Homilias JOÃO PAULO II 1193

VIAGEM APOSTÓLICA DE JOÃO PAULO II À CROÁCIA




NA MISSA DE BEATIFICAÇÃO


DO CARDEAL ALOJZIJE STEPINAC


3 de Outubro de 1998




1. «Se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, dá muito fruto» (Jn 12,24). As palavras de Cristo, que há pouco escutámos, levam-nos ao centro mesmo do Mistério que estamos a celebrar. De certo modo, conservam em si o inteiro Evento pascal: orientam-nos para a morte do Redentor na Cruz, na Sexta-Feira Santa e, ao mesmo tempo, guiam-nos rumo à manhã de Páscoa.

1194 Fazemos referência a este Mistério todos os dias durante a Santa Missa quando, depois da consagração do pão e do vinho, dizemos: «Anunciamos a vossa morte, Senhor, proclamamos a vossa ressurreição, enquanto aguardamos a vossa vinda». O «grão de trigo, caído na terra» é antes de tudo Cristo, que no Calvário morreu e foi sepultado na terra para dar a vida a todos. Mas este mistério de morte e vida encontra actuação também na vicissitude terrena dos seguidores de Cristo: também para eles o facto de serem lançados na terra para ali morrerem, permanece a condição de toda a autêntica fidelidade espiritual.

Não foi talvez este o segredo também do vosso inolvidável e sempre lembrado Arcebispo, o Cardeal Alojzije Stepinac, que hoje contemplamos na glória dos Beatos? Ele participou de modo singular no Mistério pascal: como grão de trigo «caiu na terra», nesta terra da Croácia, e morrendo produziu fruto, muito fruto. «Quem neste mundo aborrece a sua vida, conservá-la-á para a vida eterna» (cf. Jo
Jn 12,25).

As palavras da segunda carta aos Coríntios, há pouco proclamadas, unem-se muito bem ao Evento que estamos a celebrar. Escreve São Paulo: «Assim como crescem em nós os padecimentos de Cristo, crescem também por Cristo as nossas consolações» (2Co 1,5). Não constitui, talvez, esta afirmação um significativo comentário às palavras de Cristo a respeito do grão de trigo que morre? Aqueles que crescem na participação nos sofrimentos de Cristo, graças a Ele experimentam também a intensa consolação que brota do florescimento do bem a que a Cruz dá origem.

2. «Se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer fica ele só; mas se morrer, dá muito fruto» (Jn 12,24). Estamos hoje repletos de alegria ao darmos juntos graças a Deus pelo novo fruto de santidade, que a terra croata oferece à Igreja na pessoa do mártir Alojzije Stepinac, Arcebispo de Zagrábia e Cardeal da Santa Igreja Romana. Numerosos foram, no decurso dos séculos, os mártires florescidos nestas regiões, a começar pelos tempos do Império romano com figuras como Venâncio, Domnio, Anastásia, Quirino, Eusébio, Polião, Mauro e muitos outros. Nos séculos sucessivos, põem-se ao lado deles Nicolau Taveliae e Marcos de Križevci, assim como os muitos confessores da fé durante a dominação otomana, até àqueles da nossa época, entre os quais sobressai a luminosa personalidade do Cardeal Stepinac.

Com o seu sacrifício unido aos sofrimentos de Cristo, eles ofereceram um testemunho extraordinário que, com o passar do tempo, nada perde da sua eloquência, mas continua a irradiar luz e a infundir esperança. Ao lado deles muitos outros pastores e simples fiéis, homens e mulheres, também confirmaram com o sangue a sua adesão a Cristo. Eles fazem parte da multidão daqueles que, envolvidos em vestes brancas e com palmas nas mãos, estão agora diante do trono do Cordeiro (cf. Ap Ap 7,9).

O Beato Alojzije Stepinac não derramou o sangue no sentido estrito da palavra. A sua morte foi causada pelos longos sofrimentos a que o submeteram: os últimos 15 anos da sua vida foram um contínuo suceder-se de vexações, no meio das quais expôs com coragem a própria vida, para testemunhar o Evangelho e a unidade da Igreja. Para usar as próprias palavras do Salmo, ele pôs nas mãos de Deus a sua própria vida (cf. Sl 16[15], 5).

