Homilias JOÃO PAULO II 1425

JUBILEU DOS TRABALHADORES EM "TOR VERGATA" ROMA




1° de Maio de 2000




1. "Abençoai, ó Senhor, a obra das nossas mãos" (Salmo responsorial).

1426 Estas palavras, que repetimos no salmo responsorial, exprimem bem o sentido da hodierna jornada jubilar. Do vasto e multiforme mundo do trabalho eleva-se hoje, primeiro dia de Maio, uma invocação coral: Senhor, abençoai e consolidai a obra das nossas mãos!

O nosso cansaço nas casas, nos campos, nas indústrias, nos escritórios poderia resultar uma inquietação extenuante, em última análise desprovida de sentido (cf. Co 1, 3). Pedimos ao Senhor que este [afã] seja, ao contrário, a realização do seu desígnio, de tal forma que o nosso trabalho recupere o seu significado original.

E qual é o significado original do trabalho? Escutamo-lo na primeira Leitura, tirada do Livro do Génesis.Ao homem criado à Sua imagem e semelhança, Deus disse: "Enchei e submetei a terra..." (1, 28). A estas expressões faz eco o Apóstolo Paulo, que assim escreve aos cristãos de Tessalonica: "Quando estávamos entre vós, demos esta norma: quem não quer trabalhar, também não coma", e exorta a "comer o próprio pão, trabalhando em paz" (
2Th 3,10 2Th 3,12).

Por conseguinte, no projecto de Deus o trabalho aparece como um direito-dever. Necessário para tornar úteis os bens da terra na vida de cada homem e da sociedade, este contribui para orientar a actividade humana rumo a Deus, no cumprimento do seu mandato de "submeter a terra". A este propósito, também esta exortação do Apóstolo ressoa no nosso espírito: "Portanto, quer comais, quer bebais, quer façais qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus" (1Co 10,31).

2. Enquanto orienta o nosso olhar para o mistério da Encarnação, o Ano jubilar convida-nos a reflectir com especial intensidade sobre a vida escondida de Jesus de Nazaré. Foi ali que Ele passou a maior parte da sua existência terrena. Com a sua operosidade silenciosa na oficina de José, Jesus ofereceu a mais elevada demonstração da dignidade do trabalho. O Evangelho hodierno narra que os habitantes de Nazaré, seus conterrâneos, O receberam com admiração, perguntando-se uns aos outros: "De onde [lhe] vêm esta sabedoria e estes milagres? Este homem não é o filho do carpinteiro?" (Mt 13,54-55).

O Filho de Deus não desdenhou a qualificação de carpinteiro e não quis eximir-se da normal condição de cada homem. "A eloquência da vida de Cristo é inequivocável: Ele pertence ao "mundo do trabalho" e tem apreço e respeito pelo trabalho humano; pode-se dizer mais: Ele encara com amor este trabalho, bem como as suas diversas expressões, vendo em cada uma delas uma linha particular da semelhança do homem com Deus, Criador e Pai" (Laborem exercens LE 26).
Do Evangelho de Cristo provém o ensinamento dos Apóstolos e da Igreja; daí deriva uma verdadeira e própria espiritualidade cristã do trabalho, que encontrou uma sua expressão eminente na Constituição Gaudium et spes, do Concílio Ecuménico Vaticano II (cf. nn. 33-39 e 63-72).

Após séculos de fortes tensões sociais e ideológicas o mundo contemporâneo, cada vez mais interdependente, tem necessidade deste "evangelho do trabalho", a fim de que a actividade humana possa promover o autêntico desenvolvimento das pessoas e da inteira humanidade.

3. Caríssimos Irmãos e Irmãs, que vos diz o Jubileu, a vós que hoje representais o inteiro mundo do trabalho, congregado para a celebração jubilar? Que diz o Jubileu à sociedade que no trabalho encontra, mais do que uma estrutura básica, um terreno de consolidação das próprias opções de valor e de civilização?

Desde as suas origens hebraicas, o Jubileu diz respeito directamente ao trabalho, uma vez que o Povo de Deus é feito de homens livres, os quais o Senhor resgatara da condição de escravos (cf. Lv cap. 25). No mistério pascal, Cristo completa também esta instituição da antiga lei, conferindo-lhe o pleno sentido espiritual, mas integrando o seu valor social no grande desígnio do Reino que, como "fermento", faz crescer toda a sociedade na linha do progresso autêntico.

Portanto, o Ano jubilar suscita uma redescoberta do sentido e do valor do trabalho. Depois, convida a encarar os desequilíbrios económicos e sociais existentes no mundo do trabalho, restabelecendo a justa hierarquia dos valores, atribuindo o primeiro lugar à dignidade do homem e da mulher que trabalham, à sua liberdade, responsabilidade e participação. Além disso, impele a resolver as situações de injustiça, salvaguardando as culturas próprias de cada povo e os vários modelos de desenvolvimento.

