Homilias JOÃO PAULO II 1107


VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II À CUBA



NA MISSA CELEBRADA NO INSTITUTO SUPERIOR


DE CULTURA FÍSICA


MANOEL FAJARDO EM SANTA CLARA


22 de Janeiro de 1998



1108 1. «Estes mandamentos que hoje te imponho serão gravados no teu coração. Ensiná-los-ás aos teus filhos e meditá-los-ás quer em tua casa quer em viagem» (Dt 6,6-7). Reunimo-nos no Campo Desportivo do Instituto Superior de Cultura Física «Manoel Fajardo», transformado hoje como que num imenso templo aberto. Neste encontro queremos dar graças a Deus pelo grande dom da família.

Já na primeira página da Bíblia o autor sagrado apresenta-nos esta instituição: «Deus criou o homem à Sua imagem, criou-os à imagem de Deus: Ele os criou homem e mulher» (Gn 1,27). Neste sentido, as pessoas humanas na sua dualidade de sexos são, como Deus mesmo e por Sua vontade, fonte de vida: «Crescei e multiplicai-vos» (Gn 1,28). Portanto, a família é chamada a cooperar no plano de Deus e na Sua obra criadora, mediante a aliança de amor esponsal entre o homem e a mulher e, como nos dirá São Paulo, essa aliança é também sinal da união de Cristo com a Sua Igreja (cf. Ef Ep 5,32).

2. Queridos irmãos e irmãs: é-me grato saudar com grande afecto D. Fernando Prego Casal, Bispo de Santa Clara, os Senhores Cardeais e demais Bispos, os sacerdotes e diáconos, os membros das comunidades religiosas e todos vós, fiéis leigos. Quero transmitir também uma deferente saudação às autoridades civis. As minhas palavras dirigem-se de modo muito especial às famílias aqui presentes, as quais querem proclamar o firme propósito de realizar na sua vida o projecto salvífico do Senhor.

3. A instituição familiar em Cuba é depositária do rico património de virtudes que distinguiram as famílias crioulas de tempos passados, cujos membros se empenharam tanto nos diversos campos da vida social e forjaram o País, sem considerar sacrifícios e adversidades. Aquelas famílias, fundadas solidamente nos princípios cristãos, assim como no seu sentido de solidariedade familiar e respeito pela vida, foram verdadeiras comunidades de carinho mútuo, de alegria e festa, de confiança e segurança, de serena reconciliação. Caracterizaram-se também — como muitos lares de hoje — pela unidade, o profundo respeito aos maiores, o alto sentido de responsabilidade, o acatamento sincero da autoridade paterna e materna, a alegria e o optimismo, tanto na pobreza como na riqueza, pelos desejos de lutar por um mundo melhor e, acima de tudo, pela grande fé e confiança em Deus.

Hoje as famílias em Cuba são também atingidas pelos desafios que sofrem tantas famílias no mundo. São numerosos os membros destas famílias que lutaram e dedicaram a sua vida para conquistar uma existência melhor, na qual sejam garantidos os direitos humanos indispensáveis: trabalho, alimentação, casa, saúde, educação, segurança social, participação social, liberdade de associação e escolha da própria vocação. A família, célula fundamental da sociedade e garantia da sua estabilidade, sofre contudo as crises que podem afectar a própria sociedade. Isto ocorre quando os casais vivem em sistemas económicos ou culturais que, sob a falsa aparência de liberdade e progresso, promovem ou inclusive defendem uma mentalidade antinatalista, induzindo desse modo os esposos a recorrer a métodos de controle da natalidade, que não estão de acordo com a dignidade humana. Chega-se inclusive ao aborto, que é sempre, além de um crime abominável (cf. Const. past. Gaudium et spes GS 51), um absurdo empobrecimento da pessoa e da própria sociedade. Diante disso, a Igreja ensina que Deus confiou aos homens a missão de transmitir a vida dum modo digno do homem, fruto da responsabilidade e do amor entre os esposos.

