Homilias JOÃO PAULO II 1099

1099 Perante tais situações, vós não permaneceis inactivos. Ao contrário, animada pelo zelo apostólico e missionário, a vossa comunidade não deixa de testemunhar a esperança que o Evangelho dá a quem o acolhe e dele faz lei para a sua existência. Caríssimos, encorajo-vos a prosseguir neste caminho. Quem participa de modo activo na vida paroquial não pode deixar de sentir a chamada baptismal a tornar-se próximo de quem se encontra em situações de dificuldade e de sofrimento. Levai a cada um o anúncio típico do Natal: Não receeis, Cristo nasceu para nós! Difundi este anúncio em toda a parte neste tempo, que vos vê empenhados na Missão da Cidade. Ide aonde o povo vive e estai prontos, como podeis, a ajudá-lo a sair de qualquer forma de isolamento. Anunciai e testemunhai a todos e a cada um Cristo e a alegria do Evangelho.

Esta missão é para vós, queridas famílias: a Igreja chama-vos a mobilizar-vos ao transmitir a fé; e sobretudo a vivê-la vós mesmas intensamente. Compete a vós, em primeiro lugar, construir uma solidariedade que facilite a prevenção e a recuperação de quantos infelizmente caem na rede da toxicomania. Às famílias atingidas por este triste fenómeno desejo assegurar que a Igreja lhes está próxima e as convida a não suportar passivamente, mas a reagir com coragem e decisão, contando com a ajuda divina e o apoio activo dos irmãos, contra esta chaga do nosso tempo, que não deixa de danificar o corpo e o espírito de numerosos jovens. Contudo, persuadida de que não bastam intervenções de tipo social e médico, a Igreja convida a um testemunho cada vez mais convicto dos valores humanos e cristãos na sociedade e a uma autêntica solidariedade em relação às pessoas individualmente, sobretudo se são débeis e se encontram sozinhas.

Oxalá a celebração de hoje, na perspectiva do Natal, suscite em cada pessoa o entusiasmo para amar a vida, defendê-la e promovê-la com todos os meios legítimos. Este é o melhor modo de celebrar o Natal, partilhando com todas as pessoas de boa vontade a alegria da salvação, que o Verbo encarnado trouxe ao mundo.

Além disso, desejo que o tempo do Natal e o início do ano novo renovem em todos um forte estímulo missionário. Renasça nesta Comunidade, como em toda a Diocese, o fervor das origens da antiga Comunidade cristã de Roma, descrito nos Actos dos Apóstolos (cf. 28, 15.30).

5. «Eis que venho... para fazer, ó Deus, a Tua vontade» (
He 10,7). Ao apresentar o mistério da Encarnação, a Carta aos Hebreus descreve as disposições com que o Verbo divino entra no mundo: «Não quiseste sacrifício nem oblação, mas preparaste-Me um corpo» (10, 5). O sacrifício verdadeiro e perfeito, oferecido por Jesus ao Pai, é o da plena adesão ao plano salvífico. A total obediência ao Pai que caracteriza, desde o primeiro momento, a vicissitude terrena de Jesus, encontrará o seu cumprimento definitivo no mistério da Páscoa. Portanto, já no Natal está presente a perspectiva pascal. Nele tem início aquela redenção de Jesus, que se cumprirá totalmente com a Sua morte e ressurreição.

Maria, modelo de fé para todos os crentes, nos ajude a preparar-nos para acolher dignamente o Senhor que há-de vir. Juntamente com Santa Isabel, reconheçamos as grandes maravilhas que o Senhor realizou nela. «Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre!» (Lc 1,42). Jesus, fruto bendito do seio da Virgem Maria, abençoe as vossas famílias, os jovens, os anciãos, os doentes, as pessoas sozinhas. Ele, que Se fez Menino para salvar a humanidade, leve a todos luz, esperança e alegria.

Amém!





SOLENIDADE DO SANTO NATAL

HOMILIA DA MISSA DA MEIA NOITE

24 de Dezembro de 1997


1. «Anuncio-vos uma grande alegria (...): nasceu-vos hoje (...) um Salvador, que é o Messias Senhor» (Lc 2,10-11).

Hoje! Este «hoje», que ressoa na liturgia, não diz respeito apenas ao acontecimento que se verificou há quase dois mil anos e que mudou a história do mundo. Tem a ver também com esta Noite Santa, que nos reúne aqui, na Basílica de S. Pedro, em comunhão espiritual com todos aqueles que celebram, nos diversos ângulos da terra, a solenidade do Natal. De facto, mesmo nos lugares mais distantes dos cinco Continentes, ressoam, nesta noite, as palavras do Anjo ouvidas pelos pastores de Belém: «Anuncio-vos uma grande alegria (...): nasceu-vos hoje (...) um Salvador, que é o Messias Senhor» (Lc 2,10-11).

