Homilias JOÃO PAULO II 1012


VIAGEM APOSTÓLICA À REPÚBLICA TCHECA



NA ESPLANADA DE LETNÁ


PARA COMEMORAR O MILÉNIO


DO MARTÍRIO DE SANTO ADALBERTO


Praga, 27 de Abril de 1997




1. «O bom pastor dá a vida pelas suas ovelhas» (Jn 10,11).

Estamos reunidos nesta ampla esplanada para juntos cantar o solene Te Deum pelo milénio do nascimento celeste de Santo Adalberto, Bispo de Praga, apóstolo do Evangelho no coração da Europa e testemunha de Cristo até ao supremo sacrifício da vida.

Ele, como o bom Pastor, desde o início despendeu a própria existência pelo rebanho, e ofereceu-a definitivamente com o martírio sofrido no meio dos Prussianos, quando estes ainda se dedicavam às religiões pagãs. Portanto, ele é o zeloso Pastor, que a Providência pôs no início da história das Nações eslavas da Europa central, dos Tchecos, dos Polacos, dos Eslovacos e também da Nação húngara.

Este ano recordamos o milénio do seu martírio: acontecimento que todas as Igrejas particulares, que há mais de dez séculos vivem e anunciam o Evangelho precisamente entre estas Nações, se sentem empenhadas em celebrar com particular intensidade, a começar por esta terra da Boémia, que deu origem à sua ilustre figura.

2. Chamado pelo Sucessor de Pedro ao serviço episcopal da sede de Praga, na Boémia, Santo Adalberto não teve um ministério fácil. Diante da resistência encontrada pelos seus próprios compatriotas, teve de abandonar a sua Sede episcopal e ir a Roma onde, na colina do Aventino, iniciou a vida monástica segundo a tradição beneditina.

Retornou a Praga quando as circunstâncias pareciam ter-se tornado mais favoráveis; contudo, a oposição dos compatriotas obrigou-o de novo a abandonar a sua pátria. Transcorreu o restante da vida como missionário, antes na planície da Panónia — a Hungria de hoje — e em seguida foi acolhido como hóspede em Gniezno, na corte de Boleslau, o Intrépido. Todavia, ele não se deteve nem sequer ali. Partiu de novo como missionário do Evangelho, dirigindo-se para o Báltico, onde encontrou o martírio. Boleslau, o Intrépido, resgatou a alto preço os restos mortais do amigo Bispo, e fez com que fossem transportados para Gniezno.

1013 No ano 1000, precisamente junto das relíquias do Mártir, teve lugar um encontro importante, no qual foram tomadas decisões destinadas a incidir, de maneira significativa, sobre as modalidades da vida nacional e eclesial na Polónia dos Piast. Os cristãos daquela Nação veneram, por isso, Santo Adalberto como um dos seus principais Padroeiros, vendo nele um sinal eloquente do ligame de afinidade que, desde o início, uniu as Nações confinantes da Boémia e da Polónia.

Na terra polaca as recordações de Santo Adalberto estão ligadas sobretudo à Igreja de Gniezno. Os fiéis, contudo, vão muitas vezes em peregrinação a Praga. Com efeito, foi aqui que teve início a missão do Santo, o qual teve profundos vínculos espirituais com os Padroeiros da Igreja na Boémia: São Venceslau e Santa Ludmila, ambos no início de uma longa plêiade de santos gerados por esta vossa terra.

3. No trecho da Carta aos Colossenses que escutámos, Paulo afirma: «Alegro-me nos sofrimentos suportados por vossa causa e completo na minha carne o que falta aos sofrimentos de Cristo pelo Seu Corpo, que é a Igreja» (
Col 1,24).

É difícil encontrar palavras que exprimam melhor o significado do martírio de Santo Adalberto! Ele foi ministro do Evangelho, servidor de Cristo que vive na Igreja. Tornou-se, como os Apóstolos, testemunha aberta e corajosa do mistério de Cristo. «Mistério este — como escreve São Paulo — que foi escondido aos séculos e às gerações passadas, mas que agora foi manifestado aos Seus santos. A estes quis Deus dar a conhecer as riquezas da glória deste mistério entre os gentios» (Col 1,26-27).

4. Trata-se de um Mistério destinado a todos os povos, tanto àqueles que no mundo antigo foram atingidos pelas viagens apostólicas de Paulo, como àqueles que durante o primeiro e o segundo milénio foram alcançados pela actividade missionária da Igreja. Entre o primeiro e o segundo milénio, Santo Adalberto fez próprio este labor apostólico, para levar o mistério de Cristo às nações pagãs no centro da Europa.