1427 Neste momento, não posso deixar de expressar a minha solidariedade a todos aqueles que sofrem devido à falta de emprego, a um salário insuficiente e à carência dos meios materiais. Estão vivamente presentes no meu espírito as populações obrigadas a uma pobreza que ofende a sua dignidade, impedindo-lhes compartilhar os bens da terra e forçando-as a alimentarem-se com o que cai da mesa dos ricos (cf. Incarnationis mysterium, 12). Comprometer-se na resolução destas situações é obra de justiça e de paz.

As novas realidades, que acometem com vigor o processo produtivo como a globalização das finanças, da economia, do comércio e do trabalho, jamais devem violar a dignidade e a centralidade da pessoa humana, nem a liberdade e a democracia dos povos. A solidariedade, a participação e a possibilidade de governar estas mudanças radicais constituem, se não a solução, sem dúvida a necessária garantia ética para que as pessoas e os povos não se tornem instrumentos mas protagonistas do seu futuro. Tudo isto pode ser realizado e, dado que é possível, se torna imperioso.

O Pontifício Conselho "Justiça e Paz", que acompanha de perto o desenrolar-se da situação económica e social no mundo em vista de estudar as suas consequências sobre o ser humano, está a reflectir sobre estes temas. O fruto desta reflexão será o Compêndio da Doutrina Social da Igreja, actualmente em fase de elaboração.

5. Estimados trabalhadores, o nosso encontro é iluminado pela figura de São José de Nazaré, pela sua estatura espiritual e moral que é tanto mais elevada quando mais é humilde e discreta. Nele realiza-se a promessa do Salmo: "Feliz quem teme a Javé e anda nos Seus caminhos! Comerás do trabalho das tuas mãos, tranquilo e feliz... esta é a bênção para o homem que teme a Javé!" (128 [127], 1-2.4). O Guardião do Redentor ensinou a Jesus a profissão de carpinteiro, mas deu-lhe sobretudo um validíssimo exemplo daquilo a que a Escritura chama "temor de Deus", princípio mesmo da sabedoria, que consiste na submissão religiosa a Ele e no desejo íntimo de buscar e cumprir sempre a Sua vontade. Caríssimos, esta é a autêntica nascente da bênção para cada homem, família e nação.

A São José, trabalhador e homem justo, e à sua santíssima Esposa, Maria, confio este vosso Jubileu, todos vós e as vossas famílias.

"Abençoai, ó Senhor, a obra das nossas mãos".

Senhor dos séculos e dos milénios, abençoai o trabalho diário com que o homem e a mulher buscam o pão para si mesmos e para os seus entes queridos. Nas vossas mãos paternais depositamos também os afãs e os sacrifícios ligados ao trabalho, em união com o vosso Filho Jesus Cristo, que resgatou o trabalho humano do jugo do pecado e o restituiu à sua dignidade originária.

A Vós sejam dados louvor e glória, hoje e sempre. Amém!





CELEBRAÇÃO ECUMÉNICA PARA RECORDAR AS


TESTEMUNHAS DA FÉ DO SÉCULO XX


JOÃO PAULO II
Coliseu, domingo 7 de maio de 2000




1. "Se o grão se trigo não cai na terra e não morre, fica sozinho. Mas se morre, produz muito fruto" (Jn 12,24). Na vigília da paixão, Jesus anuncia com estas palavras a sua glorificação através da morte. Esta afirmação comprometedora ressoou pouco antes da aclamação ao Evangelho. Nesta tarde ela ecoa com vigor na nossa alma, neste lugar significativo onde recordamos as "Testemunhas da Fé do século XX".

Cristo é o grão de trigo que, morrendo, deu frutos de vida imortal. E foram nas pegadas do Rei crucificado que se puseram os seus discípulos, que ao longo dos séculos se tornaram inumeráveis plêiades "de todas as nações, raças, povos e línguas": apóstolos e confessores da fé, virgens e mártires, audazes arautos do Evangelho e silenciosos servidores do Reino.

1428 Dilectos Irmãos e Irmãs, unidos pela fé em Jesus Cristo! Hoje é-me particularmente grato dirigir-vos o meu fraterno abraço de paz, enquanto juntos comemoramos as Testemunhas da Fé do século XX. Saúdo calorosamente os representantes do Patriarcado Ecuménico e das demais Igrejas ortodoxas irmãs, assim como aqueles das antigas Igrejas do Oriente. Agradeço de igual modo aos representantes da Comunhão Anglicana, das Comunhões Cristãs Mundiais do Ocidente das Organizações Ecuménicas a sua presença fraternal.