Jesus nasceu num estábulo, como se diz no Evangelho de Lucas, «por não terem lugar na hospedaria» (Lc 2,7). Maria, sua Mãe, e José não foram recebidos por nenhuma casa de Belém. Maria teve de colocar o Salvador do mundo numa manjedoira, único berço disponível para o Filho de Deus feito homem. Esta é a realidade do Natal do Senhor; tornamos a ela cada ano: deste modo descobrimo-la de novo, assim podemos vivê-la sempre com o mesmo enlevo.

1100 2. O nascimento do Messias! É o acontecimento central na história da humanidade. Todo o género humano o esperava num vago pressentimento; com consciência clara, esperava-o o Povo eleito.

Testemunha privilegiada desta expectativa, ao longo de todo o período do Advento e também nesta solene vigília, é o profeta Isaías, que lá dos séculos distantes orienta, inspirado, o seu olhar para esta única, futura noite de Belém. Apesar de ter vivido muitos anos antes, fala deste acontecimento e do seu mistério como se fosse sua testemunha ocular: «Um menino nasceu para nós, um Filho nos foi concedido» - «Puer natus est nobis, Filius datus est nobis» (
Is 9,5).

Eis o acontecimento histórico impregnado de mistério: nasce um delicado menino plenamente humano, mas que ao mesmo tempo é o Filho unigénito do Pai. É o Filho não criado, mas eternamente gerado, o Filho consubstancial ao Pai. «Deus de Deus, Luz da Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro». É o Verbo, por Quem «todas as coisas foram feitas».

Estas verdades, proclamá-las-emos daqui a pouco no Credo, acrescentando: «Por nós, homens, e para nossa salvação desceu dos Céus. E encarnou pelo Espírito Santo, no seio da Virgem Maria, e Se fez homem». Ao professarmos com toda a Igreja a nossa fé, reconheceremos, também nesta noite, a graça surpreendente que a misericórdia do Senhor nos concede.

Israel, o Povo de Deus da antiga Aliança, foi escolhido para levar ao mundo, como «rebento da estirpe de David», o Messias, o Salvador e Redentor da humanidade inteira. Juntos com um insigne expoente daquele Povo, o profeta Isaías, voltemo-nos, pois, para Belém com o olhar da expectativa messiânica. Na luz divina, podemos entrever como se está a cumprir a antiga Aliança e como, com o nascimento de Cristo, se revela uma Aliança nova e eterna.

3. Desta Aliança nova fala-nos S. Paulo, na Carta a Tito que, há pouco, escutámos: «Manifestou-se a graça de Deus, que traz a salvação para todos os homens» (Tt 2,11). É precisamente esta graça que permite à humanidade «aguardar a ditosa esperança e a manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador, Jesus Cristo», que «Se entregou por nós, para nos resgatar de toda a iniquidade e purificar para Si mesmo um povo especialmente Seu, cheio de zelo pelas boas obras» (Tt 2,14).

A nós, caríssimos Irmãos e Irmãs, é-nos dirigida hoje esta boa nova da graça! Escutai-a! A todos aqueles «que Deus ama», a quantos acolheram o convite para rezar e vigiar nesta Noite Santa de Natal, repito com alegria: Revelou-se o amor de Deus por nós! O seu amor é graça e fidelidade, misericórdia e verdade. É Ele que, tendo-nos libertado das trevas do pecado e da morte, Se tornou fundamento firme e inabalável da esperança de todo o ser humano.

Isto mesmo no-lo diz, com jubilosa insistência, o cântico litúrgico: Vinde, adoremos! Vinde de todo o mundo contemplar o que sucedeu na gruta de Belém! Nasceu para nós o Redentor, facto este que hoje é, para nós e para todos, oferta de salvação.

4. É insondável a profundidade do mistério da Encarnação! Imensamente rica de luz é a liturgia do Natal do Senhor: nas Missas da Meia Noite, da Aurora e do Dia, diversos textos litúrgicos lançam continuamente feixes de luz sobre este grande acontecimento que o Senhor quer levar ao conhecimento de quantos O esperam e procuram (cf. Lc Lc 2,15).

No mistério do Natal, manifesta-se em plenitude a verdade do seu desígnio de salvação para o homem e o mundo. Não será salvo apenas o homem, mas toda a criação, pelo que esta é convidada a cantar ao Senhor um cântico novo, a alegrar-se e exultar juntamente com todas as nações da terra (cf. Sal 95/96).

Foi precisamente este cântico de louvor que ressoou, com solene magnificência, por cima do pobre estábulo de Belém. Lemos em S. Lucas que a multidão do exército celeste louvava a Deus, dizendo: «Glória a Deus nas alturas, e paz na terra aos homens que Ele ama» (Lc 2,14).