Hoje, no termo do segundo milénio, enquanto celebramos os mil anos do martírio de Santo Adalberto, ele mesmo parece falar-nos com as palavras da Carta aos Colossenses: «Guiai-vos por Ele, enraizados e edificados n’Ele, tornando-vos firmes na fé, dando continuamente acções de graças» (Col 2,6-7). O texto paulino adverte-nos contra toda a ciência e filosofia baseada, como escreve o Apóstolo, sobre os «elementos do mundo » (cf. Col Col 2,8), isto é, sobre uma tradição apenas humana, e não sobre Cristo. Com linguagem moderna poder-se-ia dizer que Paulo põe de sobreaviso contra a laicização e a secularização. É advertência mais do que nunca actual nesta circunstância jubilar.

5. Caríssimos Irmãos e Irmãs! Que grande alegria poder celebrar hoje juntamente com todos vós o milénio de Santo Adalberto! Dou graças ao Senhor que nos concede a oportunidade de nos encontrarmos aqui, na esplanada de Letná, exactamente como há sete anos.

Dirijo uma cordial e fraterna saudação, antes de tudo, ao caro Cardeal Arcebispo de Praga, Miloslav Vlk, sucessor de Santo Adalberto. Juntamente com ele saúdo os Bispos da República Tcheca e os Cardeais e Bispos de toda a Europa, os sacerdotes, os religiosos e as religiosas. O meu deferente pensamento dirige-se depois aos representantes do mundo da política, da cultura e da ciência que, com a sua presença, testemunham a importância social, além de religiosa, deste aniversário.

Uma saudação cordial a vós, caríssimos fiéis da Boémia, da Morávia e da Silésia, e a todos vós, Irmãos e Irmãs, que viestes da Eslováquia, da Polónia e de outras Nações da Europa, que hoje sois gratos hóspedes nesta solene celebração.

Recordo com emoção o Cardeal František Tomášek, que promoveu o decénio de renovação espiritual em preparação para o Milénio em honra de Santo Adalberto, a fim de redescobrir as raízes históricas do País e as suas profundas tradições cristãs. Na perspectiva do Grande Jubileu do Ano 2000, esta celebração apresenta não só aos cidadãos da Nação Tcheca, mas a todos aqueles que veneram o santo Mártir como pai na fé, algumas perguntas específicas: O que fizestes do património espiritual por ele deixado? Quais os frutos que dele foram tirados? Saberão os cristãos de hoje encontrar, nos ensinamentos e no exemplo do seu grande Padroeiro, inspiração e estímulo para contribuir de modo eficaz para a edificação da nova civilização do amor?

6. Santo Adalberto exerce ainda hoje um fascínio particular com a sua personalidade íntegra, dotada de firmeza granítica, aberta às necessidades espirituais e materiais dos irmãos. São muitos os que o reconhecem como digno representante não só da Nação Tcheca, mas também da tradição cristã ainda felizmente indivisa.

1014 Nesta luz, Santo Adalberto é uma testemunha, poderíamos dizer, poliédrica, que Deus deu à Comunidade cristã do passado e à do presente. Ele é sinal daquela harmonia e colaboração que deve existir entre a Igreja e a sociedade. É sinal do vínculo existente entre as Nações tcheca e polaca. Digo isto com viva satisfação porque, se Deus quiser, dentro de um mês estarei entre os meus compatriotas para celebrar com eles o Milénio do vosso Santo. Também graças a ele o cristianismo se desenvolveu muito na Polónia. Actualmente chega às Dioceses tchecas um considerável número de sacerdotes polacos, fruto do sangue deste grande Mártir, para cooperarem no trabalho pastoral nas vossas comunidades, nesta fase de esperança após o longo período da violência e da repressão.

Santo Adalberto é um santo para os cristãos de hoje: convida-os a não entrincheirar- se, detendo para si o tesouro das verdades possuídas, numa atitude de defesa estéril diante do mundo. Ao contrário, pede-lhes que se abram à sociedade actual, na busca de tudo aquilo que de bom e válido ela possui, para o elevar e, se for necessário, purificar à luz do Evangelho.

7. «O bom pastor dá a vida pelas suas ovelhas» (
Jn 10,11).

