpas, mas sobre as energias que se está disposto a investir para edificar a paz. Há que reconhecer a primazia dos valores éticos, morais e espirituais, salvaguardando o direito de cada homem a viver na serenidade e na concórdia, condenando todas as formas de intolerância e de perseguição, arraigadas em ideologias que humilham a pessoa na sua dignidade inviolável.

7. Caríssimos Irmãos e Irmãs! O Sucessor de Pedro está aqui no meio de vós como peregrino de paz, reconciliação e comunhão. Está aqui para recordar a todos que Deus só perdoa a quem, por sua vez, tem a coragem de perdoar. É necessário abrir a própria mente à lógica de Deus para entrar a fazer parte do Seu povo e poder proclamar «as obras maravilhosas do Seu amor» (cf.
1P 2,9). A força do vosso exemplo e da vossa oração obterá do Senhor, para aqueles que ainda não a encontraram, a coragem de pedir e conceder o perdão.

Peçamos a Maria, aqui venerada em muitos santuários, que nos tome pela mão e nos ensine que o início da vereda rumo à verdadeira paz é precisamente a coragem de pedir e conceder o perdão. Confiemos-lhe o compromisso, árduo mas necessário, de construir com tenacidade a «civilização do amor».

Maria, Rainha da paz, ora por nós!





VIAGEM APOSTÓLICA DE JOÃO PAULO II À SARAJEVO



DURANTE A MISSA NO ESTÁDIO DE KOSEVO


13 de Abril de 1997




«Temos um advogado junto do Pai! Jesus Cristo, o Justo» (1Jn 2,1).

1. Temos um advogado que fala em nosso nome. Quem é este advogado, que se faz nosso porta-voz? A liturgia hodierna oferece uma resposta exaustiva: «Temos um advogado junto do Pai! Jesus Cristo, o Justo» (1Jn 2,1).

Lemos nos Actos dos Apóstolos: «O Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob, o Deus dos nossos antepassados glorificam o Seu servo Jesus» (3, 13). Ele é Aquele que foi traído e negado pelos Seus compatriotas, até mesmo quando Pilatos O queria libertar. Estes pediram que fosse perdoado em Seu lugar um assassino, Barrabás. Deste modo, condenou-se à morte o Autor da vida (cf. Act Ac 3,13-15).

Todavia, «Deus ressuscitou-O dos mortos» (Ac 3,15). Assim fala Pedro que fora testemunha directa da paixão, morte e ressurreição de Cristo. Como tal, foi enviado aos filhos de Israel e a todas as nações do mundo. Todavia, dirigindo-se aos seus compatriotas, não só acusa, mas também desculpa: «Meus Irmãos, sei que agistes por ignorância, assim como os vossos chefes» (Ac 3,17).

Pedro é testemunha consciente da verdade sobre o Messias que, na cruz, cumpriu as antigas profecias: Jesus Cristo tornou-Se advogado junto do Pai, advogado do povo eleito e de toda a humanidade.

1005 São João acrescenta: «Temos um advogado junto do Pai! Jesus Cristo, o Justo. Ele é a vítima de expiação pelos nossos pecados; e não só os nossos, mas também os pecados do mundo inteiro» (1Jn 2,1-2). Esta verdade quer repetir-vos hoje o Sucessor de Pedro, que finalmente veio ao meio de vós. Povo de Sarajevo e de toda a Bósnia-Herzegovina, hoje venho para te dizer: tens um advogado junto de Deus. O seu nome é: Jesus Cristo, o Justo!

2. Pedro e João, como também os outros Apóstolos, tornaram-se testemunhas desta verdade, porque viram com os seus próprios olhos Cristo crucificado e ressuscitado. Tinha-Se apresentado no meio deles no Cenáculo, mostrando-lhes as feridas da paixão; permitira-lhes tocál’O, a fim de que pudessem convencer-se pessoalmente de que Ele era o mesmo Jesus que tinham conhecido antes como «o Mestre». E para confirmar até ao fundo a verdade sobre a Sua ressurreição, aceitou o alimento que Lhe tinham oferecido, comendo-o com eles como fizera muitas vezes antes de morrer.

