Homilias JOÃO PAULO II 1030


VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II À POLÓNIA



DURANTE O ENCONTRO ECUMÉNICO EM WROCLAW


31 de Maio de 1997


Louvado seja Jesus Cristo!

1031 1. Saúdo cordialmente todos os presentes nesta nossa comum Oração Ecuménica.

Agradeço ao Bispo de Opole as palavras de boas-vindas. Saúdo o Bispo Jan Szarek, Presidente do Conselho Ecuménico Polaco, e na sua pessoa todos os Representantes das Igrejas e Comunidades eclesiais associadas no Conselho Ecuménico Polaco. Com sentido de comunhão em Cristo, saúdo as Irmãs e os Irmãos de outras Igrejas ortodoxas convidadas, os Representantes das Igrejas e das Comunidades protestantes do estrangeiro, e também os Representantes de outras Igrejas e Comunidades cristãs. Foi Cristo, nosso Senhor e Salvador, que nos reuniu aqui. Louvado seja neste encontro o seu Santo Nome, e o Espírito Santo faça com que a palavra de Deus, que acabámos de escutar na obediência da fé, produza frutos. Agradeço ao Senhor Presidente e às mais altas Autoridades a sua presença neste importante encontro ecuménico de oração.

2. O pensamento principal desta Liturgia da Palavra é constituído por tudo o que Jesus incluiu na Sua oração sacerdotal, na vigília da Sua paixão e morte na Cruz. É a oração pela unidade dos Seus discípulos: Ó Pai, «não rogo somente por estes, mas também por aqueles que, pela sua palavra, hão-de crer em Mim para que todos sejam um só; como Tu, ó Pai, estás em Mim e Eu em Ti, que também eles estejam em Nós, para que o mundo creia que Tu Me enviaste » (
Jn 17,20-21). Esta invocação compreende não só os Apóstolos, mas também todas as gerações daqueles que hão-de herdar dos Apóstolos a mesma fé. Referimo-nos constantemente a estas palavras de Cristo no Cenáculo, tanto na oração como na acção ecuménica: Ut unum sint. Trata-se aqui da unidade à semelhança daquela trinitária: «Como Tu, ó Pai, estás em Mim e Eu em Ti» (Ibid.). A relação recíproca das Pessoas na unidade da divina Trindade é a suma forma da unidade, o seu modelo supremo.

Enquanto Cristo ora pela unidade dos Seus discípulos, mostra ao mesmo tempo que essa unidade é um dom, e também uma obrigação. É um dom que recebemos do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Contemporaneamente, é uma obrigação, pois nos foi dada como tarefa. Foi dada como tarefa a todas as gerações cristãs, a começar pelos Apóstolos; a todos, no primeiro e no segundo milénio.

Cristo por duas vezes retorna a este pensamento essencial. Com efeito, ora assim: «Dei-lhes a glória que Tu Me deste, para que sejam um como Nós somos um. Eu neles e Tu em Mim» (Jn 17,22-23). Aqui Cristo atravessa, num certo sentido, os confins da unidade divina da Trindade e passa àquela unidade que é tarefa dos cristãos. Diz: «Para que eles sejam perfeitos na unidade e para que o mundo reconheça que Tu Me enviaste e os amaste, como Me amaste a Mim» (Jn 17,23). Os discípulos de Cristo devem formar uma unidade perfeita, também visível, para que o mundo veja neles um sinal legível por si mesmo. A unidade dos cristãos, portanto, tem ainda este significado essencial, de testemunhar a credibilidade da missão de Cristo, de revelar o amor do Pai por Ele e pelos Seus discípulos. Precisamente por isso, esta unidade, dom supremo da Santíssima Trindade, é ao mesmo tempo altíssimo dever de todos os confessores de Cristo.

3. Ao porem-se à escuta da voz do Espírito Santo, as Igrejas e as Comunidades eclesiais sentem-se chamadas, de maneira irrevocável, à busca de uma unidade sempre mais profunda, não só interior mas também visível. Uma unidade que se torne um sinal para o mundo, para que o mundo conheça e creia. Não se pode voltar atrás no caminho ecuménico!

Os cristãos que vivem nas sociedades, onde muitos experimentam de modo trágico as divisões externas e internas, têm necessidade de aprofundar constantemente a consciência do magnífico dom da reconciliação com Deus, em Jesus Cristo. Só deste modo podem tornar-se, eles mesmos, propagadores da reconciliação entre aqueles que têm nostalgia de se reconciliar com Deus, contribuindo assim para a reconciliação entre as Igrejas e as Comunidades eclesiais, como via e estímulo para a reconciliação entre as Nações. Esta exortação à reconciliação será também o tema da II Assembleia Ecuménica Europeia, que de 23 a 29 de Junho deste ano se realizará em Graz, na Áustria. Os efeitos de numerosos eventos, ocorridos na história do mundo e da Europa, exigem com efeito a reconciliação.