3. Não nos separa muito tempo da vida e da morte do Cardeal Stepinac: apenas 38 anos. Todos nós conhecemos o contexto desta morte. Muitos dos presentes podem testemunhar, por experiência directa, quanto foram enormes naqueles anos os sofrimentos de Cristo entre as populações da Croácia e de muitas outras Nações do Continente. Hoje, pensando nas palavras do Apóstolo, de todo o coração queremos desejar a quantos habitam nestas terras que, depois da tribulação, cresça neles a consolação de Cristo crucificado e ressuscitado.

Um particular motivo de consolação para todos nós é certamente a beatificação hodierna. Este acto solene é realizado no santuário nacional croata de Marija Bistrica, no primeiro sábado do mês de Outubro. Sob os olhos da Virgem Santíssima, um filho ilustre desta Terra bendita sobe à glória dos altares, no centésimo aniversário do seu nascimento. É um momento histórico na vida da Igreja e da vossa Nação. O Cardeal Arcebispo de Zagrábia, uma das figuras mais salientes da Igreja católica, depois de ter sofrido no próprio corpo e na própria alma as atrocidades do sistema comunista, é agora entregue à memória dos seus compatriotas com as fúlgidas insígnias do martírio.

O Episcopado do vosso País pediu que a beatificação de Stepinac pudesse ser realizada precisamente aqui, no Santuário de Marija Bistrica. Conheço por experiência pessoal o que significou para os Polacos, no período em que os comunistas estavam no poder, o Santuário de Jasna Góra, com o qual teve uma rela ção muito especial o ministério pastoral do Servo de Deus, o Cardeal Stefan Wyszynski. Não me admiro de que o Santuário onde agora nos encontramos, ou o de Salona, onde irei amanhã, tenha para vós tanto valor. Há muito tempo eu desejava vir visitar o Santuário de Marija Bistrica. Por isto, acolhi de bom grado a proposta do Episcopado croata e realizo hoje neste lugar significativo o solene acto da beatificação.

Saúdo cordialmente os Bispos croatas aqui presentes, dirigindo um particular pensamento ao querido Card. Franjo Kuhariae e ao Arcebispo de Zagrábia e Presidente da Conferência Episcopal Croata, D. Josip Bozaniae. A minha saudação estende-se depois aos Senhores Cardeais Sodano, Meisner, Puljiae, Schönborn, Ambrozic e Korec, aos Arcebispos e Bispos aqui vindos de diversos Países para esta circunstância. Saúdo também com afecto os sacerdotes, os religiosos, as religiosas e todos os fiéis leigos, assim como os representantes das outras Confissões religiosas que estão presentes nesta celebração. Dirijo, por fim, um pensamento de especial deferência ao Presidente da República, ao Chefe do Governo e às autoridades civis e militares do País, que quiseram honrar-nos com a sua presença.

4. «Se alguém quer servir-Me, que Me siga» (Jn 12,24 Jn 12,26). O Bom Pastor foi para o Beato Stepinac o único Mestre: no Seu exemplo ele inspirou a própria conduta até ao fim, oferecendo a vida pelo rebanho que lhe tinha sido confiado num período particularmente difícil da história.

1195 Na pessoa do novo Beato sintetiza-se, por assim dizer, a inteira tragédia que atingiu as populações croatas e a Europa no decurso deste século, marcado pelos três grandes males do fascismo, do nazismo e do comunismo. Agora, ele está na glória do céu, circundado por todos aqueles que, como ele, combateram o bom combate, temperando a sua fé no cadinho do sofrimento. Hoje olhamos para ele com confiança, invocando a sua intercessão.

São significativas, a respeito disso, as palavras que o novo Beato pronunciava em 1943, durante a segunda guerra mundial, quando a Europa se encontrava amordaçada por uma violência inaudita: «Qual é o sistema que a Igreja Católica hoje apoia, enquanto o mundo inteiro está a combater por uma nova ordem mundial? Nós, ao condenarmos todas as injustiças, todos os massacres dos inocentes, todos os incêndios das aldeias tranquilas, cada destruição dos afãs dos pobres [...] respondemos assim: a Igreja apoia aquele sistema que tem tantos anos quantos os Dez Mandamentos de Deus. Somos favoráveis ao sistema que não foi escrito em tábuas corruptíveis, mas inscrito com o dedo do Deus vivo nas consciências dos homens» (Homilias, Discursos, Mensagens, Zagrábia 1996,
PP 179-180).