Jesus conservara a própria identidade, apesar da extraordinária transformação que se tinha actuado n’Ele depois da ressurreição. E aquela identidade Ele conserva-a ainda hoje. Ele é o mesmo hoje como era ontem, e será o mesmo para toda a eternidade (cf. Heb He 13,8). Assim, como verdadeiro Homem, é junto do Pai o advogado de todos os homens. Antes, é advogado de toda a criação por Ele e n’Ele remida.

Apresenta-Se diante do Pai como a testemunha mais experimentada e competente de quanto, mediante a cruz e a ressurreição, se tenha realizado na história da humanidade e do mundo. A Sua linguagem é a da redenção, isto é, da libertação da escravidão do pecado. Jesus dirige-Se ao Pai como Filho consubstancial, e ao mesmo tempo como verdadeiro homem, falando a linguagem de todas as gerações humanas e de toda a história humana: das vitórias e das derrotas, bem como de todos os sofrimentos e de todas as dores de cada um dos homens e, ao mesmo tempo, de cada um dos povos e nações da terra inteira.

Cristo fala com a vossa linguagem, prezados Irmãos e Irmãs da Bósnia-Herzegovina, tão longa e dolorosamente provada. Ele disse: «Assim está escrito: “o Messias sofrirá”»; todavia, acrescentou: «Ressuscitará dos mortos ao terceiro dia... Vós sois testemunhas disso» (Lc 24,46-48). Habitantes desta terra provada, coragem! Vós tendes um advogado junto de Deus. O seu nome é: Jesus Cristo, o Justo!

3. Sarajevo: cidade que se tornou um símbolo, num certo sentido o símbolo do século XX. Em 1914, ao nome de Sarajevo associou-se o início do primeiro conflito mundial. No final deste século, ao nome desta cidade ligou-se a dolorosa experiência da guerra que, durante cinco longos anos, deixou atrás de si nesta região um impressionante rasto de morte e devastação.

Durante este período, o nome desta cidade não cessou de ocupar as páginas da crónica e de ser tema de intervenções políticas da parte de chefes das nações, de estrategistas e de generais. O mundo inteiro continuou a falar de Sarajevo em termos históricos, políticos e militares. Também o Papa não deixou de erguer a própria voz a respeito desta trágica guerra e muitas vezes e em várias circunstâncias teve nos lábios e sempre no próprio coração o nome desta cidade. Já há alguns anos desejava de modo ardente poder vir pessoalmente ao meio de vós.

Hoje, o desejo por fim realizou-se. Graças ao Senhor! As palavras com que vos apresento a minha afectuosa saudação são as mesmas que Cristo dirigiu aos discípulos a seguir à ressurreição: «A paz esteja convosco!» (Lc 24,36). A paz seja convosco, homens e mulheres de Sarajevo! A paz seja convosco, habitantes da Bósnia-Herzegovina! A paz seja convosco, Irmãos e Irmãs desta querida terra!

Saúdo o Senhor Cardeal Vinko Puljic, solerte Pastor desta Igreja, e agradeço-lhe as palavras de boas-vindas e de comunhão que me dirigiu também em nome do Bispo Auxiliar, D. Pero Sudar, e de todos aqui presentes. Saúdo o venerado e corajoso Bispo D. Franjo Komarica, juntamente com os seus fiéis da diocese de Banja Luka, como também o venerado e zeloso Bispo D. Ratko Peric, juntamente com os seus fiéis das dioceses de Mostar-Duvno e de Trebinje-Mrkan.

Saúdo os Cardeais e os Bispos aqui presentes e todos vós, sacerdotes, pessoas consagradas e fiéis leigos. O meu pensamento deferente torna-se extensivo às Autoridades civis e diplomáticas aqui congregadas, bem como aos Representantes de outras Confissões religiosas que quiseram honrar-nos com a sua presença.

A paz que Jesus dá aos Seus discípulos não é aquela imposta pelos vencedores aos derrotados, pelos mais fortes aos mais fracos. Esta não encontra a sua legitimação no uso das armas mas, ao contrário, nasce do amor. Amor de Deus pelo homem e amor do homem pelo próprio homem. Ressoa forte hoje o mandamento de Deus: «Ama a Javé teu Deus com todo o teu coração... ama o teu próximo como a ti mesmo» (Dt 6,5 Lv 19,18). É sobre estes sólidos fundamentos que se pode consolidar e edificar a paz alcançada. «Felizes os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus» (Mt 5,9).