Retorno de bom grado com o pensamento ao nosso último encontro na igreja da Santíssima Trindade de Varsóvia, em 1991. Eu dizia então que temos necessidade de tolerância, mas que só a tolerância entre as Igrejas é decisivamente muito pouco. Que irmãos são aqueles que só se toleram? É preciso também aceitar-se reciprocamente. Recordo hoje estas palavras e confirmo-as com determinação. Contudo, nem sequer com a aceitação recíproca nos podemos contentar. Com efeito, o Senhor da história põe-nos diante do terceiro milénio do cristianismo. Soa uma grande hora. A nossa resposta deveria estar à altura do grande momento deste particular kairos de Deus. Aqui, neste lugar, quero dizer: Não basta a tolerância! Não basta a aceitação recíproca. Jesus Cristo, Aquele que é e que há-de vir, espera de nós um sinal tangível de unidade, espera um testemunho comum.

Irmãs e Irmãos, venho a vós com esta mensagem. Peço um comum testemunho dado a Cristo diante do mundo. Peço no nome de Cristo! Dirijo-me em primeiro lugar a todos os fiéis da Igreja católica, de modo especial aos meus Irmãos no ministério episcopal, e também ao clero, às pessoas de vida consagrada e a todos os leigos. Ouso pedir também a vós, dilectas Irmãs e Irmãos de outras Igrejas e Comunidades eclesiais. No nome de Jesus, peço um comum testemunho cristão. O Ocidente tem muita necessidade da nossa fé, viva e profunda, na etapa histórica da construção de um sistema novo de múltiplas referências. O Oriente, devastado espiritualmente por anos de ateização programada, tem necessidade de um forte sinal de abandono em Cristo. A Europa tem necessidade de todos nós reunidos solidários à volta da Cruz e do Evangelho. Devemos ler com atenção os sinais do tempo. Jesus Cristo espera de todos nós o testemunho da fé. A sorte da evangelização está vinculada ao testemunho da unidade dado pela Igreja. Sinal de um semelhante testemunho comum, é a colaboração fraterna no campo ecuménico na Polónia. Aqui tenho em mente o grupo especial, que abordou o Sacramento do Baptismo, como fundamento da unidade dos cristãos, que já existe. Já se conseguiu publicar os frutos desse trabalho. Estais também a preparar a tradução ecuménica da Sagrada Escritura. Uma iniciativa particular de algumas pessoas transformou-se em colaboração oficial intereclesial. O resultado desta colaboração é a tradução ecuménica do Evangelho de S. Mateus, publicada a 17 de Fevereiro deste ano pela Sociedade Bíblica. Nutrimos a esperança de que toda a Sagrada Escritura seja publicada numa edição ecuménica, por ocasião do Grande Jubileu do Ano 2000. Actualmente, tendes a intenção de instituir uma nova estrutura ecuménica intereclesial, dotada de maior dinâmica. Esta iniciativa, necessária sob todos os pontos de vista, parte do Conselho Ecuménico Polaco. Espero que essa ideia se transforme num eficaz fórum de encontro, de diálogo, de entendimento e de acções concretas comuns, e portanto também de testemunho. Desejo agradecer de coração aos autores deste projecto e exprimir um sincero apreço por estes nobres esforços.

4. Rumo ao testemunho comum leva a estrada difícil da reconciliação, sem a qual não é possível a unidade. As nossas Igrejas e Comunidades eclesiais têm necessidade de reconciliação. Podemos estar reconciliados plenamente com Cristo, sem estarmos totalmente reconciliados entre nós? Podemos testemunhar Cristo em comum e com eficácia, não estando reconciliados entre nós? Podemos reconciliar-nos entre nós, sem nos perdoarmos reciprocamente? O perdão é a condição da reconciliação. Este, porém, não pode existir sem a transformação interior e a conversão, que é obra da graça. «O empenho ecuménico deve fundar-se sobre a conversão dos corações e sobre a oração» (Ut unum sint UUS 2).

A leitura do Livro do profeta Ezequiel indica a necessidade da conversão, fazendo referência à dispersão de Israel: «Eu vos retirarei de entre as nações, recolher-vos-ei de todos os países e vos reconduzirei ao vosso país... dar-vos-ei um coração novo e introduzirei em vós um espírito novo: arrancarei do vosso peito o coração de pedra e vos darei um coração de carne» (Ez 36,24 Ez 36,26). Para actuar o caminho ecuménico da unidade, é preciso a mudança do coração e a renovação da mente. Deveríamos então implorar ao Espírito Santo a graça da humildade, uma atitude de magnanimidade fraterna em relação aos outros. Na Carta aos Efésios, São Paulo encoraja os destinatários a comportarem-se de modo digno da própria vocação, a cultivarem em si as virtudes da humildade, da mansidão, da paciência e a suportarem-se uns aos outros na caridade (cf. Ef Ep 4,1-3). Uma semelhante colaboração dos homens com a graça do Espírito Santo torna-se o penhor da comum esperança, de todos os discípulos de Cristo, de alcançarem a plena unidade.

