Homilias JOÃO PAULO II 1046


VIAGEM APOSTÓLICA DE JOÃO PAULO II À POLÓNIA


NA MISSA DE BEATIFICAÇÃO DE MARIA BERNARDINA JABLONSKA E MARIA KARLOWSKA


Zakopane, 6 de Junho de 1997




1. Encontramo-nos hoje nesta grande assembleia litúrgica, aos pés da cruz no monte Giewont, na solenidade do Sacratíssimo Coração de Jesus. Dou graças à Divina Providência porque me concede celebrar na Pátria esta solenidade, juntamente convosco — aos pés da «Krokiew », na terra de Podhale — convosco, que conservais fielmente na vossa religiosidade a veneração pelo mistério do Coração de Jesus. A Igreja na Polónia ofereceu uma grande contribuição para a introdução no calendário litúrgico da solenidade do Sacratíssimo Coração de Jesus. Era expressão de um desejo profundo, a fim de que os magníficos frutos produzidos por essa devoção se multiplicassem na vida dos fiéis na Igreja inteira. E assim aconteceu. Como deveríamos ser gratos a Deus por todas as graças que experimentamos, por mérito do Coração do Seu Filho! Como Lhe agradecemos este encontro hodierno! Esperámo-lo durante longo tempo. Há já muito tempo que convidáveis o Papa, e em várias ocasiões, especialmente durante as vossas frequentes peregrinações à Cidade Eterna. Com certeza, recordais como então eu dizia que era preciso ter paciência, que era necessário deixar à Divina Providência a visita a Zakopane. Durante a minha peregrinação na Eslováquia, em Levoca, eu lia a inscrição que tínheis preparado: «Zakopane espera! Zakopane te dá as boas-vindas!». E hoje podemos dizer que Zakopane conseguiu e que também eu consegui. Deus dispôs assim, Nossa Senhora de Levoca conduziu o Papa a Zakopane.

Saúdo-vos a todos, especialmente a vós habitantes de Zakopane. Saúdo os montanheses de Podhale, tão queridos ao meu coração. Dirijo palavras de saudação particular ao Senhor Cardeal Franciszek e ao Bispo de Toruñ, que hoje se alegra aqui pela Beatificação da sua diocesana, a todos os Bispos polacos, tendo à frente o Cardeal Primaz, e a todos os Bispos estrangeiros que participam nesta Celebração. Saúdo o clero, as religiosas, e de modo especial as Irmãs Albertinas e as Irmãs Pastorinhas, para as quais este dia tem uma eloquência particular. Dirijo palavras de saudação ao Presidente da Câmara Municipal de Zakopane e às Autoridades locais de Podhale. Estou grato por esta eloquente homenagem de Podhale, sempre fiel à Igreja e à Pátria. Pode-se sempre contar convosco! Demos graças a Deus por este dia que Ele fez para nós. Em espírito de gratidão quero, juntamente convosco — caros Irmãos e Irmãs — meditar sobre o grande mistério do Sacratíssimo Coração de Jesus. É bom que o possamos fazer no itinerário da minha peregrinação, por ocasião do Congresso Eucarístico de Wroclaw. Com efeito, toda a devoção ao Coração de Jesus e todas as suas manifestações são profundamente eucarísticas.

2. «Hão-de olhar para Aquele que trespassaram» (Jn 19,37). Eis as palavras que há pouco escutámos. Com esta citação profética, São João termina a sua descrição da paixão e da morte de Jesus na cruz. Por ela sabemos que na Sexta-Feira Santa, antes da festa da Parasceve, os Hebreus pediram a Pilatos que fossem quebradas as pernas e retirados os corpos deles (cf. Jo Jn 19,31). Assim fizeram os soldados em relação a ambos os malfeitores crucificados com Jesus. «Ao chegarem (porém) a Jesus, vendo-O já morto, não Lhe quebraram as pernas, mas um dos soldados perfurou- Lhe o lado com uma lança e logo saiu sangue e água» (Jn 19,33-34). Era a prova da morte. Os soldados podiam assegurar a Pilatos que Jesus de Nazaré tinha cessado de viver. São João Evangelista, ao contrário, vê a este ponto a necessidade de uma particular autenticação. Escreve assim: «Aquele que o viu é que o atesta, e o seu testemunho é verdadeiro ».

1047 E ao mesmo tempo ele afirma que neste trespassar o lado de Cristo se cumpriu a Escritura. Ela, de facto, diz: «Nem um só dos Seus ossos se há-de quebrar», e noutra passagem: «Olharão para Aquele que trespassaram» (Jn 19,35-37). Esta passagem evangélica está na base de toda a tradição da devoção ao Coração Divino. Ela desenvolveu-se de modo particular desde o século XVII, em relação às revelações à Santa Margarida Maria Alacoque, mística francesa. O nosso século é testemunha de um intenso desenvolvimento da devoção ao Coração de Jesus, da qual dão testemunho as magníficas «Ladainhas do Sagrado Coração» e, unido a elas, o «Acto de Consagração do Género Humano ao Coração Divino», com o adjunto «Acto de Reparação ao Sacratíssimo Coração». Tudo isto impregnou profundamente a nossa piedade polaca, tornou-se a parte de muitos fiéis que sentem a necessidade da reparação ao Coração de Jesus pelos pecados da humanidade e também de cada uma das nações, das famílias e das pessoas.

3. «Hão-de olhar para Aquele que trespassaram» — estas palavras guiam o nosso olhar para a santa Cruz, para o madeiro da Cruz na qual foi suspensa a Salvação do mundo. «A palavra da cruz, com efeito, é loucura para o mundo, para nós é poder de Deus» (cf. 1Co 1,18). Bem o compreendiam os habitantes de Podhale. E enquanto estava para terminar o século XIX, e iniciava o novo, os vossos antepassados puseram no alto do Giewont uma Cruz. Ela está ali e ali permanece. É um silencioso mas eloquente testemunho do nosso tempo. Pode- se dizer que esta Cruz jubilar olha na direcção de Zakopane e de Cracóvia, e para além: na direcção de Varsóvia e de Danzigue. Abraça toda a nossa terra desde os Tatra até ao Báltico. Os vossos antepassados queriam que a Cruz de Cristo reinasse de modo particular neste bonito recanto da Polónia. E assim acontece. Esta vossa cidade estendeu-se, pode-se dizer, aos pés da Cruz, vive e desenvolve-se no seu raio tanto Zakopane como Podhale. Dizem-no ao longo das estradas as capelinhas muito bonitas, esculpidas e conservadas com cuidado. Este Cristo acompanha-vos no trabalho quotidiano ou nos percursos dos passeios pelas montanhas. Falam disto as igrejas desta cidade, as antigas, monumentais, que escondem em si todo o mistério da fé e da piedade humana, e também as recentes, surgidas graças à vossa generosidade, como por exemplo a igreja paroquial da Santa Cruz, na Paróquia de Nossa Senhora de Fátima, que nos hospeda.