1006 Sarajevo, Bósnia-Herzegovina, tu tens um advogado junto de Deus. Jesus Cristo, o Justo!

4. Como servidor do Evangelho, o Papa, em união com os Pastores da Bósnia- Herzegovina e com toda a Igreja, quer revelar uma dimensão ainda mais profunda que se encerra na realidade da vida desta região, pela qual o mundo inteiro se tem demonstrado solícito há anos.

Sarajevo, Bósnia-Herzegovina, a tua história, os teus sofrimentos e as tuas experiências dos transcorridos anos de guerra, que fazemos votos por que jamais voltem, têm um advogado junto de Deus: Jesus Cristo, o único Justo. N’Ele têm um advogado junto de Deus os inúmeros mortos, cujos túmulos se multiplicaram sobre esta terra; aqueles cujas mães, viúvas e filhos órfãos choram. Quem outro pode ser, junto de Deus, advogado de todos estes sofrimentos e de todas estas provações Quem outro pode ler profundamente esta página da tua história, Sarajevo? Quem é que pode ler até ao fim esta página da vossa história, nações balcânicas, e da tua história, Europa?

Não se pode esquecer que Sarajevo se tornou símbolo do sofrimento de toda a Europa neste século. Foi-o no início de Novecentos, quando a primeira guerra mundial teve aqui o seu princípio; foi-o de forma diferente, pela segunda vez, quando o conflito se desenrolou totalmente nesta região. A Europa nela participou como testemunha. Mas devemos perguntar-nos: foi porventura ela uma testemunha sempre plenamente responsável? Não se pode evitar tal pergunta. É necessário que os estadistas, os políticos, os militares, os estudiosos e os homens de boa vontade procurem dar-lhe uma resposta. Os votos de todos os homens de boa vontade são por que quanto Sarajevo simboliza permaneça confinado no âmbito do século XX, e as suas tragédias não se repitam no milénio já às portas.

5. Por isso, dirigimos o olhar confiante à divina Providência. Rezamos ao Príncipe da Paz para que, por intercessão de Maria sua Mãe, tão amada pelos povos de toda esta região, Sarajevo se torne para toda a Europa um modelo de convivência e colaboração pacífica entre povos de etnias e religiões diferentes.

Congregados na celebração do sacrifício de Cristo, não cessamos de dar graças a ti, ó Cidade tão provada, e a vós, Irmãos e Irmãs que habitais esta terra da Bósnia-Herzegovina, pois de alguma forma, com o vosso sacrifício, assumistes o peso desta tremenda experiência, em que todos desempenham a sua parte. Repito-vos: temos um advogado junto de Deus. Cristo, o único Justo!

Perante Ti, ó Cristo crucificado e ressuscitado, apresentam-se hoje Sarajevo e toda a Bósnia-Herzegovina, com o grave balanço da sua história. Tu és o nosso grande advogado. Esta humanidade invoca-Te a fim de que permeies a dolorosa história aqui vivida com a potência da Tua redenção. Tu, Filho de Deus encarnado, como Homem caminhas através das vicissitudes dos homens e das nações. Caminha através da história deste povo e destas populações mais intimamente vinculadas ao nome de Sarajevo, ao nome da Bósnia-Herzegovina.

6. Caríssimos Irmãos e Irmãs! Quando em 1994 eu desejava intensamente vir aqui ao meio de vós, fazia referência a um pensamento que se tinha revelado extraordinariamente significativo num momento crucial da história europeia: «Perdoemos e peçamos perdão!». Houve quem dissesse que o tempo ainda não era propício. Ainda não chegou, porventura, este tempo?

Portanto, regresso hoje àquele pensamento e àquelas palavras, que quero repetir aqui, para que possam penetrar na consciência de quantos se encontram unidos pela dolorosa experiência da vossa cidade e da vossa terra, de todos os povos e nações dilacerados pela guerra: «Perdoemos e peçamos perdão!». Se Cristo deve ser o nosso advogado junto do Pai, não podemos deixar de proferir estas palavras. Não podemos senão empreender a difícil mas necessária peregrinação do perdão, que leva a uma profunda reconciliação.

