Homilias JOÃO PAULO II 1077

HOMILIA DE JOÃO PAULO II


NA CERIMÓNIA DE BEATIFICAÇÃO


DE CINCO SERVOS DE DEUS


12 de Outubro de 1997




1. «Bom Mestre, que devo fazer para alcançar a vida eterna?»(Mc 10,17).

Esta pergunta, que no texto evangélico hodierno é feita por um jovem, foi dirigida ao longo dos séculos a Cristo por inúmeras gerações de homens e mulheres, jovens e anciãos, clérigos e leigos.

«Que devo fazer para alcançar a vida eterna?». É o interrogativo fundamental de cada cristão. Conhecemos bem a resposta de Cristo. Ele recorda ao seu interlocutor, antes de tudo, a observância dos Mandamentos: «Não matarás, não adulterarás, não roubarás, não levantarás falso testemunho, não defraudarás, honrarás teu pai e tua mãe» (Mc 10,19 cf. Êx Ex 20,12-16). O jovem replica com entusiasmo: «Mestre, tenho guardado tudo isso desde a minha juventude» (Mc 10,20). Nessa altura, sublinha o Evangelho, o Senhor olha para ele com afeição e acrescenta: «Falta-te apenas uma coisa: vai, vende tudo o que tens, dá o dinheiro aos pobres e terás um tesouro no Céu; depois, vem e segue-Me». O jovem, porém, lemos em seguida na narração: «ao ouvir tais palavras anuviou-se-lhe o semblante e retirou-se pesaroso, pois tinha grande fortuna» (Mc 10,21-22).

2. Os novos Beatos, hoje elevados à glória dos altares, ao invés, acolheram com prontidão e entusiasmo o convite de Cristo: «Vem e segue-Me!» e seguiram- n’O até ao fim. Revelou-se assim neles a força da graça de Deus e, na sua existência terrena, chegaram a realizar até mesmo quanto humanamente parecia impossível. Tendo posto toda a confiança em Deus, tudo para eles se tornou possível. Eis por que me é grato apresentá-los hoje como exemplos do fiel seguimento de Cristo. Eles são: Elias do Socorro Nieves, Mártir, Sacerdote professo da Ordem de Santo Agostinho; João Baptista Piamarta, Sacerdote da Diocese de Bréscia; Domingos Lentini, Sacerdote da Diocese de Tursi-Lagonegro; Maria de Jesus, no século Emília d’Hooghvorst, Fundadora do Instituto das Irmãs de Maria Reparadora; Maria Teresa Fasce, Monja professa da Ordem de Santo Agostinho.

3. «Jesus fitando nele o olhar, sentiu afeição por ele» (Mc 10,21). Estas palavras do texto evangélico evocam a experiência espiritual e apostólica do sacerdote João Piamarta, Fundador da Congregação da Sagrada Família de Nazaré, que hoje contemplamos na glória celeste. Também ele, segundo o exemplo de Cristo, soube levar tantas crianças e jovens a encontrarem o olhar amoroso e exigente do Senhor. Quantos, graças à sua obra pastoral, puderam com alegria iniciar-se na vida tendo aprendido um ofício e sobretudo podendo encontrar Jesus e a Sua mensagem de salvação! A obra apostólica do novo Beato é multiforme e abraça muitos sectores da vida social: do mundo do trabalho ao da agricultura, da educação escolar ao sector editorial. Ele deixou uma grande marca de si na Diocese de Bréscia e na Igreja inteira.

De onde este extraordinário homem de Deus hauria a energia suficiente para a sua multíplice actividade A resposta é clara: a oração assídua e fervorosa era a fonte do incansável ardor apostólico e da atracção benéfica que exercia sobre todos os que dele se aproximavam. Ele mesmo afirmava, como recordam os testemunhos dos contemporâneos: «Com a oração fortalecemo-nos com a mesma fortaleza de Deus... Omnia possum ». Tudo é possível com Deus, por Ele e com Ele.

4. «Esteja sobre nós a bondade do Senhor, nosso Deus» (Salmo resp.). A consciência profunda da bondade do Senhor animava o Beato Domingos Lentini, o qual na sua pregação itinerante não se cansava de propor o apelo à conversão e ao retorno a Deus. Por este motivo, a sua actividade apostólica era acompanhada pelo assíduo ministério do confessionário. Bem sabeis, com efeito, que na celebração do sacramento da Penitência o sacerdote se torna dispensador da misericórdia divina e testemunha da nova vida que nasce, graças ao arrependimento do penitente e ao perdão do Senhor.

