Homilias JOÃO PAULO II 1055


VIAGEM APOSTÓLICA DE JOÃO PAULO II À POLÓNIA



NA CANONIZAÇÃO DO BEATO JOÃO DE DUKLA


10 de Junho de 1997


1. «O Espírito do Senhor repousa sobre Mim, porque o Senhor Me ungiu» (Is 61,1).

Estas palavras do profeta Isaías, propostas na primeira Leitura, foram lidas por Jesus na sinagoga de Nazaré no início da Sua actividade pública: «O Espírito do Senhor repousa sobre Mim, porque o Senhor Me ungiu. Enviou-Me a levar a boa nova aos que sofrem; a curar os de coração despedaçado, a anunciar a amnistia aos cativos, e a liberdade aos prisioneiros; proclamar um ano de graça da parte do Senhor» (Is 61,1-2). Naquele dia, na sinagoga, Jesus anunciou o seu cumprimento: o Espírito Santo consagrara com a unção precisamente a Ele, em vista da Sua missão messiânica. Mas aquelas palavras têm um valor que se estende também a todos aqueles que são chamados e enviados por Deus para continuar a missão de Cristo. Elas, portanto, podem referir-se certamente também a João de Dukla, que hoje me é dado incluir entre os Santos da Igreja.

Dou graças a Deus, porque a canonização do Beato João de Dukla pode ter lugar na sua terra natal. O seu nome e juntamente a glória da sua santidade estão unidos para sempre a Dukla, pequenina ainda que antiga cidade, situada aos pés do monte Cergowa e da cadeia de montanhas do Beskid Central. Estes montes e esta cidade são-me bem conhecidos desde os velhos tempos. Muitas vezes eu vinha aqui ou caminhava rumo aos Bieszczady, ou então em direcção oposta dos Bieszczady, através do Beskid Baixo, até Krynica. Pude conhecer as pessoas do lugar, gentis e hospitaleiras, embora às vezes maravilhadas ao ver grupos de jovens, vagueando pelos seus montes com pesadas mochilas. Sinto-me feliz de poder retornar aqui, de ter podido, entre estas bonitas montanhas e aos pés deste monte Cergowa, proclamar santo da Igreja católica o vosso compatriota e concidadão.

João de Dukla é um dos muitos Santos e Beatos que cresceram na terra polaca, no decurso dos séculos XIV e XV. Todos estavam ligados à Cracóvia régia. Atraía-os a Faculdade de Teologia de Cracóvia, surgida por obra da Rainha Edviges, por volta do final do século XIV. Animavam a cidade universitária com o sopro da sua juventude e da sua santidade, e dali dirigiam-se para o Leste. As suas estradas levavam, antes de tudo, a Lviv, como no caso de João de Dukla, que transcorreu a maior parte da sua vida naquela grande cidade, centro ligado à Polónia por vínculos muito estreitos, especialmente a partir dos tempos de Casimiro, o Grande. São João de Dukla é o padroeiro da cidade de Lviv e de todo o território circunstante.

O seu nome estará para sempre, daqui por diante, ligado não só à cidade onde se realiza a sua canonização, Krosno à margem do Wislok, mas também a Przemysl e à homónima Arquidiocese, a cujo Pastor, o Arcebispo Józef Michalik, apresento a minha cordial saudação. Juntamente com ele saúdo o seu predecessor, o Arcebispo Ignacy Tokarczuk, cujo nome se inscreveu de modo particular na história da Igreja contemporânea na Polónia. Ela não pode esquecer a sua grande coragem no período dos governos comunistas, e antes de tudo a determinação que demonstrou nas lutas pela construção dos edifícios sagrados necessários à Igreja na Polónia. Estou feliz por que nesta ocasião me é dado encontrar, mais uma vez, o querido Arcebispo, ao qual estava tão unido no período em que eu era Metropolita de Cracóvia. Saúdo cordialmente o Bispo Boleslaw, durante longos anos Bispo Auxiliar e hoje Emérito, e o actual Bispo Auxiliar de Przemysl , D. Stefan. Sinto-me feliz pela presença do Metropolita Iwan Martyniak e dos Bispos greco-católicos.

De modo particular, muito me alegra a presença aqui connosco do Arcebispo Marian Jaworski de Lviv, cidade em que nasceu e cresceu, e à qual retornou como Pastor da renascente Igreja: Lviv, cidade justamente chamada semper fidelis! Saúdo todos os Bispos das Metrópoles de Przemysl e de Lviv e também os numerosos sacerdotes presentes, diocesanos e religiosos, as religiosas e vós, dilectos irmãos e irmãs, habitantes desta terra que me hospedou tantas vezes e que amo com todo o coração. Todos nós estamos felizes pela presença dos Bispos da Igreja oriental, tanto católica como ortodoxa, juntamente com os seus sacerdotes, os seus religiosos e os seus fiéis. Enfim, é-nos grata a presença dos hóspedes estrangeiros, que o Arcebispo de Przemysl saudou no início.