Para todos nós é motivo de intensa emoção encontrar-nos juntos nesta tarde, congregados ao lado do Coliseu, para esta sugestiva celebração jubilar. Os monumentos e as ruínas da antiga Roma falam à humanidade acerca dos sofrimentos e das perseguições suportados com fortaleza heróica pelos nossos pais na fé, os cristãos das primeiras gerações. Estes antigos vestígios recordam-nos quanto são verdadeiras as palavras de Tertuliano, que escrevia: "Sanguis martyrum, semen christianorum o sangue dos mártires é semente de [novos] cristãos" (Apol. 50, 13: CCL I, 171).

2. A experiência dos mártires e das Testemunhas da Fé não é uma característrica exclusivamente da Igreja dos primórdios, mas delineia todas as épocas da sua história. De resto, no século XX, talvez ainda mais do que no primeiro período do cristianismo, muitíssimos foram os que testemunharam a fé com sofrimentos não raro heróicos. Durante o século XX, quantos cristãos em todos os continentes pagaram o seu amor a Cristo, também derramando o próprio sangue! Eles padeceram formas de perseguição antigas e recentes, experimentando o ódio e a exclusão, a violência e a morte. Muitos países de antiga tradição cristã voltaram a ser terras em que a fidelidade ao Evangelho teve um preço muito elevado. No nosso século o "testemunho, dado por Cristo até ao derramamento do sangue, tornou-se património comum de católicos, ortodoxos, anglicanos e protestantes" (Tertio millennio adveniente, 37).

A geração a que pertenço conheceu o terror da guerra, os campos de concentração e a perseguição. Durante a segunda guerra mundial, na minha Pátria sacerdotes e cristãos foram deportados para os campos de extermínio. Somente em Dachau foram internados cerca de três mil sacerdotes. O seu sacrifício uniu-se ao de muitos cristãos provenientes de outros países europeus e, nalguns casos, pertencentes a outras Igrejas e Comunidades eclesiais.

O meu sacerdócio inscreveu-se no sacrifício de muitos homens e mulheres da minha geração
Nos meus anos de juventude, eu mesmo fui testemunha de muitos sofrimentos e de inúmeras provações. Desde a sua origem, o meu sacerdócio "inscreveu-se no sacrifício de muitos homens e mulheres da minha geração" (Dom e Mistério, pág. 47). A experiência da segunda guerra mundial e dos anos sucessivos levou-me a considerar com grata atenção o exemplo luminoso de quantos, desde os primeiros anos de Novecentos até à sua conclusão, experimentaram a perseguição, a violência e a morte pela sua fé e pelo seu comportamento inspirados na verdade de Cristo.

3. E eles são muitos! A sua memória não deve perder-se mas, pelo contrário, há-de ser recuperada de maneira documentada. Os nomes de muitos não são conhecidos; os nomes de alguns foram denegridos pelos perseguidores, que ao martírio procuraram acrescentar a ignomínia; os nomes de outros foram ocultados pelos carrascos. Porém, os cristãos conservam a recordação de uma grande partes deles. Foi o que demonstraram as numerosas respostas à exortação ao não-esquecimento, enviadas à Comissão denominada "Novos Mártires", no âmbito do Comité para o Grande Jubileu, que trabalhou alacremente para enriquecer e actualizar a memória da Igreja com os testemunhos de todas as pessoas, mesmo desconhecidas, que "arriscaram a vida pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo" (
Ac 15,26). Sim, como escrevia na vigília da sua execução o Metropolita ortodoxo de Sampetersburgo Benjamim, martirizado em 1922, "os tempos mudaram e surgiu a possibilidade de padecer sofrimentos por amor de Cristo... ". Com esta convicção, da sua cela de Buchenwald, o pastor luterano Paul Schneider confirmava diante dos seus algozes: "Assim diz o Senhor: Eu sou a Ressurreição e a Vida!".

A participação de representantes de outras Igrejas e Comunidades eclesiais confere à nossa hodierna celebração um valor e uma eloquência totalmente singulares, durante este Jubileu do Ano 2000. Ela mostra que o exemplo das heróicas Testemunhas da Fé é deveras precioso para todos os cristãos. A perseguição atingiu quase todas as Igrejas e Comunidades eclesiais de Novecentos, unindo os cristãos nos lugares de sofrimento e transformando o seu comum sacrifício num sinal de esperança para os tempos vindouros.

Estes nossos irmãos e irmãs na fé, aos quais hoje fazemos referência com gratidão e veneração, constituem como que um grande afresco da humanidade cristã do século XX. Um afresco do Evangelho das Bem-Aventuranças, vivido até ao derramamento do sangue.

4. "Felizes de vós, se fordes insultados e perseguidos, e se disserem toda a espécie de calúnia contra vós por causa de Mim. Ficai alegres e contentes, porque será grande para vós a recompensa no céu" (Mt 5,11-12). Como condizem estas palavras de Cristo às inumeráveis Testemunhas da Fé do século passado, insultadas e perseguidas, mas jamais vencidas pela força do mal!