1032 Sustentemos com uma sincera oração o nosso empenho ecuménico. Neste nosso segundo milénio, no qual a unidade dos discípulos de Cristo sofreu dramáticas divisões no Oriente e no Ocidente, a oração para reencontrar a plena unidade é um nosso particular dever. É obrigatório tender intensamente para a reconstrução da unidade querida por Cristo, e é imperativo orar por esta unidade: ela, de facto, é dom da Santíssima Trindade. Quanto mais forte for o ligame que nos une ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, tanto mais fácil nos será aprofundar a fraternidade recíproca.

5. O encontro hodierno realiza-se no âmbito do Congresso Eucarístico Internacional, que tem lugar precisamente aqui, em Wroclaw. Ele é expressão da nossa fé e da nossa devoção, mas é também um grande acto de culto, que mantém na Igreja a recordação de Cristo. A Eucaristia, tornando presente o mistério da redenção, o sacrifício por Cristo oferecido na Cruz, opera a união com Ele, estimula o desejo e a esperança da nossa ressurreição na plenitude da Sua vida. Este grande mistério da fé consolida a nossa convicção interior da união pessoal com Cristo e desperta a necessidade da reconciliação com os outros.

Os cristãos, pertencentes às várias Igrejas, unidos pelo mesmo Baptismo, reconhecem comummente o grande papel que, na reconciliação do homem com Deus e com o próximo, é exercido pela Eucaristia, embora, «devido a divergências que têm a ver com a fé, ainda não seja possível concelebrar a mesma liturgia eucarística. E todavia nós temos o desejo ardente de celebrar juntos a única Eucaristia do Senhor, e este desejo torna-se já um louvor comum, uma mesma imploração. Juntos nos dirigimos ao Pai e fazemo-lo cada vez mais “com um só coração”. Às vezes, parece estar mais perto a possibilidade de finalmente selar esta comunhão “real, embora ainda não plena”» (Ut unum sint
UUS 45).

Nesta grande festa, que estamos a celebrar aqui em Wroclaw com a participação não só dos católicos, mas também dos irmãos de outras Igrejas da Polónia e do estrangeiro, pode-se ver o rebento da conversão ecuménica e da almejada reconciliação das Igrejas e Comunidades cristãs. Ela será perfeita, quando todos nos pudermos unir na celebração à volta do mesmo cálice. Isto será expressão da unidade de cada comunidade a nível local e universal, expressão da nossa perfeita união com o Senhor e entre nós. Com efeito, «quase todos, se bem que de modo diverso, aspiram a uma Igreja de Deus una e visível, que seja verdadeiramente universal e enviada ao mundo inteiro, a fim de que o mundo se converta ao Evangelho e assim seja salvo, para glória de Deus» (Ibid., 7).

Nos últimos anos diminuiu de modo significativo a distância que separa as Igrejas e as Comunidades eclesiais entre si. Todavia, ela é ainda muito grande! Demasiado grande! Cristo não queria assim! Devemos fazer todo o possível para readquirir a plenitude da comunhão. Não nos podemos deter neste caminho. Voltemos mais uma vez à oração sacerdotal de Jesus, na qual Ele diz: «Para que todos sejam um só; como Tu, ó Pai, estás em Mim e Eu em Ti... para que o mundo creia que Tu Me enviaste» (Jn 17,21). Que estas palavras de Cristo se tornem para todos nós uma exortação ao esforço a favor da grande obra da unidade, no limiar do Ano 2000.

Na liturgia de hoje cantamos o Salmo do Bom Pastor: «O Senhor é meu pastor, nada me falta... conduz-me às águas refrescantes. Reconforta a minha alma, guia-me pelos caminhos rectos, por amor do Seu nome. Mesmo que atravesse os vales sombrios, nenhum mal temerei, porque estais comigo» (Sl 22[23], 1-3). Este é um grande encorajamento à confiança e à esperança ecuménica. Se as divisões entre os cristãos correspondem àquele «vale sombrio», que todas as nossas Comunidades atravessam, há todavia o Senhor, há Cristo, o Bom Pastor. É Ele que conduz e é Ele que fará com que as Comunidades cristãs separadas cheguem àquela unidade, pela qual orava de modo tão ardente na vigília da Sua paixão na Cruz.