2. Enquanto estamos a realizar hoje a canonização de João de Dukla, devemos olhar para a vocação deste filho espiritual de São Francisco e para a sua missão, num contexto histórico mais amplo. De facto, a Polónia já quatro séculos antes recebera o cristianismo. Quase quatrocentos anos tinham passado desde quando actuara na Polónia Santo Adalberto. Os séculos sucessivos foram marcados pelo martírio de Santo Estanislau, pelo ulterior progresso da evangelização e do desenvolvimento da Igreja nas nossas terras. Em grande medida isto estava unido à actividade dos beneditinos. No século XIII chegam à Polónia os filhos de São Francisco de Assis. O movimento franciscano encontrou nas nossas terras o terreno adequado. Frutificou também com toda uma multidão de Beatos e de Santos que, inspirando-se no exemplo do Pobrezinho de Assis, animaram o cristianismo polaco com o espírito de pobreza e de amor fraterno. À tradição de pobreza evangélica e de simplicidade de vida eles uniam o conhecimento e a sabedoria que, por sua vez, tiveram efeitos sobre o seu trabalho pastoral. Pode-se dizer que tomaram a sério as palavras da Carta a Timóteo, que escutámos na segunda Leitura de hoje: «Conjuro-te diante de Deus e de Jesus Cristo que há-de julgar os vivos e os mortos, e em nome da Sua aparição e do Seu Reino: Prega a palavra, insiste [em caso de necessidade] oportuna e inoportunamente, repreende, censura e exorta com bondade e doutrina» (2Tm 4,1-2). Esta sadia doutrina, indispensável já nos tempos de Paulo, era indispensável também naquele período em que viveu e operou João de Dukla. Também então não faltavam aqueles que não suportavam a doutrina sadia, mas segundo os próprios desejos, sozinhos, multiplicavam por conta própria os mestres, voltavam as costas à escuta da verdade e dirigiam-se às fábulas (cf. 2Tm 4,3-4).

1056 As mesmas dificuldades não faltam também agora. Aceitemos, pois, as palavras de Paulo como se fossem a nós repropostas, mediante a vida de São João de Dukla, oferecidas de novo a todos e a cada um, em particular aos sacerdotes, aos religiosos e às religiosas: «Tu, porém, sê prudente em tudo, suporta os trabalhos, evangeliza e consagra-te ao teu ministério» (2Tm 4,5).

«Um só é o vosso Mestre, Cristo. O maior de entre vós será o vosso servo. Quem se exaltar será humilhado e quem se humilhar será exaltado» (Mt 23,10-12). Precisamente este foi o programa evangélico que São João de Dukla realizou na sua vida. É um programa cristocêntrico. Jesus Cristo era para ele o único Mestre. Imitando sem reservas o exemplo do seu Mestre e Senhor, acima de todas as coisas desejava servir. Aqui está o Evangelho da sabedoria, do amor e da paz. Ele realizou este Evangelho durante toda a sua vida. E hoje esta obra evangélica de João de Dukla atingiu a glória dos altares. Na sua terra natal ele é proclamado Santo da Igreja universal. A sua canonização situa-se no caminho, ao longo do qual a Igreja inteira procede, no caminho que conduz para a meta do segundo milénio do nascimento de Cristo. Juntamente com todos os que introduzem a Igreja que está na Polónia no tertio millennio adveniente, com Santo Adalberto, Santo Estanislau e Santa Edviges, apresenta-se também ele, São João de Dukla. E a sua canonização constitui uma nova riqueza da Igreja na terra pátria. É talvez um particular apêndice aos votos de João Casimiro, que certa vez ele emitiu diante de Nossa Senhora das Graças na catedral de Lviv.

3. Caros Irmãos e Irmãs, neste lugar de onde se vêem os campos verdes de trigo, que dentro em pouco, ao dourar-se, começarão a convidar o agricultor ao duro trabalho «pelo pão» — neste lugar quero recordar as palavras pronunciadas pelo Rei João Casimiro, naquele dia histórico diante do trono de Nossa Senhora das Graças, na catedral de Lviv. Elas exprimiam uma grande solicitude pela Nação inteira, o desejo de justiça e a vontade de suprimir os pesos, que oprimiam os seus súbditos, especialmente os homens da terra. Hoje, durante a canonização de João de Dukla, filho desta região, desejo prestar homenagem ao trabalho do agricultor. Inclino-me com respeito sobre esta terra dos Bieszczady, que na história experimentou muitos sofrimentos entre guerras e conflitos, e hoje é provada por novas dificuldades, de modo especial pela falta de trabalho. Desejo prestar homenagem ao amor do agricultor pela terra, porque ele tem sempre constituído o forte apoio em que se baseava a identidade da Nação. Nos momentos de grandes perigos, nos momentos mais dramáticos da história da Nação, este amor e este apego à terra demonstravam-se extremamente importantes na luta pela sobrevivência.