5. «Pai, glorifica o Teu nome!» (Jn 12,24 Jn 12,28). Com o seu itinerário humano e espiritual, o Beato Alojzije Stepinac ofereceu ao seu povo uma espécie de bússola, com a qual se podia orientar. Eis os seus pontos cardeais: a fé em Deus, o respeito pelo homem, o amor para com todos levado até ao perdão e a unidade com a Igreja guiada pelo Sucessor de Pedro. Ele sabia bem que não se pode minimizar a verdade, porque esta não é mercadoria de intercâmbio. Por este motivo, enfrentou o sofrimento em vez de faltar à palavra dada a Cristo e à Igreja.

Neste indómito testemunho ele não esteve sozinho. Teve ao seu lado outras pessoas corajosas que, para conservarem a unidade da Igreja e para lhe defender a liberdade, aceitaram pagar como ele um pesado tributo de cárcere, de sevícias e até mesmo de sangue. A esta plêiade de almas generosas - Bispos, sacerdotes, religiosos, religiosas, fiéis leigos - dirigem-se hoje a nossa admiração e o nosso reconhecimento. Escutemos o seu vigoroso convite ao perdão e à reconciliação. Perdoar e reconciliar- se, quer dizer purificar a memória do ódio, dos rancores, da vontade de vingança; significa reconhecer como irmão também aquele que nos fez algum mal; quer dizer não se deixar vencer pelo mal, mas vencer o mal com o bem (cf. Rm Rm 12,21).

6. Bendito sejais, «Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, Pai das misericórdias e Deus de toda a consolação» (2Co 1,3), por este novo dom da vossa graça. Bendito sejais, Filho Unigénito de Deus e Salvador do mundo, pela vossa Cruz gloriosa que, no Arcebispo de Zagrábia, o Cardeal Alojzije Stepinac, conquistou uma esplêndida vitória.

Bendito sejais, Espírito do Pai e do Filho, Espírito Paráclito, que continuais a manifestar a vossa santidade nos homens e não cessais de fazer progredir a obra da salvação.

Deus Uno e Trino, quero hoje dar-Vos graças pela firme fé deste vosso Povo, apesar das não poucas adversidades encontradas no decurso dos séculos. Quero agradecer-Vos os inúmeros mártires e confessores, homens e mulheres de todas as idades, que floresceram nesta terra abençoada.

«Pai,glorifica o Teu nome!» (Jo 12,?28).

Louvados sejam Jesus e Maria!



VIAGEM APOSTÓLICA DE JOÃO PAULO II À CROÁCIA



NA ESPLANADA DE ŽNJANM


Espálato, 4 de Outubro de 1998




1. «Somos servos inúteis» (Lc 17,10). Sem dúvida, o eco destas palavras de Cristo não cessou de ressoar na alma dos Apóstolos quando, obedecendo ao Seu mandato, se encaminharam pelas estradas do mundo para anunciar o Evangelho. Passavam de cidade em cidade, de uma região para outra, fadigando ao serviço do Reino, e sempre conservando no coração a admoestação de Jesus: «Quando tiverdes cumprido tudo o que vos foi ordenado, dizei: Somos servos inúteis; fizemos o que devíamos fazer» (Ibidem).

1196 Eles transmitiram esta mesma consciência aos seus discípulos e também àqueles que foram os primeiros a atravessar o Mar Adriático, levando o Evangelho à Dalmácia romana, aos povos que nessa época habitavam aquela belíssima costa e a outras terras não menos lindas, até à Panónia. Assim, a fé começou a difundir-se entre os vossos antepassados, os quais por sua vez a transmitiram a vós. É um longo processo histórico, que remonta à época de São Paulo e inicia de novo com renovado impulso no século VII, com a chegada das populações croatas.

