Homilias JOÃO PAULO II 1133


DURANTE A MISSA NA PARÓQUIA ROMANA


DEDICADA A SANTO AGAPITO


1134
1 de Março de 1998




1. «Jesus... foi levado pelo Espírito ao deserto, onde esteve durante quarenta dias e foi tentado pelo demónio» (
Lc 4,1-2).

Antes de iniciar a sua actividade pública, Jesus, impelido pelo Espírito Santo, retira-Se no deserto durante quarenta dias. Ali, como lemos hoje no Evangelho, Ele é posto à prova pelo demónio, que Lhe apresenta três tentações comuns na vida de todo o homem: a voluptuosidade dos bens materiais, a sedução do poder humano e a presunção de submeter Deus aos próprios interesses.

A luta vitoriosa de Jesus contra o tentador não se exaure no arco dos dias transcorridos no deserto, mas continua durante os anos da vida pública e culmina nos eventos dramáticos da Páscoa. É precisamente com a morte na Cruz que o Redentor triunfa definitivamente sobre o mal, libertando a humanidade do pecado e reconciliando-a com Deus. O evangelista Lucas parece querer, já desde o início, prenunciar a realização da salvação no Gólgota. Com efeito, ele conclui a narração das tentações com a menção de Jerusalém, precisamente onde será selada a vitória pascal de Jesus.

A cena das tentações de Cristo no deserto renova-se cada ano no início da Quaresma. A Liturgia convida os crentes a entrarem com Jesus no deserto e a seguirem-n'O no típico itinerário penitencial deste tempo quaresmal, iniciado quarta-feira passada com o austero rito das Cinzas.

2. «Se confessares com a tua boca o Senhor Jesus e creres no teu coração que Deus O ressuscitou dentre os mortos, serás salvo» (Rm 10,9). As palavras do apóstolo Paulo, que há pouco escutámos, ilustram bem o estilo e as modalidades da nossa peregrinação quaresmal. O que é a penitência, senão um humilde e sincero retorno às fontes da fé, repelindo prontamente a tentação e o pecado, e intensificando a intimidade orante com o Senhor?

Só Cristo, com efeito, pode libertar o homem daquilo que o torna escravo do mal e do egoísmo: a libertação da busca espasmódica dos bens materiais, da sede de poder e de domínio sobre os outros e sobre as coisas, da ilusão do sucesso fácil, do frenesi do consumismo e do hedonismo, que em definitivo mortificam o ser humano.

Eis, caros Irmãos e Irmãs, quanto o Senhor nos pede com clareza para entrarmos no clima autêntico da Quaresma. Ele quer que no deserto destes quarenta dias aprendamos a enfrentar o inimigo das nossas almas, à luz da Palavra de salvação. O Espírito Santo, a Quem é dedicado de modo particular este segundo ano de preparação para o Grande Jubileu do Ano 2000, torne viva a nossa oração, para estarmos prontos a enfrentar com coragem a incessante luta em vista de vencer o mal com o bem.

3. Caríssimos Fiéis da Paróquia de Santo Agapito! Estou feliz por me encontrar no meio de vós, enquanto já está em pleno desenvolvimento a grande Missão da cidade, em preparação para o evento jubilar. Trata-se, como tive ocasião de dizer também quinta-feira passada, no encontro com os sacerdotes de Roma, de uma providencial iniciativa pastoral que prepara a nossa Diocese para cruzar o limiar do novo milénio inteiramente renovada. Roma tem uma singular missão a cumprir, chamada como está a acolher os peregrinos que virão do mundo inteiro para o Grande Jubileu do Ano 2000. Por isso, é necessário que o testemunho da sua fé no Ressuscitado, Redentor do homem e Senhor da história, seja sempre mais jubiloso e exemplar. É importante que os romanos recebam dos fiéis o anúncio e o testemunho do Evangelho da esperança e da solidariedade. Vós, caríssimos Irmãos e Irmãs desta Paróquia, deveis sentir-vos como os evangelizadores corajosos de quantos vivem neste bairro.

4. Agora, dirijo a todos a minha saudação cordial, a começar pelo Cardeal Vigário e pelo Senhor Arcebispo Vice-Gerente. Saúdo depois o Padre Isidoro Del Lungo, vosso zeloso pastor desde 1977, mas presente na Paróquia desde há mais de trinta anos, o Vigário paroquial e os outros colaboradores. Um pensamento particular dirige-se às associações que actuam neste território, assim como aos Irmãos da Caridade de Madre Teresa de Calcutá e aos voluntários que dirigem a «Casa Serena», benemérito centro de acolhimento para as pessoas que estão em dificuldade.