A Liturgia da Palavra da Solenidade hodierna encontra, num certo sentido, o seu coroamento no trecho do Evangelho segundo João. A parábola do «Bom Pastor » está centrada na pessoa e na missão de Cristo. É precisamente Ele o Bom Pastor que dá a Sua vida pelas ovelhas, como aconteceu no Calvário com a paixão e a morte na Cruz.

No momento em que Se oferece, Cristo tem clara consciência do valor universal que o Seu Sacrifício possui. Ele diz: «Dou a vida pelas Minhas ovelhas » (Jn 10,15). E imediatamente acrescenta, como que dirigindo o pensamento a todos aqueles pelos quais Ele Se oferece: «Ainda tenho outras ovelhas que não são deste aprisco e também tenho de as conduzir; ouvirão a Minha voz e haverá um só rebanho e um só pastor» (Jn 10,16). No Gólgota estão já espiritualmente presentes os povos e as nações da terra, todos chamados à salvação.

8. O Evangelho é destinado a todos os homens, porque todos foram remidos pela paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo. Todos, e portanto também os povos aos quais, há mil anos, foi enviado Santo Adalberto como testemunha do mistério de Cristo.

Após mil anos, enquanto recordamos o martírio e toda a vida evangélica de Santo Adalberto, cantamos com a inteira Comunidade cristã: Te Deum laudamus... – «Nós Vos louvamos, ó Deus. / Nós Vos proclamamos Senhor. / Toda cândida plêiade dos mártires Vos aclama».

E ao mesmo tempo recomendamos à Providência divina a terra natal do santo Bispo, a ilustre Nação onde ele nasceu, bem como os povos eslavos que, no início da própria história, experimentaram os frutos da sua missão.

Salvum fac populum tuum, Domine...: «Salvai o vosso povo, Senhor, /abençoai e protegei os vossos filhos».

Salvum fac! A obra de salvação, iniciada nesta terra por Santo Adalberto, permaneça sólida e frutifique abundantemente entre vós, seus compatriotas, assim como entre aqueles aos quais foi enviado!

Amém.





NA CERIMÓNIA DE BEATIFICAÇÃO


DE CINCO NOVO BEATOS


1015
4 de Maio de 1997




1. «O Meu mandamento é este: que vos ameis uns aos outros, como Eu vos amei» (
Jn 15,12).

A Liturgia deste sexto domingo de Páscoa convida-nos a reflectir sobre o grande mandamento do amor, à luz do Mistério pascal. Precisamente a meditação do novo mandamento, coração e síntese do ensinamento moral de Cristo, introduz- nos na celebração hodierna, que se tornou particularmente solene e sugestiva pela proclamação de cinco novos Beatos.

Na segunda leitura e no trecho evangélico a lei da caridade é-nos apresentada como o testamento de Jesus, na vigília da sua Paixão. «Digo- vos isto para que a Minha alegria esteja em vós e o vosso gozo seja completo» (Jn 15,11): assim Ele conclui o seu discurso aos Apóstolos na última Ceia.

O amor de Deus é portanto a fonte da verdadeira alegria. É quanto experimentaram pessoalmente estes nossos irmãos na fé, que são apresentados hoje à Igreja como modelos de generosa adesão ao mandamento do Senhor. Eles são «beatos». Na sua existência terrena, viveram dum modo muito particular o amor de Deus e, precisamente por isso, puderam gozar a plenitude da alegria prometida por Cristo.

Hoje são propostos à nossa veneração como testemunhas privilegiadas do amor de Deus. Com o seu exemplo e com a sua intercessão, indicam o caminho rumo àquela plena felicidade que constitui a aspiração profunda da alma humana.

2. Como repetimos no Salmo responsorial, há pouco cantado, o mundo inteiro é convidado a alegrar-se pelas grandes obras de Deus: «Aclamai o Senhor, terra inteira, rejubilai, exultai e cantai salmos!» (Ps 97,4). Hoje, de diversas partes do mundo, em particular dos lugares onde os novos Beatos viveram e trabalharam, eleva-se a Deus um intenso cântico de louvor e de acção de graças pela beatificação de Florentino Asensio Barroso, Bispo e mártir, de Zeferino Giménez Malla, mártir, de Gaetano Catanoso, presbítero, fundador da Congregação das Irmãs Verónicas da Sagrada Face, de Enrico Rebuschini, presbítero, da Ordem dos Clérigos Regulares Ministros dos Enfermos, e de Maria Encarnación Rosal, reformadora do Instituto das Irmãs Bethlemitas.