«Oferece o perdão, recebe a paz», recordei na Mensagem para o Dia Mundial da Paz deste ano; e acrescentei: «O perdão, na sua forma mais autêntica e elevada, é um acto de amor gratuito» (n. 5), como o foi a reconciliação oferecida por Deus ao homem mediante a cruz e a morte do Seu Filho encarnado, o único Justo. Decerto, «o perdão, longe de excluir a busca da verdade, exige-a», porque «pressuposto essencial do perdão e da reconciliação é a justiça» (ibidem). Mas é sempre verdade que «pedir perdão e conceder o perdão é uma estrada profundamente digna do homem» (ibid. 4).

7. Enquanto hoje se manifesta claramente a luz desta verdade,
1007 os meus pensamentos dirigem-se a ti, Mãe de Cristo crucificado e ressuscitado,
a ti que és venerada e amada em muitos santuários desta terra provada.
Impetra para todos os fiéis o dom de um coração novo!
Faz com que o perdão, palavra-chave do Evangelho, aqui se torne realidade.
Solidamente vinculada à cruz de Cristo,
a Igreja congregada hoje em Sarajevo pede-te isto,
ó clemente, ó piedosa,
Mãe de Deus e nossa Mãe,
ó doce Virgem Maria!
Amém.







NA 34ª JORNADA DE ORAÇÃO PELAS VOCAÇÕES


20 de Abril de 1997




1008 1. «Eu sou o Bom Pastor» (Jn 10,11).

Hoje, quarto Domingo de Páscoa, «Domingo do Bom Pastor», tenho a alegria de ordenar nesta Basílica 31 novos presbíteros, formados nos Seminários da Diocese de Roma. Trata-se de um feliz costume, que bem se coloca no contexto litúrgico e espiritual desta jornada, dedicada à oração pelas vocações. Enquanto dou graças ao Senhor pelo dom do Sacerdócio, quereria deter-me a considerar juntamente convosco, caríssimos Irmãos e Irmãs, as palavras de Cristo a propósito do bom pastor.

«Eu sou o Bom Pastor: o bom pastor dá a vida pelas suas ovelhas» (ibid.). Como não divisar nestas expressões uma implícita referência ao mistério da morte e ressurreição do Senhor? «Dou a Minha vida, para tornar a tomá-la. Ninguém Ma tira, sou Eu que a dou por Mim mesmo. Tenho poder para a dar e para tornar a tomá-la» (Jn 10,17-18). Cristo ofereceu-Se livremente a Si mesmo na Cruz e ressuscitou em virtude do próprio poder divino. A alegoria do bom pastor reveste, portanto, um forte carácter pascal e por isso a Igreja a propõe à nossa reflexão durante este Tempo de Páscoa.

«Eu sou o Bom Pastor: conheço as Minhas ovelhas e as Minhas ovelhas conhecem- Me. Assim como o Pai Me conhece, também Eu conheço o Pai» (Jn 10,14-15). Do mistério do conhecimento eterno de Deus, da intimidade do amor trinitário brotam o sacerdócio e a missão pastoral de Cristo, o Qual afirma: «Dou a Minha vida pelas Minhas ovelhas. Ainda tenho outras ovelhas que não são deste aprisco e também tenho de as conduzir; ouvirão a Minha voz e haverá um só rebanho e um só Pastor» (Jn 10 Jn 15-16). A missão pastoral de Cristo é missão universal, que não se limita aos filhos e às filhas de Israel mas, em virtude do sacrifício da Cruz, abraça todos os homens e todos os povos.

2. Lendo atentamente esta página evangélica, descobrimos que ela constitui uma síntese sugestiva da teologia do sacerdócio de Cristo e do sacerdócio ministerial que vós, caríssimos Diáconos, vos preparais para receber. Vós sois chamados, como o bom pastor, a dar a vida guiando o povo cristão rumo à salvação. Deveis imitar Cristo, tornando-vos Suas testemunhas corajosas, ministros incansáveis do Seu Evangelho.

Caros ordenandos, saúdo-vos com afecto; saúdo todos os que vos guiaram no itinerário formativo nos vários Seminários de Roma; saúdo as vossas famílias e as comunidades cristãs nas quais germinou a vossa vocação, assim como os vossos amigos, que compartilham hoje convosco a alegria da vossa Ordenação presbiteral.