Muitos de vós recordam as origens da Paróquia, instituída há quarenta anos numa zona adjacente ao bairro «Prenestino», uma vila de barracas surgida em 1934, que se estendeu abusivamente no período pós-guerra e foi demolida em 1980. Tendo iniciado num lugar modesto, em seguida a vida paroquial transferiu-se para um barracão até hoje destinado às celebrações litúrgicas. Entretanto, foi construído um segundo barracão que no domingo, nos horários de maior afluência, funciona como lugar sucedâneo de culto.

1135 Se no início não faltaram transtornos compreensíveis, depois a mesma carência de verdadeiras e próprias estruturas pastorais terminou, poderíamos dizer de maneira providencial, com o favorecimento de um clima de maior coesão na Comunidade, também porque com o passar dos anos não aumentou o número dos habitantes. Quereria dirigir uma saudação afectuosa a todas as pessoas que vivem neste vosso bairro: a quantos frequentam de modo regular a Paróquia e àqueles que, ao contrário, eventualmente se afastaram da fé; às pessoas sozinhas e aos anciãos, que constituem uma grande camada da vossa Comunidade; aos doentes e àqueles que atravessam particulares dificuldades, às crianças, aos jovens e às famílias.

Sei que uma experiência eclesial, que assinalou de modo positivo a vida da Paróquia, é a da Renovação no Espírito Santo. Com ânimo grato ao Senhor penso em todos aqueles que, ajudados por este particular caminho espiritual, se reaproximaram da fé e da Igreja. Estendo o meu pensamento aos Grupos de oração de Padre Pio e aos outros movimentos e grupos paroquiais. Na vossa Comunidade cristã haja sempre lugar para todos e, na partilha dos carismas próprios de cada experiência espiritual, tende sempre a peito cultivar aquele harmonioso e recíproco acolhimento, indispensável para uma eficaz e fraterna acção evangelizadora.

5. «Clamámos ao Senhor... e o Senhor ouviu o nosso clamor» (
Dt 26,7). A profissão de fé do povo de Israel, referida na primeira Leitura, apresenta o elemento fundamental em torno do qual se desenvolve a inteira tradição do Antigo Testamento: a libertação da escravidão do Egipto e o nascimento do povo eleito.

A páscoa da Antiga Aliança constitui a preparação e o anúncio da Páscoa definitiva, na qual será imolado o Cordeiro que tira o pecado do mundo.

Caríssimos Irmãos e Irmãs, no início do itinerário quaresmal retornamos às raízes da nossa fé a fim de, através da oração, da penitência, do jejum e da caridade, nos prepararmos para participar na Páscoa de Cristo com o coração renovado interiormente.

Nesta Quaresma a Virgem Santa nos ajude a compartilhar, com dignos frutos de conversão, o caminho de Cristo a partir do deserto das tentações até Jerusalém, para celebrarmos juntamente com Ele a Páscoa da nossa redenção.







DURANTE A MISSA NA PARÓQUIA ROMANA


DEDICADA A SANTO AQUILES


8 de Março de 1998




1. «Este é o Meu Filho, o Escolhido. Escutai o que Ele diz!» (Lc 9,35). Neste segundo domingo de Quaresma a liturgia convida-nos a meditar acerca das sugestivas narrações da Transfiguração de Jesus. Na solidão do Monte Tabor, na presença de Pedro, Tiago e João, únicas testemunhas privilegiadas deste importante acontecimento, Jesus é revestido, também exteriormente, da glória de Filho de Deus que Lhe pertence. O Seu rosto torna-se luminoso, as Suas vestes, resplandecentes. Aparecem Moisés e Elias que conversam com Ele a respeito do cumprimento da Sua missão terrena, destinada a concluir-se em Jerusalém com a morte na cruz e a ressurreição.

Na Transfiguração torna-se visível, por um momento, a luz divina que será revelada de modo total no Mistério pascal. O evangelista Lucas ressalta como este facto extraordinário se verifica precisamente num contexto de oração. «Enquanto rezava», o rosto de Jesus mudou de aspecto (cf. Lc Lc 9,29). A exemplo de Cristo, toda a comunidade cristã é convidada a viver o itinerário quaresmal em espírito de oração e de penitência, a fim de se preparar desde agora para receber a luz divina que resplandecerá na Páscoa.