Sacerdote de coração indiviso, soube conjugar a fidelidade a Deus com a fidelidade ao homem. Com ardente caridade dirigiu-se em particular aos jovens, que educava para serem firmes na fé, e aos pobres, aos quais oferecia tudo aquilo de que dispunha, com uma absoluta confiança na divina Providência. A total dedicação ao ministério fez dele, segundo a expressão do meu venerado Predecessor, Papa Pio XI, «um sacerdote rico só do seu sacerdócio».

1078 5. Na segunda Leitura da liturgia, ouvimos: «A palavra de Deus é viva... penetra até dividir a alma» (He 4,12). Emília d’Hooghvorst acolheu esta palavra no mais íntimo de si mesma. Aprendendo a submeter-se à vontade de Deus, realiza em primeiro lugar a missão de todo o casal cristão: tornar o seu lar «um santuário doméstico da Igreja» (Apostolicam actuositatem AA 11). Quando se tornou viúva e animada pelo desejo de participar no mistério pascal, Madre Maria de Jesus fundou a Sociedade de Maria Reparadora. Pela sua vida de oração, ela recorda-nos que, na adoração eucarística, onde bebemos como na fonte da vida que é Cristo, encontramos a força para a missão quotidiana. Que cada um de nós, qualquer que seja o seu estado de vida, saiba «escutar a voz de Cristo», «que deve ser a regra da nossa existência», como ela gostava de dizer!

Esta beatificação é também para as religiosas de Maria Reparadora um encorajamento a prosseguirem o seu apostolado, com uma renovada atenção aos homens deste tempo. Segundo o seu carisma próprio, elas responderão à missão: despertar a fé entre os seus contemporâneos e ajudá-los no seu crescimento espiritual, participando assim activamente na edificação da Igreja.

6. Aos discípulos, assombrados ante as dificuldades para entrar no Reino, Jesus adverte: «aos homens é impossível, mas a Deus não, pois a Deus tudo é possível» (Mc 10,27). Acolheu esta mensagem o Padre Elias do Socorro Nieves, sacerdote agostiniano, que hoje é elevado à glória dos altares como mártir da fé. A total confiança em Deus e na Virgem do Socorro, de quem era muito devoto, caracterizou toda a sua vida e o seu ministério sacerdotal, exercido com abnegação e espírito de serviço, sem se deixar vencer pelos obstáculos, os sacrifícios ou o perigo. Este fiel religioso agostiniano soube transmitir a esperança em Cristo e na Providência divina.

A vida e o martírio do Padre Nieves, que não quis abandonar os seus fiéis apesar do perigo que corria, são por si mesmos um convite a renovar a fé em Deus que tudo pode. Enfrentou a morte com integridade, abençoando os seus verdugos e dando testemunho da sua fé em Cristo. A Igreja no México conta hoje com um novo modelo de vida e poderoso intercessor, que o ajudará a renovar a sua vida cristã; os seus irmãos agostinianos têm mais um exemplo a imitar, na sua constante busca de Deus na fraternidade e no serviço ao Povo de Deus; para a Igreja inteira é uma demonstração eloquente dos frutos de santidade, que o poder da graça de Deus produz no seu seio.

7. A primeira Leitura, tirada do Livro da Sabedoria, recorda-nos que a sabedoria e a prudência brotam da oração: «Por isso, pedi a prudência e ela me foi dada; supliquei e veio a mim o espírito da sabedoria» (Sg 7,7). Estas palavras bem se aplicam à vicissitude terrena duma outra nova Beata, Maria Teresa Fasce, que viveu na constante contemplação do mistério de Cristo. A Igreja indica- a hoje como fúlgido exemplo de síntese viva entre vida contemplativa e humilde testemunho de solidariedade para com os homens, especialmente os mais pobres, humildes, abandonados e sofredores.

A Família agostiniana vive hoje uma jornada extraordinária, porque vê unidos na glória dos altares os representantes dos dois ramos da Ordem, o apostólico, com o Beato Elias do Socorro Nieves, e o contemplativo, com a Beata Maria Teresa Fasce. O exemplo deles constitui para os religiosos e as religiosas agostinianos motivo de alegria e de legítima satisfação. Possa este dia ser também ocasião providencial para um renovado empenho, na total e fiel consagração a Deus e no generoso serviço aos irmãos.

8. «Por que me chamas bom Ninguém é bom senão Deus» (Mc 10,18). Cada um destes novos Beatos ouviu esta essencial explicação de Cristo e compreendeu onde procurar a fonte originária da santidade. Deus é a plenitude do bem que tende por si mesmo a difundirse: «Bonum est diffusivum sui» (S. Tomás de Aquino, Summa Theol., I, q. 5, a. 4. ad 2). O sumo Bem quer doar-Se e tornar semelhantes a Si quantos O procuram com coração sincero. Ele deseja santificar aqueles que estão dispostos a deixar tudo para seguir o seu Filho encarnado.