A vocação sacerdotal é chamada ao ministério pastoral, isto é, ao serviço do rebanho de Cristo; um serviço que estais para empreender na Diocese de Roma e noutras Igrejas particulares. A Comunidade cristã hoje ora por vós, a fim de que o «grande Pastor das ovelhas» (He 13,20) vos comunique aquele amor total que é indispensável aos pastores da Igreja.

Aquilo que escutámos no Evangelho, a respeito de Cristo bom pastor, torna-se neste momento uma invocação coral ao Pai celeste, para que infunda em vós o amor e a generosa dedicação de Cristo. «O bom pastor dá a vida pelas suas ovelhas» (Jn 10,11).

3. Caríssimos Diáconos, devereis traduzir estas palavras em experiência vivida, em todas as funções e circunstâncias da vossa vida sacerdotal. Será preciso haurir delas luz e força indispensáveis para o vosso ministério pastoral.

Acompanha-vos a oração da Comunidade cristã, intensa de modo particular nesta Liturgia. Oração que se une à vossa súplica confiante, expressa pelo comovente rito da prostração no chão durante o cântico das Ladainhas dos Santos. A Igreja pede para vós não só a graça do sacramento do sacerdócio, mas também a santificação, a fim de que, por vossa vez, possais santificar os outros. Este é um momento decisivo da vossa existência, que vos permanecerá para sempre impresso na mente e no coração, como acontece para todo o sacerdote.

Também eu conservo uma recordação viva e emocionante desta grande oração de súplica, que precede o momento culminante da Ordenação, quando o Bispo impõe as mãos sobre o ordenando, pronuncia a oração de consagração e lhe transmite, mediante este antigo gesto litúrgico que remonta aos Apóstolos, o poder sacramental do sacerdócio, introduzindo-o no «presbyterium » da Igreja. Acompanha este momento solene o cântico do Veni creator, com o qual se invoca o Espírito Santo, que é Senhor e dá a vida, para que venha e transfigure, com a sua luz e o seu poder, quanto realizamos na nossa debilidade humana.

1009 «Veni creator Spiritus, /Mentes tuorum visita, /Imple superna gratia, /Quae tu creasti pectora». «Vinde, ó Espírito criador, /visitai as nossas mentes, /enchei com a vossa graça/ os corações que criastes».

4. «Bendito seja o que vem em nome do Senhor» (
Ps 117,26). Através das palavras do Salmo responsorial, há pouco cantado, a Liturgia deste Domingo insiste em mostrar-nos o mistério de Cristo ressuscitado. É um hino de acção de graças; louvamos e agradecemos a Deus porque Ele é bom: eterna é a Sua misericórdia (cf. Sl Ps 117,1). Damos graças porque Ele atendeu as nossas súplicas e Se fez nossa salvação (cf. Sl Ps 117,21). Exaltamo-l’O sobretudo por Cristo, o Qual na sua morte e ressurreição Se tornou a pedra angular da construção divina (cf. Sl Ps 117,22). Sobre Ele é edificada a Igreja e está fundado o sacerdócio régio de todo o baptizado e, mais ainda, o sacerdócio ministerial dos presbíteros.

As palavras deste Salmo introduzemnos no mistério eucarístico, que a partir deste momento e durante todos os dias da vossa vida, será a vossa particular porção e o vosso dom espiritual.

«Bendito seja o que vem em nome do Senhor»! Todos nós, Bispos e presbíteros, ao celebrarmos o Sacrifício divino, no momento do «Sanctus» e imediatamente antes da consagração, repetimos esta invocação. Acolhemos assim Cristo que quotidianamente Se torna presente sobre o altar, tal como entrou em Jerusalém no Domingo de Ramos, para oferecer o sacrifício da redenção. Quando nós, em Seu nome, in persona Christi Capitis, pronunciamos as palavras da consagração por Ele proferidas no Cenáculo, está presente o próprio Cristo que, através do nosso ministério, torna presente o sacrifício da Cruz.

Sacerdos alter Christus! Pensa, ministro do altar, pensa, sacerdote de Cristo, como se torna grande mistério a tua parte e a tua herança! Que grande misericórdia te foi concedida! Pede a Deus a graça de saberes responder, com um amor total, a este Seu amor infinito.