1101 Em Deus, está a plenitude da glória. Nesta noite, a glória de Deus torna-se património de toda a criação e, de modo particular, do homem. Na verdade, o Filho eterno, Aquele que goza da eterna complacência do Pai fez-Se Homem, e o seu nascimento terreno, na noite de Belém, testemunha de uma vez para sempre que, n'Ele, cada homem está incluído no mistério da predilecção divina, que é fonte da paz definitiva.

«Paz aos homens que Ele ama». Sim, paz à humanidade! São estes os meus votos de Natal. Caríssimos Irmãos e Irmãs, durante esta noite e por toda a Oitava de Natal, imploramos do Senhor esta graça tão necessária. Rezamos para que a humanidade inteira saiba reconhecer no Filho de Maria, nascido em Belém, o Redentor do mundo, que traz o dom do amor e da Paz.

Amen!







NO OFÍCIO DAS VÉSPERAS


"TE DEUM"


31 de Janeiro de 1997




1. «Ubi venit plenitudo temporis, misit Deus Filium suum...».

«Ao chegar a plenitude dos tempos, Deus enviou o Seu Filho, nascido de mulher, nascido sujeito à Lei, para resgatar os que se encontravam sob o jugo da Lei e para que recebêssemos a adopção de filhos» (Ga 4,4).

A expressão latina plenitudo temporis indica que o mistério da Encarnação assinala a plenitude dos tempos. O Filho de Deus, ao fazer-Se homem, entrou na dimensão temporal e, com a Sua presença, introduziu-a na eternidade. Jesus Cristo, o Verbo, o Filho consubstancial ao Pai, Deus de Deus, pertence por Si mesmo à dimensão divina da eternidade mas, ao tornar-Se homem, acolheu em Si a dimensão do tempo. O nascimento do Redentor em Belém deu assim início a um novo modo de contar os anos: costuma-se, de facto, dizer «antes» e «depois» de Cristo.

2. Christus heri et hodie, Principium et Finis, Alpha et Omega. Ipsius sunt tempora et saecula. Ipsi gloria et imperium per universa aeternitatis saecula. A liturgia faz proclamar estas palavras durante a Vigília pascal, enquanto se gravam os números do ano no Círio pascal, símbolo de Cristo ressuscitado. O tempo pertence a Cristo. O Filho de Deus, ao fazer-Se homem, aceitou como medida da Sua existência terrena o tempo, que submeteu a Si. Por Sua obra a história do homem e a salvação encontram-se e fundem-se.

Hoje, último dia do ano, queremos olhar para os dias, as semanas, os meses transcorridos, como para um ulterior fragmento da história da salvação, que a todos nós concerne. Na atmosfera espiritual que caracteriza este tempo natalício, a Diocese de Roma, em comunhão com a inteira cristandade difundida em todas as partes do mundo, detém-se nesta tarde para reflectir sobre 1997, um outro ano solar que dentro de pouco deixaremos atrás.

3. Caríssimos Irmãos e Irmãs, o ano que hoje se conclui, no que se refere à nossa comunidade diocesana, está ligado de maneira preeminente à Missão da Cidade que, após um período de preparação, foi envolvendo cada vez mais as paróquias e todas as realidades eclesiais. Trata-se da execução de um trabalho de evangelização comunitário e permanente que se demonstra, com a graça de Deus, uma via singularmente eficaz para anunciar o Evangelho aos habitantes da nossa Metrópole.

Durante a passada Quaresma cerca de doze mil missionários, na grande maioria leigos, visitaram as famílias da Cidade para oferecer como dom o Evangelho de Marcos. O gesto de entrar com o Evangelho nas casas e o bom acolhimento, que em geral foi reservado aos missionários, são por si mesmos altamente significativos: os Romanos, mesmo os que não frequentam ou frequentam pouco a Igreja, esperam encontrar o Senhor. Isto é confirmado, ainda, pelo notável interesse e pela ampla participação que suscitaram os encontros sobre o tema da fé e da busca de Deus, que se realizaram na Basílica-Catedral de São João de Latrão. Através deles estabeleceu-se um diálogo sincero entre quem anuncia Cristo e quem está em busca de respostas exaustivas aos interrogativos fundamentais da vida.