Durante esta comum oração ecuménica, peçamos a Deus, que é Pai de todos nós, que reúna todos os Seus filhos dispersos, os conduza com eficácia pelas vias do perdão e da reconciliação para o comum testemunho de Jesus Cristo, Seu Filho, que é nosso Senhor e Salvador, o mesmo ontem, hoje e sempre (cf. Hb He 13,8).

Ó Pai, fazei com que «todos sejam um só» — ut unum sint (Jn 17,21)!



VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II À POLÓNIA



NA MISSA DE ENCERRAMENTO


DO 46° CONGRESSO EUCARÍSTICO INTERNACIONAL


Wroclaw, 1 de Junho de 1997


1. Statio Orbis.

Eis que o 46° Congresso Eucarístico Internacional chega ao seu momento culminante: Statio Orbis! Ao redor deste altar reúne-se hoje espiritualmente a Igreja de todos os continentes do globo terrestre. Diante do mundo inteiro, ela deseja fazer uma vez mais a solene profissão de fé na Eucaristia e cantar o hino de agradecimento por este inefável dom do amor divino. Verdadeiramente «Ele, que tinha amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim» (Jn 13,1). A Eucaristia é manancial e ápice da vida da Igreja (cf. Sacrosanctum concilium SC 10). A Igreja vive da Eucaristia, haure dela as energias espirituais para desempenhar a própria missão. É a Eucaristia que lhe dá o vigor para crescer e estar unida. A Eucaristia é o coração da Igreja!

1033 Este Congresso inscreve-se de maneira orgânica no contexto do Grande Jubileu do Ano 2000. No programa da preparação espiritual para o Jubileu, este ano é dedicado a uma particular contemplação da Pessoa de Jesus Cristo: «Jesus Cristo, o único Salvador do mundo ontem, hoje e por toda a eternidade» (cf. Hb He 13,8). Podia, então, faltar este ano tal profissão eucarística de fé de toda a Igreja?

No itinerário dos Congressos Eucarísticos, que atravessa todos os continentes, chegou a vez de Wroclaw — da Polónia, da Europa centro-oriental. As mudanças que se verificaram aqui deram início a uma nova época na história do mundo contemporâneo. Desta forma, a Igreja quer dar graças a Cristo pelo dom da liberdade reconquistada por todas estas nações que sofreram muito nos anos de constrição totalitária. O Congresso realiza-se em Wroclaw, cidade rica de história, de tradições de vida cristã. A Arquidiocese de Wroclaw está a preparar-se para celebrar o seu milénio. Wroclaw é uma cidade situada quase no ponto de encontro de três países que, pela sua história, estão unidos muito intimamente entre si. Num certo sentido, é uma cidade de encontro, a cidade que une. Aqui se encontram, de alguma forma, as tradições espirituais do Oriente e do Ocidente. Tudo isto confere uma particular eloquência a este Congresso Eucarístico e, especialmente, a esta Statio Orbis.

Abraço com o olhar e o coração toda a nossa grande comunidade eucarística, cujo carácter é autenticamente internacional, mundial. Através dos próprios representantes, hoje está presente em Wroclaw a Igreja universal. Dirijo uma particular saudação a todos os Cardeais, Arcebispos e Bispos aqui presentes, a começar pelo meu Legado no Congresso, o Senhor Cardeal Angelo Sodano, meu Secretário de Estado. Saúdo o Episcopado polaco, sob a presidência do Senhor Cardeal Primaz. Saúdo o Senhor Cardeal Henryk Gulbinowicz, Pastor da Igreja de Wroclaw, que assumiu com tanta magnanimidade a tarefa de hospedar um grande evento que é este Congresso. Esta sua generosidade manifesta- se muito claramente agora que lhe cabe celebrar a Statio Orbis debaixo da chuva.

A alegria desta celebração resulta ainda maior pela participação de outros nossos irmãos cristãos. Agradeço-lhes terem vindo associar-se ao nosso louvor e à nossa súplica. Agradeço às Igrejas ortodoxas que quiseram enviar os seus representantes e, entre eles, estou grato de maneira especial ao querido Metropolita Damaskinos, que aqui representa o meu amado irmão, o Patriarca ecuménico Bartolomeu I. Tal presença é testemunho da nossa fé e confirma a nossa esperança de ver alvorecer o dia em que, na plena fidelidade à vontade do nosso único Senhor, juntos poderemos comungar no mesmo cálice. Estou grato ao Metropolita Teófanes, que representa o amado Patriarca de Moscovo, Aleixo II.