Hoje, em tempos de grandes transformações, não é lícito esquecê-lo. Presto hoje homenagem às mãos do povo polaco, que trabalham a terra, a estas mãos que, da difícil e dura terra, extraem pão para o país, e nos momentos de perigo estão prontas a conservá-lo e a defendê-lo. Permanecei fiéis às tradições dos vossos antepassados. Eles, erguendo os olhos da terra, abraçavam com o olhar o horizonte, onde o céu se une à terra, e elevavam ao Céu a oração por uma boa colheita, pela semente, pelo semeador, pelo trigo e pelo pão. No nome de Deus eles iniciavam cada dia e cada um dos seus trabalhos, e com Deus terminavam a sua obra de cultivadores.

Permanecei fiéis a esta antiquíssima tradição! Ela exprime a verdade mais profunda sobre o sentido e a frutuosidade do vosso trabalho.

Sereis assim semelhantes ao semeador do Evangelho. Respeitai cada semente de trigo, que esconde em si o admirável poder da vida. Respeitai também a semente da palavra de Deus. Jamais desapareça da boca do agricultor polaco estas bonitas saudações «Deus te seja propício» e «Louvado seja Jesus Cristo». Saudai-vos com estas palavras, transmitindo-vos assim as melhores felicitações. Elas exprimem a vossa dignidade cristã. Não permitais que vos seja tirada — procura-se fazê-lo! O mundo está cheio de perigos. Através dos meios de comunicação, certas mensagens chegam também à zona rural polaca. Criai uma cultura da zona rural na qual, ao lado das novas dimensões trazidas pelos tempos, permaneça — como junto de um bom senhor — o espaço para as coisas antigas, santificadas pela tradição, confirmadas pela verdade dos séculos.

Abraçando esta terra com o coração, desejo também exprimir-vos o meu apreço pelos sacrifícios suportados para construir os edifícios sagrados. Muitas vezes da vossa dura fadiga agrícola, soubestes extrair aquele óbolo da viúva, graças ao qual consentir a Cristo ter o seu lugar neste canto da Polónia. Deus vos recompense por estes bonitos templos, fruto do trabalho das vossas mãos e fruto da vossa fé. Que profunda fé! «Hei-de cantar para sempre o amor do Senhor» — dizíamos pouco antes no cântico entre as Leituras (Sl 88[89], 2). Vós edificastes estes novos templos, precisamente para que vós mesmos e as gerações futuras tivésseis onde cantar as glórias do Senhor.

Devemos agarrar-nos firmemente a Cristo — o Bom Semeador e seguir a Sua voz nos caminhos que nos indica. E estas são as vias de várias e múltiplas iniciativas, hoje cada vez mais numerosas na Polónia. Sei que muito esforço é dedicado à promoção dos grupos e de instituições caritativas, que dão testemunho de solidariedade para com aqueles que têm necessidade de ajuda, neste País e fora dos seus confins. Nós mesmos experimentámos essa ajuda nos anos difíceis: agora, devemos saber retribuir, recordando os outros. Hoje a nossa Pátria tem necessidade do laicado católico, aquele Povo de Deus, esperado por Cristo e pela Igreja. Há necessidade de leigos que compreendam a necessidade de uma constante formação da fé. Quão oportunamente foi restituída à vida, na Igreja na terra polaca, a Acção Católica! Na vossa Arquidiocese, como noutras Dioceses, ela torna-se, escola de fé ao lado de outros movimentos e comunidades de oração. Procedei com coragem neste caminho, recordando que quanto maior for o vosso empenho na nova evangelização e na vida social, tanto maior será a exigência de espiritualidade autêntica, daquele íntimo ligame com Cristo e com a Igreja, o qual se alimenta na oração e na reflexão sobre a Palavra de Deus. É uma união que deve impregnar, com a graça de Deus, todos os impulsos do coração, até à santidade.

4. Caros Irmãos e Irmãs! A terra sobre a qual nos encontramos está impregnada e repleta da santidade de João de Dukla. Este santo religioso não só tornou famosa esta bonita terra de Bieszczady, mas antes de tudo santificou-a. Sois os herdeiros desta santidade. Pousando os vossos pés sobre esta terra, caminhai nas suas pegadas. Aqui todos sentimos, de modo misterioso, «o tesouro da glória de Jesus Cristo que se manifesta nos seus santos» (cf. Ef Ep 1,18). Esta terra deu, de facto, muitas testemunhas autênticas de Jesus Cristo, pessoas que depositaram plenamente a sua confiança em Deus e dedicaram a própria vida ao anúncio do Evangelho. Segui as suas pegadas! Fixai o olhar sobre a vida deles! Imitai as suas obras, «para que o mundo inteiro veja as vossas boas obras e dê glória a Deus que está nos céus» (cf. Mt Mt 5,16). A fé semeada por São João nos corações dos vossos antepassados cresça como uma árvore de santidade e «produza muito fruto e este permaneça» (cf. Jo Jn 15,5)!