1102 A Missão convida-nos a olhar para o futuro, a fim de prepararmos o terreno para a evangelização desta nossa Cidade, em vista do terceiro milénio. Para isto, na última parte do ano reservámos especial atenção aos jovens, aos quais eu mesmo me dirigi a 8 de Setembro, festa da Natividade de Maria, com uma apropriada carta, exortando-os a ser protagonistas no anúncio e no testemunho de Cristo aos seus coetâneos. Faço votos por que a paixão pelo Evangelho penetre cada vez mais na alma de muitos jovens romanos

4. Enquanto, no decurso desta celebração, abraçamos na oração a inteira comunidade citadina, quereria dirigir uma saudação cordial ao caro Cardeal Ruini, com os seus Bispos Auxiliares, e ao Padre Kolvenbach, Prepósito-Geral da Companhia de Jesus, a cujos Religiosos está confiada a igreja que nos acolhe. A saudação alarga-se depois a todos os habitantes da Cidade. Em primeiro lugar ao Presidente da Câmara Municipal, que também neste ano quis estar presente neste rito para oferecer, em nome da Administração, o tradicional cálice votivo. Saúdo, além dele, os membros da Junta e do Conselho Municipal, que terei a alegria de encontrar no dia 15 de Janeiro próximo, durante a visita ao Capitólio. Saúdo os agentes sociais ao serviço da população e os voluntários empenhados em múltiplas actividades. Uma recordação particular dirige-se a quantos estão em dificuldade e transcorrem, entre contratempos e sofrimentos, estes dias de festa. A todos e a cada um asseguro o meu afectuoso pensamento, corroborado por constante oração.

Ao concluir o ano de 1997, surge espontânea uma confiante súplica ao Senhor, a fim de que dê o seu Espírito de sabedoria e de fortaleza aos anunciadores do Evangelho e abra o coração, a consciência e a vida de cada um para acolher sem temor o Cristo que vem. Olhando para o ano transcorrido, quereria depois dar graças a Deus, que me concedeu visitar outras comunidades paroquiais, atingindo assim o número global de 265 paróquias, desde o início do meu ministério episcopal em Roma. Também na variedade das condições sociais, encontrei em toda a parte comunidades vivas, desejosas de crescer na fé e no testemunho operoso da caridade cristã.

Esta rede de paróquias, que abrange o inteiro território da Diocese e se vai completando também nas suas estruturas, em vista do grande Jubileu, representa para a própria cidade de Roma um recurso de inestimável valor. Com efeito, favorece a consolidação de relações sociais marcadas pelo conhecimento recíproco, amizade e a solidariedade. Contribui enormemente tanto para a educação dos meninos e dos jovens como para a capacidade moral das famílias, o acolhimento dos marginalizados, o cuidado das pessoas sozinhas e sofredoras.

5. Cada comunidade paroquial, como toda a forma específica de pastoral diocesana, para bem funcionar, tem necessidade do serviço generoso e fiel dos sacerdotes. Agradeço, portanto, ao Senhor ter podido ordenar, no domingo 20 de Abril passado, trinta novos sacerdotes para a nossa Diocese.

O Seminário Romano, juntamente com os outros Seminários nos quais é preparado o clero da nossa Diocese, oferece, pela graça do Senhor, um qualificado itinerário formativo em que a seriedade dos estudos é acompanhada por uma intensa vida de oração e um empenho de uma autêntica comunhão fraterna. Enquanto encorajo os responsáveis pela formação a continuarem no seu trabalho meritório, o meu pensamento dirige-se antes de tudo ao Cardeal Ugo Poletti, que o Senhor chamou a Si no dia 25 de Fevereiro deste ano. Recordamo-lo hoje, renovando a nossa gratidão a Deus pelo bem que, através dele, realizou nesta Igreja e nesta Cidade. E com o Cardeal Poletti confiamos ao Senhor os outros sacerdotes falecidos no decorrer do ano, entre os quais o caríssimo Monsenhor Luigi Di Liegro. O testemunho e a obra de sacerdotes que dedicaram a vida a Deus e aos irmãos representam uma herança e um exemplo precioso para o clero e para a inteira comunidade diocesana.

Outro motivo de profunda gratidão ao Senhor é o sensível aumento das vocações sacerdotais, que deixa bem esperar quanto ao futuro da nossa comunidade. Exprimo, aqui, os votos por que também para as vocações à vida consagrada, e especialmente para as vocações religiosas femininas, se possa registrar um aumento análogo, rico de promissores frutos apostólicos para todos. E isto acontecerá, estou certo, se sacerdotes e comunidades paroquiais tiverem ao seu lado o trabalho generoso que, neste sentido, está a ser realizado pelos Institutos de Vida Consagrada.

6. Caríssimos Irmãos e Irmãs! Detivemo-nos a considerar alguns aspectos daquilo que Deus realizou neste ano na nossa Diocese. Ao dirigir o olhar para os meses transcorridos, surge natural o desejo de pedir perdão e de dar graças a Deus: pedir perdão pelas culpas cometidas e pelas faltas e carência registradas, confiando tudo à misericórdia divina; e, depois, dar graças por quanto Deus nos concedeu cada dia. Por isto cantamos o Te Deum: louvamos a Deus e damos-Lhe graças pelo bem que nos concedeu e que assinalou os vários momentos do ano, já no seu termo:

Salvum fac populum tuum,
Domine, et benedic hereditati tuae...
Per singulos dies benedicimus te;
1103 et laudamus nomen tuum in saeculum,
et in saeculum saeculi.