Hoje queremos agradecer à Santíssima Trindade o Baptismo que os vossos antepassados receberam. O cristianismo chegou aqui do Oriente e da Itália, de Roma, e plasmou a vossa tradição nacional. Esta recordação desperta na alma um vivo sentido de gratidão à divina Providência por este dúplice dom: em primeiro lugar, o dom da vocação à fé e depois o dos frutos que dela amadureceram na vossa cultura e nos vossos costumes.

Ao longo dos séculos, na costa croata surgiram maravilhosas obras-primas de arquitectura, que em todas as épocas suscitaram a admiração de inumeráveis pessoas. Todos podiam gozar deste esplêndido património inserido numa paisagem encantadora. Infelizmente, devido às guerras, parte destes tesouros foi destruída ou danificada. O olhar humano já não poderá apreciá-la. Como não ter saudades dela?

2. «Somos servos inúteis; fizemos o que devíamos fazer». A palavra de Jesus apresenta interrogativos que não é possível evitar: verdadeiramente fizemos quanto devíamos? E agora o que dever íamos fazer? Quais são as tarefas que se nos apresentam? Quais são os instrumentos e as forças que temos à disposição? As perguntas são complexas e portanto a resposta deverá ser articulada. Hoje, fazemos estes interrogativos como cristãos, como seguidores de Cristo, e com esta consciência lemos a página da Leitura de São Paulo a Timóteo. Nela o Apóstolo, elencando os nomes de alguns discípulos, menciona também o de Tito, de quem evoca a missão na Dalmácia. Por conseguinte, Tito foi um dos primeiros a evangelizar estas terras, como singular testemunho da preocupação apostólica de fazer chegar o Evangelho até aqui.

Segundo as palavras de Paulo, de um Paulo já provado pelos anos, sentimos ecoar a ansiedade apostólica de uma vida inteira. Agora que chegou o momento da sua partida (cf.
2Tm 4,6), escreve ao discípulo: «Combati o bom combate, terminei a minha corrida, conservei a fé» (2Tm 4,7). É um testemunho e também um testamento. Nesta perspectiva, adquirem maior importância as palavras conclusivas: «O Senhor ficou comigo e encheu-me de força, a fim de que pudesse anunciar toda a mensagem, e ela chegasse aos ouvidos de todas as nações» (Ibid. 4, 17).

Aqueles que hoje, no termo do segundo milénio, devem continuar a obra da evangelização podem haurir daqui luz e conforto. Nesta obra, divina e ao mesmo tempo humana, é necessário apelar ao poder do Senhor. Justamente no limiar do novo milénio, falamos da necessidade de uma nova evangelização: nova quanto ao método, mas sempre idêntica no que se refere às verdades propostas. Ora, a nova evangelização é uma tarefa ingente: universal nos conteúdos e na destinação, ela deve diversificar-se na forma, adaptando-se às exigências dos vários lugares. Como não sentir a necessidade da intervenção de Deus em auxílio da nossa insignificância?

Rezemos a fim de que a Igreja no vosso País saiba ler bem, com a ajuda de Deus, as exigências e tarefas da nova evangelização e orientar o seu compromisso na justa direcção, «tertio millennio adveniente».

3. Agradeço ao Arcebispo Metropolitano D. Ante Juriae, as palavras de boas-vindas que, como Anfitrião, me dirigiu no início desta Celebração eucarística, em nome de cada um de vós e de todos os homens de boa vontade destas dilectas regiões croatas.

Saúdo os Bispos da Província eclesiástica de Espálato-Makarska e todos os outros Bispos da Croácia, com um particular pensamento para o Cardeal Franjo Kuhariae. Além disso, dou as minhas reconhecidas boas-vindas aos Pastores da Igreja que está na vizinha Bósnia-Herzegovina: ao Arcebispo de Sarajevo, Cardeal Vinko Puljiae, aqui presente com o Auxiliar D. Pero Sudar, e depois ao Bispo de Mostar-Duvno e Administrador Apostólico de Trebinje-Mrkan, D. Ratko Periae, e ao Bispo de Banja Luka, D. Franjo Komarica. Saúdo ainda todos os outros Prelados aqui presentes. Estou feliz e grato pela presença do Metropolita sérvio-ortodoxo Jovan e do Bispo luterano Deutsch. A nossa oração une-nos à volta de Jesus. Saúdo também os pertencentes a outras Comunidades religiosas aqui presentes connosco.