O primeiro objectivo desta celebração é, pois, louvar a Deus, fonte de toda a santidade. Damos glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, porque os novos Beatos, baptizados no nome da Santíssima Trindade, colaboraram com a graça de Deus com heroísmo perseverante. Tendo-se tornado plenamente partícipes da vida divina, eles contemplam agora a glória do Senhor face a face, gozando os frutos das bem-aventuranças proclamadas por Jesus no «Sermão da Montanha »: «Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos céus» (Mt 5,3). Sim, o Reino dos céus pertence a estes fiéis servos de Deus, que seguiram Cristo até ao fim, fixando o olhar n’Ele. Com a sua existência deram testemunho d’Aquele que por eles e por todos morreu na Cruz e ressuscitou.

Alegra-se a Igreja inteira, mãe dos Santos e dos Beatos, grande família espiritual dos homens chamados a participar da vida divina. Juntamente com Maria, Mãe de Cristo e Rainha dos Santos, e também com os novos Beatos proclamamos a santidade de Deus: «Santo, Santo, Santo o Senhor Deus do universo. Bendito Aquele que vem em nome do Senhor. Hosana nas alturas!».

Amém!





DIA MUNDIAL DAS MISSÕES



POR OCASIÃO DA ATRIBUIÇÃO DO TÍTULO


DE DOUTORA DA IGREJA A SANTA TERESA


DO MENINO JESUS E DA SANTA FACE


Domingo, 19 de Outubro de 1997




1079 1. «As nações caminharão à tua luz» (Is 60,3). Nas palavras do profeta Isaías já ressoa, como expectativa ardente e esperança luminosa, o eco da Epifania. Precisamente a ligação a esta solenidade permite-nos perceber melhor o carácter missionário deste domingo. A profecia de Isaías, com efeito, alarga à humanidade inteira a perspectiva da salvação, e desse modo também o gesto profético dos Magos do Oriente que, ao irem adorar o Menino divino nascido em Belém (cf. Mt Mt 2,1-12), anunciam e inauguram a adesão dos povos à mensagem de Cristo.

Todos os homens são chamados a acolher na fé o Evangelho que salva. A Igreja é enviada a todos os povos, a todas as terras e culturas: «Ide... fazei com que todos os povos se tornem Meus discípulos, baptizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, e ensinando-os a cumprir tudo quanto vos tenho mandado» (Mt 28 Mt 19-20). Estas palavras, pronunciadas por Cristo antes de subir ao céu, juntamente com a promessa feita aos Apóstolos e aos sucessores de estar com eles até ao fim do mundo (cf. Mt Mt 28,20), constituem a essência do mandato missionário; na pessoa dos seus ministros, é Cristo mesmo que vai ad gentes, a quantos ainda não receberam o anúncio da fé.

2. Teresa Martin, Carmelita descalça de Lisieux, desejava ardentemente ser missionária. E foi-o, a ponto de poder ser proclamada Padroeira das Missões. O próprio Jesus lhe mostrou como haveria de viver essa vocação: praticando em plenitude o mandamento do amor, haveria de imergir-se no coração mesmo da missão da Igreja, sustentando os anunciadores do Evangelho com a força misteriosa da oração e da comunhão. Assim, ela realizava quanto é ressaltado pelo Concílio Vaticano II, quando ensina que a Igreja é missionária por sua natureza (cf. Ad gentes AGD 2). Não só aqueles que optam pela vida missionária, mas todos os baptizados são de algum modo enviados ad gentes.

Por este motivo eu quis escolher este domingo missionário para proclamar Santa Teresa do Menino Jesus e da Santa Face Doutora da Igreja universal: uma mulher, uma jovem, uma contemplativa.

3. A ninguém passa despercebido, portanto, que hoje está a realizar-se algo de surpreendente. Santa Teresa de Lisieux não pôde frequentar uma Universidade e nem sequer os estudos sistemáticos. Morreu jovem: entretanto, a partir de hoje será honrada como Doutora da Igreja, qualificado reconhecimento que a eleva na consideração da inteira comunidade cristã, muito para além de quanto possa fazê-lo um «título académico ».