2. Na segunda Leitura, tirada da Carta de Paulo aos Filipenses, é-nos dirigido um premente apelo à conversão: «Observai os que vivem de acordo com o modelo que tendes em nós» (3, 17). Com estas palavras o Apóstolo propõe a sua experiência pessoal, a fim de ajudar os fiéis de Filipos a superar um certo clima de relaxamento e de desempenho, que se estava a difundir naquela comunidade, que lhe era muito querida.

Aqui o tom torna-se particularmente forte e comovente. São Paulo dirige-se aos seus cristãos de Filipos «com as lágrimas nos olhos», para os pôr de sobreaviso contra aqueles que «se portam como inimigos da cruz de Cristo», porque «só cuidam do que é terreno» (ibid. 3, 18-19). Às dificuldades daquela comunidade por ele fundada contrapõe a imagem da própria vida, dedicada sem reservas à causa de Cristo e ao anúncio do Evangelho.

1136 Como deixar de notar, a este propósito, a actualidade da exortação do Apóstolo, que ecoa neste domingo de Quaresma, quando já entramos plenamente na fase central da Missão da Cidade? Esta importante iniciativa pastoral, em preparação para o Jubileu, empenha todas as componentes da Igreja que está em Roma e, ao mesmo tempo, constitui uma ocasião mais do que nunca favorável para ajudar os habitantes da Cidade a redescobrir os valores do Espírito, aprofundar o amor a Cristo e acolher a «Boa Nova», que é a salvação do homem na sua integridade.

3. Caríssimos Irmãos e Irmãs da Paróquia de Santo Aquiles! Sinto-me feliz por estar convosco, hoje, e por celebrar a Eucaristia nesta vossa igreja. A minha visita à vossa Paróquia realiza-se precisamente no momento em que toda a Diocese de Roma está empenhada na Missão da Cidade a nível territorial, com a visita às famílias e os centros de escuta do Evangelho nas casas.

Sigo com especial atenção este grande empreendimento apostólico, que visa predispor o coração dos Romanos a acolher a graça do Jubileu. Desejo encorajar os missionários e as missionárias, que nestes dias estão a visitar as famílias, e recordo de modo particular, sobretudo a eles, o que escrevi em termos mais gerais na Carta Apostólica Tertio millennio adveniente: «O Espírito é também, na nossa época, o agente principal da nova evangelização» (n. 45). Perante as dificuldades que este trabalho missionário possa encontrar, aumente em cada um de vós a consciência da acção do Espírito Santo, que nos acompanha e «constrói o Reino de Deus no curso da história e prepara a sua plena manifestação em Jesus Cristo, animando os homens no mais íntimo deles mesmos e fazendo germinar dentro da existência humana os gérmens da salvação definitiva, que acontecerá no fim dos tempos» (ibid.).

4. Caríssimos, dirijo a todos a minha afectuosa saudação, em primeiro lugar ao Cardeal Vigário e ao Bispo Auxiliar do Sector. Saúdo cordialmente também o vosso activo Pároco, Pe. Giuseppe Ferdinandi, e os queridos Religiosos, seus colaboradores, da Terceira Ordem Regular de S. Francisco, os Diáconos permanentes, os Ministros extraordinários da Eucaristia, que muito se prodigalizam pela visita aos doentes, levando-lhes todos os domingos a Sagrada Comunhão, bem como os membros dos numerosos grupos e agregações eclesiais presentes na Paróquia.

A vossa Comunidade caracteriza-se ainda por um generoso e activo empenho laical, sobretudo nos sectores do serviço aos mais débeis e em várias iniciativas espirituais e culturais. Regozijo-me por esta vitalidade apostólica e missionária e faço votos por que esta tensão evangelizadora cresça cada vez mais.

Neste momento privilegiado de graça, constituído pela Missão da Cidade, convido todos vós, caríssimos fiéis da Paróquia de Santo Aquiles, a intensificar o vosso esforço na difusão da Palavra salvífica entre os habitantes de Roma, através do diálogo com as pessoas e as famílias, valorizando os centros de escuta do Evangelho nas casas e a celebração diária da Palavra de Deus. Além disso, ao anúncio do Evangelho uni um testemunho concreto da caridade, que se torne solidariedade e partilha sobretudo com os mais necessitados.

Sei que já vos empenhais neste sentido, procurando fortalecer formas de voluntariado espontâneo, para as transformar em iniciativas de solidariedade mais estáveis e mais bem organizadas. Encorajo-vos de bom grado a prosseguir neste caminho, estudando e realizando corajosas e qualificadas formas de serviço aos irmãos, detectando oportunamente para esse fim as novas e antigas pobrezas presentes também nesta área. Trata-se de acompanhar mães solteiras e numerosas pessoas sozinhas e idosas do bairro; é necessário cuidar dos doentes e dos que sofrem; é preciso destinar compreensão e acolhimento aos estrangeiros e aos nómades, para fazer sentir a todos o conforto da presença do Senhor e a proximidade solidária da comunidade cristã.