Neste caminho vos acompanhe a Mãe de Cristo, venerada em inúmeros santuários desta terra. Dentro em pouco vou coroar as imagens de Nossa Senhora de Haczów, de Ja?liska e de Wielkie Oczy. Seja este acto a expressão da nossa veneração por Maria e da esperança em que, com a sua intercessão, Ela nos ajude a cumprir, até ao fim, a vontade de Deus. No período do Milénio do baptismo tínhamos aprendido a cantar: «Maria, Rainha da Polónia, estou junto de ti, recordo-me de ti, estou vigilante» (Apelo de Jasna Góra). Sentimo-nos felizes por que, juntamente connosco, velam todos os Santos padroeiros da Polónia. Estamos alegres e oramos pela Nação polaca e pela Igreja na nossa terra — tertio millennio adveniente.

«Há muito tempo, Maria, és Rainha da Polónia... Toma sob a tua protecção a Nação inteira que vive para a tua glória».

Amém.

1057 Saudação aos fiéis no termo da Missa em Krosno

Na conclusão desta solene Liturgia desejo, mais uma vez, agradecer à Divina Providência ter-me permitido vir aqui. Isto aconteceu graças ao Padroeiro desta terra, São João de Dukla, o qual hoje foi inscrito no elenco dos Santos da Igreja universal. Os anos de vida em Roma não extinguiram em mim o amor por esta terra e para com os seus habitantes. Agradeço-vos a hospitalidade, a benevolência e saúdo-vos cordialmente.

Estou grato pela presença dos meus Irmãos no episcopado, tendo à frente o Cardeal Primaz.

Saúdo os Bispos aqui presentes, dos Países irmãos: Eslováquia, Boémia e Hungria. Juntos damos graças a Deus pelo património cristão que há séculos une as nossas Nações. Damos graças pelos Santos que devem a sua formação a este património e que o enriqueceram.

Vieram aqui muitos Bispos do rito greco-católico da Polónia, da Ucrânia e da Eslováquia, juntamente com os seus fiéis. Recentemente estivemos unidos na oração de agradecimento, por ocasião da celebração dos 400 anos de unidade na fé. Damos graças a Deus também pelo vosso testemunho, nascido da aspiração à plena unidade entre o Ocidente o o Oriente cristão.

Saúdo cordialmente os irmãos da Igreja ortodoxa presentes no encontro de oração.

Com afecto saúdo as Autoridades das cidades de Krosno e de Dukla, e os numerosos Municípios auto-administrados. Agradeço-vos a vossa contribuição na preparação desta Celebração.

Saúdo os jovens que velaram esta noite em oração. Não parece que têm sono! Ao responder à saudação dos escuteiros, «Alerta», digo a todos: «Estai vigilantes»!

Por fim, desejo mais uma vez recordar neste lugar as dezenas de milhares de pessoas mortas na passagem de Dukla, chamada «o vale da morte». A Cruz de Cristo — sinal da Redenção — recorde a existência deles e o seu sacrifício. A luz eterna resplandeça sobre eles!

A todos aqueles que estão aqui presentes e a todos os que se unem a nós mediante a rádio e a televisão, digo mais uma vez: «Deus vos recompense!». Abençoo-vos de coração.

Deus vos recompense! É preciso retornar ao trabalho em Roma.

HOMILIA DO PAPA JOÃO PAULO II

NA MISSA PARA A COMUNIDADE

DO PONTIFÍCIO SEMINÁRIO MAIOR ROMANO


1058
15 de Junho de 1997




1. «O reino de Deus é como um homem que lançou a semente à terra» (
Mc 4,26). O nome seminário faz referência a estas palavras de Cristo. O termo latino seminarium provém de semen, a semente. Jesus, a propósito da semente lançada à terra, diz que ela germina e cresce, quer o homem esteja vigilante quer durma: germina e cresce de noite e de dia. «A terra produz por si, primeiro o caule, depois a espiga e, finalmente, o trigo perfeito na espiga» (Mc 4,28).