Com efeito, quando o Magistério proclama alguém Doutor da Igreja, tem em vista indicar a todos os fiéis, e de modo especial a quantos na Igreja prestam o fundamental serviço da pregação ou exercem a delicada tarefa da investigação e do ensino teológico, que a doutrina professada e proclamada por uma determinada pessoa pode ser um ponto de referência, não só porque está em conformidade com a verdade revelada, mas também porque traz nova luz acerca dos mistérios da fé, uma compreensão mais profunda do mistério de Cristo. O Concílio recordou-nos que, sob a assistência do Espírito Santo, cresce continuamente na Igreja a compreensão do «depositum fidei», e para esse processo de crescimento contribui não só o estudo rico de contemplação, a que são chamados os teólogos, nem só o Magistério dos Pastores, dotados do «carisma certo da verdade», mas também aquela «profunda inteligência das coisas espirituais» que é dada mediante a experiência, com riqueza e diversidade de dons, a quantos se deixam guiar com docilidade pelo Espírito de Deus (cf. Dei Verbum DV 8). A Lumen gentium, por sua vez, ensina que nos Santos «Deus mesmo nos fala» (n. 50). É por isso que, em vista do aprofundamento dos mistérios divinos, que permanecem sempre maiores que os nossos pensamentos, é atribuído um valor especial à experiência espiritual dos Santos, e não é por acaso que a Igreja escolhe unicamente entre eles, a quantos quer atribuir o título de «Doutor».

4. Entre os «Doutores da Igreja», Teresa do Menino Jesus e da Santa Face é a mais jovem, mas o seu ardente itinerário espiritual demonstra muita maturidade, e as intuições da fé expressas nos seus escritos são tão vastas e profundas, que a tornam digna de ser posta entre os grandes mestres espirituais.

Na Carta Apostólica que escrevi para esta ocasião, ressaltei alguns aspectos salientes da sua doutrina. Mas como não evocar aqui o que se pode considerar o ápice, a partir da narração da descoberta surpreendente que ela fez da sua particular vocação na Igreja «A caridade — escreve ela — ofereceu-me a chave da minha vocação. Compreendi que, se a Igreja apresenta um corpo formado por membros diferentes, não lhe falta o mais necessário e mais nobre de todos; compreendi que a Igreja tem um coração, um coração ardente de amor; compreendi que só o amor fazia actuar os membros da Igreja e que, se o amor viesse a extinguir-se, nem os Apóstolos continuariam a anunciar o Evangelho, nem os mártires a derramar o seu sangue; compreendi que o amor encerra em si todas as vocações... Então, com a maior alegria da minha alma arrebatada, exclamei: Jesus, meu amor! Encontrei finalmente a minha vocação. A minha vocação é o amor!» (Manuscritos autobiográficos). Eis uma página admirável que, por si só, é suficiente para mostrar que se pode aplicar a Santa Teresa a passagem do Evangelho que ouvimos na liturgia da Palavra: «Bendigo-Te, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e aos entendidos e as revelaste aos pequeninos » (Mt 11,25)

5. Teresa de Lisieux não só compreendeu e descreveu a profunda verdade do Amor como o centro e o coração da Igreja, mas viveu-a com intensidade na sua breve existência. É justamente esta convergência entre a doutrina e a experiência concreta, entre a verdade e a vida, entre o ensinamento e a prática, que resplandece com uma particular clareza nesta Santa, e que a torna um modelo atraente de forma especial para os jovens e para aqueles que estão em busca do verdadeiro sentido a dar à própria vida.

Diante do vazio de tantas palavras, Teresa apresenta outra solução, a única Palavra da salvação que, compreendida e vivida no silêncio, se torna uma fonte de vida renovada. A uma cultura racionalista e com muita frequência impregnada de um materialismo prático, ela opõe com uma desarmante simplicidade a «pequena via» que, retornando ao essencial, conduz ao segredo de toda a existência: o Amor divino que envolve e imbui a inteira aventura humana. Num tempo como o nosso, muitas vezes marcado pela cultura do efémero e do hedonismo, esta nova Doutora da Igreja mostra-se dotada duma singular eficácia, para esclarecer o espírito e o coração daqueles que têm sede de verdade e de amor.

6. Santa Teresa é apresentada como Doutora da Igreja no dia em que celebramos a Jornada Mundial das Missões. Ela teve o ardente desejo de se consagrar ao anúncio do Evangelho e quereria coroar o seu testemunho com o supremo sacrifício do martírio (cf. Manuscritos autobiográficos). Sabe-se também com que intenso empenho pessoal ela susteve o trabalho apostólico dos Padres missionários Maurício Bellière e Adolfo Roulland, um em África e outro na China. No seu impulso de amor pela evangelização, Teresa só tinha um ideal, como ela mesma diz: «O que Lhe pedimos, é para trabalhar pela Sua glória, amá-l’O e fazer com que seja amado» Carta 220).