5. As famílias requerem um cuidado atencioso, sobretudo as que, por vários motivos, não conseguem viver plenamente o amor conjugal. Bem sei que é uma missão difícil, mas muito importante e urgente! De igual modo urgente e importante é saber aproximar-se dos jovens, para lhes transmitir o Evangelho de Cristo e a confiança na vida. Sede conscientes de que cada esforço realizado nestes dois âmbitos fundamentais da pastoral, estreitamente unidos entre si, oferece um contributo precioso à nova evangelização.

A vossa comunidade está confiada à celeste protecção de Santo Aquiles, em memória do santo Padroeiro do meu venerado Predecessor Pio XI, que se fez promotor em Roma da construção de cinquenta novas paróquias e deu um grande estímulo à Acção Católica em toda a Itália. A recordação deste Pontífice do nosso tempo, que tanto se empenhou pela promoção do laicado cristão, sirva de estímulo para um apostolado forte e generoso, capaz de renovar com o fermento evangélico esta nossa sociedade no limiar do Terceiro Milénio.

6. Sustenta-nos neste itinerário apostólico a consciência de que Deus é fiel. Na primeira Leitura ouvimos a narração da aliança estabelecida por Deus com Abraão. À promessa divina de uma descendência, Abraão responde «esperando contra toda a esperança» (
Rm 4,18); por este motivo, ele torna-se pai na fé de todos os crentes. «Ele acreditou em Javé, e isto foi-lhe creditado como justiça» (Gn 15,6). A aliança com o Arquétipo do povo eleito é em seguida renovada na grande Aliança do Sinai. Esta encontra depois o seu cumprimento definitivo na Nova Aliança, concluída por Deus com a inteira humanidade, não no sangue de animais mas no do Seu próprio Filho feito Homem, que oferece a vida pela redenção do mundo.

Maria, que como Abraão esperou contra toda a esperança, nos ajude a reconhecer em Jesus o Filho de Deus e o Senhor da nossa vida. A ela confiamos a Quaresma e a Missão da Cidade, para que sejam momentos privilegiados de graça e tragam abundantes frutos de bem, não só para a comunidade cristã mas para todos os habitantes de Roma.





NA CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA


PARA A PROCLAMAÇÃO DE TRÊS NOVOS BEATOS


1137
15 de Março de 1998


1. «Deus chamou-o do meio da sarça: "Moisés..." Respondeu: "Aqui estou"» (
Ex 3,4).

Ouvimos na primeira Leitura a narração da vocação de Moisés. Deus revela a Moisés o próprio nome: «Eu sou Aquele que sou!» (Ex 3,14), para que ele o comunique ao povo de Israel. Deste modo, estabelece-se uma relação especial de confiança e de familiaridade entre Deus e o Seu enviado. Ele é investido da autoridade de mediador entre o povo e o seu Senhor. Graças a esta responsabilidade, tornar-se-á instrumento de Deus para a libertação de Israel da escravidão do Egipto. Através da sua obra, será o próprio Javé que conduzirá o povo durante quarenta anos no deserto, até à terra prometida e estabelecerá com ele a grande Aliança do Sinai.

A história da vocação de Moisés demonstra claramente como a chamada à comunhão com Deus, e por conseguinte à santidade, é o preâmbulo necessário para qualquer peculiar missão a favor da comunidade e ao serviço dos irmãos.

A iniciativa divina, que chama uma pessoa à santidade e lhe confia uma missão especial ao serviço do próximo, resplandece de maneira luminosa na experiência espiritual dos três novos Servos de Deus, que hoje tenho a alegria de elevar à glória dos altares: Vicente Eugénio Bossilkov, Bispo e mártir, Brígida de Jesus Morello, Religiosa Fundadora das Irmãs Ursulinas de Maria Imaculada, e Maria do Carmo Sallés y Barangueras, Virgem e Fundadora das Religiosas Concepcionistas Missionárias do Ensino.

2. «Todos bebiam de um rochedo espiritual que os seguia, que era Cristo» (1Co 10,4). O Bispo mártir Vicente Eugénio Bossilkov saciou-se na rocha espiritual que é Cristo. Seguindo fielmente o carisma do fundador da sua Congregação, São Paulo da Cruz, cultivou de maneira intensa a espiritualidade da Paixão. Além disso dedicou-se inteiramente ao serviço pastoral da Comunidade cristã que lhe fora confiada, enfrentando sem hesitar a prova suprema do martírio.