Caros Irmãos e Irmãs, não vos envergonheis desta Cruz. Procurai cada dia aceitá-la e corresponder ao amor de Cristo. Defendei a Cruz, não permitais que o Nome de Deus seja ofendido nos vossos corações, na vida familiar ou social. Damos graças à divina Providência, porque o crucifixo retornou às escolas, aos escritórios públicos e aos hospitais. Que ele permaneça ali! Ele nos recorde a nossa dignidade cristã e também a identidade nacional, o que somos e aonde vamos e onde estão as nossas raízes. Que ele nos recorde o amor de Deus pelo homem, que na Cruz encontrou a sua expressão mais profunda. O amor sempre se associa ao coração. O Apóstolo associou-o precisamente àquele Coração que, no Gólgota, foi trespassado pela lança do centurião. Neste gesto revelou-se até ao fundo o amor com que o Pai amou o mundo. Amou-o de modo tão intenso «que deu o Seu Filho único» (Jn 3,16). Neste Coração trespassado encontrou a sua expressão externa aquela dimensão do amor que é maior do que qualquer amor criado. Nele se manifestou o amor salvífico e redentor. O Pai deu «o Seu Filho... para que todo o que n’Ele crer não pereça, mas tenha a vida eterna » (Jn 3,16). E por isso Paulo escreve: «Dobro os joelhos diante do Pai, do Qual toda a família, nos Céus e na Terra, toma o nome» (Ep 3,14), dobro-os para exprimir a gratidão que experimento diante da revelação, que o Pai fez do Seu amor na morte redentora do Filho. Ao mesmo tempo, dobro os joelhos, para que Deus «vos conceda, segundo a riqueza da Sua glória, que sejais poderosamente fortalecidos pelo Seu Espírito quanto ao crescimento do homem interior » (Ep 3,16). O coração é precisamente «o homem interior». O Coração do Filho de Deus torna-se, para o Apóstolo, fonte de força para todos os corações humanos. Tudo isto se manifestou magnificamente em muitas invocações das Ladainhas do Sagrado Coração de Jesus.

4. O Coração de Jesus tornou-se fonte de força para as duas mulheres que a Igreja eleva hoje à glória dos altares. Graças a essa força alcançaram o ápice da santidade. Maria Bernardina Jablonska — filha espiritual de Santo Alberto Chmielowski, colaboradora e continuadora da sua obra de misericórdia — vivendo na pobreza consagrou-se ao serviço dos mais pobres. A Igreja põe hoje diante de nós como exemplo esta religiosa piedosa, cujo lema de vida eram as palavras: «Dar, eternamente dar». Com o olhar fixo em Cristo seguia-O com fidelidade, imitando-O no amor. Queria satisfazer qualquer pedido da parte do seu próximo, enxugar toda a lágrima, consolar pelo menos com a palavra cada alma sofredora. Queria ser boa sempre com todos, mas ainda melhor com os mais provados pela sorte. Costumava dizer: «O sofrimento do próximo é a minha dor». Juntamente com Santo Alberto fundava casas de acolhimento para os doentes e os desabrigados por causa da guerra.

Este grande e heróico amor amadurecia na oração, no silêncio do vizinho eremitério de Kalatówki, onde permaneceu durante certo tempo. Nos momentos mais difíceis da vida — em sintonia com as recomendações daquele que cuidava da sua alma — recomendava-se ao Sacratíssimo Coração de Jesus. A Ele oferecia tudo o que possuía, e de modo especial os sofrimentos interiores e os tormentos físicos. Tudo por amor de Cristo! Como Superiora-Geral da Congregação das Irmãs Servas dos Pobres da Terceira Ordem de S. Francisco — as Albertinas — dava incessantemente às coirmãs o exemplo daquele amor que brota da união do coração humano com o Sacratíssimo Coração do Salvador. O Coração de Jesus era o seu conforto no heróico serviço aos mais necessitados.

É bom que seja beatificada em Zakopane, porque é uma santa de Zakopane. Embora não tenha nascido nestas partes, foi aqui que se desenvolveu espiritualmente para alcançar a santidade através da experiência do eremitério do Frei Alberto de Kalatówki.

Ao mesmo tempo, nos territórios sob a ocupação prussiana, outra mulher, Maria Karlowska, desenvolvia uma actividade de autêntica samaritana entre as mulheres provadas por grande miséria material e moral. O seu santo zelo imediatamente atraia a si um grupo de discípulas de Cristo, com as quais fundou a Congregação das Irmãs Pastorinhas da Divina Providência. Para si mesma e para as suas irmãs estabelecia o seguinte objectivo: «Devemos anunciar o Coração de Jesus, isto é, de tal modo vivermos d’Ele, n'Ele e para Ele, para nos tornarmos semelhantes a Ele e para que na nossa vida Ele seja mais visível do que nós mesmas». A sua dedicação ao Sacratíssimo Coração do Salvador frutificou um grande amor pelos homens. Sentia uma insaciável fome de amor. Um amor deste género, segundo a Beata Maria Karlowska, jamais dirá basta nem se deterá pela estrada. Precisamente isto acontecia a ela, que era como que enlevada pela corrente do amor do divino Paráclito. Graças a este amor restituiu a muitas almas a luz de Cristo e ajudou-as a readquirir a dignidade perdida.

É bom que também ela seja beatificada em Zakopane, porque a cruz do Giewont olha para toda a Polónia, rumo ao Norte, rumo à Pomeránia e à cidade de Plock, rumo a todos os lugares onde vivem os frutos da sua santidade, as suas irmãs e o seu serviço aos necessitados.