A maternidade apresenta-se, às vezes, como um retrocesso ou uma limitação da liberdade da mulher, distorcendo assim a sua verdadeira natureza e a sua dignidade. Os filhos são apresentados não como são — um grande dom de Deus —, mas como algo contra o que se deve defender. A situação social que se viveu neste amado País ocasionou também não poucas dificuldades para a estabilidade familiar: as carências materiais — como quando os salários não são suficientes ou têm um poder aquisitivo muito limitado —, as insatisfações por razões ideológicas, a atracção da sociedade de consumo. Estas, juntamente com certas medidas trabalhistas ou de outro género, provocaram um problema que se prolonga em Cuba desde há anos: a separação forçada das famílias dentro do País e a emigração, que desagregou famílias inteiras e semeou sofrimento numa parte considerável da população. Experiências nem sempre aceites, e às vezes traumáticas, são a separação dos filhos e a substituição do papel dos pais, por causa dos estudos que se realizam longe do lar na idade da adolescência, em situações que têm como triste resultado a proliferação da promiscuidade, o empobrecimento ético, a vulgaridade, as relações pré-matrimoniais em tenra idade e o recurso fácil ao aborto. Tudo isto deixa vestígios profundos e negativos na juventude, que é chamada a encarnar os valores morais autênticos para a consolidação de uma sociedade melhor.

4. O caminho para vencer estes males não é senão Jesus Cristo, a Sua doutrina e o Seu exemplo de amor total que nos salva. Nenhuma ideologia pode substituir a Sua infinita sabedoria e poder. Por isso, é necessário recuperar os valores religiosos no âmbito familiar e social, fomentando a prática das virtudes que forjaram as origens da Nação cubana, no processo de construir o seu futuro «com todos e para o bem de todos», como pedia José Martí. A família, a escola e a Igreja devem formar uma comunidade educativa onde os filhos de Cuba possam «crescer em humanidade». Não tenhais medo, abri as famílias e as escolas aos valores do Evangelho de Jesus Cristo, que nunca são um perigo para nenhum projecto social.

5. «Um anjo do Senhor apareceu em sonhos a José, e disse-lhe: "Levanta-te, toma o Menino e Sua Mãe"» (Mt 2,13). A Palavra revelada mostra-nos como Deus quer proteger a família e preservá-la de todo o perigo. Por isso a Igreja, animada e iluminada pelo Espírito Santo, procura defender e propor aos seus filhos e a todos os homens de boa vontade a verdade sobre os valores fundamentais do matrimónio cristão e da família. De igual modo proclama, como dever iniludível, a santidade deste sacramento e as suas exigências morais, para salvaguardar a dignidade de toda a pessoa humana.

O matrimónio, com o seu carácter de união exclusiva e permanente, é sagrado porque tem a sua origem em Deus. Os cristãos, ao receberem o sacramento do matrimónio, participam no plano criador de Deus e recebem as graças que necessitam para cumprir a sua missão, para educar e formar os filhos e responder ao chamado à santidade. É uma união diferente de qualquer outra união humana, pois se funda na entrega e aceitação mútua dos esposos, com a finalidade de chegarem a ser «uma só carne» (Gn 2,24), vivendo numa comunidade de vida e amor, cuja vocação é ser «santuário da vida» (cf. Evangelium vitae EV 59). Com a sua união fiel e perseverante, os esposos contribuem para o bem da instituição familiar e manifestam que o homem e a mulher têm a capacidade de se dar para sempre um ao outro, sem que a doação voluntária e perene anule a liberdade, porque no matrimónio cada personalidade deve permanecer inalterada e desenvolver a grande lei do amor: dar-se um ao outro, para juntos se entregarem à tarefa que Deus lhes confia. Se a pessoa humana é o centro de toda a instituição social, então a família, primeiro âmbito de socialização, deve ser uma comunidade de pessoas livres e responsáveis que fazem o matrimónio progredir como projecto de amor, sempre aperfeiçoável, que oferece vitalidade e dinamismo à sociedade civil.

6. Na vida matrimonial o serviço à vida não se exaure na concepção, mas prolonga-se na educação das novas gerações. Os pais, ao darem a vida aos filhos, têm a gravíssima obrigação de educar a prole e, por conseguinte, devem ser reconhecidos como os primeiros e principais educadores dos seus filhos. Esta tarefa da educação é tão importante que, quando falta, dificilmente pode suprir-se (cf. Decl. Gravissimum educationis GE 3). Trata-se de um dever e de um direito insubstituível e inalienável. É verdade que, no âmbito da educação, à autoridade pública competem direitos e deveres, uma vez que ela deve servir o bem comum; entretanto, isto não lhe dá direito a substituir os pais. Portanto, os pais, sem esperar que outros os substituam no que é a sua responsabilidade, devem poder escolher para os seus filhos o estilo pedagógico, os conteúdos éticos e cívicos e a inspiração religiosa em que desejam formá-los integralmente. Não esperem que tudo lhes seja dado. Assumam a sua missão educativa, buscando e criando os espaços e meios adequados na sociedade civil.