O Bispo Bossilkov tornou-se, deste modo, uma glória luminosíssima da Igreja na sua Pátria. Testemunha intrépida da cruz de Cristo, ele é uma das numerosas vítimas que o comunismo ateu sacrificou, na Bulgária e noutros países, no seu programa de aniquilação da Igreja. Naqueles tempos de dura perseguição ele foi modelo para muitos que, do exemplo da sua coragem, hauriram a força de permanecer fiéis ao Evangelho até ao fim. Neste dia de festa para a Nação búlgara, sinto-me feliz por prestar homenagem a quantos, como D. Bossilkov, pagaram com a vida a adesão sem limites à fé recebida no baptismo.

D. Bossilkov soube unir de maneira admirável à sua missão de Sacerdote e de Bispo uma intensa vida espiritual e uma constante atenção às exigências dos irmãos. Hoje propõe-se-nos como figura eminente da Igreja católica que está na Bulgária, não só devido à sua grande cultura, mas também pelo constante anélito ecuménico e pela heróica fidelidade à Sé de Pedro.

Quando a hostilidade do regime comunista contra a Igreja se tornou mais decidida e ameaçadora, o Beato Bossilkov quis permanecer ao lado da sua gente, apesar de saber que isso significava arriscar a vida. Não receou enfrentar a tormenta da perseguição. Quando intuiu que o momento da provação suprema estava próximo, escreveu ao Superior da Província religiosa: «Tenho a coragem de viver, espero tê-la também para suportar o pior, permanecendo fiel a Cristo, ao Papa e à Igreja!» (Carta XIV).

Desta maneira, este Bispo mártir, que durante toda a sua existência se esforçou por ser imagem fiel do Bom Pastor, conseguiu sê-lo de modo completamente especial no momento da morte, quando uniu o seu sangue ao do Cordeiro imolado pela salvação do mundo. Que exemplo luminoso para todos nós, que somos chamados a dar testemunho de fidelidade a Cristo e ao seu Evangelho! Que grande encorajamento para quantos ainda hoje sofrem injustiças e vexações por causa da sua fé! Oxalá o exemplo deste mártir, que hoje contemplamos na glória dos Beatos, infunda confiança e fervor em todos os cristãos, sobretudo nos da querida Nação búlgara, que agora o pode invocar como seu celeste protector.

3. «O Senhor é misericordioso e compassivo, tardo na ira e grande no Seu amor». Estas palavras, que a Liturgia de hoje apresenta no Salmo responsorial, sustentaram e orientaram a heróica fidelidade ao Evangelho da Beata Brígida de Jesus Morello, religiosa e fundadora das Irmãs Ursulinas de Maria Imaculada. As vicissitudes da sua variegada existência - primeiro como jovem rica de virtudes humanas e espirituais, sucessivamente como esposa fiel e sábia, depois como viúva cristã e, por fim, como pessoa consagrada e guia das suas Irmãs - reflectem com particular nitidez o confiante abandono da nova Beata à misericórdia de Deus, que é «tardo na ira e grande no Seu amor».

1138 Foi nesta escola que a Beata Brígida de Jesus aprendeu a lição fundamental do amor que se despende na dedicação quotidiana ao serviço do próximo. Numa época em que os ideais da feminilidade não eram muito considerados, a Beata Morello pôs em relevo sem fragor o valor da mulher na família e na sociedade. Apaixonada de Deus, esteve por isso sempre disponível a abrir o coração e os braços aos irmãos e irmãs necessitados. Enriquecida de dons místicos e, ao mesmo tempo, provada por longos e graves sofrimentos, não deixou de ser para os seus contemporâneos uma autêntica mestra de vida espiritual e um exemplo significativo de admirável síntese entre vida consagrada e empenho social e educativo.

Nos seus escritos transparece um convite constante à confiança em Deus. Gostava de repetir: «Confidência, confidência, coração grande! Deus é nosso Pai e nunca nos abandonará!».

Não é porventura singularmente actual esta mensagem que a nova Beata nos propõe? Esta nossa irmã na fé, hoje elevada às honras dos altares, recorda-nos com vigor que amar a Deus é o segredo de todo o verdadeiro e eficaz empenho social em favor dos irmãos.