3. «Como o Pai Me amou, também Eu vos amei; permanecei no Meu amor» (Jn 15,9). O Bispo Florentino Asensio Barroso permaneceu no amor de Cristo. Como Ele, entregou-se ao serviço dos irmãos, especialmente no ministério sacerdotal, desempenhado com generosidade durante muitos anos em Valhadolidantes, e depois no seu breve espaço de tempo como Bispo Administrador Apostólico de Barbastro, sede para a qual tinha sido eleito poucos meses antes do início da deplorável Guerra civil de 1936. Para um ministro do Senhor o amor é vivido na caridade pastoral e, por isso, ante os perigos que se apresentavam, não abandonou o seu rebanho, mas antes, a exemplo do Bom Pastor, ofereceu a sua vida por ele.

O Bispo, como mestre e guia na fé para o seu povo, é chamado a confessála com as palavras e as obras. D. Asensio levou até às suas últimas consequências a sua responsabilidade de pastor, ao morrer pela fé que vivia e pregava. Nos últimos momentos da sua vida, depois de ter sofrido vexames e lacerantes tormentos, ante a pergunta de um dos seus verdugos, se conhecia o destino que o esperava, respondeu com serenidade e firmeza: «Vou para o paraíso». Proclamava assim a sua inquebrantável fé em Cristo, vencedor da morte e dador da vida eterna. Ao ser elevado hoje à glória dos altares, o Beato Florentino Asensio Barroso continua a encorajar, com o seu exemplo, a fé dos fiéis dessa amada diocese aragonesa e vela por ela com a sua intercessão.

4. «Chamei-vos amigos» (Jn 15,15). Também em Barbastro o cigano Zeferino Giménez Malla, conhecido como «el Pelé», morreu pela fé na qual tinha vivido. A sua vida mostra como Cristo está presente nos diversos povos e raças e que todos são chamados à santidade, a qual se alcança conservando os Seus mandamentos e permanecendo no Seu amor (cf. Jo Jn 15,11). «El Pelé» foi generoso e acolhedor para com os pobres, embora ele mesmo fosse pobre; honesto na sua actividade; fiel ao seu povo e à sua raça calé; dotado de uma inteligência natural extraordinária e do dom do conselho. Foi sobretudo um homem de profundas crenças religiosas.

A frequente participação na Santa Missa, a devoção à Virgem Maria com a recitação do rosário e a pertença a diversas associações católicas ajudaram-no a amar a Deus e ao próximo com integridade. Assim, ainda que com o risco da própria vida, não hesitou em defender um sacerdote que ia ser preso, razão por que o levaram para o cárcere, onde não abandonou nunca a oração, sendo depois fuzilado enquanto estreitava o rosário nas suas mãos. O Beato Zeferino Giménez Malla soube semear concórdia e solidariedade entre os seus, servindo de mediador também nos conflitos que às vezes se verificavam nas relações entre camponeses e ciganos, demonstrando que a caridade de Cristo não conhece limites de raças nem de culturas. Hoje «el Pelé» intercede por todos diante do Pai comum, e a Igreja propõe-no como modelo a seguir e como demonstração significativa da universal vocação à santidade, especialmente para os ciganos que com ele têm estreitos vínculos culturais e étnicos.

1016 5. O Padre Gaetano Catanoso seguiu Cristo pelo caminho da Cruz, fazendo-se com Ele vítima de expiação pelos pecados. Repetia com frequência que queria ser o Cireneu que ajuda Cristo a carregar a Cruz, pesada mais pelos pecados do que pelo peso material do madeiro.

Verdadeira imagem do Bom Pastor, prodigalizou-se incansavelmente pelo bem do rebanho que lhe foi confiado pelo Senhor, tanto na vida paroquial como na assistência aos órfãos e aos doentes, tanto no apoio espiritual aos seminaristas e aos jovens sacerdotes como na animação das Irmãs Verónicas da Sagrada Face, por ele fundadas.

Nutriu e difundiu uma grande devoção à Face ensanguentada e desfigurada de Cristo, que ele via reflectida no rosto de cada homem que sofre. Todos os que com ele se encontravam, percebiam na sua pessoa o bom perfume de Cristo; por isso gostavam de o chamar «pai», e assim o sentiam realmente, pois ele era um sinal eloquente da paternidade de Deus.