Dou as boas-vindas e saúdo os presbíteros, as Famílias religiosas masculinas e femininas. Saúdo todos vós, estimados peregrinos, vindos porventura de lugares muito distantes da terra. Saúdo-vos, prezados compatriotas de toda a Polónia. Saúdo também todos aqueles que, neste momento, se congregam a nós espiritualmente através da rádio e da televisão no mundo inteiro. Verdadeiramente, esta é uma autêntica Statio Orbis! Perante esta assembleia eucarística de dimensões planetárias, que neste instante circunda o Altar, é difícil resistir a uma profunda comoção.

2. «Mistério da fé»!

Para perscrutar profundamente o mistério da Eucaristia, é necessário voltar sempre de novo ao cenáculo, em que na noite de Quinta-Feira Santa teve lugar a última Ceia. Na hodierna liturgia, São Paulo fala precisamente da instituição da Eucaristia. Parece que este é o único texto concernente à Eucaristia, precedendo a narração mesma dos Evangelistas. Na Carta aos Coríntios, Paulo escreve: «Na noite em que foi entregue, o Senhor Jesus tomou o pão e, depois de dar graças, partiu-o e disse: “Isto é o Meu corpo que será entregue por vós; fazei isto em memória de Mim”. Do mesmo modo, após a Ceia, tomou também o cálice dizendo: “Este cálice é a Nova Aliança no Meu sangue; todas as vezes que beberdes dele, fazei-o em memória de Mim”. Portanto, todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este cálice, anunciais a morte do Senhor, até que Ele venha» (1Co 11,23-26). Anunciamos a Vossa morte, Senhor, proclamamos a Vossa ressurreição, enquanto esperamos a Vossa vinda na glória. Estas palavras contêm a essência mesma do mistério eucarístico. Nele encontramos aquilo de que hoje somos testemunhas e partícipes, enquanto celebramos e recebemos a Eucaristia. No cenáculo, Jesus actua a consagração. Em virtude das Suas palavras, o pão — conservando a forma exterior de pão — torna-se o seu Corpo, e o vinho, mantendo a sua forma exterior de vinho — torna-se o seu Sangue. Este é o grande mistério da fé!

Celebrando este mistério, não só renovamos quanto Cristo fez no cenáculo, mas entramos também no mistério da Sua morte. «Anunciamos a Vossa morte! » — morte redentora. «Proclamamos a Vossa ressurreição!». Participamos no Triduum Sacrum e na Noite de Páscoa. Participamos do mistério salvífico de Cristo enquanto esperamos a Sua vinda na glória. Com a instituição da Eucaristia entramos no último tempo, no tempo da expectativa do segundo e definitivo advento de Cristo, quando se julgará o mundo e, ao mesmo tempo, se completará a obra da redenção. De tudo isto a Eucaristia não só fala. Na Eucaristia tudo isto é celebrado — tudo isto nela se realiza. Verdadeiramente, a Eucaristia é o grande sacramento da Igreja. A Igreja celebra a Eucaristia e, ao mesmo tempo, a Eucaristia faz a Igreja.

3. «Eu sou o pão vivo!» (Jn 6,51).

A mensagem do Evangelho de João completa o quadro litúrgico deste grande mistério eucarístico que estamos celebrando hoje no ápice do Congresso Eucarístico Internacional em Wroclaw. As palavras do Evangelho de João são o grande anúncio da Eucaristia, depois da milagrosa multiplicação dos pães nos arredores de Cafarnaum. Antecipando de alguma forma o tempo, antes ainda que fosse instituída a Eucaristia, Cristo revelou o que esta era, dizendo assim: «Eu sou o pão vivo que desceu do céu. Quem come deste pão viverá para sempre. E o pão que Eu vou dar é a Minha própria carne, para que o mundo tenha a vida» (Ibidem). E quando tais palavras provocaram o protesto de muitos daqueles que as escutavam, Jesus disse: «Em verdade, em verdade vos digo: “Se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o Seu sangue não tereis a vida em vós. Quem come a Minha carne e bebe o Meu sangue tem a vida eterna, e Eu ressuscitá-lo-ei no último dia. Porque a Minha carne é verdadeiro alimento e o Meu sangue é verdadeira bebida. Quem come a Minha carne e bebe o Meu sangue vive em Mim e Eu nele”» (Jn 6,53-56).

São palavras que dizem respeito à essência mesma da Eucaristia. Eis que Cristo vem ao mundo para transmitir ao homem a vida divina. Ele não só anunciou a alegre notícia, mas instituiu também a Eucaristia que deve tornar presente o Seu mistério redentor até ao fim dos tempos. E como instrumento de expressão, escolheu os elementos da natureza — o pão e o vinho, o alimento e a bebida que o homem deve consumir para manter-se em vida. A Eucaristia é precisamente este alimento e esta bebida. Este alimento contém em si toda a potência da Redenção levada a cabo por Cristo. Para viver, o homem tem necessidade do alimento e da bebida. Para alcançar a vida eterna, o homem precisa da Eucaristia. Este é o alimento e a bebida que transforma a vida do homem, abrindo-lhe à frente o horizonte da vida eterna. Alimentando-se com o Corpo e o Sangue de Cristo, o homem já aqui na terra traz em si o gérmen da vida eterna, porque a Eucaristia é o sacramento da vida em Deus. Cristo diz: «Como o Pai, que vive, Me enviou e Eu vivo pelo Pai, assim aquele que Me receber como alimento viverá por Mim» (Jn 6,57).