Deve-se, além disso, proporcionar às famílias uma casa digna e um lar unido, de modo que possam gozar e transmitir uma educação ética e um ambiente propício para o cultivo dos altos ideais e a vivência da fé.

1109 7. Queridos irmãos e irmãs, queridos esposos e pais, queridos filhos: Desejei recordar alguns aspectos essenciais do projecto de Deus sobre o matrimónio e sobre a família, para vos ajudar a viver com generosidade e entrega esse caminho de santidade, ao qual muitos são chamados. Acolhei com amor a Palavra do Senhor proclamada nesta Eucaristia. No Salmo responsorial escutámos: «Felizes os que temem o Senhor e andam nos Seus caminhos... os teus filhos, como rebentos de oliveira ao redor da tua mesa. É esta a recompensa do que teme o Senhor» (Ps 127,1 Ps 127,3-4).

Excelsa é a vocação à vida matrimonial e familiar, inspirada na Palavra de Deus e segundo o modelo da Sagrada Família de Nazaré. Amados cubanos! Sede fiéis à palavra divina e a este modelo! Queridos maridos e mulheres, pais e mães, famílias da nobre Cuba: Conservai na vossa vida esse modelo sublime, ajudados pela graça que vos foi dada no sacramento do matrimónio! Deus Pai, Filho e Espírito Santo habite nos vossos lares! Assim, as famílias católicas de Cuba contribuirão, de maneira decisiva, para a grande causa divina da salvação do homem nesta terra bendita, que é a vossa Pátria e a vossa Nação. Cuba, cuida das tuas famílias para que conserves sadio o teu coração!

Que a Virgem da Caridade do Cobre, Mãe de todos os cubanos, Mãe no Lar de Nazaré, interceda por todas as famílias de Cuba para que, renovadas, vivificadas e ajudadas nas suas dificuldades, vivam em serenidade e paz, superem os problemas e dificuldades, e todos os seus membros alcancem a salvação que vem de Jesus Cristo, Senhor da história e da humanidade. A Ele a glória e o poder pelos séculos dos séculos. Amém.

Quero repetir as palavras do vosso poeta José Martí: no processo de construir o seu futuro «com todos e para o bem de todos», a família, a escola e a Igreja devem formar uma comunidade educativa onde os filhos de Cuba possam «crescer em humanidade».

No termo da celebração eucarística, o Papa dirigiu aos fiéis presentes as seguintes palavras:

Tive a alegria de celebrar a primeira Santa Missa em Cuba, aqui em Santa Clara. Permanecemos sob o olhar da imagem da Virgem da Caridade. Reunimo-nos como uma grande família, a Igreja, formada por inúmeras famílias que são pequenas igrejas. Deus é grande e sabeis que é também vosso. A imagem desta assembleia é muito linda e a sua beleza aumenta quando se vê que o vínculo que nos une é a fé. Transmiti a minha saudação a todos e sabei que nos vossos lares, além da recordação desta bela celebração, estão o afecto e o carinho do Papa. São José, Padroeiro das famílias, e Santa Clara, que dá o nome a esta cidade, estarão felizes convosco e hão-de interceder por vós diante do Senhor. Deus abençoe todos vós!



VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II À CUBA



NA SANTA MISSA CELEBRADA


NA PRAÇA IGNACIO AGRAMONTE EM CAMAGÜEY


23 de Janeiro de 1998


1. «Não te deixes vencer pelo mal; vence antes o mal com o bem» (Rm 12,21). Os jovens cubanos reúnem-se hoje com o Papa para celebrarem a sua fé e escutarem a Palavra de Deus, que é o caminho para sair das obras do mal e das trevas, e se revestir assim com as armas da luz, a fim de realizarem o bem. Por isto, é-me grato ter este encontro com todos vós nesta grande Praça, onde no altar se renovará o sacrifício de Jesus Cristo. Este lugar, que tem o nome de Ignácio Agramonte, «El Bayardo», recorda-nos um herói querido por todos, o qual, movido pela sua fé cristã, encarnou os valores que adornam os homens e mulheres de bem: a honradez, a autenticidade, a fidelidade, o amor à justiça. Ele foi bom esposo, bom pai de família e bom amigo, defensor da dignidade humana ante a escravidão.