1080 O caminho que percorreu para chegar a este ideal de vida não é o dos grandes empreendimentos reservados a um pequeno número mas, ao contrário, uma via ao alcance de todos, a «pequena via», caminho da confiança e do abandono total de si mesma à graça do Senhor. Não se trata de uma via a ser banalizada, como se fosse menos exigente. Na realidade ela é exigente, como o é sempre o Evangelho. Mas é uma via impregnada do sentido do abandono confiante à misericórdia divina, que torna suave até mesmo o mais rigoroso empenho espiritual.

Por esta via, na qual recebe tudo como «graça», devido ao facto de pôr no centro de tudo a sua relação com Cristo e a sua escolha do amor, em virtude do lugar dado também aos impulsos do coração no seu itinerário espiritual, Teresa de Lisieux é uma Santa que permanece jovem, apesar dos anos que passam, e é proposta como um modelo eminente e uma guia no caminho dos cristãos para o nosso tempo, que chega ao terceiro milénio.

7. Grande é, por isso, a alegria da Igreja, neste dia que coroa as expectativas e as orações de tantos que intuíram, com a riqueza do Doutoramento, este especial dom de Deus e lhe favoreceram o reconhecimento e o acolhimento. Por isso, todos juntos desejamos dar graças ao Senhor, e de modo particular com os professores e os estudantes das Universidades eclesiásticas romanas, que precisamente nestes dias iniciaram o novo Ano académico.

Sim, ó Pai, nós Vos bendizemos, juntamente com Jesus (cf. Mt
Mt 11,25), porque escondestes os Vossos segredos «aos sábios e aos entendidos» e os revelastes a esta «pequenina», que hoje propondes de novo à nossa atenção e à nossa imitação. Obrigado pela sabedoria que lhe destes, tornando-a para a Igreja inteira uma singular testemunha e mestra de vida!

Obrigado pelo amor que derramastes sobre ela, e que continua a iluminar e aquecer os corações, impelindo-os à santidade!

O desejo que Teresa exprimiu, de «passar o seu Céu fazendo o bem sobre a terra» (cf. ed. it. das Obras Completas, pág. 1050), continua a realizar-se de modo maravilhoso.

Obrigado, ó Pai, porque hoje a tornais próxima de nós a novo título, para louvor e glória do Vosso nome nos séculos.

Amém!





NA PARÓQUIA ROMANA DOS SANTOS


ISABEL E ZACARIAS


26 de Outubro de 1997


1. «O Senhor faz connosco maravilhas » (Ps 125,3).

O refrão do Salmo responsorial sintetiza muito bem o conteúdo da Palavra de Deus, que a liturgia de hoje nos propõe.

1081 Como ouvimos no Evangelho, Jesus fez maravilhas com Bartimeu, o cego de Jericó, que graças à Sua intervenção taumatúrgica readquiriu a vista (cf. Mc Mc 10,52). Deus fez maravilhas com a descendência de Jacob, libertando-a da escravidão do Egipto, conduzindo-a à terra prometida. E quando para o povo eleito sobreveio uma nova escravidão, devido à infidelidade, Deus libertou Israel do exílio da Babilónia e reconduziu-o à terra dos seus antepassados.

Referindo-se aos grandes acontecimentos da história salvífica, o Salmo responsorial proclama:

«Quando o Senhor restaurar os destinos de Sião, será para nós como um sonho.
A nossa boca encher-se-á de alegria, os nossos lábios de canções» (Ps 125,1-2).

Os magnalia Dei da Antiga Aliança constituem uma prefiguração do mistério da Encarnação, máxima intervenção de Deus não só em relação a Israel, mas a todos os homens. «Porque Deus — escreve São João — amou de tal modo o mundo que lhe deu o Seu Filho único, para que todo o que n'Ele crer não pereça, mas tenha a vida eterna» (Jn 3,16). O Filho unigénito de Deus, consubstancial ao Pai, encarnou por obra do Espírito Santo. Por meio de Maria, filha eleita de Sião, assumiu a nossa natureza humana e realizou a redenção de toda a humanidade.

2. «Tu és sacerdote eternamente, segundo a ordem de Melquisedec» (He 5,6). Jesus é o Sumo Sacerdote da nova e eterna Aliança. O antigo sacerdócio, transmitido pelos descendentes de Aarão, irmão de Moisés, dá lugar ao verdadeiro e perfeito sacerdócio de Cristo. Lemos na Carta aos Hebreus: «Porque todo o Sumo Sacerdote escolhido de entre os homens é constituído a favor dos homens, nas coisas concernentes a Deus, para oferecer dons e sacrifícios pelos pecados» (5, 1).