A Virgem Maria, que aos pés da Cruz se uniu ao sacrifício do Filho e por Ele nos foi dada como Mãe, te assista e te proteja com a sua intercessão, a fim de poderes ser no meio dos teus irmãos a imagem fiel do Bom Pastor.

Amém!





VIAGEM APOSTÓLICA À REPÚBLICA TCHECA



PARA OS JOVENS DIANTE DA CATEDRAL


DE KRADEC KRÁLOVÉ


26 de Abril de 1997




Amadíssimos Senhores Cardeais, Arcebispos, Bispos
e Sacerdotes de toda a Europa,
nosso precioso D. Karel,
1010 Pastor desta Diocese!

1. Veni creator Spiritus! As Leituras que escutámos, caríssimos jovens, falam da efusão do Espírito Santo. Segundo o Evangelho de João, esta teve lugar sobretudo no mesmo dia da Ressurreição. Cristo aparece no Cenáculo, onde estão reunidos os discípulos e, depois de Se fazer reconhecer, fala-lhes com as seguintes palavras: «Recebei o Espírito Santo. Aqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados. Aqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos » (
Jn 20,22-23).

Aquilo que há-de se verificar no Pentecostes, cinquenta dias depois da Ressurreição, será a confirmação e a manifestação pública desta efusão da noite de Páscoa. Os Apóstolos, juntamente com a Mãe de Jesus, esperam este momento recolhidos em oração, como nos recordou a primeira Leitura (cf. Act Ac 1,13-14). Sabem que esse evento há-de operar uma viragem na sua vida e na sua missão. E, com efeito, a experiência do Pentecostes assinala o início da missão da Igreja que, a partir daquele momento, se manifesta em público e começa a anunciar o Evangelho.

A Igreja sabe que nasceu por obra do Espírito Santo: assim como Cristo nasceu da Virgem Maria, pelo poder do Espírito Santo, assim também a Igreja tem no seu princípio a força vivificante do Espírito. E é por isso que não cessa de invocar: «Enviai o vosso Espírito, Senhor, para renovar a terra!» (Sl.104/103, 30).

2. A partir do dia de Pentecostes, a obra da salvação realizada por Cristo encontrou, através da Igreja, veredas sempre novas para se difundir no mundo. No nono século, o Evangelho, anunciado pelos santos Irmãos de Salonica, Cirilo e Metódio, chegou à vossa terra, a Grande Morávia, e também às vizinhas nações eslavas, encontrando nelas um terreno propício. Os vossos antepassados acolheram o cristianismo dos «apóstolos dos eslavos» e, por sua vez, tornaram-se apóstolos. Assim, por exemplo, o baptismo da Polónia está ligado à acção apostólica dos vizinhos tchecos.

Da Boémia provém também Santo Adalberto, da grande linhagem boémia de Slavnik, cujo berço se encontrava aqui, no território da Diocese de Hradec Králové, onde estamos. Com a hodierna Celebração damos graças a Deus, no milénio de Santo Adalberto, pela sua missão e pelo seu testemunho de Cristo, oferecido até ao sacrifício da vida.

3. Caríssimos jovens das dioceses da República Tcheca! Jovens amigos vindos de outros países da Europa! Venerados Irmãos no episcopado e no sacerdócio, que os acompanhastes até aqui! Religiosos e religiosas, e todos vós, caríssimos fiéis aqui presentes! Saúdo-vos cordialmente, nesta maravilhosa praça, onde sobressai a Catedral, a única dedicada ao Espírito Santo, como gosta de recordar o prezado D. Karel Otcenašek, Bispo desta Diocese, a quem agradeço com a antiga amizade, que lhe é bem conhecida, as cordiais palavras que houve por bem transmitir-me.

Desejo dirigir um agradecimento particular também aos cidadãos de Hradec Králové, pelo vivo sentido de hospitalidade que souberam demonstrar inclusive nesta circunstância, cedendo os seus lugares na parte central da praça aos jovens das várias partes do País, aqui reunidos para o encontro que lhes é dedicado. Depois, a todos os fiéis da Diocese devo uma palavra de especial apreço pela generosidade com que contribuíram, não raro à custa de notáveis sacrifícios, para a construção do «Centro de nova evangelização e inculturação», promovido pelo Bispo. Estou persuadido de que saberão continuar a apoiar também o conveniente funcionamento do mesmo.