Caros Irmãos e Irmãs, ambas estas religiosas heróicas, levando avante as suas santas obras, em condições extremamente difíceis, manifestaram em toda a plenitude a dignidade da mulher e a grandeza da sua vocação. Manifestaram aquele «génio feminino», que se revela numa profunda sensibilidade para com o sofrimento humano, na delicadeza, na abertura e na disponibilidade a levar ajuda, e noutras qualidades próprias do coração feminino. Com frequência ele se manifesta sem clamor e por isso, às vezes é subestimado. Quanta necessidade tem dele o mundo de hoje, a nossa geração! Como é grande a necessidade desta sensibilidade feminina nas coisas de Deus e dos homens, a fim de que as nossas famílias e a sociedade inteira sejam repletas de calor cordial, de benevolência, de paz e de alegria! Como é necessário este «génio feminino », para que o mundo de hoje aprecie o valor da vida, da responsabilidade, da fidelidade; para que conserve o respeito pela dignidade humana! Com efeito, Deus, no seu desígnio eterno, estabeleceu um semelhante lugar para a mulher, criando o ser humano «varão e mulher» à própria «imagem e semelhança ».

5. Na Carta aos Efésios, São Paulo faz como que uma confissão pessoal. Escreve: «A mim, o menor de todos os santos, foi dada esta graça de anunciar aos gentios a insondável riqueza de Cristo, e de elucidar a todos sobre qual seja a economia do mistério escondido desde tempos antigos em Deus, que tudo criou» (3, 8-9). Assim pois, por meio do Coração de Jesus crucificado e ressuscitado, lemos o plano eterno de Deus para a salvação do mundo. O Coração divino torna-se, num certo sentido, o centro deste plano, que é misterioso e que dá a vida. Nele este plano se cumpre. Como escreve o Apóstolo: «seja manifestada pela Igreja... a multiforme sabedoria de Deus, conforme o desígnio eterno que [Deus] realizou em Cristo Jesus, Nosso Senhor, por Quem temos a afoiteza de nos aproximarmos confiadamente, mediante a fé na sua Pessoa» (Ep 3,10-12).

Tudo está contido aqui. Cristo é o cumprimento do desígnio divino do amor redentor. Em virtude deste plano o homem tem acesso a Deus, não só como criatura ao próprio Criador, mas como filho ao Pai. Cristianismo significa, pois, uma nova criação, uma nova vida — a vida em Cristo, mediante o Qual o homem pode dizer a Deus: Abbá — meu Pai, nosso Pai. A solenidade do Sacratíssimo Coração de Jesus é, pois, num certo sentido, uma magnífica complementação da Eucaristia e, por isso, a Igreja, guiada por um profundo intuito de fé, celebra esta festa do Coração Divino no dia seguinte à oitava do Corpus Domini.

1048 Nós Vos louvamos, Cristo nosso Salvador, que do Vosso Coração inflamado de amor derramais sobre nós as fontes das graças. Nós Vos agradecemos estas graças, mediante as quais as plêiades dos Santos e dos Beatos puderam levar ao mundo o testemunho do Vosso amor. Nós Vos damos graças pelas Beatas Irmãs — Maria Bernardina e Maria — que no Vosso Coração amoroso encontraram a fonte da sua santidade.

Sacratíssimo Coração de Jesus, tende piedade de nós!

Coração de Jesus, Filho do Pai eterno, Coração de Jesus, gerado no seio da Virgem Mãe, por obra do Espírito Santo, Coração de Jesus, unido à Pessoa divina do Verbo, Coração de Jesus, que tutela todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento, tende piedade de nós!

Saudação do Papa no final da missa

Hoje dei graças a Deus pela cruz que os vossos antepassados elevaram sobre o monte Giewont. Esta cruz olha para toda a Polónia, desde aos montes Tatra até ao Báltico dizendo: Sursum corda! — corações ao alto! — a fim de que toda a Polónia, olhando para a cruz sobre o Giewont, desde o Báltico até aos montes Tatra, possa ouvir e repetir: Sursum corda! – Corações ao alto! Amém!





VIAGEM APOSTÓLICA DE JOÃO PAULO II À POLÓNIA



NA MISSA PARA A DEDICAÇÃO


DA IGREJA AO CORAÇÃO IMACULADO DE MARIA


Zakopane, 7 de Junho de 1997




1. Hoje, na memória litúrgica do Coração Imaculado da Bem-aventurada Virgem Maria, encontramo-nos em Krzeptówki, nesta igreja paroquial para a benzer, isto é, para a consagrar. Não é suficiente que um templo seja construído; é necessário, com um acto litúrgico, dedicá-lo ao Altíssimo. Dou graças a Deus por que me é concedido realizar hoje a consagração da vossa igreja. Cordialmente e muitas vezes fui convidado para isto. Agradeço à Providência divina ter podido vir hoje até vós, respondendo ao vosso convite. Saúdo-vos com amor paterno. Saúdo todos os habitantes de Skalne Podhale, reunidos aqui e ao redor da igreja.

O que quer dizer realizar um acto de dedicação ou consagração de uma igreja? A esta pergunta fornecem a melhor resposta as leituras litúrgicas. A primeira Leitura, tirada do Livro do profeta Neemias, recorda o famoso evento do Antigo Testamento, quando os Israelitas, tendo retornado da escravidão na Babilónia, começaram a reconstrução do templo de Jerusalém. Construído outrora nos tempos dos grandes reis, tinha vivido os períodos de esplendor e de decadência da Nação eleita; tinha sido testemunha da deportação dos filhos e das filhas de Israel para a escravidão; depois fora destruído, e agora devia ser reconstruído. O Povo eleito vive profundamente este momento. Com a lamentação inicia a grande obra. E eis que a sua tristeza se muda em alegria (cf. Ne Ne 8,2-11).

No contexto de fundo desta descrição podemos compreender ainda melhor as palavras da segunda Leitura, tiradas da primeira Carta de São Pedro, e o próprio trecho evangélico, há pouco proclamado: «Sobre ti edificarei a Minha Igreja ». Cristo diz a Pedro, quando o Apóstolo confessa a fé no Filho de Deus: «És feliz, Simão, filho de Jonas, porque não foram a carne nem o sangue quem to revelou, mas o Meu Pai que está nos céus. Também Eu te digo: Tu és Pedro [isto é, Pedra] e sobre esta Pedra edificarei a Minha Igreja e as portas do inferno nada poderão contra ela» (Mt 16,17-18). A Igreja não é apenas um edifício sagrado. O Senhor Jesus diz que a Igreja é construída sobre a pedra, e a pedra é a fé de Pedro.