A analogia com a vocação sacerdotal impõe-se por si só. Ela é como a semente de Deus, lançada à alma humana, que cresce com uma dinâmica própria. Mas a semente, para que cresça, deve ser cultivada. É o homem que deve semear; e é ainda o homem que deve vigiar sobre o desenvolvimento da semente. É necessário impedir que as forças contrárias, pessoas más ou calamidades naturais, destruam as plantinhas que estão a crescer. E quando estas chegam à maturação, o homem deve usar a foice, como afirma Cristo, pois o campo está pronto para a ceifa (cf. Mc Mc 4,29).

Noutra circunstância Jesus observa: «A messe é grande, mas os trabalhadores são poucos. Rogai, portanto, ao Senhor da messe que envie trabalhadores para a Sua messe!» (Mt 9,37-38). Também estas palavras têm uma referência ao seminário, lugar onde se formam os operários para a grande messe do Reino de Deus, que se estende em todos os Países e Continentes. Convém que, no termo do ano académico seminarístico, voltemos a escutar hoje esta parábola de Cristo.

2. O Evangelho há pouco proclamado contém ainda uma comparação, importante para vós que estais a concluir o ano de trabalho do seminário. Cristo pergunta: «A que havemos de comparar o reino de Deus? Ou com que parábola o representaremos?» (Mc 4,30). E responde: «É como um grão de mostarda que, ao ser deitado à terra, é a mais pequena de todas as sementes; mas, uma vez semeada, cresce, transforma-se na maior de todas as hortaliças e estende de tal forma os ramos que as aves do céu podem abrigar-se à sua sombra» (Mc 4,31-32). São palavras que fazem referência ao Livro de Ezequiel, do qual é tirada a primeira leitura. Os dois textos falam da mesma coisa: o desenvolvimento do Reino de Deus na história do mundo. E, segundo outra analogia, falam também do desenvolvimento da vocação sacerdotal em cada alma juvenil. Precisamente esta é a tarefa do seminário.

No final do ano seminarístico, temos a ocasião de considerar o grande trabalho realizado nestes meses pelo Espírito Santo, na alma de cada um dos que foram chamados. Muitos, a começar pelos interessados, colaboraram com o Espírito, a fim de que a semente divina da vocação pudesse maturar, favorecendo o crescimento do Reino de Deus no mundo. É deste modo que a Igreja se consolida no mundo, à semelhança da frondosa árvore da parábola, cujos ramos dão abrigo às aves do céu e ao homem afadigado.

Esta parábola exorta-nos a considerar o trabalho anual do Seminário Romano na perspectiva missionária do crescimento daquela árvore divina, que se desenvolve e se estende progressivamente até abarcar os Países do mundo inteiro. O seminário de Roma, sob este ponto de vista, reveste um papel mais que nunca significativo. Não é porventura Roma, sede do Sucessor de Pedro, o centro propulsor da acção missionária em todas as partes do mundo?

3. Também São Paulo, na perícope da Carta aos Coríntios há pouco proclamada, oferece-nos a oportunidade de aprofundar a questão da formação sacerdotal. O Apóstolo escreve: «Caminhamos à luz da fé e não da visão» (2Co 5,7). E acrescenta: «Cheios de confiança, desejamos sair deste corpo para habitar com o Senhor» (2Co 5,8). Que outra coisa é a formação no seminário, a instrução e a educação que nele se recebem, senão uma introdução às virtudes teologais, que constituem o fundamento da vida cristã e, em particular, da sacerdotal? A maior delas é a caridade (cf. 1Co 13,13). Não se refere, porventura, o Apóstolo à caridade, quando diz: «Por isso, presentes ou ausentes, esforçamo-nos por Lhe agradar» (2Co 5,9)?

No final do ano académico o Apóstolo parece apresentar a cada um de vós, caros jovens, estas perguntas: quanto serviu este ano para o desenvolvimento da fé, da esperança e da caridade? Quanto para o aprofundamento dos dons do Espírito Santo, a sabedoria, a inteligência, o conselho, a fortaleza, a ciência, a piedade e o temor de Deus? Quanto este organismo divino se enraizou no nosso organismo espiritual, nas forças cognoscitivas do intelecto e nas aspirações da nossa vontade? «Porque todos havemos de comparecer perante o tribunal de Cristo, para que cada um receba o que mereceu, conforme o bem ou o mal que tiver feito, enquanto estava no corpo » (2Co 5,10). O exame de consciência de cada dia e de cada ano deve ser feito nesta perspectiva escatológica. É necessário pedir perdão por todas as nossas negligências mas, sobretudo, é preciso agradecer. A isto também nos convida a liturgia hodierna, com as palavras do Salmo: «É bom louvar o Senhor e cantar salmos ao Vosso nome, ó Altíssimo» (Sl 91[92], 2). Cantar e agradecer tudo o que, com a graça de Deus e a nossa colaboração, se tornou fruto deste ano de seminário.