6. Também o Beato Enrico Rebuschini caminhou de modo decisivo, ao longo da sua existência, para aquela «perfeição da caridade», que constitui o tema dominante da Liturgia da Palavra deste Domingo. Na esteira do Fundador, São Camilo de Lellis, testemunhou a caridade misericordiosa, exercendo-a em todos os âmbitos em que actuou. O seu firme propósito de «consumar o próprio ser para dar Deus ao próximo, vendo nele o próprio rosto do Senhor», empenhou-o num árduo caminho ascético e místico, caracterizado por uma intensa vida de oração, por um amor extraordinário pela Eucaristia e pela incessante dedicação aos doentes e aos que sofrem.

Ele tornou-se um ponto de referência seguro tanto para os Clérigos Regulares Ministros dos Enfermos, como para a Comunidade cristã de Cremona. O seu exemplo constitui para todos os crentes um premente convite a estarem atentos aos que sofrem e aos doentes no corpo e no espírito.

7. «Fui Eu que vos escolhi e vos nomeei para irdes e dardes frutos, e para que o vosso fruto permaneça» (
Jn 15,16). A Madre Maria Encarnación Rosal, primeira guatemalteca beatificada, foi escolhida para continuar o carisma do Beato Pedro de São José Betancourt, fundador da Ordem Bethlemita, a primeira latino-americana. Hoje, o seu fruto perdura nas Irmãs Bethlemitas que, juntamente com todos os membros da grande família da Associação de Leigos, trabalham para pôr em prática o seu carisma evangelizador ao serviço da Igreja.

Mulher constante, tenaz e animada sobretudo pela caridade, a sua vida é fidelidade a Cristo — seu confidente assíduo através da oração — e à espiritualidade de Belém. Isto custou-lhe múltiplos sacrifícios e desgostos, tendo que peregrinar de um lugar para outro a fim de poder consolidar a sua Obra. Não lhe importou renunciar a muitas coisas, contanto que se salvasse o essencial, afirmando: «Perca-se tudo, menos a caridade».

A partir daquilo que aprendera na escola de Belém, isto é, o amor, a humildade, a pobreza, a entrega generosa e a austeridade, viveu uma esplêndida síntese de contemplação e acção, unindo às obras educativas o espírito de penitência, de adoração e de reparação do Coração de Jesus. Que o seu exemplo perdure entre as suas filhas, e que a sua intercessão acompanhe a vida eclesial do Continente americano, que se dispõe com esperança a cruzar o limiar do Terceiro Milénio da era cristã.

8. A santidade é chamamento que Deus dirige a todos, mas sem forçar ninguém. Deus pede e espera a livre adesão do homem. No âmbito desta vocação universal à santidade, Cristo escolhe depois para cada um uma tarefa específica e, se encontra correspondência, Ele mesmo provê com que progrida a obra iniciada, fazendo que o fruto permaneça.

«Como o Pai Me amou, também Eu vos amei... Vós sereis Meus amigos» (Jn 15,9 Jn 15,14), continua a repetir o Senhor e espera a nossa resposta, como fez com os novos Beatos. O exemplo deles recorda-nos que todos nós estamos empenhados, cada um de modo diferente, em produzir fruto, para o bem não só nosso, mas da comunidade inteira. Exultamos, hoje, pelo dom destes novos Beatos. Damos graças a Deus por tudo o que realizaram e pelas obras de bem que deixaram na sua passagem sobre a terra. Oramos a fim de que o seu exemplo seja seguido por muitos e aumente o número dos trabalhadores na vinha do Senhor.

Renove-se a face da terra (cf. Sl Ps 103,30) pelo poder do Espírito Santo, e em todos os cantos do mundo ressoe o cântico da alegria, ressoe o anúncio do amor divino.

1017 Deus é amor: Ele foi o primeiro a amar-nos. Agora a nossa tarefa é amarnos uns aos outros, como Ele nos amou. Por isto seremos reconhecidos como Seus discípulos. Daqui nasce a nossa responsabilidade: ser testemunhas críveis. Os novos Beatos foram-no. Obtenham para nós a graça de o sermos também nós, a fim de que este mundo, que amamos, saiba reconhecer em Cristo o único e verdadeiro Salvador!





VIAGEM APOSTÓLICA AO LÍBANO

CELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA COM OS JOVENS

HOMILIA DO DO PAPA JOÃO PAULO II


Basílica de Notre-Dame do Líbano, Harissa

Sábado 10 de Maio de 1997




Queridos Jovens do Líbano

1. Sinto-me particularmente feliz por me encontrar convosco esta tarde, durante a minha viagem apostólica no vosso país. Em primeiro lugar, agradeço ao Senhor Cardeal Nasrallah Pierre Sfeir, Patriarca de Antioquia dos Maronitas, as suas palavras de boas-vindas, e a D. Habib Bacha, Presidente da Comissão episcopal para o Apostolado dos Leigos, ter-me apresentado a juventude do Líbano.