1034 4. «Em Vós esperam os olhos de todos, e no tempo certo Vós dais-lhes o alimento» (Sl 145[144], 15).

Na primeira leitura da liturgia hodierna, Moisés fala-nos de Deus que nutre o Seu povo durante o caminho através do deserto, rumo à terra prometida: «Lembra- te, porém, de todo o caminho que Javé teu Deus te fez percorrer durante quarenta anos no deserto, a fim de te conhecer as tuas intenções (...) sustentava- te no deserto com o maná, que os teus antepassados não conheceram: tudo isto para te humilhar e te provar, a fim de te fazer o bem no futuro» (
Dt 8,2 Dt 8,16). A imagem de um povo peregrino no deserto, que emerge destas palavras, fala também a nós, que nos estamos encaminhando rumo ao termo do segundo milénio do nascimento de Cristo. Nesta imagem encontram lugar todos os povos e nações da terra, especialmente os que têm fome.

Durante esta Statio Orbis é necessário recordar-se de toda a «geografia da fome», que compreende muitas áreas da terra. Neste momento, milhões de nossos irmãos e irmãs sentem fome, e muitos deles morrem por causa disto — especialmente as crianças! Na época de um desenvolvimento jamais visto, da técnica e da tecnologia avançadas, o drama da fome é um grande desafio e uma grande acusação! A terra é capaz de nutrir todos. Então, por que hoje, no crepúsculo do século XX, milhares de homens perecem de fome? Aqui é necessário um sério exame de consciência a nível mundial — um exame de consciência a propósito da justiça social, da elementar solidariedade inter-humana.

Aqui, é oportuno recordar a verdade fundamental segundo a qual a terra pertence a Deus, e todas as riquezas nela contidas Deus as depositou nas mãos do homem, para que as utilize de maneira justa, a fim de que sirvam para o bem de todos. Esta é a destinação dos bens da criação. A favor disto pronuncia-se a própria lei da natureza. Durante este Congresso Eucarístico não pode faltar uma invocação solidária pelo pão, em nome de todos aqueles que sentem fome. Dirigimo-la em primeiro lugar a Deus, que é Pai de todos: «O pão nosso de cada dia nos dai hoje»! Porém, dirigimo-la também aos homens da política e da economia, sobre os quais grava a responsabilidade de uma justa distribuição dos bens a nível tanto mundial como nacional: é necessário pôr finalmente termo ao flagelo da fome! A solidariedade prevaleça sobre o desejo desenfreado de lucro e sobre as aplicações das leis do mercado que não têm em conta os direitos humanos imprescritíveis.

Sobre cada um de nós pesa uma pequena parte de responsabilidade por esta injustiça. De alguma forma, cada um de nós sente de perto a fome e a miséria do próximo. Saibamos compartilhar o pão com aqueles que não o têm, ou que o têm menos do que nós! Saibamos abrir os nossos corações às necessidades dos irmãos e das irmãs que sofrem devido à miséria e à indigência! Por vezes eles envergonham-se de o admitir, escondendo a própria angústia. É preciso estender-lhes com discrição uma mão fraterna. Esta é também a lição que nos é oferecida pela Eucaristia — pão de vida. Resumira-a de modo muito eloquente o santo irmão Alberto, pobrezinho de Cracóvia, que consagrou a própria vida ao serviço dos mais necessitados. Ele dizia com frequência: «É necessário ser bom como o pão, que está sobre a mesa para todos, do qual cada um pode cortar um pedaço e alimentar-se, se tiver fome».

5. «Cristo libertou-nos para que sejamos (...) livres» (Ga 5,1). O tema deste 46° Congresso Eucarístico Internacional de Wroclaw é a liberdade. A liberdade tem um sabor particular, de modo especial aqui, nesta parte da Europa, por longos anos dolorosamente provada porque dela fora despojada pelo totalitarismo nazista e comunista. Já a palavra mesma «liberdade» provoca uma pulsação mais forte do coração. Certamente porque durante as décadas passadas era preciso pagar um preço muito elevado por esta. São profundas as feridas que ficaram nas almas humanas depois daquela época. Muito tempo ainda passará, antes de elas poderem cicatrizar-se.