Enfim, cumprimento o Presidente da República, o Chefe do Governo e as Autoridades civis e militares que quiseram estar aqui presentes connosco.

4. Caríssimos, Espálato e Salona representam a segunda e conclusiva etapa desta minha Visita pastoral na Croácia. As duas localidades revestem uma importância totalmente particular no desenvolvimento do cristianismo nesta região, a partir da época romana e depois na sucessiva, croata, e evocam uma longa e admirável história de fé, desde os tempos dos apóstolos até aos nossos dias.

1197 «Se tivésseis fé do tamanho de uma semente de mostarda...» (Lc 17,6), Jesus acaba de nos dizer no Evangelho. A graça de Deus fez com que essa semente de fé germinasse e crescesse até se tornar uma árvore frondosa, rica de frutos de santidade. Inclusivamente nos períodos mais árduos da vossa história, não faltaram homens e mulheres que não cessaram de repetir: «A fé católica é a minha vocação» (Servo de Deus Ivan Merz, em Positio super vita, virtutibus et fama sanctitatis, Roma 1998, pág. 477); homens e mulheres que fizeram da fé o programa da própria vida. Assim foi para o mártir Domnio, na época romana, e também para os numerosos mártires durante a ocupação turca, até ao Beato mártir Alojzije Stepinac nos nossos dias.

A decisão dos vossos antepassados de acolher a fé católica, a fé anunciada e professada pelos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, teve um papel central na histó- ria religiosa e civil da Nação. «Este foi um evento de importância capital para os croatas, porque a partir daquele momento aceitaram com grande prontidão o Evangelho de Cristo como era propagado e ensinado por Roma. A fé católica permeou a vida nacional dos croatas »: assim escreveram os vossos Bispos (Carta Pastoral de 16 de Março de 1939), em vista da celebração jubilar da evangelização dos croatas, programada para 1941 e sucessivamente adiada devido a eventos que devastaram a vossa Pátria, a Europa e o mundo inteiro.

5. É uma herança que obriga. Na Carta que vos escrevi por ocasião do Ano de Branimiro, uma das etapas da celebração do Jubileu do Baptismo do vosso Povo, dizia-vos: «Com a vossa perseverança, fizestes um género de pacto com Cristo e a sua Igreja: quanto mais os tempos se vos opuserem, tanto mais deveis permanecer fiéis a este pacto. Assim como o fostes desde aquele glorioso ano 879, assim permanecei sempre» (15 de Maio de 1979). Repito-vos estas palavras também hoje, no novo clima social e político que se instaurou na vossa Pátria.

O Senhor não deixou de iluminar de esperança os vossos dias (cf. Ef Ep 1,17-18). Agora, com o advento da liberdade e da democracia, é legítimo esperar uma nova primavera de fé nestas terras croatas. Hoje, a Igreja tem a possibilidade de se servir de multíplices meios de evangelização e de aceder a todos os espaços da sociedade. Esta é uma ocasião propícia que a Providência oferece à actual geração, para anunciar o Evangelho e dar testemunho de Jesus Cristo, único Salvador do mundo, contribuindo desta forma para a edificação de uma sociedade à medida do homem.

Concretamente, os cristãos das terras croatas são hoje chamados a dar um novo rosto à sua Pátria, empenhando-se sobretudo em reconstruir na sociedade os valores éticos e morais debilitados pelos precedentes totalitarismos e pela recente violência bélica. É um empenho que exige muitas energias e vontade firme. Trata-se de uma tarefa urgente, porque sem valores não pode haver verdadeira liberdade nem real democracia. Fundamental entre os valores é o respeito da vida humana, dos direitos e da dignidade da pessoa, bem como dos direitos e da dignidade dos povos.