Amém!





                                                                   1998



JOÃO PAULO II

NA SOLENIDADE DA MÃE DE DEUS


E DIA MUNDIAL DA PAZ


1° de Janeiro de 1998




1. «Ao chegar a plenitude dos tempos...» (cf. Gl Ga 4,4). Estas palavras da Carta de São Paulo aos Gálatas correspondem muito bem ao carácter da celebração hodierna. Estamos no início do novo Ano. Segundo o calendário civil, hoje é o primeiro dia de 1998; segundo o calendário litúrgico, celebramos a solenidade de Maria Santíssima, Mãe de Deus.

A partir da tradição cristã, difundiu-se no mundo o uso de contar os anos a partir do nascimento de Cristo. Portanto, neste dia as dimensões leiga e eclesial encontram-se para fazer festa. Enquanto a Igreja celebra a Oitava do Natal do Senhor, o mundo civil festeja o primeiro dia de um novo ano solar. Precisamente deste modo, de ano para ano, manifesta-se de maneira gradual aquela «plenitude dos tempos», de que fala o Apóstolo: é uma sequência que avança nos séculos e nos milénios de modo progressivo e que terá a sua definitiva realização no fim do mundo.

2. Celebramos a Oitava do Natal do Senhor. Durante oito dias revivemos na liturgia o grande evento do nascimento de Jesus, seguindo a narração que nos é oferecida pelos Evangelhos. Neste dia São Lucas propõe-nos de novo a cena do Natal em Belém, nos seus traços essenciais. A narração hodierna é, com efeito, mais sintética do que aquela proclamada na noite do Natal. Ela vem confirmar e, num certo sentido, completar o texto da Carta aos Gálatas. O Apóstolo escreve: «... ao chegar a plenitude dos tempos, Deus enviou o Seu Filho, nascido de mulher..., para que recebêssemos a adopção de filhos. E, porque sois filhos, Deus enviou aos nossos corações o Espírito que clama: "Abbá! Pai". Portanto, já não és servo, mas filho; e, se és filho, também és herdeiro, pela graça de Deus» (Ga 4,4-7).

Este estupendo texto de São Paulo exprime perfeitamente aquela que se pode definir «a teologia do Natal do Senhor». É uma teologia semelhante àquela proposta pelo evangelista João, o qual no Prólogo do quarto Evangelho escreve: «E o Verbo fez-Se homem e habitou entre nós... A todos os que O receberam... deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus» (Jn 1,14 Jn 1,12). São Paulo exprime a mesma verdade mas, podemos dizer, num certo sentido completa-a. Este é o grande anúncio que ressoa na liturgia hodierna: o homem torna-se filho adoptivo de Deus graças ao nascimento do próprio Filho de Deus. O homem recebe essa filiação por obra do Espírito Santo – o Espírito do Filho –, que Deus enviou aos nossos corações. É graças ao dom do Espírito Santo que podemos dizer: Abbá, Pai! Deste modo, São Paulo procura explicar em que consiste e como se exprime a nossa filiação adoptiva em relação a Deus.

3. Ajudados por São Paulo e pelo apóstolo João na nossa reflexão teológica sobre o Natal do Senhor, compreendemos melhor a razão por que costumamos contar os anos em referência ao nascimento de Cristo. A história articula-se em séculos e milénios «antes» e «depois» de Cristo, pois o evento de Belém representa a fundamental medida do tempo humano. É o nascimento de Jesus o centro do tempo. A Noite Santa tornou-se o ponto de referência essencial para os anos, os séculos e os milénios nos quais se desenvolve a acção salvífica de Deus.

A vinda de Cristo ao mundo é importante sob o ponto de vista da história do homem, mas é ainda mais importante sob o ponto de vista da salvação do homem. Jesus de Nazaré aceitou submeter-Se ao limite do tempo e abriu-o, uma vez para sempre, à perspectiva da eternidade. Através da Sua vida, e especialmente com a Sua morte e a Sua ressurreição, Cristo revelou de modo inequivocável que o homem não é uma existência «orientada para a morte» e destinada a exaurir-se nela. O homem existe não «para a morte», mas «para a imortalidade». Graças à liturgia hodierna, esta fundamental verdade sobre o destino eterno do homem é reproposta no início de cada Ano novo. Desse modo, são postos em evidência o valor e a justa dimensão de cada época, assim como do tempo que corre de maneira inexorável.