2. Quero, antes de tudo, saudar com afecto D. Adolfo Rodríguez Herrera, Pastor desta Igreja diocesana, o seu Bispo Auxiliar, D. Juan García Rodríguez, assim como os demais Bispos e Sacerdotes presentes, que com o seu trabalho pastoral animam e conduzem os jovens cubanos para Cristo, o Redentor, o amigo que nunca desilude. O encontro com Ele leva à conversão e à alegria singular, que faz exclamar, como os discípulos depois da ressurreição: «Vimos o Senhor» (Jn 20,25). Saúdo de igual modo as autoridades civis, que quiseram assistir a esta Santa Missa, e agradeço-lhes a cooperação para este acto cujos convidados principais são os jovens.

De coração dirijo-me a vós, queridos jovens cubanos, esperança da Igreja e da Pátria, apresentando-vos Cristo, para que O reconheçais e O sigais com total decisão. Ele dá-vos a vida, ensina-vos o caminho, introduz-vos na verdade, animando-vos a caminhar juntos e solidários, na felicidade e na paz, como membros vivos do seu Corpo místico, que é a Igreja.

3. «Como poderá o jovem manter puro o seu caminho? — Guardando a Vossa palavra!» (Ps 119,9). O Salmo dá-nos a resposta ao interrogativo que todo o jovem tem de fazer, se deseja levar uma existência digna e decorosa, própria da sua condição. Para isto, o único caminho é Jesus. Os talentos que recebestes do Senhor e que levam à entrega, ao amor autêntico e à generosidade, frutificam quando se vive não só do material e caduco, mas «de toda a palavra que sai da boca de Deus» (Mt 4,4). Por isso, queridos jovens, animo-vos a sentir o amor de Cristo, conscientes do que Ele fez por vós, pela humanidade inteira, pelos homens e mulheres de todos os tempos. Sentindo-vos amados por Ele, podereis amar de verdade. Experimentando uma íntima comunhão de vida com Ele, que é acompanhada pela recepção do Seu Corpo, a escuta da Sua Palavra, a alegria do Seu perdão e da Sua misericórdia, podereis imitá-l'O, mantendo assim, como ensina o salmista, «puro o vosso caminho».

1110 Que significa manter puro o próprio caminho? É viver a própria existência segundo as normas morais do Evangelho propostas pela Igreja. Nos dias de hoje, infelizmente, para muitos é fácil cair num relativismo moral e numa falta de identidade de que sofrem tantos jovens, vítimas de esquemas culturais vazios de sentido ou de algum tipo de ideologia, que não oferece normas morais altas e precisas. Esse relativismo moral gera egoísmo, divisão, marginalização, discriminação, medo e desconfiança para com os outros. Mais ainda, quando um jovem vive «ao seu modo», idealiza o estrangeiro, deixa-se seduzir pelo materialismo desenfreado, perde as próprias raízes e aspira à evasão. Por isso, o vazio que estes comportamentos produzem explica muitos males que ameaçam a juventude: o álcool, a sexualidade mal vivida, o uso de drogas, a prostituição que se esconde sob diversas razões — cujas causas nem sempre são só pessoais —, as motivações fundadas no gosto ou nas atitudes egoístas, o oportunismo, a falta de um projecto sério de vida, no qual não há lugar para o matrimónio estável, além da rejeição de toda a autoridade legítima, o anelo da evasão e da emigração, fugindo do compromisso e da responsabilidade para se refugiar num mundo falso, cuja base é a alienação e o desarraigamento.

Diante desta situação, o jovem cristão que deseja manter «puro o seu caminho», firme na sua fé, sabe que é chamado e escolhido por Cristo para viver na autêntica liberdade dos filhos de Deus, que inclui não poucos desafios. Por isso, acolhendo a graça que recebe dos Sacramentos, sabe que deve dar testemunho de Cristo com o seu esforço constante por levar uma vida recta e fiel a Ele.

A fé e o agir moral estão unidos. Com efeito, o dom recebido conduz-nos a uma conversão permanente, para imitarmos Cristo e recebermos as promessas divinas. Os cristãos, ao respeitarem os valores fundamentais que configuram uma vida límpida, chegam às vezes a sofrer, inclusive de modo heróico, a marginalização ou a perseguição, uma vez que essa opção moral é oposta aos comportamentos do mundo. Este testemunho da cruz de Cristo na vida quotidiana é também uma semente segura e fecunda de novos cristãos. Uma vida plenamente humana e comprometida com Cristo tem esse preço de generosidade e entrega.