A Igreja é uma comunidade de homens crentes, que professam o Deus vivo e atestam — como Pedro — que Cristo é o Filho de Deus, o Redentor do mundo. Vós, caros Irmãos e Irmãs, sois uma pequenina parte desta grande comunidade da Igreja edificada sobre a fé de Pedro. Juntamente com o vosso Bispo, com o Papa, anunciais e professais a fé no Filho de Deus e sobre esta fé baseais toda a vossa vida pessoal, familiar e profissional. Deste modo sois partícipes do Reino de Deus. Com efeito, Cristo disse a Pedro: «Dar-te-ei as chaves do reino dos céus, e tudo quanto ligares na terra ficará ligado nos céus, e tudo quanto desligares na terra será desligado nos céus» (Mt 16,19).

Este vosso santuário em Krzeptówki, que hoje é consagrado a Deus, deve servir a Igreja — a comunidade, os homens vivos. De modo ainda mais profundo isto é expresso no trecho da Carta de Pedro, que acabámos de escutar. Nele o Apóstolo fala da Igreja como de um edifício de pedras vivas. Somos nós esta construção, somos nós que constituímos estas pedras vivas, que compõem o conjunto do templo espiritual. A pedra angular dela é Cristo: Cristo crucificado e ressuscitado. Foi precisamente Ele que se tornou a pedra angular da Igreja, como da grande comunidade do Povo de Deus da Nova Aliança. Essa comunidade, como escreve o apóstolo Pedro, constitui o sacerdócio santo (cf. 1P 2,5). Unida a Cristo, ela é «a raça eleita, o sacerdócio régio, a nação santa, o povo que Deus resgatou para proclamar as obras maravilhosas d'Aquele que nos chamou das trevas para a Sua luz admirável» (cf. 1P 2,9). O vosso bonito templo, que construístes juntamente com os vossos pastores, deve servir a comunidade da Igreja e, por isso, é preciso que seja benzido, consagrado, destinado ao próprio Deus, como um espaço em que se reúne e ora o Povo de Deus. O Povo de Deus não só de Krzeptówki e de Zakopane, mas também de várias partes da Polónia, que vem aqui para o repouso na montanha. Desejo a todos os turistas e veraneantes, que o contacto mais íntimo com a natureza se torne ocasião para um contacto de oração com Deus.

1049 2. Ao contemplar o vosso templo, ornado com maestria, apresentam-se diante dos meus olhos aquelas igrejas de madeira — sempre mais raras — que surgiam em toda a terra polaca, mas antes de tudo em Podhale e na região transcarpática: autênticos tesouros da arquitectura popular. Todas surgiram, como também as vossas, graças à colaboração dos pastores e dos fiéis de cada uma das paróquias. Eram construídas com o esforço comum, para que nelas se pudesse celebrar o Santíssimo Sacrifício, para que Cristo na Eucaristia estivesse junto do Seu povo dia e noite, nas horas de grande alegria e de enlevo, assim como nos tempos de provas, sofrimentos e desgraças, e também nos simples dias sombrios. Ao Congresso Eucarístico Internacional de Wroclaw é preciso acrescentar todo este grande capítulo da presença sacramental de Cristo, que cada igreja na terra polaca esconde em si.

As igrejas são também lugares onde se vivem celebrações solenes: o Natal do Senhor, a Páscoa, o Pentecostes, o Corpus Domini, as festividades marianas. Aqui os fiéis se congregam para as funções do mês de Maio e de Junho, para o rosário. As igrejas são, por fim, um lugar onde é conservada a recordação dos defuntos. Assim como o início da vida religiosa de cada crente se une à fonte baptismal, de igual modo o seu final, a morte e o funeral se realizam à sua sombra. Muitas vezes, até os cemitérios paroquiais são directamente adjacentes à igreja. Nestes templos, portanto, está inscrita a história de todos os homens e, indirectamente, da inteira Nação, de cada uma das comunidades, das paróquias, das famílias e das pessoas.

A Igreja é um lugar de recordação e, ao mesmo tempo, de esperança: conserva com fidelidade o passado e, contemporaneamente de modo constante, abre o homem para o futuro, não só temporal, mas também além-túmulo. Nas igrejas professamos a fé na remissão dos pecados, na ressurreição dos corpos e na vida eterna. Aqui vivemos cada dia o mistério da comunhão dos Santos: cada igreja, com efeito, tem o seu padroeiro ou a sua padroeira, e numerosíssimas são dedicadas a Nossa Senhora. Alegro-me por que em Zakopane e em Podhale surgiram novas igrejas, magníficos monumentos da fé viva dos habitantes desta região. A sua beleza corresponde à beleza dos Tatra, e é o reflexo da própria beleza de que fala a inscrição na cruz de Wincenty Pol, no Vale Kocieliska: «Nada supera Deus».

3. Caros Irmãos e Irmãs! O vosso santuário em Krzeptówki é-me particularmente próximo e caro. Honrais nele Nossa Senhora de Fátima na sua estátua. Com a história deste santuário se une também o evento que teve lugar na Praça de São Pedro, a 13 de Maio de 1981. Experimentei então o perigo mortal da vida e o sofrimento, e ao mesmo tempo a grande misericórdia de Deus. Por intercessão de Nossa Senhora de Fátima, foi-me dada de novo a vida. Durante a minha permanência na Policlínica «Gemelli», fui objecto de uma vasta manifestação de benevolência humana de todas as partes do mundo: ela expressou- se sobretudo na oração. Diante dos olhos eu tinha, então, o cenário da vida dos primeiros cristãos, que «elevaram a Deus uma oração incessante» (cf. Act
Ac 12,5), quando a vida de Pedro estava exposta a grave perigo.