Encontramo-nos hoje na Colina do Vaticano, junto da gruta de Nossa Senhora de Lourdes. Ressoam no nosso espírito as palavras do Salmo:

«O justo florescerá como a palmeira,
1059 erguer-se-á como os cedros
do Líbano.
Plantados na casa do Senhor,
florescerão nos átrios do nosso Deus»
(Sl 91[92], 13-14).

Possam estes versículos ajudar-nos a meditar sobre a nossa vocação ao serviço do Evangelho.

Acompanhem-nos e sirvam-nos de sustento os Santos Apóstolos Pedro e Paulo e todos os Santos e Beatos da Igreja que está em Roma, fúlgidos exemplos que nos precederam no caminho do fiel seguimento de Cristo, no quotidiano empenho de construir o Reino de Deus.





DURANTE A SANTA MISSA CELEBRADA


NA GRUTA DE LOURDES NOS JARDINS DO VATICANO


22 de Junho de 1997


Queridos Irmãos e Irmãs

Reunimo-nos aqui hoje de manhã para nos encontrarmos, como Seus discípulos, com o Senhor ressuscitado, que nos convida a fortalecer a fé com a sua Palavra, partilhar o pão da Eucaristia e edificar a Igreja com os vínculos de caridade fraterna que vivificam a comunidade cristã.

Hoje a sua Palavra interpela a nossa fé, às vezes vacilante, que provoca temores infundados: «Por que sois tão medrosos? — diz — Ainda não tendes fé?» (Mc 4,40). Muitos são os medos que nos atenazam e podem induzir-nos à covardia ou ao desânimo: o medo do aparente silêncio de Deus, o temor dos grande poderes do mundo, que pretendem competir com a omnipotência e providência divinas, enfim o medo de uma cultura que parece relegar o sentido religioso e cristão da vida à margem e insignificância sociais.

1060 A cena evangélica da barca ameaçada pelas ondas evoca a imagem da Igreja que singra o mar da história, dirigindo-se rumo ao pleno cumprimento do Reino de Deus. Jesus, que prometeu permanecer com os Seus até ao fim dos tempos (cf. Mt Mt 28,20), não deixará a barca à mercê. Nos momentos de dificuldade e tribulação, continua a fazer ouvir a Sua voz: «Coragem: Eu venci o mundo!» (Jn 16,33). Trata-se de um chamado a reforçar continuamente a fé em Cristo, a não desfalecer no meio das dificuldades. Nos momentos de prova, quando parece que cai a «noite escura» no seu caminho, ou aumenta a tempestade das dificuldades, a Igreja sabe que está em boas mãos.

As palavras que escutámos na segunda leitura exortam-nos também a confiar na presença do Senhor e a renovar a nossa existência como verdadeiros crentes: «Se alguém está em Cristo, é uma criatura nova» (2Co 5,17). Na novidade de vida, dádiva de nosso Senhor aos baptizados, já não há espaço para incertezas e vacilações. A confiança e a paz constituem o sinal da profunda comunhão com Jesus Cristo, morto a fim de que «aqueles que vivem, já não vivam para si, mas para Aquele que por eles morreu e ressuscitou » (cf. 2Co 5,15).

Ao saudar cordialmente os presentes, especialmente os alunos do Pontifício Colégio espanhol e do Pontifício Colégio mexicano de Roma que, com esta celebração, quiseram reafirmar a sua adesão ao Sucessor de Pedro, convido todos a experimentar o júbilo da presença do Senhor nesta Eucaristia, que celebramos na Gruta de Nossa Senhora de Lourdes, desejando achar acolhimento em Maria, no encontro com o seu divino Filho. Ela nos acompanhe e sustente com a sua materna intercessão no nosso caminho de fé, ajudando-nos a aprofundar cada vez mais o mistério da pessoa de Cristo e a gozar a paz interior que deriva da firme convicção da Sua presença entre nós.

Amém!







DURANTE A SANTA MISSA CELEBRADA


NA GRUTA DE LOURDES NOS JARDINS DO VATICANO


22 de Junho de 1997


Queridos Irmãos e Irmãs

Reunimo-nos aqui hoje de manhã para nos encontrarmos, como Seus discípulos, com o Senhor ressuscitado, que nos convida a fortalecer a fé com a sua Palavra, partilhar o pão da Eucaristia e edificar a Igreja com os vínculos de caridade fraterna que vivificam a comunidade cristã.

Hoje a sua Palavra interpela a nossa fé, às vezes vacilante, que provoca temores infundados: «Por que sois tão medrosos? — diz — Ainda não tendes fé?» (Mc 4,40). Muitos são os medos que nos atenazam e podem induzir-nos à covardia ou ao desânimo: o medo do aparente silêncio de Deus, o temor dos grande poderes do mundo, que pretendem competir com a omnipotência e providência divinas, enfim o medo de uma cultura que parece relegar o sentido religioso e cristão da vida à margem e insignificância sociais.