1104 4. Nesta perspectiva do valor e do sentido do tempo humano, sobre o qual se projecta a luz da fé, a Igreja põe o início do novo Ano sob o sinal da oração pela paz. Ao desejar que a humanidade inteira possa caminhar de modo mais decisivo e concorde pelas vias da justiça e da reconciliação, é-me grato saudar os ilustres Senhores Embaixadores junto da Santa Sé, presentes nesta solene celebração. Dirijo um cordial pensamento ao caro Cardeal Roger Etchegaray, Presidente do Pontifício Conselho «Justiça e Paz», e a todos os Colaboradores desse Dicastério, ao qual está confiada a tarefa específica de testemunhar a preocupação do Papa e da Sé Apostólica pelas várias situações de tensão e de guerra, assim como a solicitude constante que a Igreja nutre pela construção de um mundo mais justo e fraterno.

Na mensagem para o Dia Mundial da Paz deste ano eu quis deter-me sobre um tema que me está particularmente a peito: o vínculo estreito que une a promoção da justiça e a construção da paz. Na realidade – como diz o tema escolhido para esta jornada – «Da justiça de cada um nasce a paz para todos». Ao dirigir-me aos Chefes de Estado e a todas as pessoas de boa vontade, ressaltei como a busca da paz não pode prescindir do empenho pela actuação da justiça. É uma responsabilidade a que ninguém pode subtrair-se. «Justiça e paz não são conceitos abstractos nem ideais inacessíveis; são valores inseridos no coração de cada pessoa, como património comum. Indivíduos, famílias, comunidades, nações, todos são chamados a viver na justiça e a trabalhar pela paz. Ninguém pode eximir-se desta responsabilidade» (n. 1).

A Virgem Santíssima, que neste primeiro dia do ano invocamos com o título de «Mãe de Deus», dirija o seu olhar de amor para o mundo inteiro. Graças à sua materna intercessão, possam os homens de todos os Continentes sentir-se mais irmãos e dispor o coração a acolher o seu Filho Jesus. É Cristo a paz autêntica que reconcilia o homem com o homem e a humanidade inteira com Deus.

5. «Deus nos abençoe com a luz do Seu rosto» (Salmo respons.). A história da salvação é cadenciada pela bênção de Deus sobre a criação, a humanidade, e o povo dos crentes. Esta bênção é continuamente retomada e confirmada no desenvolvimento dos eventos salvíficos. Desde o Livro do Génesis vemos como Deus, à medida que se sucedem os dias da criação, abençoa tudo o que criou. De modo particular, abençoa o homem feito à Sua imagem e semelhança (cf.
Gn 1, 1-2, 4).

Hoje, primeiro dia do ano, a liturgia renova, num certo sentido, a bênção do Criador que assinala desde o início a história do homem, retomando as palavras de Moisés: «Que o Senhor te abençoe e te proteja! Que o Senhor faça resplandecer a Sua face sobre ti e te seja benevolente! Que o Senhor dirija o Seu olhar para ti e te conceda a paz!» (Nb 6,24-26).

É uma bênção para o ano que está a iniciar e para nós, que nos preparamos para viver uma ulterior fracção de tempo, dom precioso de Deus. A Igreja, como que se identificando com a mão providente de Deus Pai, inaugura este novo Ano com uma especial bênção, dirigida a cada pessoa. Ela diz: O Senhor te abençoe e te guarde!

Sim, Deus cumule de frutos de bem os nossos dias. Conceda ao mundo inteiro a graça de viver na justiça e na paz! Amém!





POR OCASIÃO DA SOLENIDADE


DA EPIFANIA DO SENHOR


E A ORDENAÇÃO EPISCOPAL


DE NOVE PRESBÍTEROS


6 de Janeiro de 1998




1. «Surge, illuminare Ierusalem, quia venit lumen tuum» (Is 60,1).

Jerusalém, recebe a Luz! Recebe Aquele que é a Luz: «Deus de Deus, Luz da Luz... gerado, não criado, consubstancial ao Pai. Por Ele todas as coisas foram feitas. E por nós, homens, e para a nossa salvação, desceu dos céus: e Se encarnou pelo Espírito Santo, no seio da Virgem Maria, e Se fez homem» (Profissão de fé). Jerusalém, recebe esta Luz!

Esta «luz resplandece nas trevas» (Jn 1,5) e os homens já a vêem de longe. Eis que partiram para uma viagem. Seguindo a estrela, dirigem-se para esta Luz, que se manifestou em Cristo. Caminham, procuram a estrada, perguntam. Chegam à corte de Herodes e perguntam onde nasceu o rei dos Judeus: «Vimos a Sua estrela no Oriente e viemos adorá-l'O» (Mt 2,2).