Lá onde o ódio parecia deturpar toda a vida, sem a possibilidade de se eximir da sua lógica, elas demonstraram que "o amor é mais forte que a morte". No interior de terríveis sistemas opressivos que desfiguravam o homem, nos lugares de sofrimento, entre privações inauditas, ao longo de marchas insensatas, expostas ao frio, à fome, torturadas, vítimas de vários tipos de sofrimento, elas fizeram ressoar em voz alta a sua adesão a Cristo morto e ressuscitado. Daqui a pouco escutaremos alguns dos seus testemunhos mais impressionantes.

1429 Muitos rejeitaram ceder ao culto dos ídolos do século XX e foram sacrificados pelo comunismo, pelo nazismo, pela idolatria do Estado ou da raça. Muitos outros morreram durante guerras étnicas e tribais, porque refutaram uma lógica alheia ao Evangelho de Cristo. Alguns conheceram a morte porque, segundo o modelo do bom Pastor, quiseram permanecer com os seus fiéis, apesar das ameaças. Em cada continente e ao longo de todo o século XX houve quem preferiu morrer para não faltar à própria missão. Religiosos e religiosas viveram a sua consagração até à efusão do sangue. Homens e mulheres crentes morreram oferecendo a sua existência por amor dos fiéis, de forma especial dos mais pobres e frágeis. Não poucas mulheres perderam a própria vida para defender a sua dignidade e pureza.

5. "Quem tem apego à sua vida, vai perdê-la; quem despreza a sua vida neste mundo, vai conservá-la para a vida eterna" (
Jn 12,25).Acabámos de escutar estas palavras de Cristo. Trata-se de uma verdade que não raro o mundo contemporâneo rejeita e despreza, fazendo do amor a si mesmo o supremo critério da existência. Todavia, as Testemunhas da Fé, que inclusivamente nesta tarde nos falam com o seu exemplo, não consideraram o seu interesse pessoal, o próprio bem-estar e a sobrevivência como os maiores valores da fidelidade ao Evangelho. Apesar da sua debilidade, opuseram uma estrénua resistência ao mal. Na sua fragilidade resplandeceu a força da fé e da graça do Senhor.

Caríssimos Irmãos e Irmãs, a herança preciosa que estas testemunhas corajosas nos transmitiram constitui um património comum de todas as Igrejas e de cada Comunidade eclesial. Trata-se de uma herança que fala com uma voz mais alta do que os factores de divisão. O ecumenismo dos mártires e das Testemunhas da Fé é o mais convincente, pois indica aos cristãos do século XX a via para a unidade. É a herança da Cruz vivida à luz da Páscoa: herança que enriquece e sustenta os cristãos, enquanto iniciam o novo milénio.

Se nos gloriamos desta herança, não é por espírito de parcialidade e muito menos por desejo de desforra em relação aos perseguidores, mas a fim de que se manifeste o extraordinário poder de Deus, que continuou a agir em cada tempo e debaixo de todos os céus. Fazemo-lo perdoando, por nossa vez, segundo o exemplo de muitas testemunhas que morreram enquanto rezavam pelos seus perseguidores.

6. A memória destes nossos irmãos e irmãs sobreviva no século e no milénio que acabam de iniciar. Aliás, cresça! Seja transmitida de geração em geração, para que dela germine uma profunda renovação cristã! Seja conservada como um tesouro de valor excelso para os cristãos do novo milénio e constitua o fermento para a obtenção da plena comunhão entre todos os discípulos de Cristo!

É com ânimo repleto de íntima comoção que exprimo estes votos. Rezo ao Senhor para que a plêiade de testemunhas que nos circunda ajude todos nós, crentes, a expressar com igual denodo o nosso amor a Cristo, Àquele que está sempre vivo na sua Igreja: assim como ontem, também hoje, amanhã e para sempre!





JUBILEU NACIONAL DA IGREJA DA ROMÉNIA




Basílica Vaticana 9 de maio de 2000



1. "A luz veio ao mundo" (Jn 3,19).

O Grande Jubileu foi proclamado precisamente para celebrar esta vinda: o ingresso do Verbo eterno, "Deus de Deus, Luz da Luz", na nossa história há dois mil anos. Ao nascer da Virgem Maria na nossa carne mortal, Ele revelou ao mundo o amor do Pai: "Deus amou de tal modo o mundo que lhe deu o Seu Filho único" (Jn 3,16).

A luz do amor de Deus apareceu em Belém na "plenitude dos tempos" e, depois do "prodigioso duelo" com as trevas do pecado, resplandeceu na Páscoa de Ressurreição. O grande Jubileu, aberto na alegria do Natal, atinge o ponto culminante na glória da Páscoa.