Queridos jovens, o testemunho cristão, a «vida digna» aos olhos de Deus tem esse preço. Se não estiverdes dispostos a pagá-lo, vereis o vazio existencial e a falta de um projecto de vida digno e responsavelmente assumido com todas as suas consequências. A Igreja tem o dever de dar uma formação moral, cívica e religiosa, que ajude os jovens cubanos a crescerem nos valores humanos e cristãos, sem medo e com a perseverança de uma obra educativa que necessita de tempo, dos meios e das instituições que são próprios dessa semeadura de virtude e espiritualidade para o bem da Igreja e da Nação.

4. «Bom Mestre, que devo fazer para alcançar a vida eterna?» (
Mc 10,17). No Evangelho que escutámos, um jovem pergunta a Jesus o que deve «fazer», e o Mestre, cheio de amor, responde-lhe como deve «ser». Este jovem presume ter cumprido as normas, e Jesus responde-lhe que o necessário é deixar tudo e segui-l'O. Isto dá radicalidade e autenticidade aos valores e permite ao jovem realizar-se como pessoa e como cristão. A chave dessa realização está na fidelidade, exposta por São Paulo na primeira leitura, como uma característica da nossa identidade cristã.

Eis aí o caminho da fidelidade traçado por São Paulo: «Sede diligentes... amai-vos uns aos outros... Alegres na esperança... exercendo a hospitalidade... Bendizei... Tende entre vós os mesmos sentimentos... Acomodai-vos às coisas humildes... Não queirais ser sábios aos vossos próprios olhos... Não torneis a ninguém mal por mal... Não te deixes vencer pelo mal; mas vence antes o mal com o bem» (Rm 12,9-21). Queridos jovens, quer sejais crentes ou não, acolhei o apelo a serdes virtuosos. Isto quer dizer que deveis ser fortes a partir de dentro, grandes de ânimo, ricos nos melhores sentimentos, corajosos na verdade, audazes na liberdade, constantes na responsabilidade, generosos no amor, invencíveis na esperança. A felicidade é alcançada com o sacrifício. Não busqueis fora o que podeis encontrar dentro. Não espereis dos outros o que sois capazes e chamados a ser e a fazer. Não deixeis para amanhã a construção duma sociedade nova, onde os sonhos mais nobres não se frustrem e onde possais ser os protagonistas da vossa história.

Recordai que a pessoa humana e o respeito pela mesma são o caminho de um mundo novo. O mundo e o homem asfixiam-se se não se abrem a Jesus Cristo. Abri-Lhe o coração e empreendei assim uma vida nova, que esteja em conformidade com Deus e responda às legítimas aspirações que tendes de verdade, de bondade e de beleza! Que Cuba eduque os seus jovens na virtude e na liberdade, para que possa ter um futuro de autêntico desenvolvimento humano integral, num ambiente de paz duradoura!

Queridos jovens católicos: este é todo um programa de vida pessoal e social fundado na caridade, na humildade e no sacrifício, tendo como razão última «servir o Senhor». Desejo-vos a alegria de o poderdes realizar. Os esforços que já se fazem na Pastoral Juvenil devem encaminhar-se para a realização deste programa de vida. Para vos ajudar, deixo-vos também uma Mensagem escrita, com a esperança de que chegue a todos os jovens cubanos, que são o futuro da Igreja e da Pátria. Um futuro que começa já no presente e será jubiloso, se estiver baseado no desenvolvimento integral de cada um, o qual não pode ser alcançado sem Cristo, à margem de Cristo ou, menos ainda, contra Cristo. Por isso, e como disse no início do meu Pontificado e quis repetir na minha chegada a Cuba: «Não tenhais medo de abrir os vossos corações a Cristo». Deixo-vos com grande afecto este lema e exortação, pedindo-vos que, com ardor e coragem apostólica, o transmitais aos outros jovens cubanos. Que Deus Todo-poderoso e a Santíssima Virgem da Caridade do Cobre vos ajudem a responder generosamente a este apelo.