1105 2. Jerusalém, protege a tua Luz! Aquele que nasceu em Belém encontra-se em perigo. Herodes, ao ouvir que nasceu um rei, pensa imediatamente em eliminar Aquele a quem considera um concorrente ao trono. Mas Jesus é salvo desta ameaça e foge com a sua família para o Egipto, distante da mão homicida do rei. Mais tarde, regressará a Nazaré e aos trinta anos começará a ensinar. Então, todos saberão que a Luz veio ao mundo, mas também hão-de ver que «os Seus não O receberam» (Jn 1,11).

Jerusalém, não defendeste a Luz do mundo. Preparaste para Cristo uma morte ignominiosa. Foi crucificado, descido da cruz e colocado no túmulo. Depois do pôr do sol, permaneceu no Gólgota o patibulum crucis. Jerusalém, não defendeste a tua Luz. «A luz resplandece nas trevas, mas as trevas não a admitiram» (Jn 1,5). Mas, ao terceiro dia, Cristo ressuscitou. As trevas da morte não o detiveram.

Surge, illuminare Ierusalem. Jerusalém, surge juntamente com Aquele que saiu do sepulcro. Acolhe o Rei ressuscitado, que veio anunciar o reino de Deus e o fundou na terra de modo admirável!

3. Jerusalém, partilha a tua Luz!

Partilha com todos os homens esta Luz que resplandece nas trevas. Faz o convite a todos; sê para a humanidade inteira a estrela que indica o caminho rumo ao novo milénio cristão, como outrora guiou os três Reis Magos do Oriente até à gruta de Belém. Convida todos, para que «as nações» caminhem «à tua luz, os reis ao resplendor da tua aurora» (Is 60,3). Partilha a Luz! Compartilha esta Luz que resplandeceu em ti com todos os homens e com todas as nações da terra.

Caríssimos Irmãos que hoje recebeis a Ordenação episcopal, é nesta perspectiva que me dirijo a vós: sede fiéis ministros da nova evangelização, que difunde no mundo a luz de Cristo.

Tu, Mons. Mário Francesco Pompedda, que estás há tantos anos ao serviço da Santa Sé, continua a desempenhar com a competência que te é própria a tarefa de Decano do Tribunal da Rota Romana, dedicando-te com espírito pastoral à aplicação da justiça canónica.

Tu, Mons. Marco Dino Brogi, assume com confiança as novas tarefas de Núncio Apostólico e Delegado Apostólico, respectivamente no Sudão e na Somália, e sê testemunha da solicitude do Papa para com aquelas Igrejas que, não sem dificuldades e angústias, anunciam Cristo e o seu Evangelho.

A ti, Mons. Peter Kwaku Atuahene, é confiada a missão de levar a luz de Cristo à Diocese ganense de Goaso, da qual és o primeiro Bispo.

Tu, Mons. Filippo Strofaldi, levá-la-ás à Diocese italiana de Ísquia.

E tu, Mons. Wiktor Skworc, difundi-la-ás na de Tarnów, na Polónia.

1106 A Igreja chama-te, Mons. Franco Dalla Valle, a difundir a luz do Evangelho como primeiro Bispo de Juína, no Brasil.

Ela envia-te, Mons. Angelito R. Lampon, a realizar a tua vocação missionária em Jolo, nas Filipinas, como sucessor do teu Irmão, o saudoso D. Benjamin de Jesus, atrozmente assassinado há onze meses, nas proximidades da Catedral.

Tu, Mons. Tomislav Koljatic Maroevic, colaborarás na missão pastoral do Arcebispo de Concepción, no Chile, como seu Auxiliar.

E tu, Mons. Francesco Savério Salerno, Secretário da Prefeitura para os Assuntos Económicos da Santa Sé, prosseguirás o teu trabalho ao serviço da Santa Sé no âmbito administrativo.

Caríssimos, dou a cada um de vós o meu caloroso abraço, assegurando-vos a minha recordação na oração e uma bênção especial, que vos acompanhe sempre no vosso serviço eclesial.

4. Jerusalém, eis o dia da tua epifania! Os Magos do Oriente, que foram os primeiros a reconhecer a tua Luz, oferecem-Te, ó Redentor do mundo, os seus dons. Apresentam-nos a Ti, que és Deus de Deus, Luz da Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado, consubstancial ao Pai. A Ti, por meio de quem todas as coisas foram feitas; a Ti, que Te encarnaste pelo Espírito Santo, no seio da Virgem Maria, e te fizeste homem.

Os olhos dos Reis Magos viram precisamente a Ti. Ainda hoje os nossos olhos Te vêem, ao contemplarem o misterium da sagrada Epifania.

«Surge, illuminare Ierusalem, quia venit lumen tuum» (
Is 60,1). Amém!