A cena evangélica da barca ameaçada pelas ondas evoca a imagem da Igreja que singra o mar da história, dirigindo-se rumo ao pleno cumprimento do Reino de Deus. Jesus, que prometeu permanecer com os Seus até ao fim dos tempos (cf. Mt Mt 28,20), não deixará a barca à mercê. Nos momentos de dificuldade e tribulação, continua a fazer ouvir a Sua voz: «Coragem: Eu venci o mundo!» (Jn 16,33). Trata-se de um chamado a reforçar continuamente a fé em Cristo, a não desfalecer no meio das dificuldades. Nos momentos de prova, quando parece que cai a «noite escura» no seu caminho, ou aumenta a tempestade das dificuldades, a Igreja sabe que está em boas mãos.

As palavras que escutámos na segunda leitura exortam-nos também a confiar na presença do Senhor e a renovar a nossa existência como verdadeiros crentes: «Se alguém está em Cristo, é uma criatura nova» (2Co 5,17). Na novidade de vida, dádiva de nosso Senhor aos baptizados, já não há espaço para incertezas e vacilações. A confiança e a paz constituem o sinal da profunda comunhão com Jesus Cristo, morto a fim de que «aqueles que vivem, já não vivam para si, mas para Aquele que por eles morreu e ressuscitou » (cf. 2Co 5,15).

Ao saudar cordialmente os presentes, especialmente os alunos do Pontifício Colégio espanhol e do Pontifício Colégio mexicano de Roma que, com esta celebração, quiseram reafirmar a sua adesão ao Sucessor de Pedro, convido todos a experimentar o júbilo da presença do Senhor nesta Eucaristia, que celebramos na Gruta de Nossa Senhora de Lourdes, desejando achar acolhimento em Maria, no encontro com o seu divino Filho. Ela nos acompanhe e sustente com a sua materna intercessão no nosso caminho de fé, ajudando-nos a aprofundar cada vez mais o mistério da pessoa de Cristo e a gozar a paz interior que deriva da firme convicção da Sua presença entre nós.

Amém!







NA FESTA DOS SANTOS PEDRO E PAULO


E IMPOSIÇÃO DO PÁLIO


1061
29 de Junho de 1997


1. «Tu és Pedro, e sobre esta pedra construirei a Minha Igreja» (
Mt 16,18).

A Liturgia da Palavra na hodierna Solenidade dos Santos Pedro e Paulo apresenta dois elementos que aparentemente parecem contradizer-se, mas na realidade se completam reciprocamente. Com efeito, de um lado temos a extraordinária vocação dos Apóstolos Pedro e Paulo e, do outro, as dificuldades que eles tiveram de enfrentar no cumprimento da missão recebida do Senhor.

No trecho evangélico Jesus dirige-se assim a Simão Pedro, perto de Cesareia de Filipe: «Dar-te-ei as chaves do Reino do Céu, e o que ligares na terra será ligado no Céu, e o que desligares na terra será desligado no Céu» (Mt 16,19). Assim, Cristo prenuncia a instituição da Igreja, fundando-a sobre o ministério de Pedro, que para ela reveste, consequentemente, um significado essencial e permanente.

Quando Jesus perguntara quem era o Filho de Deus, para o povo, os Apóstolos apresentaram várias opiniões surgidas entre os judeus. Mas quando lhes perguntou directamente: «E vós, quem dizeis que Eu sou?» (Mt 16,15), Pedro respondeu em nome dos Doze: «Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo» (Mt 16,16).

Pedro fez a sua profissão de fé em Cristo e esta sua fé constitui o sólido fundamento do Povo da Nova Aliança. A Igreja não é antes de tudo uma estrutura social; é a comunidade daqueles que compartilham a mesma fé de Pedro e dos Apóstolos; a Comunidade daqueles que proclamam a única fé apostólica. Esta comum profissão de fé representa a autêntica razão de ser da própria Igreja como instituição visível: esta motiva e sustém cada um dos seus projectos e iniciativas.

2. Voltamos a escutar estas palavras de Jesus no dia em que recordamos com veneração os Santos Pedro e Paulo. Os Padres gostavam de os comparar a duas colunas, sobre as quais assenta a construção visível da Igreja. Seguindo a antiga tradição, a Liturgia celebra-os juntos, fazendo memória do seu glorioso martírio no mesmo dia: Pedro, cujo túmulo se encontra junto desta Colina do Vaticano, e Paulo, cujo sepulcro é venerado perto da «Via Ostiense». Ambos selaram com o próprio sangue o testemunho oferecido a Cristo, com a pregação e o ministério eclesial.