Queridos jovens, sensibilizaram-me especialmente as palavras que, por intermédio dos vossos representantes, ides dirigir-me com franqueza e confiança. Compreendo as aspirações que vos animam e as vossas inquietações perante a situação quotidiana que não vos parece poder mudar. Assim, descubro os rostos de rapazes e moças que, com todo o ardor e o impulso da sua juventude, têm contudo o profundo desejo de se voltarem para o futuro, pedindo ao Senhor que lhes dê força e coragem, que lhes comunique o Seu amor e a Sua esperança, como vamos pedir na oração de abertura da nossa celebração. Ao longo dos anos passados, amparei-vos mediante a oração, pedindo a Cristo que vos assista na vossa peregrinação rumo à paz e na vossa vida pessoal e social.

2. Vamos escutar a narração evangélica dos discípulos de Emaús. A sua experiência pode ajudar-vos, pois assemelha-se à de cada um de vós. Amargurados pelos acontecimentos da Semana Santa, desorientados pela morte de Jesus e desiludidos porque não realizam as suas expectativas, os dois discípulos decidem deixar Jerusalém no dia da Páscoa e regressar à sua aldeia. A esperança suscitada por Cristo durante os três anos passados em Sua companhia na Terra Santa parece ter-se anulada com a Sua morte. Entretanto, percorrendo o caminho, os peregrinos de Emaús recordam-se da mensagem do Senhor, mensagem de amor e caridade fraterna, mensagem de esperança e salvação. Conservam no próprio coração a lembrança das obras e dos gestos que Ele realizara durante a Sua vida pública, das margens do Jordão ao Gólgota, passando por Tiro e Sidónia.

Ambos se recordam das palavras e dos encontros com o Senhor, que manifestava a Sua ternura, compaixão e amor a todo o ser humano. Impressionara todos com o Seu ensinamento e a Sua bondade. Para além da fealdade do pecado, Cristo considerava a beleza interior do ser criado à imagem de Deus. Sabia compreender o profundo desejo de verdade e a sede de felicidade que habitam na alma de cada pessoa. Mediante o Seu olhar, a mão estendida e a palavra de conforto, Jesus chamava cada um a erguer-se depois da queda, porque cada pessoa possui um valor que ultrapassa as suas acções, e não há pecado que não se possa perdoar. Assim, recordando- se de tudo isto, os discípulos começam a meditar a Boa Nova transmitida pelo Messias.

Ao longo da sua caminhada na via de Emaús, enquanto contemplavam a pessoa de Cristo, a Sua palavra e a Sua vida, os discípulos encontram o próprio Ressuscitado, que lhes revela a profundidade das Escrituras, fazendo-lhes descobrir o desígnio de Deus. Os eventos de Jerusalém, a morte na Cruz e a ressurreição trazem a salvação a todos os homens. Venceu-se a morte e abriu-se definitivamente o caminho da vida eterna. Todavia, os dois homens ainda não reconhecem o Senhor. O seu coração está obscurecido e perturbado. Não é senão no termo do caminho, quando Jesus lhes parte o pão, repetindo o gesto da Ceia, memorial do Seu sacrifício, que os seus olhos se abrem para acolher a verdade: Jesus ressuscitou; precede-os pelos caminhos do mundo. A esperança não morreu. Imediatamente, regressam a Jerusalém para anunciar a Boa Notícia. Fortalecidos por estas promessas, também nós sabemos que Cristo está vivo e deveras presente no meio dos Seus irmãos, todos os dias, até ao fim dos tempos.

3. Cristo repercorre incessantemente esta via de Emaús, este percurso sinodal com a Sua Igreja; com efeito, a palavra sínodo quer dizer caminhar juntos. Repercorreu-a com os pastores da Igreja católica do Líbano, durante a Assembleia especial realizada em Roma, em Novembro e Dezembro de 1995. Prezados jovens, Ele quer repercorrê-la também convosco; convosco, porque o Sínodo dos Bispos para o Líbano foi feito para vós: o futuro sois vós. Quando realizais a vossa tarefa quotidiana, no estudo ou no trabalho, quando servis os vossos irmãos, quando compartilhais as vossas dúvidas e esperanças, quando meditais a Escritura, sozinhos ou na Igreja, quando participais na Eucaristia, Cristo vem ao vosso encontro; Ele caminha ao vosso lado; é a vossa força, o vosso alimento e a vossa luz.