Mas voltemos a vós, jovens. No âmbito das celebrações consagradas a Santo Adalberto, esta é a vossa jornada, queridos jovens, e apraz-me ver-vos aqui em tão grande número. Há dois anos, no mês de Maio de 1995, estive com muitos de vós em Svatý Kopecek. Padre Santo, a Colina santa (Svatý Kopecek) está repleta dos seus cordeirinhos. Assim como o está hoje Hradec. Recordo-me sempre com alegria daquele encontro, durante o qual comentei o «Pai Nosso»: um dos mais bonitos encontros de jovens em que jamais participei! Alguns meses mais tarde, teve lugar a peregrinação dos jovens a Loreto, aonde viestes em grande número, acompanhados dos vossos Bispos, após o encontro na Colina santa. Os vossos representantes participaram também nos encontros mundiais de Denver e Manila.

Saúdo todos vós com afecto. Dirijo um pensamento especial a quantos não puderam encontrar-se aqui connosco. Em particular a vós, jovens enfermos, que ofereceis os vossos sofrimentos pelo próximo; e a vós, jovens irmãs de clausura, que escolhestes a vida contemplativa e rezais muito pelos vossos coetâneos.

4. «Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio» (Jn 20,21). Adalberto ouviu estas palavras como se fossem dirigidas a si. Primeiro Bispo de Praga, de sangue boémio, no final do primeiro milénio foi herdeiro das tradições de santidade dos mártires que o haviam precedido, especialmente de Ludmila e Venceslau. Ao mesmo tempo, olhou para o futuro: despendeu todos os esforços em vista do renascimento espiritual de Praga e da Pátria, alimentado por uma ardente fé em Cristo.

1011 Lutou pela verdade. Não aceitou que o espírito do tempo a sufocasse. Viveu para isto, decidido a não renunciar diante de qualquer pressão da sociedade do seu tempo. No limiar do terceiro milénio do qual vós, jovens, sereis os primeiros protagonistas, Santo Adalberto apresenta-se-vos como uma intrépida testemunha da fé. Olhando para ele, podeis encontrar inspiração e luz para enfrentar, com coragem, os desafios do momento presente.

Ele ensina-vos a abertura ao próximo, no generoso dom de vós mesmos. Tendes uma grande aspiração à liberdade e à plenitude de vida: tudo isto não se pode alcançar mediante a busca egoísta dos próprios benefícios, mas somente na abertura do amor. A vocação ao amor é a vossa vocação fundamental.

Jesus chama-vos a este caminho: respondei-Lhe «sim», como o fez Santo Adalberto. Superando os confins sufocantes do egoísmo com o vigor do amor de Cristo, sereis os construtores da nova Europa e do mundo de amanhã.

5. «Enviai o vosso Espírito, Senhor, para renovar a terra!». Da primeira comunidade cristã congregada no Cenáculo, recebemos esta invocação inspirada pelo Salmo, e hoje tenho a alegria de a repetir convosco, jovens, nas proximidades do terceiro milénio. Viveis numa situação que, sob certos aspectos, é análoga à dos primeiros cristãos. O mundo ao redor não conhecia o Evangelho. Mas eles não se perderam. Tendo recebido o dom do Espírito, reuniram-se à volta dos Apóstolos, amando-se recíproca e fraternalmente. Sabiam que eram o fermento novo de que havia necessidade o mundo romano já no ocaso. Desta forma, unidos no amor, superaram toda a resistência.

Sede também vós como eles! Sede Igreja, para levardes ao mundo de hoje o jubiloso anúncio do Evangelho. Santo Adalberto foi um apaixonado servidor da Igreja. Sede-o também vós! A Igreja tem necessidade de vós! Depois de quarenta anos de tentativas de silenciá-la, ela vive aqui na vossa terra uma maravilhosa retomada, apesar das inúmeras dificuldades. Conta com as vossas vigorosas energias, com a contribuição da vossa inteligência e do vosso entusiasmo. Tende confiança na Igreja, assim como ela confia em vós!