Na fé pascal, a Igreja anuncia ao mundo que em Cristo o homem é remido, curado da sua enfermidade mortal. Nesta fé, o Sucessor de Pedro chamou os fiéis a celebrar o Ano Jubilar, para que no nome de Jesus Cristo, crucificado e ressuscitado, todo o homem possa encontrar salvação (cf. Act Ac 4,10). É o primitivo anúncio apostólico que ressoa, em virtude do mesmo Espírito, de geração em geração, para alcançar todas as nações.

1430 2. O Evangelho de Cristo fecunda a história dos povos e chama-os a abrir-se ao mistério do Reino de Deus, mediante o serviço humilde mas necessário da santa Igreja apostólica, unida à volta do Bispo de Roma, servo dos servos de Deus, e dos Bispos em comunhão com ele. É com esta consciência que neste dia, Irmãos e Irmãs da querida Nação romena, vos reunis aqui, na Basílica Vaticana, para celebrar o vosso Jubileu. É-me grato dar a todos as minhas cordiais boas-vindas.

Saúdo com afecto, antes de tudo, os Bispos tanto da Igreja Greco-católica como da Igreja Latina, com um particular pensamento de gratidão a D. Lucian Muresan, Arcebispo de Fagaras e Alba Júlia e Presidente da Conferência Episcopal Romena. Saúdo, depois, os sacerdotes, os religiosos, as religiosas e os leigos que participam em grande número nesta peregrinação nacional. Faço extensivo o meu cordial pensamento a todos os irmãos e irmãs na fé, que da Roménia se unem espiritualmente a nós para esta importante e como que histórica celebração.

3. Já transcorreram tres séculos desde o Sínodo da Igreja romena da Transilvânia que a 7 de Maio de 1700, em Alba Júlia, concluiu o caminho rumo à união com a Sé de Pedro, iniciado alguns anos antes. Aquele acto acolhia a vontade dos Bispos, sacerdotes e fiéis que viam assim reconstituída a uni¢o com Roma, embora conservando e salvaguardando o rito oriental, o calendário, a lingua litúrgica dos Romenos e os seus usos e tradições. Com aquele acto, dava-se a resposta que os tempos consentiam ao inexausto anélito de unidade presente no coração de tantos dos sinceros discípulos de Cristo.

De coração damos hoje graças a Deus omnipotente, por todos os benefícios concedidos nestes trezentos anos de comunhão e, ao mesmo tempo, imploramo-Lo para um futuro sereno e próspero no nome do Senhor Jesus Cristo.

Ao realizar as suas grandes obras, Deus serve-se dos homens, que escolhe com cuidado e dá ao seu Povo. Como não recordar aqui os beneméritos Pastores da vossa Igreja, os Bispos Atanásio Anghel, Inocêncio Micu-Klein, Pedro Aron, graças a cuja obra a União não só resistiu às inúmeras dificuldades, mas produziu frutos fecundos de bem para a inteira população? Limito-me apenas a recordar o renascimento da vida religiosa, o desenvolvimento das escolas, a atenção às condições de vida e aos direitos civis do povo, uma válido contributo à cultura nacional e à própria ciência. O famoso escritor Ion Eliades Radulescu pude afirmar que de Blaj "se levantou o sol dos Romenos".

4. A Igreja Greco-católica romena, seguindo fielmente Cristo, seu esposo, conheceu o sofrimento e a cruz, sobretudo ao longo do século passado, quando o cruel regime ateu decretou a sua supressão. Tentava-se esmagar o homem sobre a superficie da terra, fazê-lo esquecer que existe o céu e um amor maior do que qualquer miséria humana. Graças a Deus este desígnio não conseguiu impor-se de maneira definitiva. Cristo ressuscitou e, com Ele, todas as comunidades cristãs na Roménia.

Por ocasião da minha inesquecível visita na vossa Terra, ocorrida no ano passado precisamente nestes dias, eu quis orar em Bucareste sobre os túmulos dos mártires pela fé, no cemitério católico Belu, prestando assim homenagem ao imenso sacrifício de tantos Bispos, sacerdotes e fiéis, que aceitaram o martírio como suprema confirmação da sua fidelidade a Cristo e aos Sucessores de Pedro.

Hoje, enquanto celebramos o Jubileu da União, desejo exprimir mais uma vez reconhecimento e admiração pelo testemunho deles. Um grato pensamento dirige-se, em particular, ao caríssimo Cardeal Alexandru Todea, que apesar do cárcere e do isolamento, permaneceu intrépido ao cumprir os seus deveres de Pastor e introduziu a Igreja Greco-católica na nova realidade que se criou com o advento das liberdades democráticas.