O cristão sabe que tem uma responsabilidade muito específica, ao lado dos outros cidadãos, no que concerne à sorte da própria Pátria e à promoção do bem comum. A fé empenha sempre no serviço aos outros, aos concidadãos considerados como irmãos. E não pode haver testemunho eficaz sem uma fé profundamente vivida, sem uma vida ancorada no Evangelho e permeada de amor a Deus e ao próximo, a exemplo de Jesus Cristo. Para o cristão, testemunhar significa revelar aos outros as maravilhas do amor de Deus, construindo juntamente com os irmãos aquele Reino do qual a Igreja «constitui ela própria na terra o germe e o início» ? (Lumen gentium LG 5).

6. «Se tivésseis fé... Somos servos inúteis?...». A fé não procura coisas extraordinárias, mas esforça-se por se tornar útil, servindo os irmãos na perspectiva do Reino. A sua grandeza está na humildade: «Somos servos inúteis...». Uma fé humilde é uma fé autêntica. E uma fé autêntica, ainda que seja tão pequena «quanto uma semente de mostarda», pode realizar coisas extraordinárias.

Quantas vezes isto se verificou nestas regiões! Possa o futuro trazer novas confirmações desta palavra do Senhor, de tal forma que o Evangelho continue a dar abundantes frutos de santidade entre as gerações vindouras. O Senhor da história acolha as súplicas que hoje se elevam desta terra croata e escute a oração de quantos confessam o santo Nome de Deus e pedem para permanecer fiéis à grande Aliança baptismal dos seus antepassados.

Sustentado pela fé no Pai, no Filho e no Espírito Santo, este povo saiba construir o próprio futuro sobre as suas antigas raízes cristãs, que remontam aos tempos apostólicos!

Sejam louvados Jesus e Maria!





NA CERIMÓNIA DE CANONIZAÇÃO


DE EDITH STEIN


11 de Outubro de 1998




1198 1. Quanto a mim, que eu não me glorie, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo (cf. Gl Ga 6,14).

As palavras de São Paulo aos Gálatas, que acabámos de escutar, adaptam-se bem à experiência humana e espiritual de Teresa Benedita da Cruz, que hoje é solenemente inscrita no álbum dos santos. Também ela pode repetir com o Apóstolo: Quanto a mim, que eu não me glorie, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo.

A cruz de Cristo! No seu constante florescimento, a árvore da Cruz dá sempre renovados frutos de salvação. Por isso, os fiéis olham com confiança para a Cruz, haurindo do seu mistério de amor a coragem e o vigor para caminhar com fidelidade nas pegadas de Cristo crucificado e ressuscitado. Assim, a mensagem da Cruz entrou no coração de muitos homens e mulheres, transformando a sua existência.

Um exemplo eloquente desta extraordinária renovação interior é a vicissitude espiritual de Edith Stein. Uma jovem em busca da verdade, graças ao trabalho silencioso da graça divina, tornou-se santa e mártir: é Teresa Benedita da Cruz, que hoje repete do céu a todos nós as palavras que caracterizaram a sua existência: «Quanto a mim, que eu não me glorie, a não ser na cruz de Jesus Cristo».

2. No dia 1 de Maio de 1987, durante a minha visita pastoral na Alemanha, tive a alegria de proclamar Beata, na cidade de Colónia, esta generosa testemunha da fé. Hoje, a onze anos de distância aqui em Roma, na Praça de São Pedro, é-me dado apresentar solenemente esta eminente filha de Israel e filha fiel da Igreja como Santa perante o mundo inteiro.

Assim como nessa data, também hoje nos inclinamos diante da memória de Edith Stein, proclamando o testemunho invicto que ela deu durante a vida e sobretudo com a morte. Ao lado de Teresa de Ávila e de Teresa de Lisieux, esta outra Teresa vai colocar-se no meio da plêiade de santos e santas que honram a Ordem carmelitana.

Caríssimos Irmãos e Irmãs, que vos congregastes para esta solene celebração, dêmos glória a Deus pela obra que realizou em Edith Stein.

3. Saúdo os numerosos peregrinos vindos a Roma, com um particular pensamento para os membros da família Stein, que quiseram estar connosco nesta feliz circunstância. Uma cordial saudação dirige-se também à representação da Comunidade carmelitana, que se tornou a «segunda família» para Teresa Benedita de Cruz.