Toda a vida de Cristo tem um valor sacerdotal. Contudo, o Seu sacerdócio manifesta-se em plenitude no mistério pascal. No Gólgota, Ele oferece-Se a Si mesmo ao Pai mediante um sacrifício cruento, único e perfeito. Deste modo, realizou definitivamente a profecia dirigida a Melquisedec: «porque o fez de uma só vez e para sempre, oferecendo-Se a Si mesmo» (He 7,27). Nas vésperas da Sua morte, antecipou o memorial desse sacrifício, sob as espécies do pão e do vinho consagrados. Deste modo o Seu gesto de imolação tornou-se o sacramento da Nova Aliança, a Eucaristia da Igreja. Todas as vezes que celebramos ou participamos na Santa Missa, devemos proclamar com gratidão as palavras do hodierno Salmo: «O Senhor faz connosco maravilhas»!

3. Caríssimos Irmãos e Irmãs da Paróquia dos Santos Isabel e Zacarias, hoje repitamos juntos este cântico!

Vim para visitar a vossa jovem Comunidade e sinto-me feliz por celebrar convosco o dia do Senhor. Saúdo todos vós cordialmente e agradeço-vos o vosso caloroso acolhimento. Saúdo de modo particular o Cardeal Vigário, o Bispo Auxiliar do Sector, o vosso Pároco, Pe. Giorgio Cara, que merece um aplauso. Ele disse muitas coisas positivas acerca de vós. Nota-se que gosta da sua gente, de todas as famílias, de todas as crianças que se vêem na paróquia, que gosta de todos sem qualquer excepção. Saúdo também os sacerdotes colaboradores provenientes da África. Saúdo de igual modo as pessoas consagradas e os leigos, jovens e adultos, que colaboram na vida paroquial. O meu afectuoso pensamento torna-se extensivo a todos os habitantes do bairro «Prima Porta».

A vossa é uma Paróquia fundada recentemente, tendo sido constituída em 1985, cujos inícios remontam a dez anos atrás, quando nesta zona se insediaram muitas famílias provenientes de outras partes. Graças também à colaboração generosa das Irmãs da Imaculada, que se prolongou até 1993, a vossa Comunidade, depois de um tímido início, aumentou notavelmente, tendo hoje alcançado cerca de nove mil almas. Ela foi-se organizando de modo gradual e conheceu um rápido desenvolvimento, sobretudo nos âmbitos da catequese e da formação dos catequistas, da liturgia e da actividade missionária com experiências significativas de grupos de oração familiar.

Juntamente convosco agradeço a Deus estes frutos encorajadores, e desejo de coração que num futuro próximo possais ter uma linda igreja paroquial; é este o vosso desejo, como centro espiritual deste bairro que cresce cada vez mais.

1082 A «Missão da cidade», que na Quaresma de 1998 empenhará todas as paróquias, constituirá um ulterior estímulo para alimentar em vós o fervor apostólico e missionário. A respeito disto, tenho conhecimento de que alguns jovens, durante o Verão passado, viveram uma proveitosa experiência missionária em Salvador e no Nordeste do Brasil. Regozijo- me com isso e faço votos por que cresça em todos o empenho de anunciar e testemunhar em todos os ambientes o Senhor morto e ressuscitado.

4. Caríssimos Irmãos e Irmãs, no âmbito da «Missão da cidade», no domingo dia 30 do próximo mês de Novembro, terei a alegria de entregar o crucifixo e confiar o mandato missionário a mais de treze mil fiéis, que se estão a preparar para esta tarefa apostólica. Fá-lo-ei, se Deus quiser, durante a celebração eucarística que abrirá o segundo ano de preparação imediata para o Grande Jubileu do Ano 2000. Para uma eficaz realização desta importante acção eclesial, que empenha a inteira Comunidade diocesana, conto com o contributo generoso de todos e, sobretudo, com o dos jovens, chamados a ser os apóstolos de Cristo entre os seus contemporâneos. A visita pastoral dos Bispos Auxiliares às comunidades juvenis, que está a ser realizada já desde há algumas semanas, tem precisamente a finalidade de evidenciar como são importantes o seu contributo e testemunho.

Ao lado dos jovens é necessário que actuem também as famílias cristãs. Eis por que a Diocese de Roma dedica, durante este ano, muita atenção à pastoral familiar. Infelizmente, as famílias em dificuldade são numerosas, mas é confortador ver que em Roma e na Itália essa instituição continua a estar no primeiro lugar da escala dos valores. Por conseguinte, a família cristã pode e deve desempenhar um importante papel, a fim de ajudar as famílias que, por vários motivos, passam momentos difíceis. Para desempenhar esta tarefa, ela é chamada a tomar cada vez mais consciência da sua vocação e da sua missão: como igreja doméstica, a família é o lugar do qual irradia o Evangelho. A família que vive o Evangelho, como recordava o meu venerado Predecessor, o Papa Paulo VI, torna-se evangelizadora de muitas famílias e do ambiente no qual se encontra inserida. Por outras palavras, torna-se autenticamente missionária (cf. Evangelii nuntiandi
EN 71).