Conservai, caríssimos, nos vossos corações, a viva memória do martírio e transmiti-a às gerações futuras, a fim de que continue a dar inspiração para um sempre generoso e autêntico testemunho cristão. O martírio é, antes de tudo, uma incisiva experiência espiritual: brota de um coração que ama o Senhor como suprema verdade e bem máximo e irrenunciável. Possa este tesouro da vossa Igreja produzir frutos copiosos também na liberdade reencontrada.

5. Quero agora dirigir uma saudação repleta de particular afecto, também aos fiéis da Igreja Latina.Também eles, depois de terem experimentado durante longo tempo a privação da liberdade, puderam consolidar e ampliar as próprias estruturas pastorais: a vida religiosa refloresceu; a catequese retomou novo vigor; as obras de caridade, muitas vezes programadas juntas e com a ajuda dos católicos de outros Países, oferecem um contributo significativo ao renascimento da Nação e abrem a uma colaboração que alarga os horizontes no nome da solidariedade em Cristo.

Mantende, caros Irmãos e Irmãs, o empenho primordial de fazer conhecer e encontrar o Senhor Jesus, para que cure os corações feridos, edifique consciências rectas e preocupadas pelo bem comum, abra a esperanças fundadas não sobre o efémero do consumismo e da busca do bem-estar material a qualquer custo, mas sobre os verdadeiros valores que, só eles, sabem dar um futuro seguro e feliz, porque fundados sobre a Palavra que não engana.

1431 6. Caríssimos fiéis católicos da Roménia, vós podeis sentir-vos orgulhosos do válido papel que tivestes na história da vossa Nação, e que deveis continuar a desempenhar com entusiasmo, valorizando as vossas ricas tradições. Contribuireis assim para promover o crescimento da sociedade inteira.

Para que isto se possa realizar de modo mais rápido e incisivo, é porém necessário recompor plenamente a unidade entre os discípulos de Cristo. A unidade da Igreja é um dom do Pai, do Filho e do Espirito Santo, que devemos invocar incessantemente. Ela é também um empenho confiado a cada um de nós, um caminho que jamais devemos cansar-nos de percorrer com perseverança, ainda que às vezes algumas dificuldades nos possam desanimar.

Tendo fixo o olhar em Jesus, autor e consumador da fé (cf. Hb
He 12,2), aprofundai sempre mais o vosso empenho pela unidade e nunca cesseis de trabalhar, para que um dia não muito distante ela se possa tornar uma consoladora realidade para todos.

7. "Quem pratica a verdade, aproxima-se da luz" (Jn 3,21).

Nesta celebração oramos para que a inteira Comunidade católica que está na Roménia, a Greco-católica, a Latina e a Arménia, possa "viver segundo a verdade na caridade" (Ep 4,15), a fim de reflectir plenamente no próprio rosto a luz de Cristo, e ser assim, por sua vez, luz para os povos aos quais é enviada.

Bispos, sacerdotes, pessoas consagradas, familias, jovens e adolescentes: crescei em todas as coisas para Cristo, do qual todo o corpo recebe força para se edificar a si mesmo na caridade (cf. Ef Ep 4,16)!

Em antigas fontes a vossa pátria é chamada "Jardim da Virgem Maria". Esta bonita imagem faz pensar no amor solícito com que a Mãe de Deus cuida dos seus filhos. Ela, que com a sua presença e oração animou a primeira Comunidade cristã, guie e sustente a vida da Igreja Greco-católica, assim como da Latina nas suas componentes, para que, também graças ao Ano jubilar, resplandeçam sem mancha nem ruga para a glória de Deus. Amém.



VIAGEM APOSTÓLICA A FÁTIMA



NA CERIMÓNIA DE BEATIFICAÇÃO


DOS VENERÁVEIS FRANCISCO E JACINTA


13 de Maio de 2000


1. Eu Te bendigo, ó Pai, (...) porque escondeste estas verdades aos sábios e inteligentes, e as revelaste aos pequeninos» (Mt 11,25).

Com estas palavras, amados irmãos e irmãs, Jesus louva os desígnios do Pai celeste; sabe que ninguém pode vir ter com Ele, se não for atraído pelo Pai (cf. Jo Jn 6,44), por isso louva por este desígnio e abraça-o filialmente: «Sim, Pai, Eu Te bendigo, porque assim foi do teu agrado» (Mt 11,26). Quiseste abrir o Reino aos pequeninos.

Por desígnio divino, veio do Céu a esta terra, à procura dos pequeninos privilegiados do Pai, «uma Mulher revestida com o Sol» (Ap 12,1). Fala-lhes com voz e coração de mãe: convida-os a oferecerem-se como vítimas de reparação, oferecendo-Se Ela para os conduzir, seguros, até Deus. Foi então que das suas mãos maternas saiu uma luz que os penetrou intimamente, sentindo-se imersos em Deus como quando uma pessoa - explicam eles - se contempla num espelho.