JOÃO PAULO II

POR OCASIÃO DA ADMINISTRAÇÃO


DO SACRAMENTO DO BAPTISMO


11 de Janeiro de 1998




1. «Tu és o Meu Filho muito amado; em Ti pus todo o Meu enlevo» (Lc 3,22).

Com estas palavras, que ouvimos na liturgia de hoje, o Pai indica aos homens o Seu Filho e revela a Sua missão de consagrado de Deus, de Messias. No Natal, contemplámos com admiração e profunda alegria a aparição da «graça de Deus», que se manifestou «a todos os homens» (Tt 2,11), graça que assumiu a fisionomia do Menino Jesus, Filho de Deus que Se fez homem no seio da Virgem Maria por obra do Espírito Santo. Viemos, depois, descobrindo as primeiras manifestações de Cristo, «luz verdadeira que... a todo o homem ilumina» (Jn 1,9), a qual brilhou, primeiro, para os pastores na noite santa e depois para os Magos, primícias dos povos chamados à fé, os quais se encaminharam seguindo a luz da estrela que tinham avistado no céu, e chegaram a Belém para adorar o Menino recém-nascido (cf. Mt Mt 2,2).

1107 No Jordão, com a de Jesus, é oferecida também a primeira manifestação da natureza trinitária de Deus: Jesus, indicado pelo Pai como Filho predilecto, e o Espírito Santo que desce e permanece sobre Ele.

2. Caríssimos Irmãos e Irmãs! Renova-se hoje para mim a alegria de acolher alguns recém-nascidos, a fim de lhes administrar o sacramento do Baptismo. Este ano são dez meninos e nove meninas, provenientes da Itália, do Brasil, do México e da Polónia.

A vós, queridos pais, padrinhos e madrinhas, dirijo uma cordial saudação e sentidas felicitações. Vós sabeis que este Sacramento, instituído por Cristo ressuscitado (cf. Mt
Mt 28,18-19), é o primeiro da iniciação cristã e constitui a porta de entrada na vida do Espírito. Nele, o baptizado é consagrado pelo Pai no Espírito Santo, à imagem de Cristo, Homem novo, e tornado membro da Igreja, seu Corpo místico.

O Baptismo é chamado lavacro «de regeneração e renovação do Espírito Santo» (Tt 3,5), nascimento da água e do Espírito, sem o qual ninguém «pode entrar no Reino de Deus» (Jn 3,5). Também é chamado iluminação, porque quantos o recebem «são iluminados na mente» (S. Justino, Apologia, I, 61, 12; ).

«O Baptismo – segundo S. Gregório de Nazianzo – é o mais bonito e maravilhoso dos dons de Deus... Chamamo- lo... dom, porque é concedido aos que nada têm; graça, porque é dado também aos culpados; baptismo, porque o pecado é sepultado na água; unção, porque é sagrado e régio (assim se tornam os que são ungidos); iluminação, porque é luz resplendente; veste, porque cobre a nossa vergonha; lavacro, porque nos lava; selo, porque nos preserva e é sinal do poder de Deus» (Discursos, 40, 3-4: , 361C).

3. Olho com agrado para estas crianças, às quais hoje é conferido o sacramento do Baptismo, aqui na Capela Sistina. O facto de elas pertencerem a comunidades cristãs de diversos países ressalta a universalidade da chamada à fé. Elas são, como diz ainda S. Agostinho, «nova descendência da Igreja; graça do Pai, fecundidade da Mãe, pio rebento, novo enxame, flor do nosso coração... a minha alegria e coroa» (Discursos, VIII, 1, 4: PL 46, 838).

A hodierna celebração convida todos nós a reflectir de novo acerca dos compromissos assumidos com o Baptismo, a renovar a nossa decisão de manter sempre acesa a chama da fé, para nos tornarmos cada vez mais filhos predilectos do Pai.

Dirijo-me de modo especial a vós, queridos pais: com o apoio da comunidade cristã e a ajuda dos padrinhos e das madrinhas, educareis estes vossos filhos na fé e guiá-los-eis no caminho, rumo à plenitude da maturidade cristã. Oxalá a sagrada Família de Nazaré vos assista sempre nesta nobre missão.

4. Dirigimos a nossa invocação ao Espírito Santo, ao Qual é dedicado este segundo ano de preparação para o Jubileu do Ano 2000. Assim como desceu sobre Jesus no rio Jordão, desça também hoje sobre cada uma destas crianças e as conduza, com a sua luz e força, a reviver as etapas da vida de Cristo.

Confiamos estes recém-nascidos e os seus familiares a Maria, Santuário do Espírito Santo. Que eles sejam capazes de ouvir e seguir a Palavra do Senhor; alimentados pelo Pão eucarístico, saibam amar Deus e o próximo como o Mestre divino nos ensinou e, deste modo, se tornem herdeiros do Reino dos céus.





Homilias JOÃO PAULO II 1099