Estimados jovens, na vossa vida quotidiana, não tenhais medo de encontrar Cristo, a exemplo dos discípulos de Emaús. Na vossa vida pessoal, na vida eclesial, o Senhor acompanha-vos e infunde- vos a Sua esperança. Cristo confia em vós, para serdes responsáveis pela vossa própria existência e por aquela dos vossos irmãos e irmãs, pelo futuro da Igreja que está no Líbano e pelo futuro do vosso país. Viva a paz! Hoje e amanhã, Jesus convida-vos a abandonar as vossas sendas, para caminhar com Ele, unidos com todos os fiéis da Igreja católica e com todo o povo libanês.

1018 4. Então, aceitais seguir Cristo? Se aceitardes seguir Cristo e vos deixardes arrebatar por Ele, Ele há-de demonstrar-vos que o mistério da Sua morte e ressurreição é a chave de leitura por excelência da vida cristã e da vida humana. Com efeito, em toda a existência, há tempos em que Deus parece calar-Se, como na noite de Quinta-Feira Santa; há tempos de aflição, como o dia de Sexta-Feira Santa, em que Deus parece abandonar aqueles que ama; há tempos de luz, como no alvorecer da manhã de Páscoa, que viu a vitória definitiva da vida sobre a morte. A exemplo de Cristo, que repôs a própria vida nas mãos do Pai, é ao depositardes a vossa confiança em Deus que haveis de realizar grandes obras. Pois bem, se contamos unicamente connosco mesmos, os nossos projectos fazem transparecer com demasiada frequência interesses particulares e de parte. Mas tudo pode mudar quando se conta antes de mais com o Senhor, que vem transformar, purificar e pacificar o ser interior. As transformações às quais aspirais na vossa terra têm necessidade em primeiro lugar e sobretudo de mudanças nos corações.

5. Com efeito, compete-vos fazer cair os muros que se puderam erigir durante os períodos dolorosos da história da vossa nação; não edifiqueis novos muros no interior do vosso país. Ao contrário, cabe-vos construir pontes entre as pessoas, entre as famílias e entre as diferentes comunidades. Na vossa vida quotidiana, oxalá realizeis gestos de reconciliação, para passardes da desconfiança à confiança! É também vossa tarefa velar por que cada libanês, em especial cada jovem, possa participar na vida social, na casa comum. Assim nascerá uma nova fraternidade e hão-de de tercer-se laços sólidos, porque para a edificação do Líbano a arma principal e determinante é a do amor. Haurindo na vida íntima com o Senhor, manancial do amor e da paz sereis, por vossa vez, artífices de paz e amor. Por isto, diz-nos o Apóstolo, seremos reconhecidos como Seus discípulos.

Vós sois a riqueza do Líbano, vós que tendes sede de paz e de fraternidade, e que tendes o desejo de vos empenhar cada dia em favor desta terra à qual sois profundamente apegados. Juntamente com os vossos pais, os vossos educadores e todos os adultos que desempenham encargos sociais e eclesiais, deveis preparar o Líbano de amanhã, para fazerdes dele um povo unido, com a sua diversidade cultural e espiritual. O Líbano é uma herança repleta de promessas. Prodigalizai-vos em adquirir uma sólida educação cívica e moral, a fim de terdes plena consciência das vossas responsabilidades na reconstrução nacional. Entre os elementos que criam a unidade no seio de uma nação, encontra-se o sentido do diálogo com todos os irmãos, no respeito das sensibilidades específicas e das diferentes histórias comunitárias. Longe de afastar as pessoas umas das outras, esta fundamental atitude de abertura constitui um dos elementos morais essenciais da vida democrática e um dos instrumentos fundamentais do desenvolvimento das solidariedades, para recompor o tecido social e dar um novo impulso à vida nacional.