1432 Mais tarde, Francisco, um dos três privilegiados, exclamava: «Nós estávamos a arder naquela luz que é Deus e não nos queimávamos. Como é Deus? Não se pode dizer. Isto sim que a gente não pode dizer». Deus: uma luz que arde, mas não queima. A mesma sensação teve Moisés, quando viu Deus na sarça ardente; lá ouviu Deus falar, preocupado com a escravidão do seu povo e decidido a libertá-lo por meio dele: «Eu estarei contigo» (cf. Ex Ex 3,2-12). Quantos acolhem esta presença tornam-se morada e, consequentemente, «sarça ardente» do Altíssimo.

2. Ao beato Francisco, o que mais o impressionava e absorvia era Deus naquela luz imensa que penetrara no íntimo dos três. Só a ele, porém, Deus Se dera a conhecer «tão triste», como ele dizia. Certa noite, seu pai ouviu-o soluçar e perguntou-lhe porque chorava; o filho respondeu: «Pensava em Jesus que está tão triste por causa dos pecados que se cometem contra Ele». Vive movido pelo único desejo - tão expressivo do modo de pensar das crianças - de «consolar e dar alegria a Jesus».

Na sua vida, dá-se uma transformação que poderíamos chamar radical; uma transformação certamente não comum em crianças da sua idade. Entrega-se a uma vida espiritual intensa, que se traduz em oração assídua e fervorosa, chegando a uma verdadeira forma de união mística com o Senhor. Isto mesmo leva-o a uma progressiva purificação do espírito, através da renúncia aos próprios gostos e até às brincadeiras inocentes de criança.

Suportou os grandes sofrimentos da doença que o levou à morte, sem nunca se lamentar. Tudo lhe parecia pouco para consolar Jesus; morreu com um sorriso nos lábios. Grande era, no pequeno Francisco, o desejo de reparar as ofensas dos pecadores, esforçando-se por ser bom e oferecendo sacrifícios e oração. E Jacinta sua irmã, quase dois anos mais nova que ele, vivia animada pelos mesmos sentimentos.

3. «E apareceu no Céu outro sinal: um enorme Dragão» (Ap 12,3).

Estas palavras da primeira leitura da Missa fazem-nos pensar na grande luta que se trava entre o bem e o mal, podendo-se constatar como o homem, pondo Deus de lado, não consegue chegar à felicidade, antes acaba por destruir-se a si próprio.

Quantas vítimas ao longo do último século do segundo milénio! Vêm à memória os horrores da primeira e segunda Grande Guerra e doutras mais em tantas partes do mundo, os campos de concentração e extermínio, os gulags, as limpezas étnicas e as perseguições, o terrorismo, os raptos de pessoas, a droga, os atentados contra os nascituros e a família.

A mensagem de Fátima é um apelo à conversão, alertando a humanidade para não fazer o jogo do «dragão» que, com a «cauda, arrastou um terço das estrelas do Céu e lançou-as sobre a terra» (Ap 12,4). A meta última do homem é o Céu, sua verdadeira casa onde o Pai celeste, no seu amor misericordioso, por todos espera.

Deus não quer que ninguém se perca; por isso, há dois mil anos, mandou à terra o seu Filho «procurar e salvar o que estava perdido» (Lc 19,10). E Ele salvou-nos com a sua morte na cruz; que ninguém torne vã aquela Cruz! Jesus morreu e ressuscitou para ser «o primogénito de muitos irmãos» (Rm 8,29).

Na sua solicitude materna, a Santíssima Virgem veio aqui, a Fátima, pedir aos homens para «não ofenderem mais a Deus Nosso Senhor, que já está muito ofendido». É a dor de mãe que A faz falar; está em jogo a sorte de seus filhos. Por isso, dizia aos pastorinhos: «Rezai, rezai muito e fazei sacrifícios pelos pecadores, que vão muitas almas para o inferno por não haver quem se sacrifique e peça por elas».

4. A pequena Jacinta sentiu e viveu como própria esta aflição de Nossa Senhora, oferecendo-se heroicamente como vítima pelos pecadores. Um dia - já ela e Francisco tinham contraído a doença que os obrigava a estarem pela cama - a Virgem Maria veio visitá-los a casa, como conta a pequenita: «Nossa Senhora veio-nos ver e diz que vem buscar o Francisco muito breve para o Céu. E a mim perguntou-me se queria ainda converter mais pecadores. Disse-lhe que sim». E, ao aproximar-se o momento da partida do Francisco, Jacinta recomenda-lhe: «Dá muitas saudades minhas a Nosso Senhor e a Nossa Senhora e diz-lhes que sofro tudo quanto Eles quiserem para converter os pecadores». Jacinta ficara tão impressionada com a visão do inferno durante a aparição de 13 [treze] de Julho, que nenhuma mortificação e penitência era demais para salvar os pecadores.