6. «Enviai o vosso Espírito, Senhor, para renovar a terra!». A Igreja, que recebeu o Espírito Santo no Pentecostes, leva-o ao homem de todos os tempos. Leva-o também a vós, mediante os seus sacramentos. Estes evocam as etapas fundamentais da vossa vida: fostes baptizados na água e no Espírito, e muitos de vós já receberam a Crisma, o sacramento em que o Espírito vos torna capazes e vos compromete a ser testemunhas de Cristo.

Rezai ao Espírito Santo para que manifeste a sua presença na vossa vida. A mim, a experiência do Espírito Santo foi transmitida de modo particular pelo meu pai, quando eu tinha precisamente a vossa idade. Quando me encontrava em dificuldade, ele recomendava-me que rezasse ao Espírito Santo; e este seu ensinamento indicou-me o caminho que segui até hoje. Falo-vos disto porque sois jovens, como então o era também eu. E falo-vos disto com base em muitos anos de vida, transcorridos em tempos também difíceis.

7. Voltemos ao Cenáculo. Jesus insufla sobre o Apóstolos, dizendo-lhes: «Recebei o Espírito Santo. Aqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados. Aqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos» (
Jn 20,22-23). Queridos jovens, faço votos por que especialmente estas palavras permaneçam em vós: na vossa mente e no vosso coração. O Espírito Santo é concedido à Igreja como manancial de vigor para vencer o pecado. Somente Deus tem o poder de perdoar os pecados, porque só Ele perscruta até ao fundo o ser humano e pode medir plenamente a sua responsabilidade. Na sua profundidade psicológica, o pecado permanece um segredo em que só Deus tem o poder de entrar, para dizer ao homem com palavras eficazes: «Os teus pecados são perdoados, estás perdoado» (cf. Mt Mt 9,2 Mt Mt 9,5 Mc 2,5 Mc 2,9 Lc 5,20 Lc 5,23).

Estimados amigos, desejo que vos recordeis disto. Como sabemos, existem os chamados «pecados sociais» mas, em última análise, cada pecado depende da responsabilidade de um homem concreto. Este homem concreto luta contra o pecado, e vence-o ou é por ele derrotado. Sim, os remorsos de consciência são um sofrimento. Não se podem eliminar. Mais cedo ou mais tarde é preciso buscar o perdão. Se o mal que cometemos diz respeito aos homens, é necessário pedir perdão também a eles; mas para que a culpa seja realmente perdoada, é sempre necessário obter o perdão de Deus.

No sacramento da Reconciliação, Cristo concedeu-nos uma grande dádiva. Se o soubermos viver com fidelidade, tornar-se-á uma nascente inesgotável de vida nova. Não o esqueçamos! Sabei haurir com alegria desta fonte a graça, a cura, a alegria e a paz, para participardes na mesma vida de Cristo, que é vida do Pai comunicada no Espírito Santo.

8. Caros amigos! Confio-vos a tarefa de contribuir de maneira determinante para a evangelização do vosso País, a nação tcheca. Levai Cristo ao terceiro milénio. Confiai n’Ele! A sua promessa permeia os séculos: «Quem perder a vida por Mim e pelo Evangelho, salvá-la-á » (Mc 8,35). Não tenhais medo! Não tenhais medo! A vida com Cristo é uma aventura maravilhosa. Só Ele pode dar pleno significado à vida, só Ele é o núcleo da história. Vivei d’Ele! Com Maria! Com os vossos Santos!

1012 Pedi a Cristo a dádiva do Espírito. Com efeito, é precisamente Ele, o Espírito, a Pessoa divina que tem a tarefa de curar, purificar e santificar as consciências dos homens e, assim, de renovar a face da terra. Faço votos de todo o coração por que isto aconteça para vós, para a vossa Nação, para todos aqueles que fazem parte da herança milenária de Santo Adalberto, bem como para os homens do mundo inteiro. Possam realizar-se em vós as palavras, anunciadas com tanto vigor pela Igreja na Liturgia hodierna: Veni Sancte Spiritus! Vinde, Espírito Santo!

Em Vós reside o manancial da luz e da vida; em Vós, a chama do amor perene; em Vós, o segredo da esperança que não desilude.

Vinde, Espírito Santo!

Amém.





Homilias JOÃO PAULO II 1001