Sei que naquela oração da Igreja na terra inteira, pela recuperação da minha saúde e pelo retorno ao ministério de Pedro, participava também Zakopane. Sei que vos reuníeis nas vossas igrejas paroquiais, e também na capela de Nossa Senhora de Fátima em Krzeptówki, para recitar o rosário a fim de obter para mim a recuperação da saúde e das forças. Nasceu então também o projecto de construir neste lugar, aos pés do monte Giewont, um santuário a Nossa Senhora de Fátima, como voto de agradecimento pela salvação da minha vida. Sei que este santuário, que hoje posso consagrar, foi construído por tantas mãos e tantos corações unidos pelo trabalho, pelo sacrifício e pelo amor ao Papa. É-me difícil falar disto sem me comover.

Caros Irmãos e Irmãs! Vim até vós para vos agradecer a bondade, a lembrança e a oração, que continua. Como Arcebispo Metropolitano de Cracóvia, fui o vosso pastor durante vinte anos; hoje venho a vós como Sucessor de São Pedro. Sempre me ajudastes. Estáveis comigo e compreendíeis as minhas preocupações. Eu sentia-o. Era para mim um grande apoio. Hoje, de todo o coração agradeço-vos esta atitude de fé e de dedicação à Igreja. Sempre aqui, nesta terra de Podhale, o Bispo tinha um apoio em vós. Tinha aqui um apoio a Pátria, especialmente nos momentos difíceis da sua história. Vim para vos dizer, por tudo isto: «Bóg zaplac!» («Deus vos recompense!»). Aqui, juntamente convosco, quero mais uma vez agradecer à Senhora de Fátima o dom da vida salva, como fiz em Fátima, há quinze anos. «Totus Tuus...». Estou grato a todos por este templo. Ele contém o vosso amor pela Igreja e pelo Papa. É, num certo sentido, a continuação da minha gratidão a Deus e à Sua Mãe. Juntamente convosco muito me alegro por este dom.

Com palavras de profunda gratidão dirijo-me também a todos os meus compatriotas e aos fiéis da Igreja, de modo especial aos doentes e sofredores que oram pelo Papa e oferecem por ele a sua cruz quotidiana. O sofrimento vivido com Cristo é o dom mais precioso e a ajuda mais eficaz no apostolado. «No corpo de Cristo, que cresce sem cessar a partir da Cruz do Redentor, precisamente o sofrimento, impregnado do espírito de Cristo, é o mediador insubstituível e autor dos bens indispensáveis para a salvação do mundo. Mais do que qualquer outra coisa, o sofrimento é aquilo que abre caminho à graça que transforma as almas humanas. Mais do que qualquer outra coisa, é ele que torna presentes na história da humanidade as forças da Redenção» (Salvifici doloris, 27).

Ao agradecer o dom da oração e do sacrifício, mais uma vez dirijo a todos o pedido cordial que pronunciei no dia da inauguração do pontificado: «Orai por mim. Ajudai-me, a fim de que vos possa servir». Também eu, todos os dias, oro por vós.

4. O vosso santuário em Krzeptówki está unido por estreitos ligames espirituais com Fátima, em Portugal. Por este motivo aprecio muitíssimo a presença do Bispo de Fátima na hodierna Celebração. Dali chegou a estátua de Nossa Senhora que venerais. A mensagem de Fátima, que Maria transmitiu ao mundo por meio de três crianças pobres, consiste na exortação à conversão, à oração, especialmente a do rosário, e à reparação pelos próprios pecados e por aqueles de todos os homens. Essa mensagem brota do Evangelho, das palavras de Cristo pronunciadas imediatamente no início da actividade pública: «Arrependei- vos e acreditai na Boa Nova!» (Mc 1,15). Ela tem em vista a transformação interior do homem, a destruição nele do pecado e a consolidação do bem, a obtenção da santidade. Esta mensagem é destinada de modo particular aos homens do nosso século, marcado pelas guerras, pelo ódio, pela violação dos direitos fundamentais do homem, pelo enorme sofrimento de homens e de nações, e por fim pela luta contra Deus, impelida até à negação da Sua existência. A mensagem de Fátima infunde o amor do Coração da Mãe, que está sempre aberto ao filho, jamais o perde de vista, pensa nele sempre, até mesmo quando o filho abandona a via recta e se torna um «filho pródigo» (cf. Lc Lc 15,11-32).

O Coração Imaculado de Maria, que hoje recordamos na liturgia da Igreja, foi aberto para nós no Calvário pelas palavras de Jesus moribundo: «“Mulher, eis aí o teu filho”. Depois, disse ao discípulo: “Eis aí a tua mãe!”. E, dessa hora em diante, o discípulo recebeu-a em sua casa» (Jn 19,26-27). Aos pés da cruz Maria tornou-se mãe de todos os homens remidos por Cristo. Sob a sua protecção materna acolheu João e acolheu cada homem. A partir de então, a maior solicitude do seu Coração Imaculado é a salvação eterna de todos os homens.

O vosso santuário desde o início anuncia a mensagem de Fátima e dela vive. Tendes uma particular devoção ao Coração Imaculado de Maria Virgem; fazei a Cruzada do Rosário das Famílias; abraçai com a oração os problemas importantes da Igreja, do Papa, do mundo, da Pátria, das almas do purgatório e daqueles que abandonaram o amor de Deus, rompendo a aliança estreita com Ele no santo baptismo. Orai com perseverança pela graça da conversão deles. Dirigi-vos confiantes a Maria, «Refúgio dos pecadores», para que os defenda contra a obstinação no pecado e contra a escravidão de satanás. Orai com fé, a fim de que os homens conheçam e reconheçam o «único verdadeiro Deus e Aquele que Ele enviou, Jesus Cristo» (cf. Jo Jn 17,3). Nesta oração exprime- se o vosso amor pelos homens, que deseja o bem maior para cada um.

1050 «Em nenhum momento e em nenhum período da história, especialmente numa época tão crítica como a nossa, pode a Igreja esquecer a oração que é um grito de apelo à misericórdia de Deus, perante as múltiplas formas de mal que pesam sobre a humanidade e a ameaçam» (Dives in misericordia DM 15).

Mãe, suplica! Mãe, implora!
Ó Maria, Mãe de Deus,
Intercede por nós!