1433 Bem podia ela exclamar com São Paulo: «Alegro-me de sofrer por vós e completo em mim própria o que falta às tribulações de Cristo, em benefício do seu Corpo, que é a Igreja» (Col 1,24). No domingo passado, junto ao Coliseu de Roma, fizemos a comemoração de tantas testemunhas da fé do século XX [vinte], recordando as tribulações por elas sofridas, através de significativos testemunhos que nos deixaram. Uma nuvem incalculável de testemunhas corajosas da fé legou-nos uma herança preciosa, que deve permanecer viva no terceiro milénio. Aqui em Fátima, onde foram vaticinados estes tempos de tribulação pedindo Nossa Senhora oração e penitência para abreviá-los, quero hoje dar graças ao Céu pela força do testemunho que se manifestou em todas aquelas vidas. E desejo uma vez mais celebrar a bondade do Senhor para comigo, quando, duramente atingido naquele dia 13 [treze] de Maio de 1981 [mil novecentos e oitenta e um], fui salvo da morte. Exprimo a minha gratidão também à beata Jacinta pelos sacrifícios e orações oferecidas pelo Santo Padre, que ela tinha visto em grande sofrimento.

5. «Eu Te bendigo, ó Pai, porque revelaste estas verdades aos pequeninos». O louvor de Jesus toma hoje a forma solene da beatificação dos pastorinhos Francisco e Jacinta. A Igreja quer, com este rito, colocar sobre o candelabro estas duas candeias que Deus acendeu para alumiar a humanidade nas suas horas sombrias e inquietas. Brilhem elas sobre o caminho desta multidão imensa de peregrinos e quantos mais nos acompanham pela rádio e televisão. Sejam uma luz amiga a iluminar Portugal inteiro e, de modo especial, esta diocese de Leiria-Fátima.

Agradeço ao Senhor Dom Serafim, Bispo desta ilustre Igreja particular, as suas palavras de boas vindas, e com grande alegria saúdo todo o Episcopado português e suas dioceses que muito amo e exorto a imitar os seus Santos. Uma saudação fraterna aos Cardeais e Bispos presentes, com menção particular para os Pastores da Comunidade de Países de Língua Portuguesa: a Virgem Maria alcance a reconciliação do povo angolano; conforte os sinistrados de Moçambique; vele pelos passos de Timor Lorosae, Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe; e preserve na unidade da fé os seus filhos e filhas do Brasil.

Saúdo com deferência o Senhor Primeiro Ministro e demais Autoridades que quiseram participar nesta Celebração, aproveitando este momento para, na sua pessoa, exprimir o meu reconhecimento a todos pela sua colaboração que tornou possível esta minha peregrinação. Um abraço cordial e uma bênção particular à paróquia e cidade de Fátima que hoje se alegra pelos seus filhos elevados às honras dos altares.

6. A minha última palavra é para as crianças: Queridos meninos e meninas, vejo muitos de vós vestidos como Francisco e Jacinta. Fica-vos muito bem! Mas, logo ou amanhã, já deixais essa roupa e... acabam-se os pastorinhos. Não haviam de acabar, pois não?! É que Nossa Senhora precisa muito de vós todos, para consolar Jesus, triste com as asneiras que se fazem; precisa das vossas orações e sacrifícios pelos pecadores.

Pedi aos vossos pais e educadores que vos metam na «escola» de Nossa Senhora, para que Ela vos ensine a ser como os pastorinhos, que procuravam fazer tudo o que lhes pedia. Digo-vos que «se avança mais em pouco tempo de submissão e dependência de Maria, que durante anos inteiros de iniciativas pessoais, apoiados apenas em si mesmos» (S. Luís de Montfort, Tratado da verdadeira devoção à SS.ma Virgem, nº 155). Foi assim que os pastorinhos se tornaram santos depressa. Uma mulher que acolhera a Jacinta em Lisboa, ao ouvir conselhos tão bons e acertados que a pequenita dava, perguntou quem lhos ensinava. «Foi Nossa Senhora» - respondeu. Entregando-se com total generosidade à direcção de tão boa Mestra, Jacinta e Francisco subiram em pouco tempo aos cumes da perfeição.

7. «Eu Te bendigo, ó Pai, porque escondeste estas verdades aos sábios e inteligentes, e as revelaste aos pequeninos».

Eu Te bendigo, ó Pai, por todos os teus pequeninos, a começar da Virgem Maria, tua humilde Serva, até aos pastorinhos Francisco e Jacinta.

Que a mensagem das suas vidas permaneça sempre viva para iluminar o caminho da humanidade!




Homilias JOÃO PAULO II 1425