Queridos jovens, estimadas famílias, sede apóstolos desta nossa Cidade. Sede semeadores da verdade e do amor de Cristo, com o vosso testemunho evangélico coerente e com uma participação activa na «Missão da cidade».

5. O Salmo responsorial recorda-nos que «os que semeiam com lágrimas recolhem entre cânticos» (Ps 125,5). O empenho que Jesus nos pede pode parecer difícil, mas Ele garante-nos a sua ajuda e o seu apoio. Ele está connosco e actua por nós.

Conscientes do seu amor, podemos dirigir-nos a Ele com confiança. Como ao agricultor, que depois do tempo da sementeira saboreia a alegria da colheita, Deus concederá que todos nós retornemos com alegria, trazendo os frutos do nosso trabalho missionário (cf. Sl Ps 125,6). Ele é o Pai que cumula de alegria os seus filhos.

Olhando para os dons da sua graça, podemos repetir reconhecidos: «O Senhor faz connosco maravilhas». Sim, o Senhor não deixa de realizar maravilhas para nós. Sempre!

Bendito seja o Seu santo nome, agora e pelos séculos dos séculos. Amém!





DURANTE A CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA


PARA A BEATIFICAÇÃO DE TRÊS SERVOS DE DEUS


9 de Novembro de 1997




1. «Destruí este santuário e Eu em três dias o levantarei» (Jn 2,19).

As palavras de Cristo, há pouco proclamadas no Evangelho, levam-nos ao próprio centro do Mistério pascal. Cristo, ao entrar no templo de Jerusalém, manifesta a sua indignação porque a casa de Seu Pai foi transformada num grande mercado. Perante esta reacção, os hebreus protestam: «Que sinal nos apresentas para justificares o Teu proceder? » (Jn 2,18). Jesus responde-lhes indicando um único e grande sinal, um sinal definitivo: «Destruí este santuário e Eu em três dias o levantarei».

1083 Naturalmente Ele fala não do templo de Jerusalém, mas do Seu próprio corpo. Com efeito, tendo sido entregue à morte, ao terceiro dia manifestará o poder da ressurreição. O Evangelista acrescenta: «Por isso, quando Ele ressuscitou dos mortos, recordaram-se os discípulos do que tinha dito e acreditaram na Escritura e na palavra que Jesus dissera» (Jn 2,22).

2. Neste domingo, a Igreja que está em Roma e todo o povo cristão celebram a solenidade da dedicação da Basílica Lateranense, considerada por uma antiquíssima tradição a mãe de todas as Igrejas. A liturgia propõe-nos palavras relativas ao templo: templo que é, antes de mais, o corpo de Cristo mas que, por obra de Cristo, também é cada homem. O apóstolo Paulo interroga-se: «Não sabeis que sois templos de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?» (1Co 3,16). Este templo é edificado sobre o fundamento posto pelo próprio Deus. «Ninguém pode pôr outro fundamento diferente do que foi posto, isto é, Jesus Cristo» (1Co 3,11). É Ele a pedra angular da construção divina.

Sobre Cristo, fundamento firme da Igreja, edificaram o templo da sua vida os três Servos de Deus, que hoje tenho a alegria de elevar à honra dos altares: Vilmos Apor, Bispo e mártir; João Baptista Scalabrini, Bispo e Fundador dos Missionários e das Missionárias de São Carlos, e Maria Vicenta de Santa Doroteia Chávez Orozco, Fundadora do Instituto das Servas da Santíssima Trindade e dos pobres.

3. A participação íntima no Mistério de Cristo, Templo novo e perfeito no qual se actua a plena comunhão entre Deus e o homem (cf. Jo Jn 2,21), resplandece no serviço pastoral do beato Vilmos Apor, cuja existência foi coroada pelo martírio. Ele foi «pároco dos pobres », ministério que continuou como Bispo durante os anos obscuros da segunda guerra mundial, trabalhando como generoso benfeitor dos necessitados e defensor de quantos eram perseguidos. Não receou levantar a voz para condenar, em nome dos princípios evangélicos, as injustiças e os abusos contra as minorias, sobretudo contra a comunidade judaica.