VIAGEM APOSTÓLICA DE JOÃO PAULO II À POLÓNIA



NA CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA


DE CANONIZAÇÃO DA RAINHA DA POLÓNIA


8 de Junho de 1997


1. Gaude, mater Polonia!

Repito hoje esta exortação à alegria que, durante séculos, os polacos cantavam em recordação de Santo Estanislau. Repito-a porque o lugar e a circunstância predispõem para isto de maneira particular. De facto, devemos retornar à colina de Wawel, à catedral régia, colocando-nos ali diante das relíquias da Rainha, Senhora de Wawel. Eis que chegou o grande dia da sua canonização. E portanto:

Gaude, mater Polonia,
Prole fecunda nobili,
Summi Regis magnalia
Laude frequenta vigili.

1051 Edviges, esperaste longamente este dia solene. Passaram quase seiscentos anos desde a tua morte em idade jovem. Amada por toda a nação, tu que te encontras no início da época dos Jagelões, iniciadora da dinastia, fundadora da Universidade Jagelónica na antiquíssima Cracóvia, aguardaste por muito tempo este dia da tua canonização — o dia em que a Igreja proclamaria solenemente que tu és a Santa padroeira da Polónia na sua dimensão hereditária — da Polónia unida por teu mérito à Lituânia e à Rus’: da República de três nações. Hoje chegou esse dia. Muitas pessoas desejaram chegar a este momento e não conseguiram. Transcorreram os anos e os séculos, e parecia que a tua canonização já fosse mesmo impossível. Seja esta data um dia de júbilo não só para nós, que vivemos nestes tempos, mas também para todas aquelas pessoas que não chegaram a este dia nesta terra. Seja ela o grande dia da comunhão dos Santos. Gaude, mater Polonia!

2. O Evangelho de hoje dirige os nossos pensamentos e os nossos corações ao baptismo. Eis que nos encontramos uma vez mais na Galileia, a partir de onde Cristo envia os seus apóstolos ao mundo inteiro: «Toda a autoridade foi dada a Mim no céu e sobre a terra. Portanto, ide e fazei com que todos os povos se tornem Meus discípulos, baptizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, e ensinando-os a observar tudo quanto vos ordenei. Eis que Eu estarei convosco todos os dias, até ao fim do mundo» (
Mt 28,18-20): é o mandato missionário que os Apóstolos assumiram, a partir do dia do Pentecostes. Assumiram-no e transmitiram-no aos seus sucessores. Através deles, a mensagem apostólica alcançou gradualmente o mundo inteiro. E, no termo do primeiro milénio, chegou o tempo em que os apóstolos de Cristo vieram à terra dos Piast. Nessa época, Mieszko I recebeu o baptismo, e isto — segundo a convicção de então — constituía ao mesmo tempo o baptismo da Polónia. Em 1966 celebrámos o milénio desse baptismo.

Como teria rejubilado hoje o Primaz do Milénio, o Servo de Deus Cardeal Stefan Wyszynski, se lhe tivesse sido dado participar, juntamente connosco, neste grandioso dia da canonização. Ela estava-lhe a peito como aos grandes Metropolitas de Cracóvia, como ao Príncipe Cardeal Adam Stefan Sapieha e a todo o Episcopado da Polónia. Todos intuíam que a canonização da Rainha Edviges seria o completamento do milénio do baptismo da Polónia. É-o também porque, graças à obra da Rainha Edviges, os polacos baptizados no século X, quatro séculos depois empreenderam a missão apostólica, contribuindo para a evangelização e o baptismo dos seus vizinhos. Edviges estava consciente de que a sua missão era levar o Evangelho aos irmãos lituanos. E fê-lo juntamente com o seu consorte, o rei Ladislau Jagelão. No Báltico surgiu um novo país cristão, renascido da água do baptismo, assim como no século X a mesma água fizera renascer os filhos e as filhas da Nação polaca.

Sit Trinitati gloria, laus, honor, iubilatio... Hoje damos graças à Santíssima Trindade pela tua sabedoria, Edviges. O autor do Livro da Sabedoria pergunta: «Quem poderia conhecer o Vosso pensamento, ó Deus, se Vós não lhe tivésseis concedido a sabedoria, enviando-lhe o Vosso Espírito Santo do Alto » (cf. Sb Sg 9,17). Portanto, damos graças a Deus Pai, Filho e Espírito Santo pela tua sabedoria, Edviges; porque reconheceste o desígnio de Deus não só em relação à tua própria vocação, mas também no que concerne à vocação das nações: da nossa vocação histórica e da vocação da Europa que, por teu mérito, completou o quadro da evangelização no próprio continente, para depois poder empreender a evangelização de outros países e de outros continentes do mundo inteiro. Com efeito, Cristo dissera: «Ide e fazei com que todos os povos se tornem Meus discípulos» (Mt 28,19). Hoje, alegramo-nos pela tua elevação aos altares. Rejubilamos em nome de todas as nações, das quais te tornaste mãe na fé. Estamos felizes pela grande obra de sabedoria. Damos graças a Deus pela tua santidade, pela missão que realizaste na nossa história; pelo teu amor à nação e à Igreja, pelo teu amor a Cristo crucificado e ressuscitado. Gaude, mater Polonia!

3. A maior coisa é o amor. «Sabemos — escreve S. João — que passamos da morte para a vida, porque amamos aos irmãos. Quem não ama permanece na morte» (1Jn 3,14). Portanto, quem ama participa na vida, na vida que vem de Deus. «Compreendemos o que é o amor — continua São João — porque Jesus deu a Sua vida por nós» (Ibid., 3, 16). Por isso, também nós deveríamos dar a nossa vida pelos irmãos (cf. Ibid.). Cristo indicou que desta forma, dando a nossa vida pelos irmãos, manifestamos o amor. E este é o maior amor (cf. 1Co 13,13).

E hoje nós, colocando-nos à escuta das palavras dos Apóstolos, queremos dizer-te, nossa Santa Rainha que tu, como poucas pessoas, tinhas compreendido este ensinamento de Cristo e dos Apóstolos. Muitas vezes te ajoelhavas ao pé do Crucifixo de Wawel para aprender de Cristo mesmo este amor generoso. E aprendeste-o. Soubeste demonstrar com a tua vida o que é o amor maior. Não cantamos acaso assim, num antiquíssimo cântico polaco?