4. A primeira leitura do livro do Êxodo apresenta a vocação de Moisés, seguindo um esquema típico dos relatos bíblicos vocacionais: o chamamento divino, as objecções do escolhido e o sinal de protecção e complacência por parte de Deus. Estes elementos aparecem também na vida de Maria do Carmo Sallés y Barangueras, fundadora das Concepcionistas Missionárias do Ensino. Desde jovem, a nova Beata empenhou-se ao máximo por esclarecer o desígnio que Deus tinha para ela. Diversas experiências de vida religiosa levaram-na a descobrir que a sua missão na Igreja era semear o bem na infância e na juventude, para as preservar dos males que as afligiam, e dotar a mulher de uma cultura e capacidade profissional que lhe permitissem inserir-se dignamente na sociedade.

Tendo-se portanto consagrado à educação feminina, venceu numerosas dificuldades, consciente de ser um «instrumento inútil nas mãos de Maria Imaculada»; fez audazes projectos maturados na oração e no conselho de pessoas bem formadas, repetindo com firme confiança: «Em frente, sempre em frente. Deus providenciará».

Mulher cheia de valor, a Madre Maria do Carmo baseou a sua vida e a sua obra numa espiritualidade cristocêntrica e mariana, alimentada por uma piedade sólida e discreta. O seu carisma concepcionista, sinal do amor do Senhor pelo seu povo, permanece hoje vivo no testemunho das suas filhas que, como missionárias nas escolas e nos colégios, trabalham com perseverança, evangelizando a partir do ensino.

5. «Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus» (Aclamação ao Evangelho; cf. Mt
Mt 4,17). O trecho evangélico deste terceiro domingo da Quaresma sublinha o tema fundamental deste «tempo forte» do ano litúrgico: o convite a converter-se e a realizar dignas obras de penitência.

Os três novos Beatos, que hoje são apresentados à nossa veneração, souberam aceitar a exigente proposta. Para eles, não foi um caminho fácil. Com efeito, tiveram que enfrentar provações e contrariedades; mas fizeram-no sempre com ânimo disposto a cumprir até ao fim a vontade divina. Lutaram contra o mal fazendo o bem. Deste modo, tornaram-se, com a palavra e o exemplo, testemunhas críveis para os seus contemporâneos. Graças à ajuda deles, muitos outros acolheram Cristo e o seu Evangelho de salvação.

No nosso tempo, enquanto nos aproximamos já a grandes passos do Terceiro Milénio, a vida destes três nossos ilustres irmãos na fé nos sirva de estímulo para seguir fielmente o Senhor no caminho difícil, mas ao mesmo tempo luminoso, da fidelidade a Cristo.

Amém.





NA FESTA DE SÃO JOSÉ


E ORDENAÇÃO EPISCOPAL


DE TRÊS PRESBÍTEROS


19 de Março de 1998




1139 1. O felicem virum, beatum Joseph, cui datum est Deum... non solum videre et audire, sed portare, deosculari, vestire et custodire!

Esta oração, que outrora os sacerdotes costumavam recitar quando se preparavam para celebrar a Santa Missa, ajuda-nos a aprofundar o conteúdo da Liturgia da hodierna solenidade. Hoje contemplamos José, esposo da Virgem, protector do Verbo Encarnado, homem do trabalho quotidiano, legatário do grande mistério da salvação.

Precisamente este aspecto é colocado em particular relevo pelas Leituras bíblicas, há pouco proclamadas, que nos fazem compreender o modo como São José foi introduzido por Deus no desígnio salvífico da Encarnação. «Pois Deus amou de tal forma o mundo que entregou o Seu Filho único, para que todo o que n'Ele acredita não morra, mas tenha a vida eterna» (
Jn 3,16). Eis o dom incomensurável da salvação e a obra da redenção.

Como Maria, também José acreditou na palavra do Senhor e dela se tornou partícipe. Acreditou como Maria que este projecto divino se teria realizado, graças à sua disponibilidade. E assim aconteceu: o eterno Filho de Deus fez-Se homem no seio da Virgem Mãe.

Acerca de Jesus – recém-nascido, depois criança, adolescente, jovem, e homem maduro – o eterno Pai pronuncia as palavras do anúncio profético que escutámos na primeira Leitura: «Eu sou para ele um pai e ele é para Mim um filho» (cf. 2S 7,14). Aos olhos dos habitantes de Belém, de Nazaré e de Jerusalém o Pai de Jesus é José. E o Carpinteiro de Nazaré sabe que, de alguma forma, é mesmo assim. Sabe isso, porque acredita na paternidade de Deus e é consciente de ter sido chamado em certa medida a partilhá-la (cf. Ef Ep 3,14-15). E hoje a Igreja, ao venerar São José, elogia a sua fé e a total obediência à vontade divina.