À imagem do Bom Pastor, que oferece a própria vida pelas Suas ovelhas (cf. Jo Jn 10,11), o novo Beato viveu em primeira pessoa a adesão ao Mistério pascal, até ao sacrifício extremo da vida. A sua morte ocorreu precisamente na Sexta-Feira Santa: foi assassinado enquanto defendia o seu rebanho. Deste modo conheceu, mediante o martírio, a sua singular Páscoa, passando do testemunho heróico de amor a Cristo e de solidariedade com os irmãos à coroa de glória prometida aos fiéis servidores. O testemunho heróico do Bispo Vilmos Apor honra a história da nobre Nação húngara e é hoje proposto à contemplação de toda a Igreja. Oxalá ele encorage os crentes a seguir, sem hesitar, Cristo na própria vida. Eis a santidade a que todos os cristãos são chamados!

4. «O templo de Deus, que sois vós, é santo» (1Co 3,17). A vocação universal à santidade foi constantemente sentida e vivida em primeira pessoa por João Baptista Scalabrini. Gostava de repetir com frequência: «Se me pudesse santificar e santificar todas as almas que me foram confiadas!». A sua primeira preocupação foi sempre aspirar à santidade e propô-la a quantos encontrava.

Profundamente atraído por Deus e de modo extraordinário devoto da Eucaristia, soube transformar a contemplação de Deus e do seu mistério numa intensa acção apostólica e missionária, tornando- se tudo em todos para anunciar o Evangelho. Esta sua fervorosa paixão pelo Reino de Deus tornou-o zeloso na catequese, nas actividades pastorais e na acção caritativa, sobretudo em benefício dos mais necessitados. O Papa Pio IX definiu-o «Apóstolo do catecismo», considerando o empenho com que promoveu em todas as paróquias o ensino metódico da doutrina da Igreja, tanto às crianças como aos adultos. Devido ao seu amor para com os pobres, e em particular para com os emigrantes, fezse apóstolo dos numerosos concidadãos obrigados a emigrar, com frequência em condições difíceis e com o perigo concreto de perder a fé: foi para eles pai e guia segura. Podemos dizer que o beato João Baptista Scalabrini viveu intensamente o Mistério pascal, não através do martírio, mas servindo Cristo pobre e crucificado nos numerosos necessitados e sofredores, pelos quais sentiu predilecção, com um coração de autêntico Pastor solidário com o próprio rebanho.

5. Templo precioso da Santíssima Trindade foi a alma forte e humilde da nova beata mexicana, Maria Vicenta de Santa Doroteia Chávez Orozco. Animada pela caridade de Cristo, sempre vivo e presente na sua Igreja, consagrou-se ao Seu serviço na pessoa dos «pobrezinhos enfermos», como maternalmente chamava. Inúmeras dificuldades e contratempos modelaram o seu carácter enérgico, pois Deus quis que ela fosse simples, doce e obediente, tornando-a pedra angular do Instituto das Servas da Santíssima Trindade e dos Pobres, fundado pela nova beata na cidade de Guadalajara, para cuidar dos enfermos e dos idosos.

Virgem sensata e prudente, edificou a sua obra no fundamento de Cristo sofredor, curando com o bálsamo da caridade e com o remédio do conforto os corpos feridos e as almas aflitas dos predilectos de Cristo: os indigentes, os pobres e os necessitados.

O seu exemplo luminoso, entretecido de oração, de serviço ao próximo e de apostolado, prolonga-se hoje no testemunho das suas filhas e de tantas pessoas de coração nobre, que se empenham com desvelo para levar aos hospitais e às clínicas a Boa Nova do Evangelho.

6. A primeira Leitura, tirada do Livro do Profeta Ezequiel, fala do símbolo da água. Para nós, a água está associada ao sacramento do Baptismo e significa o renascimento para a nova vida em Cristo. Hoje, ao proclamar Beatos Vilmos Apor, João Baptista Scalabrini e Maria Vicenta de Santa Doroteia Chávez Orozco, queremos agradecer a Deus a graça do seu Baptismo e tudo o que Ele realizou na vida deles: «... quem não nasceu da água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus» (Jn 3,5).

1084 Por conseguinte, estes Beatos, renascidos do Espírito Santo, entraram no Reino de Deus, e hoje a Igreja anuncia e confirma isto com solenidade. Edificada sobre o fundamento de Cristo, a Comunidade cristã rejubila com a glorificação destes seus filhos e eleva ao céu um cântico de agradecimento pelos frutos de bem realizados, graças à sua total adesão à vontade divina.

Sustentada pelo seu testemunho e pela sua intercessão, juntamente com a Virgem Maria, Rainha dos Apóstolos e dos Mártires, olha confiante para o futuro e prepara-se com entusiasmo para cruzar o limiar do novo Milénio, proclamando que Cristo é o único Redentor da humanidade: ontem, hoje e para sempre. Amém!







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