Agora vamos celebrar o sacrifício de Cristo. Cristo estará presente; o mesmo Cristo que certa vez olhou para um jovem com amor. Hoje, cada um de vós deve viver Cristo presente que olha para vós e vos ama. Cristo olha e sabe o que existe em cada um de nós. Ele sabe que nos ama. Louvado seja Jesus Cristo!

Antes de conceder a Bênção Apostólica, João Paulo II dirigiu aos numerosos fiéis presentes as seguintes palavras, previamente preparadas:

Muito obrigado por terdes aberto as portas das vossas casas. Trago cada um de vós no meu coração e rezo por vós todos os dias. Estou-vos deveras grato por terdes vindo em tão grande número, apesar do sol forte.



VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II À CUBA



NA CERIMÓNIA DA COROAÇÃO


DA IMAGEM DA VIRGEM DA CARIDADE DO COBRE


1111
Santiago de Cuba, 24 de Janeiro de 1998



1. «Ditosa a nação cujo Deus é o Senhor» (
Ps 32,12). Cantámos com o salmista que a felicidade acompanha o povo que tem Deus como seu Senhor. Há mais de quinhentos anos, quando a cruz de Cristo chegou a esta Ilha e com ela a Sua mensagem salvífica, começou um processo que, alimentado pela fé cristã, foi forjando os traços característicos desta Nação. Na série dos seus homens ilustres estão: aquele soldado que foi o primeiro catequista e missionário de Macaca; o primeiro mestre cubano, Pe. Miguel de Velásquez; o sacerdote Esteban Salas, pai da música cubana; o insigne habitante de Bayamo, Carlos Manuel de Céspedes, Pai da Pátria, o qual, prostrado aos pés da Virgem da Caridade, iniciou a sua luta pela liberdade e independência de Cuba; António da Caridade Maceo y Grajales, cuja estátua preside à praça que hoje acolhe a nossa celebração, a quem a sua mãe pediu diante do crucifixo que se dedicasse até ao extremo pela liberdade de Cuba. Além destes, há muitos homens e mulheres ilustres que, movidos pela sua inquebrantável fé em Deus, escolheram a via da liberdade e a justiça como bases da dignidade do seu povo.

2. É-me grato encontrar-me hoje nesta Arquidiocese tão insigne, que teve entre os seus Pastores Santo António Maria Claret. Antes de tudo, dirijo a minha cordial saudação a D. Pedro Meurice Estíu, Arcebispo de Santiago de Cuba e Primaz desta Nação, assim como aos outros Bispos, sacerdotes e diáconos, comprometidos na difusão do Reino de Deus nesta terra. Saúdo de igual modo os religiosos e as religiosas e todos os fiéis aqui presente. Desejo dirigir também uma deferente saudação ao Senhor Vice-Presidente do Conselho de Estado e Ministro Raúl Castro e às outras autoridades civis, que quiseram participar nesta Santa Missa e agradeço-lhes a cooperação prestada para a sua organização.

3. Nesta celebração vamos coroar a imagem da Virgem da Caridade do Cobre. Desde o seu santuário, não distante daqui, a Rainha e Mãe de todos os cubanos — sem distinção de raças, opções políticas ou ideologias —, guia e sustenta, como no passado, os passos dos seus filhos rumo à Pátria celeste e encoraja-os a viver de tal modo que na sociedade reinem sempre os autênticos valores morais, que constituem o rico património espiritual herdado dos antepassados. A Ela, como fez a sua prima Isabel, dirigimo-nos agradecidos para lhe dizer: «Bendita Aquela que acreditou que teriam cumprimento as coisas que lhe foram ditas da parte do Senhor» (Lc 1,45). Nestas palavras está o segredo da verdadeira felicidade das pessoas e dos povos: crer e proclamar que o Senhor fez maravilhas para nós e que a Sua misericórdia chega aos Seus fiéis, de geração em geração. Esta convicção é a força que anima os homens e as mulheres que, mesmo à custa de sacrifícios, se entregam com generosidade ao serviço dos demais.

O exemplo de disponibilidade de Maria indica-nos o caminho a percorrer. Com Ela a Igreja leva a cabo a sua vocação e missão, anunciando Jesus Cristo e exortando a fazer o que Ele nos diz; construindo também a fraternidade universal, na qual cada homem possa invocar Deus como Pai.