O Congresso exorta-nos a considerar a liberdade do homem na perspectiva da Eucaristia. No hino do Congresso cantamos: «Deixastes-nos o dom da Eucaristia para reordenarmos a liberdade interior». É uma afirmação muito essencial. Fala-se aqui da «ordem da liberdade ». Sim, a verdadeira liberdade exige ordem. Porém, de que ordem se trata aqui? Trata-se, em primeiro lugar, da ordem moral, da ordem na esfera dos valores, da ordem da verdade e do bem. Na situação de um vazio no campo dos valores, quando no sector moral reinam o caos e a confusão — a liberdade morre, o homem livre torna-se escravo — escravo dos instintos, das paixões e dos pseudovalores.

É verdade, a ordem da liberdade constrói-se com fadiga. A liberdade genuína custa sempre! Cada um de nós deve constantemente retomar este esforço. E aqui surge a pergunta sucessiva: pode o homem construir a ordem da liberdade sozinho, sem Cristo, ou até mesmo contra Cristo? É uma pergunta extraordinariamente dramática, mas muito actual em um contexto social impregnado de concessões da democracia, inspiradas na ideologia liberal! Com efeito, procura-se persuadir o homem e sociedades inteiras de que Deus constitui um obstáculo no caminho rumo à plena liberdade, que a Igreja é inimiga da liberdade, que não compreende a liberdade e dela tem medo. Nisto há uma incrível confusão de noções! A Igreja não cessa de ser a anunciadora do evangelho da liberdade no mundo! Esta é a sua missão. «Cristo libertou-nos para que sejamos (...) livres» (Ibidem). Por isso o cristão não teme a liberdade, não foge diante dela! Assume-a de maneira criativa e responsável, como tarefa da sua vida. Com efeito, a liberdade não é apenas uma dádiva de Deus; é-nos concedida como tarefa! É a nossa vocação: «Irmãos, vós fostes chamados à liberdade » (Ga 5,13) — recorda o Apóstolo.

A afirmação segundo a qual a Igreja seria inimiga da liberdade é particularmente absurda aqui, neste país, nesta terra, no meio deste povo, onde a Igreja demonstrou muitas vezes que é uma verdadeira sentinela da verdade! Tanto no século passado como no actual e nos últimos cinquenta anos. Ela é a guardiã da liberdade porque acredita que Cristo nos libertou para a liberdade.

«Deixastes-nos o dom da Eucaristia para reordenarmos a liberdade interior». Em que consiste esta ordem da liberdade, modelada na Eucaristia? Cristo está presente na Eucaristia como Aquele que Se entrega ao homem, como Aquele que serve o homem: «Ele, que tinha amado os seus... amou-os até ao fim» (Jn 13,1). A verdadeira liberdade mede-se com a disponibilidade ao serviço e ao dom de si. Somente a liberdade compreendida desta forma é deveras criativa, edifica a nossa humanidade e constrói vínculos inter-humanos. Constrói e não divide! Como o mundo, a Europa e a Polónia têm necessidade desta liberdade que une!

Cristo Eucarístico permanecerá para sempre um modelo incomparável da atitude de «pró-existência», que quer dizer atitude de quem está a favor do próximo. Ele era tudo para o seu Pai celestial e, no Pai, para cada homem. O Concílio Vaticano II explica que o homem volta a encontrar-se a si mesmo e, portanto, também o pleno sentido da sua liberdade, precisamente «mediante um sincero dom de si» (cf. Gaudium et spes GS 24). Hoje, durante esta Statio Orbis, a Igreja convida-nos a entrar nesta escola eucarística de liberdade a fim de, fixando a Eucaristia com o olhar da fé, nos tornarmos construtores de uma nova e evangélica ordem da liberdade — no nosso íntimo e nas sociedades em que nos é concedido viver e trabalhar. 6. «O que é o homem, para dele Te lembrares? O ser humano, para que o visites?» (Ps 8,5). Contemplando a Eucaristia, arrebatanos a maravilha da fé, não só no que se refere ao mistério de Deus e do Seu amor incomensurável, mas também em relação ao mistério do homem. Diante da Eucaristia, brotam espontaneamente nos lábios as palavras do Salmista:

1035 «O que é o homem, para dele Te lembrares!... ». Como é grande o valor do homem aos olhos de Deus, se Ele mesmo o nutre com o Seu Corpo! Como é grandioso o espaço que se esconde no coração do homem, dado que só pode ser colmado por Deus! «Criastes-nos para Vós [ó Deus] — confessamos juntamente com Santo Agostinho — e o nosso coração está inquieto enquanto não repousar em Vós» (Confissões, I.1.1).

Statio Orbis do 46° Congresso Eucarístico Internacional... Toda a Igreja Vos manifesta particular honra e glória, Cristo Redentor do homem, escondido na Eucaristia. Confessa publicamente a sua fé em Vós que, por nós, Vos fizestes Pão de Vida. E dá-Vos graças porque sois o Deus-connosco, porque sois o Emanuel!