«Ó Cruz santa, madeiro mais nobre
que qualquer outra coisa,
não há outro igual
em nenhum outro bosque,
excepto aquele
1052 que Deus mesmo carrega.
(...)
Inaudita bondade é
morrer na Cruz pelo próximo.
Quem pode fazê-lo hoje,
por quem dar a própria alma
Somente o Senhor Jesus o fez,
porque nos amou fielmente»
(cf. Crux fidelis, século XVI).

E d’Ele, precisamente do Cristo de Wawel, junto deste Crucifixo negro, ao qual os habitantes de Cracóvia vêm cada ano em peregrinação na Sexta-Feira Santa, aprendeste, Rainha Edviges, a dar a vida pelos irmãos. A tua profunda sabedoria e a tua intensa actividade brotavam da contemplação, do vínculo pessoal com o Crucificado. Aqui contemplatio et vita activa encontram o equilíbrio justo. Por isso, jamais perdeste a «melhor parte», a presença de Cristo. Hoje queremos ajoelhar-nos contigo, Edviges, ao pé do Crucifixo de Wawel, para escutarmos o eco daquela lição de amor que tu escutavas. Queremos aprender de ti a praticá-la nos nossos tempos.

4. «Vós sabeis: os governadores das nações têm poder sobre elas, e os grandes têm autoridade sobre elas. Entre vós não deverá ser assim: quem de vós quiser ser grande, deverá tornar-se o vosso servidor» (
Mt 20,25-26). Estas palavras de Cristo penetraram profundamente na consciência da jovem soberana da estirpe dos Anju. A mais profunda característica da sua breve vida e, ao mesmo tempo, a medida da sua grandeza foram constituídas pelo espírito de serviço. A sua posição social, os seus talentos, toda a sua vida particular, ela ofereceu-os completamente ao serviço de Cristo e, quando teve de reinar, dedicou a própria vida também ao serviço do povo que lhe fora confiado.

1053 O espírito de serviço animava o seu compromisso social. Com impulso empenhou-se na vida política da sua época. Filha do rei da Hungria, sabia unir a fidelidade aos princípios cristãos com a coerência na defesa da razão de Estado da Polónia. Empreendendo grandes obras nos âmbitos do Estado e internacional, nada desejava para si. Enriquecia com liberalidade na sua segunda pátria, com todo o bem material e espiritual. Perita na arte da diplomacia, lançou os fundamentos da grandiosidade da Polónia do século XV. Animou a cooperação religiosa e cultural entre as nações, e a sua sensibilidade em relação às injustiças sociais foi muitas vezes elogiada pelos súbditos.

Com uma clareza que até hoje ilumina toda a Polónia, sabia que tanto a força do Estado como a da Igreja têm a sua fonte numa cuidadosa instrução da Nação; que a via para o bem-estar do Estado, a sua soberania e o seu reconhecimento no mundo passa através das Universidades laboriosas. Edviges ainda bem sabia que a fé busca a compreensão racional, que a fé tem necessidade da cultura, forjando-a, que a fé vive no espaço da cultura. E nada poupava para enriquecer a Polónia com todo o património espiritual, tanto dos tempos antigos como do período medieval. Deu à Universidade até mesmo o seu cetro de ouro, usando por sua vez um cetro de madeira dourada. Este facto, embora tenha um significado concreto, é sobretudo um grande símbolo. Durante a própria vida, o seu prestígio e o crédito de que gozava derivavam não das insígnias régias, mas da força do espírito, da profundidade da mente e da sensibilidade do coração. Depois da morte, a sua obra continuou a frutificar com a riqueza da sabedoria e com o florescimento de uma cultura arraigada no Evangelho. Por tudo isto dizemos à Rainha Edviges o nosso obrigado, enquanto voltamos com orgulho àqueles seiscentos anos que nos separam da fundação da Faculdade de Teologia e da renovação da Universidade de Cracóvia, pode-se dizer, aos anos de um incessante esplendor da ciência polaca.

E se nos fosse concedido visitar os hospitais medievais em Biecz, Sandomierz, Sacz, Stradom, observaríamos com admiração as numerosas obras de misericórdia, fundadas pela soberana polaca. Nelas, talvez da maneira mais eloquente, realizou-se a exortação a amar com as obras e de verdade (cf.
1Jn 3,18).

5. Ergo, felix Cracovia,
Sacro dotata corpore,
Deum, qui fecit omnia,
Benedic omni tempore.

«Alegra-te hoje Cracóvia!». Rejubila, porque finalmente chegou o momento em que todas as gerações dos teus habitantes podem prestar uma homenagem de gratidão à Santa Senhora de Wawel. Tu, sede régia, deves à profundidade da sua mente o facto de te teres tornado na Europa um importante centro do pensamento, o berço da cultura polaca e a ponte entre o Ocidente cristão e o Oriente, oferecendo uma contribuição inalienável para a formação do espírito europeu. Na Universidade Jagelónica educavam-se e ensinavam as pessoas que tornaram famoso no mundo inteiro o nome da Polónia e desta cidade, inserindo-se com perícia nos debates mais importantes da sua época. Basta recordar o grande Reitor do Ateneu de Cracóvia, Pawel Wlodkowic que, já no início do século XV, lançava as bases da teoria moderna dos direitos do homem, ou Nicolau Copérnico, cujas descobertas deram início a uma nova visão do mundo criado.

Não deveria porventura Cracóvia, e juntamente com ela a Polónia inteira, agradecer essa obra que produziu frutos magníficos, os frutos da vida de santos estudantes e professores Portanto, apresentam-se hoje diante de nós essas grandes figuras de homens e mulheres de Deus, pertencentes a cada geração, desde João de Kety e Estanislau Kazimierczyk até ao Beato José Sebastião Pelczar e ao Servo de Deus José Bilczewski, para se inserirem no nosso hino de louvor a Deus porque, graças à obra generosa da Rainha Edviges, esta cidade se tornou berço de santos.

Alegra-te, Cracóvia! Estou feliz por poder participar hoje na tua alegria, e também estão aqui presentes em Blonia Krakowskie, juntamente com o teu Arcebispo, o Cardeal Franciszek Macharski, bem como os Bispos Auxiliares e os Bispos Eméritos, com os Cabidos da Catedral e da Colegiada de Santa Ana, com os Sacerdotes, as pessoas de vida consagrada e todo o Povo de Deus. Como eu desejava vir aqui e, em nome da Igreja, assegurar-te solenemente, Cracóvia, minha querida cidade, que não te enganavas venerando Edviges como santa desde há séculos!