4. Como a Virgem Maria, a Igreja é Mãe e Mestra no seguimento de Cristo, luz para os povos, e dispensadora da misericórdia divina. Como comunidade de todos os baptizados, é de igual modo lugar de perdão, de paz e de reconciliação, que abre os seus braços a todos os homens para lhes anunciar o Deus verdadeiro. Com o serviço à fé dos homens e mulheres deste amado povo, a Igreja ajuda-os a progredir pelo caminho do bem. As obras de evangelização que se vão realizando em diversos ambientes, como por exemplo as missões nos bairros e povoados sem igrejas, devem ser cuidadas e fomentadas para que possam desenvolver e servir não só os católicos, mas todo o povo cubano para que conheça Jesus Cristo e O ame. A história ensina que sem fé desaparece a virtude, os valores morais se obscurecem, não resplandece a verdade, a vida perde o seu sentido transcendente e também o serviço à nação pode deixar de ser estimulado pelas motivações mais profundas. A respeito disso, António Maceo, o grande patriota da região oriental, dizia: «Quem não ama a Deus, não ama a Pátria».

A Igreja chama todos a encarnar a fé na própria vida, como o melhor caminho para o desenvolvimento integral do ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus, e para alcançar a verdadeira liberdade, que inclui o reconhecimento dos direitos humanos e a justiça social. A propósito disso, os leigos católicos, salvaguardando a sua própria identidade para poder ser «sal e fermento» no meio da sociedade da qual fazem parte, têm o dever e o direito de participar no debate público, em igualdade de oportunidades e em atitude de diálogo e reconciliação. De igual modo, o bem de uma nação deve ser fomentado e procurado pelos próprios cidadãos, através dos meios pacíficos e graduais. Deste modo cada pessoa, gozando de liberdade de expressão, de capacidade de iniciativa e de proposta no seio da sociedade civil e da adequada liberdade de associação, poderá colaborar de maneira eficaz na busca do bem comum.

A Igreja, imersa na sociedade, não busca nenhuma forma de poder político para desenvolver a sua missão, mas sim quer ser germe fecundo de bem comum, ao fazer-se presente nas estruturas sociais. Em primeiro lugar, ela tem em vista a pessoa humana e a comunidade em que vive, sabendo que o seu primeiro caminho é o homem concreto com as suas necessidades e aspirações. Tudo o que a Igreja reclama para si, põe-no ao serviço do homem e da sociedade. Com efeito, Cristo encarregou-a de levar a Sua mensagem a todos os povos e para o fazer necessita de um espaço de liberdade e dos meios suficientes. Defendendo a sua própria liberdade, a Igreja defende a liberdade de cada pessoa, das famílias, das diversas organizações sociais, realidades vivas, que têm direito a um âmbito próprio de autonomia e soberania (cf. Centesimus annus CA 45). Neste sentido, «o cristão e as comunidades cristãs vivem profundamente inseridos na vida dos respectivos povos e são também sinal do Evangelho pela fidelidade à sua pátria, ao seu povo e à sua cultura nacional, sempre porém na liberdade que Cristo trouxe... A Igreja é chamada a dar o seu testemunho de Cristo, assumindo posições corajosas e proféticas, face à corrupção do poder político ou económico; não correndo ela própria atrás da glória e dos bens materiais; usando os seus bens para o serviço dos mais pobres e imitando a simplicidade de vida de Cristo» (Redemptoris missio RMi 43). Este é um ensinamento constante e permanente do Magistério social, da chamada Doutrina social da Igreja.

5. Ao recordar estes aspectos da missão da Igreja, demos graças a Deus que nos chamou a fazer parte da mesma. Nela, a Virgem Maria ocupa um lugar singular. Expressão disto é a coroação da venerada imagem da Virgem da Caridade do Cobre. A história cubana está repleta de maravilhosas demonstrações de amor à sua Padroeira, a cujos pés as figuras dos humildes nativos, dois índios e um mulato, simbolizam a rica pluralidade deste povo. El Cobre, onde está o seu Santuário, foi o primeiro lugar de Cuba onde se conquistou a liberdade para os escravos.

Amados fiéis, nunca esqueçais os grandes acontecimentos relacionados com a vossa Rainha e Mãe. Com o dossel do altar familiar, Céspedes confeccionou a bandeira cubana e foi prostrar-se aos pés da Virgem, antes de iniciar a luta pela liberdade. Os corajosos soldados cubanos, os mambises, levavam no seu peito a medalha e a «medida» da sua imagem bendita. O primeiro acto de Cuba livre teve lugar quando, em 1898, as tropas do General Calixto García se prostraram aos pés da Virgem da Caridade, numa solene Missa para a «Declaração mambisa da Independência do povo cubano». As diversas peregrinações que a imagem fez pelos povoados da Ilha, acolhendo os anseios e esperanças, as alegrias e tristezas de todos os seus filhos, têm sido sempre grandes manifestações de fé e de amor.