2. Este ano escolhi a solenidade de São José para a Ordenação episcopal de três presbíteros, aos quais me sinto particularmente ligado, devido ao singular serviço que prestam à Santa Sé e a mim mesmo. Eles são os Rev.mos Monsenhores James Harvey, Stanislaw Dziwisz e Piero Marini. Agora, na atmosfera recolhida e solene desta Basílica, eles esperam a imposição das mãos, depois do cântico Veni Creator, com o qual juntos invocámos sobre eles a abundância dos dons do Paráclito. Eles esperam, haurindo da hodierna solenidade de São José sentimentos e motivos de reflexão, que os ajudem a aprofundar o que a Igreja está para lhes transmitir mediante os sinais sacramentais.

Ecoam no meu espírito estas palavras: «Pois Deus amou de tal forma o mundo que entregou o Seu Filho único, para que todo o que n'Ele acredita não morra, mas tenha a vida eterna» (Jn 3,16). Caríssimos Irmãos que estais para ser elevados à graça do Episcopado, este mistério de amor apresenta-se hoje aos vossos olhos com extraordinária eloquência. Sois chamados a tornar-vos partícipes dele de maneira ainda mais exigente. Deus chama-vos para serdes os seus mais estreitos cooperadores no universal desígnio da salvação. Confia-vos o próprio Filho, que vive na Igreja como outrora viveu na casa de Nazaré; confia-vos o Salvador do mundo e a Sua obra salvífica.

Na vossa juventude, o Senhor conferiu-vos, com a graça do Sacerdócio, um ministério específico no interior da Igreja. Hoje, na vossa maturidade humana, graças ao Espírito Santo, é-vos conferida a plenitude do sacramento da Ordem, em virtude da qual vos empenhais com novas qualificações e com maior responsabilidade ao serviço do Redentor do homem, sumo e único Mediador e Pastor das almas. A Igreja reza convosco e por vós, a fim de que esta missão se torne fonte de numerosos benefícios para todos aqueles que vos serão confiados.

É isto que pedimos mediante a intercessão de São José; a ele confiamos o vosso ministério, recordando que na plenitude dos tempos o Pai celeste pôs sob a sua protecção o próprio Filho e a Virgem Mãe. São José vos obtenha uma abundante efusão do Espírito Santo.

É o Espírito do Senhor que vos consagra com a energia do seu amor. Consagra-te, querido Mons. James Harvey, da Arquidiocese de Milwaukee, nos Estados Unidos da América, que foste meu fiel colaborador durante muitos anos na Secretaria de Estado. Agora, como Prefeito da Casa Pontifícia, dedicar-te-ás à sucessão quotidiana das audiências e dos encontros. Este é um serviço muito significativo e precioso, sobretudo nestes anos que nos conduzem rumo ao grande Jubileu do Ano 2000. O Espírito do Senhor consagra-te, estimado Mons. Stanislaw Dziwisz, da minha Arquidiocese de Cracóvia. Há trinta e cinco anos, eu mesmo te ordenei sacerdote na Catedral de Wawel, e três anos mais tarde nomeei-te meu capelão. Desde o início do meu ministério petrino, estiveste ao meu lado como fiel Secretário, partilhando comigo as canseiras e as alegrias, as esperanças e as apreensões. Como Prefeito Adjunto, porás ao serviço da Casa Pontifícia a tua grande experiência em benefício de todos os que, por ministério ou como peregrinos, se aproximam do Sucessor de Pedro. O Espírito consagra-te, querido Mons. Piero Marini, da Diocese de Placência-Bobbio, desde há muitos anos Mestre das Celebrações Litúrgicas. Com esta função estiveste ao meu lado nos momentos mais sagrados e realizaste sempre com apreciada dedicação a tarefa litúrgica que te confiei, acompanhando-me fielmente em todas as partes aonde o ministério petrino me levou. O carácter episcopal não poderá deixar de aperfeiçoar a tua sensibilidade e o teu zelo, para a glória de Deus e a edificação espiritual dos fiéis.

4. Caríssimos Irmãos James, Stanislaw e Piero, no dia da vossa consagração desça sobre vós de maneira superabundante a graça divina. Hoje, graças à intercessão de São José, sois espiritualmente acolhidos, por assim dizer, sob o tecto da casa de Nazaré, a fim de participardes da vida da Sagrada Família. Oxalá, como José, possais servir fielmente quantos o Senhor confiar a cada um de vós na Igreja e, de modo particu- lar, no âmbito da Sé Apostólica.