Agradeço à divina Providência o facto de me ter sido dado fazê-lo, concedendo que eu fixe o olhar, juntamente convosco, nesta figura que refulge com o esplendor de Cristo e aprender o que significa «a maior coisa é o amor». Agradeço a todos os Bispos polacos, a todo o Episcopado, tendo à frente o Cardeal Primaz, e a todos os Bispos, nossos hóspedes. Estou grato aos Cardeais e Bispos vindos de Roma e dos países vizinhos, em particular da Hungria, República Tcheca, Eslováquia e Lituânia. Prezados irmãos, a vossa presença neste dia é-nos muito preciosa!

1054 6. «... não amemos com palavras nem com a língua, mas com obras e de verdade » (1Jn 3,18). Irmãos e Irmãs, aprendamos na escola da Santa Rainha Edviges como praticar o mandamento do amor. Reflictamos sobre a «verdade polaca».

Reflictamos se é respeitada nos nossos lares, nos meios de comunicação social, nos escritórios públicos e nas paróquias. Não nos escapa esta verdade, porventura, sob a pressão das circunstâncias Não é acaso distorcida e simplificada Está sempre ao serviço do amor Reflictamos sobre a «práxis polaca». Meditemos se esta é levada a cabo com prudência. É ela sistemática e perseverante? É corajosa e magnânima? Une ou divide os homens? Não fere alguém com ódio ou desprezo? Tem porventura demasiado pouco de uma práxis de amor, de amor cristão? (cf. St. Wyspianski, Wesele [Núpcias]).

«... não amemos com palavras nem com a língua, mas com obras e de verdade»!

Há dez anos, numa Encíclica sobre os problemas do mundo contemporâneo, escrevi que cada Nação «deve descobrir e aproveitar o mais possível o espaço da própria liberdade» (Sollicitudo rei socialis SRS 44). Nessa época tínhamos à nossa frente o problema da «descoberta da liberdade ». Agora, a divina Providência põe-nos diante de uma nova tarefa: amar e servir. Amar com as obras e de verdade. A Santa Rainha Edviges ensina-nos a utilizar precisamente assim o dom da liberdade. Ela sabia que o cumprimento da liberdade é o amor, graças ao qual o homem está disposto a confiar- se a si mesmo a Deus e aos irmãos, a pertencer-lhes. Portanto, confio a sua vida e o seu reinar a Cristo e às nações, que ela Lhe queria conduzir. Transmitiu a toda a Nação o exemplo do amor de Cristo e do homem, de um homem sedento tanto de fé como de ciência, e ainda de pão quotidiano e de vestuário. Queira Deus que também hoje se venha a beber deste exemplo, para que a alegria do dom da liberdade seja plena.

Nossa Santa Rainha Edviges, ensinanos hoje, no limiar do terceiro milénio, a sabedoria e o amor com que percorreste a via da tua santidade. Conduz todos nós, Edviges, para junto do Crucifixo de Wawel para que, como tu, conheçamos o que significa amar com as obras e de verdade, o que quer dizer ser verdadeiramente livre. Toma sob a tua protecção a tua nação e a Igreja que a serve, e intercede por nós junto de Deus, a fim de que não cesse em nós a alegria. Rejubila, mãe Polónia! Gaude, mater Polonia!

Saudação aos fiéis no final da Missa

Verifica-se aqui um grande evento, uma grande assembleia, e temos muitas coisas a dizer. Quero recordar ainda algumas.

Quero também saudar cordialmente os Cardeais aqui presentes: o Cardeal Franciszek, que nos acolhe para o encontro hodierno, o Cardeal Primaz e o Cardeal Arcebispo de Wroclaw.

Saúdo também os Cardeais da Cúria Romana e das sedes episcopais em vários Países. Agradeço-lhes ter querido acompanhar-me nesta peregrinação. Sinto-me feliz por estarem connosco também o Arcebispo de Vilna, e o Arcebispo de Eger, na Hungria. Saúdo-o cordialmente. Dirijo palavras de saudação fraterna também a todos os Arcebispos e Bispos aqui presentes.

Saúdo, além disso, os representantes do Parlamento polaco com o Presidente do Sejm da República da Polónia, Józef Zych; os representantes da Administração do Governo, com o Presidente da Província, Jacek Majchrowski, e os representantes das Autoridades locais, com o Presidente da Câmara Municipal de Cracóvia, Józef Lassota, o Presidente do Parlamento local, Marek Nawara, e o Presidente do Conselho Municipal, Stanislaw Handzlik.

Saúdo todos os hóspedes que vieram do estrangeiro, representados pelos Embaixadores e Cônsules. De modo particular quero agradecer terem participado nesta liturgia, os Senhores Presidentes das Câmaras Municipais das cidades ligadas à Santa Edviges — Vilna e Budapeste — e todos os fiéis da Lituânia e da Hungria, da Ucrânia e da Bielo-Rússia.

1055 Saúdo os peregrinos que vieram aqui para participar no coroamento da imagem de Nossa Senhora de Kozielsk. Este baixo-relevo, realizado num campo de concentração em que quase todos morreram, recorda um trágico episódio da última guerra. Maria acompanhou os soldados do exército polaco ao longo do seu percurso de guerra e, desde então, é particularmente venerada em Londres. A veneração que Maria recebe na sua imagem de Kozielsk não só evoque o passado, mas confirme a fé dos polacos que hoje vivem na Pátria e no estrangeiro.

Abraço com o coração os fiéis de todas as dioceses polacas e as Irmãs e os Irmãos da Igreja de Cracóvia. Enquanto a Igreja inteira se prepara para o Jubileu do segundo milénio do cristianismo, a diocese de Cracóvia aproxima-se do termo do seu primeiro milénio. Sei que, mediante as missões paroquiais e a nova Visita às paróquias, por parte de uma cópia da imagem de Nossa Senhora de Czestochowa, quereis preparar-vos para esta especial circunstância. Faço votos por que essa preparação produza frutos abundantes.

Deus vos abençoe!





Homilias JOÃO PAULO II 1046