Daqui quero enviar também a minha saudação aos filhos de Cuba que em qualquer parte do mundo veneram a Virgem da Caridade: juntamente com todos os seus irmãos que vivem nesta maravilhosa terra, ponho-os sob a sua materna protecção, pedindo a Ela, Mãe amorosa de todos, que reúna os seus filhos por meio da reconciliação e da fraternidade.

1112 6. Hoje, continuando essa gloriosa tradição de amor à Mãe comum, antes de proceder à sua coroação quero dirigir-me a Ela e invocá-la com todos vós:

Virgem da Caridade do Cobre,
Padroeira de Cuba!
Deus te salve,
Maria, cheia de graça!
Tu és a Filha amada do Pai,
a Mãe de Cristo, nosso Deus,
o Templo vivo do Espírito Santo.

Levas no teu nome,
Virgem da Caridade,
a memória do Deus que é Amor,
a recordação
1113 do mandamento novo de Jesus,
a evocação do Espírito Santo:
amor derramado
nos nossos corações,
fogo de caridade
enviado no Pentecostes
sobre a Igreja,
dom da plena liberdade
dos filhos de Deus.

Bendita és tu entre as mulheres
e bendito
1114 é o fruto do teu ventre, Jesus!
Vieste visitar o nosso povo
e quiseste permanecer connosco
como Mãe e Senhora de Cuba,
ao longo do seu peregrinar
pelos caminhos da história.

O teu nome e a tua imagem
estão esculpidos na mente
e no coração de todos os cubanos,
dentro e fora da Pátria
como sinal de esperança
1115 e centro de comunhão fraterna.

Santa Maria,
Mãe de Deus e nossa Mãe!
Roga por nós
ante o teu Filho Jesus Cristo,
intercede por nós
com o teu coração materno,
inundado da caridade do Espírito.
Faze crescer a nossa fé,
aviva a esperança,
aumenta
1116 e fortalece em nós o amor.

Ampara as nossas famílias,
protege os jovens e as crianças,
consola os que sofrem.

Sê Mãe dos fiéis
e dos pastores da Igreja,
modelo e estrela
da nova evangelização.

Mãe da reconciliação!
Reúne o teu povo
disperso pelo mundo.

1117 Faze da nação cubana
um lar de irmãos e irmãs
para que este povo
abra de par em par
a sua mente, o seu coração
e a sua vida a Cristo,
único Salvador e Redentor,
que vive e reina
com o Pai e o Espírito Santo,
pelos séculos dos séculos.

Amém.

1118 No final da Santa Missa, João Paulo II anunciou a erecção da nova Diocese de Guantánamo-Baracoa com as seguintes palavras:

Tive a alegria de celebrar com todos vós a Santa Missa nesta Praça dedicada a António Maceo. Com a vossa presença aqui, destes também um testemunho visível da perseverança e crescimento da Igreja nesta linda terra, que são expressão da sua rica vitalidade. A este propósito, sinto-me feliz por vos comunicar que, a fim de favorecer melhor a acção da Igreja em Cuba, decidi erigir a Diocese de Guantánamo-Baracoa, nomeando seu primeiro Bispo D. Carlos Jesus Patrício Baladrón Valdés, até agora Bispo Auxiliar de Havana.

Desejo encorajar os sacerdotes e os fiéis da nova circunscrição eclesiástica a empenharem-se por edificar, como pedras vivas em redor do seu Pastor, esta Igreja particular que hoje nasce. Estimado D. Baladrón, considere a grande importância da missão que agora lhe é confiada e anuncie com todas as suas forças a Boa Nova de Jesus Cristo aos seus diocesanos, convidando-os à Eucaristia e aos outros Sacramentos, para que deste modo cresçam na santidade e na justiça na presença do Senhor.

Antes de conceder a Bênção, o Papa pronunciou ainda estas palavras:

Desejo agradecer este calor, calor atmosférico e também calor humano, calor dos corações. Desejo oferecer a este povo, a esta Igreja tão calorosa a Bênção final da Missa.



Homilias JOÃO PAULO II 1107