6. Para vos manifestar a minha estima e confiança, daqui a pouco, no termo da homilia, assinarei diante de vós a Exortação apostólica pós-sinodal. Mediante as vossas reflexões, oferecestes uma notável contribuição à preparação da Assembleia, na qual fostes representados e escutados. Hoje, escolho-vos como testemunhas privilegiadas e como depositários da mensagem de renovação de que a Igreja e o vosso país precisam. Exorto-vos a participar com ardor na prática das orientações da Assembleia sinodal. Juntamente com os Patriarcas e os Bispos, pastores da grei, com os sacerdotes, os religiosos, as religiosas e o conjunto do povo cristão, tendes a tarefa de ser testemunhas do Ressuscitado, mediante a palavra e toda a vossa vida. Na comunidade cristã, cada um de vós é chamado a assumir uma parte de responsabilidade. Ao escutardes Cristo que vos chama e que deseja assegurar o bom êxito da vossa existência, respondereis à vossa vocação especial, no sacerdócio, na vida consagrada ou no matrimónio. Em cada estado de vida, comprometer-se em seguir o Senhor é fonte de grande alegria. A igreja em que nos encontramos está situada no cume da montanha: é visível para os habitantes de Beirute e da região, bem como para os visitantes que chegam à vossa terra; assim, o vosso testemunho seja para os vossos companheiros um exemplo iluminador! Não esqueçais a vossa identidade cristã e a vossa condição de discípulos do Senhor. Esta é a vossa glória; a vossa esperança; a vossa missão. Recebei a Exortação como uma dádiva que a Igreja universal apresenta à Igreja que está no Líbano e ao vosso país, com a certeza de que o vosso dinamismo e a vossa coragem estarão na origem de profundas transformações em vós mesmos e na sociedade em geral. Depositai a vossa fé e a vossa esperança em Cristo. N'Ele, não sereis desiludidos!

7. Imploremos à Virgem Maria, Nossa Senhora do Líbano, que vele sobre o vosso país e sobre os seus habitantes, ajudando-vos com a sua ternura materna a ser os herdeiros dignos dos santos da vossa terra e a fazer reflorescer o Líbano, país que faz parte dos Lugares Santos que Deus ama, porque aqui veio construir a Sua morada, recordando-nos que devemos construir a cidade terrestre, tendo os olhos fixos nos valores do Reino.

Então, devo dizer-vos que seguistes o discurso com atenção. E devo dizer-vos que também eu vos segui: reagem eles no momento justo? Aplaudem eles quando é preciso aplaudir? Pois bem, verifiquei tudo isto. Assim passastes o vosso exame! E agora devemos regressar à Basílica, à igreja para celebrarmos a parte litúrgica. Deveis ainda participar nela e depois voltarei aqui para vos ver.



VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II AO LÍBANO

HOMILIA NA CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA

NA ESPLANADA DA BASE NAVAL


Beirute, 11 de Maio de 1997

1. Hoje, saúdo o Líbano. Há muito tempo eu desejava vir aqui, e por muitas razões! Chego ao vosso país somente neste dia, para concluir a Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para o Líbano. Há quase dois anos, a Assembleia sinodal realizou os seus trabalhos em Roma. Mas a sua parte solene, a publicação do documento pós-sinodal, tem lugar agora, no Líbano. Estas circunstâncias permitem-me estar na vossa terra, pela primeira vez, e expressar-vos o amor que a Igreja e a Sé Apostólica nutrem pela vossa nação, por todos os libaneses: os católicos dos diferentes ritos — maronita, melquita, arménio, caldeu, sírio, latino —, os fiéis que pertencem às outras Igrejas cristãs, assim como os muçulmanos e os drusos, que crêem no Deus único. Do íntimo do coração, saúdo todos vós, nesta circunstância tão importante. Queremos agora apresentar a Deus os frutos do Sínodo para o Líbano.


Agradeço ao Senhor Cardeal Nasrallah Pierre Sfeir, Patriarca maronita, as palavras de boas-vindas que me dirigiu em nome de todos vós. Agradeço também aos Cardeais que me acompanham; com a sua presença, eles sublinham o apego da Sé Apostólica ao Líbano. Saúdo os Patriarcas e os Bispos presentes, assim como todas as pessoas que participaram nos trabalhos do Sínodo para o Líbano.

É para mim uma alegria saudar os ilustres representantes das outras Igrejas e Comunidades eclesiais, e sobretudo os delegados fraternos do Sínodo, que quiseram associar-se a esta festa dos seus irmãos católicos. Dirijo também às personalidades muçulmanas e drusas uma saudação muito cordial.

Com deferência, exprimo a minha gratidão a Sua Excelência o Presidente da República, a Sua Excelência o Presidente do Parlamento, a Sua Excelência o Presidente do Conselho dos Ministros, assim como às Autoridades do Estado pela sua presença nesta celebração litúrgica.


Homilias JOÃO PAULO II 1012