A Vós louvor e glória... a Vós honra e glória, nosso Senhor eterno, para sempre! A Vós, juntamente com o Vosso povo, nós, Vossos servos, oferecemos a nossa genuflexão e os nossos cânticos. Damos graças pela Vossa magnanimidade, por este grandioso dom da Vossa omnipotência. Vós entregastes-Vos a nós, indignos, aqui presentes, neste sacramento. Amém!

Servir a Cristo, «o mesmo ontem e hoje e por toda a eternidade».



VIAGEM APOSTÓLICA DE JOÃO PAULO II À POLÓNIA

HOMILIA DURANTE A CELEBRAÇÃO

DA SANTA MISSA NA ESPLANADA


DO AEROPORTO DE LEGNICA


2 de Junho de 1997




1. «A minha alma glorifica ao Senhor » (Lc 1,46). O Magnificat! Escutámos de novo as palavras do cântico no Evangelho de hoje. Maria, depois da anunciação, foi visitar a prima Isabel. E esta, ao ouvir a saudação de Maria, teve uma particular iluminação. No íntimo do seu coração sabia que a jovem parente trazia no seu seio o Messias. Exclamou, então, ao saudar Maria: «Bendita és tu entre as mulheres, e bendito é o fruto do teu ventre» (Lc 1,42). E então, respondendo à saudação de Isabel, Maria louva a Deus com as palavras do Magnificat:

«A minha alma glorifica ao Senhor e o meu espírito exulta de alegria em Deus, meu Salvador...» (Lc 1,46-47).

A Igreja não se cansa de retornar às palavras do cântico. Repete-as, em particular, cada dia na liturgia vespertina, dando graças a Deus pelo mesmo motivo por que Maria agradecia: pelo facto de o Filho de Deus Se ter feito homem e ter vindo habitar no meio de nós. E nós hoje, durante a liturgia da Santa Missa em Legnica dos Piast, cantamos juntamente com Maria o Magnificat, para exprimirmos a nossa gratidão pelo dom da incessante presença de Cristo na Eucaristia. Com efeito, encontramo-nos no âmbito do Congresso Eucarístico Internacional de Wroclaw, que se concluiu ontem. Com as palavras de Maria agradecemos todo o bem, no qual participámos mediante o sacramento do Corpo e do Sangue do Senhor.

Elevamos esta acção de graças juntamente com todas as gerações dos crentes no mundo inteiro. E é para nós uma alegria particular o facto de este hino universal de louvor ressoar na Baixa Silésia — aqui, em Legnica. Sinto-me feliz por ter podido vir aqui para encontrar a comunidade cristã, que desde há cinco anos faz parte da nova diocese de Legnica. Dirijo cordiais palavras de saudação ao vosso Pastor, D. Tadeusz, ao seu Bispo Auxiliar, aos presbíteros, às pessoas consagradas e a todos os fiéis da diocese. Saúdo também os peregrinos provenientes da Alemanha e da República Tcheca e os Sérvios da Lusácia. Estou-lhes grato pela sua presença.

A vossa diocese é jovem, mas o cristianismo nestas terras tem uma longa e rica tradição. Todos nós sabemos que Legnica é um lugar histórico, onde um príncipe da dinastia dos Piast, Henrique, o Piedoso, filho de Santa Edviges, opôs resistência aos invasores do Leste — aos Tártaros — detendo a sua marcha perigosa rumo ao Oeste. Por este motivo, embora a batalha tivesse sido perdida nesse momento, muitos historiadores a consideram uma das mais importantes na história da Europa. Tem também uma importância excepcional sob o ponto de vista da fé. É difícil especificar quais foram os motivos que prevaleceram no coração de Henrique — a vontade de defender a terra-pátria e o povo atormentado, ou a de deter o exército muçulmano que ameaçava o cristianismo. Parece que ambos os motivos lhe estivessem igualmente presentes. Henri Henrique, ao dar a vida pelo povo confiado ao seu governo, dava-a ao mesmo tempo pela fé em Cristo. E esta era uma característica significativa da sua piedade, que as gerações de outrora anotaram e conservaram na alcunha.

Esta circunstância histórica, ligada ao lugar da nossa liturgia hodierna, predispõe a uma reflexão sobre o mistério da Eucaristia, numa perspectiva particular, na perspectiva da vida social. Quanto a isto, ensina com razão o Concílio: «nenhuma comunidade cristã se edifica sem ter a sua raiz e o seu centro na celebração da santíssima Eucaristia»; desta, portanto, deve «começar toda a educação do espírito comunitário» (Presbyterorum ordinis PO 6).


Homilias JOÃO PAULO II 1030