1140 «O felicem virum, beatum Joseph, cui datum est, Deum, quem multi reges voluerunt videre et non viderunt, audire et non audierunt, non solum videre et audire, sed portare, deosculari, vestire et custodire», a ti, São José, silencioso e fiel servidor do Senhor, recomendamos estes Irmãos e o seu incipiente ministério episcopal. Assiste-os, protege-os e conforta-os juntamente com Maria, tua Esposa e Virgem Mãe do Redentor.

Amém!



VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II À NIGÉRIA


NA MISSA DE BEATIFICAÇÃO DO PADRE CIPRIANO MICHAEL IWENE TANSI


Domingo, 22 de Março de 1998

«Era Deus que reconciliava Consigo o mundo, em Cristo» (2Co 5,19).


Caros Irmãos e Irmãs!

1. Deus concedeu-me, pela segunda vez, a alegria de vir aqui a Onitsha para celebrar o santo Sacrifício da Missa convosco. Há dezasseis anos, acolhestes-me nesta bonita terra, e pude comprovar o entusiasmo e o fervor de um povo fiel, homens e mulheres reconciliados com Deus e desejosos de anunciar a Boa Nova da salvação aos que estão perto ou distante.

São Paulo fala da «nova criação em Cristo» (cf. 2Co 5,17) e continua a dizer-nos: «Era Deus que reconciliava o mundo Consigo, em Cristo, não lhe levando mais em conta os pecados dos homens e pondo nos nossos lábios a mensagem da reconciliação... Suplicamo-vos, pois, em nome de Cristo: Reconciliai-vos com Deus» (2Co 5,19-20). O Apóstolo está a referir-se aqui à história de cada homem e mulher: Deus, no Seu Filho unigénito, Jesus Cristo, reconciliou-nos Consigo.

Esta mesma verdade é apresentada de maneira ainda mais viva no Evangelho de hoje. São Lucas fala-nos de um jovem que abandonou a casa paterna, experimentou as dolorosas consequências da sua acção, e então encontrou o caminho da reconciliação. O jovem retorna ao seu pai e diz: «Pai, pequei contra o Céu e contra ti, já não sou digno de ser chamado teu filho, trata-me como um dos teus servos» (Lc 15,18-19). O pai, de braços abertos, acolhe de novo o seu filho, alegra-se porque o seu filho retornou. O pai da parábola representa o nosso Pai celeste, que deseja reconciliar Consigo cada pessoa em Cristo. Esta é a reconciliação que a Igreja proclama.

Quando os Bispos de toda a África se reuniram para uma Assembleia Especial do Sínodo, a fim de discutirem os problemas deste continente, disseram que a Igreja em África se tornou, graças ao testemunho dado pelos seus filhos e filhas, um lugar de verdadeira reconciliação (cf. Ecclesia in Africa ). Reconciliando-se primeiro entre si, os membros da Igreja poderão levar à sociedade o perdão e a reconciliação de Cristo, nossa paz (cf. Ef Ep 2,14). «Caso contrário — disseram os Bispos — o mundo assemelhar-se-á cada vez mais a um campo de batalha, no qual contam apenas os interesses egoístas e onde predomina a lei da força» (Ecclesia in Africa ).

Hoje, desejo proclamar a importância da reconciliação: reconciliação com Deus e reconciliação das pessoas entre si. Esta é a tarefa que compete à Igreja nesta terra da Nigéria, neste continente da África e no meio de todos os povos e de todas as nações do mundo. «Somos, por conseguinte, embaixadores de Cristo... Suplicamo-vos, pois, em nome de Cristo: Reconciliai-vos com Deus» (2Co 5,20). Por esta razão, os católicos da Nigéria devem ser autênticas e eficazes testemunhas da fé em todos os aspectos da vida, tanto a nível público como privado.

2. Hoje, um dos filhos da Nigéria, o Padre Cipriano Michael Iwene Tansi, foi proclamado «Beato», precisamente na terra onde ele pregou a Boa Nova da salvação e procurou reconciliar os seus concidadãos com Deus e uns com os outros. De facto, a Catedral onde o Padre Tansi foi ordenado e a paróquia onde exerceu o ministério sacerdotal não estão distantes de Oba, lugar onde nos encontramos reunidos. Algumas pessoas, a quem ele proclamou o Evangelho e administrou os sacramentos, hoje estão aqui connosco — inclusive o Cardeal Francis Arinze, que foi baptizado pelo Padre Tansi e recebeu a sua primeira educação numa das suas escolas.


Homilias JOÃO PAULO II 1133