Bem sublinha este testemunho a hodierna Liturgia, que deixa ainda entrever a profunda razão pela qual convinha que a fé professada pelos dois Apóstolos com os lábios fosse também coroada com a suprema prova do martírio.

3. Tal motivo emerge do trecho dos Actos dos Apóstolos, há pouco proclamado, bem como do Salmo responsorial e da perícope da Carta a Timóteo, e é proposta de modo sintético no refrão do Salmo responsorial: «Bendito é o Senhor que liberta os Seus amigos» (cf. Sl 34[33], 5).

A primeira Carta evoca a libertação milagrosa de Pedro da prisão de Jerusalém, onde fora apriosionado pelo rei Herodes. Na segunda Carta, Paulo, como que resumindo toda a actividade apostólica e missionária, afirma: «Fui libertado da boca do leão» (2Tm 4,17). Ambos os testemunhos mostram, num certo sentido, o comum caminho percorrido pelos dois Apóstolos. Ambos foram enviados por Cristo para anunciar o Evangelho num contexto hostil à obra da salvação. Pedro experimentou essa resistência já em Jerusalém, onde Herodes, para conquistar os favores dos judeus, o lançou na prisão com a intenção de «apresentar Pedro ao povo» (Ac 12,4). Todavia, foi salvo de modo milagroso das mãos de Herodes e assim pôde levar a termo a própria missão evangelizadora, primeiro em Jerusalém e depois em Roma, pondo todas as suas energias ao serviço da Igreja que nascia.

Também Paulo, enviado pelo Ressuscitado a muitas cidades e populações pagãs, pertencentes ao Império Romano, encontrou fortes resistências tanto da parte dos compatriotas como da parte das autoridades civis. As suas Cartas constituem um esplêndido testemunho de tais dificuldades e da grande luta que ele teve de sustentar pela causa do Evangelho.

1062 No fim da sua missão, pôde escrever: «O meu sangue está para ser derramado em libação, e chegou o tempo da minha partida. Combati o bom combate, terminei a minha corrida, conservei a fé» (2Tm 4,6-7).

Pedro e Paulo, cada um com a própria vicissitude pessoal e eclesial, testemunham que, também no meio de duríssimas provações, o Senhor jamais os abandonou. Estava com Pedro para o libertar das mãos dos opositores em Jerusalém; estava com Paulo nas contínuas fadigas apostólicas, para lhe comunicar a força da Sua graça, a fim de o tornar intrépido anunciador do Evangelho em benefício das nações (cf. 2Tm 4,17).

4. A Igreja é chamada a aprofundar o próprio ligame com o testemunho dos Apóstolos Pedro e Paulo. Celebrando a hodierna solenidade litúrgica, as comunidades cristãs do mundo inteiro reforçam entre si os vínculos de unidade fundados sobre a profissão da mesma fé em Cristo e sobre a caridade fraterna. Sinal eloquente de tal comunhão eclesial é o rito da imposição do sagrado Pálio da parte do Sucessor de Pedro sobre os novos Arcebispos Metropolitanos provenientes de várias nações.

Caríssimos Irmãos no Episcopado! Estou feliz por vos acolher nesta solene Celebração, durante a qual recebereis o Pálio como sinal de unidade com a Sé de Pedro e de partilha da missão, confiada por Cristo aos Apóstolos e aos seus sucessores, de anunciar o Evangelho a todos os povos. Juntamente convosco, desejo saudar e abraçar com afecto as Comunidades eclesiais que vos são confiadas, pedindo ao Senhor para os vossos fiéis a abundância dos dons do Espírito Santo.

5. O testemunho de fé e a árdua luta que os Apóstolos Pedro e Paulo tiveram de enfrentar pela causa do Evangelho, se forem considerados em termos simplesmente humanos, terminaram com uma derrota. Também nisto seguiram com fidelidade o modelo de Cristo. Com efeito, ainda humanamente falando, a missão de Cristo, condenado à morte e crucificado, terminou com uma derrota.

Todavia, ambos os Apóstolos, tendo o olhar fixo no Mistério pascal, não duvidaram que precisamente esta, que aos olhos do mundo parecia uma derrota, na realidade constituía o início da realização do plano de Deus. Era a vitória sobre as forças do mal, conquistada em primeiro lugar por Cristo e depois pelos Seus discípulos, mediante a fé. A inteira comunidade dos crentes está assente sobre os fundamentos firmes da fé apostólica e dá graças a Cristo pela rocha sólida, sobre a qual estão edificadas tanto a sua vida como a sua missão.

O Senhor, que hoje nos alegra com a gloriosa recordação dos Apóstolos Pedro e Paulo, nos conceda escutar com coração dócil, conservar com devoção e transmitir com fidelidade o seu ensinamento, a fim de que o anúncio evangélico chegue a todos os confins da terra.

Amém!



Homilias JOÃO PAULO II 1055