Depois, dou as minhas boas-vindas à delegação oficial da República Federal da Alemanha, chefiada pelo Chanceler Federal resignatário, Helmut Kohl, a quem saúdo com deferente cordialidade. Além disso, cumprimento os representantes das regiões de Nordrhein-Westfalen e Rheinland-Pfalz, bem como o Primeiro Presidente da Câmara Municipal de Colónia. Inclusivamente da minha Pátria veio uma delegação oficial, guiada pelo Primeiro-Ministro Jerzy Buzek.

Dirijo-lhe uma cordial saudação. Depois, quero reservar uma especial menção aos peregrinos das dioceses de Vratislávia, Colónia, Monastério, Espira, Cracóvia e Bielsko-Žywiec, presentes com os seus Bispos e sacerdotes. Eles unem-se ao numeroso grupo de fiéis vindos da Alemanha, dos Estados Unidos da América e da minha Pátria, a Polónia.

4. Dilectos Irmãos e Irmãs! Porque era judia, Edith Stein foi deportada juntamente com a irmã Rosa e muitos outros judeus dos Países Baixos para o campo de concentração de Auschwitz, onde com eles encontrou a morte nas câmaras de gás. Hoje recordamo-nos de todos com profundo respeito. Poucos dias antes da sua deportação, a quem lhe oferecia uma possibilidade de salvar a vida, a religiosa respondera: «Não o façais! Por que deveria eu ser excluída? A justiça não consiste acaso no facto de eu não obter vantagem do meu baptismo? Se não posso compartilhar a sorte dos meus irmãos e irmãs, num certo sentido a minha vida é destruída».

1199 Doravante, ao celebrarmos a memória da nova Santa, não poderemos deixar de recordar todos os anos também o Shoah, aquele atroz plano de eliminação de um povo, que custou a vida a milhões de irmãos e irmãs judeus. O Senhor faça brilhar o seu rosto sobre eles, concedendo-lhes a paz (cf. Nm Nb 6, 25s.).

Por amor de Deus e do homem, lanço de novo um premente brado: nunca mais se repita uma semelhante iniciativa criminosa para nenhum grupo étnico, povo e raça, em qualquer recanto da terra! É um brado que dirijo a todos os homens e mulheres de boa vontade; a todos aqueles que crêem no Deus eterno e justo; a todos aqueles que se sentem unidos em Cristo, Verbo de Deus encarnado. Aqui, todos nós devemos ser solidários: é a dignidade humana que está em jogo. Só existe uma única família humana. É isto que a nova Santa afirmou com grande insistência: «O nosso amor pelo próximo - escrevia - é a medida do nosso amor a Deus. Para os cristãos - e não só para eles - ninguém é "estrangeiro". O amor de Cristo não conhece fronteiras».

5. Estimados Irmãos e Irmãs! O amor de Cristo foi o fogo que ardeu a vida de Teresa Benedita da Cruz. Antes ainda de se dar conta, ela foi completamente arrebatada por ele. No início, o seu ideal foi a liberdade. Durante muito tempo, Edith Stein viveu a experiência da busca. A sua mente não se cansou de investigar e o seu coração de esperar. Percorreu o árduo caminho da filosofia com ardor apaixonado e no fim foi premiada: conquistou a verdade; antes, foi por ela conquistada. De facto, descobriu que a verdade tinha um nome: Jesus Cristo, e a partir daquele momento o Verbo encarnado foi tudo para ela. Olhando como Carmelita para este período da sua vida, escreveu a uma Beneditina: «Quem procura a verdade, consciente ou inconscientemente, procura a Deus».

Embora sua mãe a tenha educado na religião hebraica, aos 14 anos de idade Edith Stein, «consciente e propositadamente desacostumou-se da oração». Só queria contar consigo mesma, preocupada em afirmar a própria liberdade nas opções de vida. No fim do longo caminho, foi-lhe dado chegar a uma surpreendente conclusão: só quem se une ao amor de Cristo se torna verdadeiramente livre.

A experiência desta mulher, que enfrentou os desafios de um século atormentado como o nosso, é para nós exemplar: o mundo moderno ostenta a porta atraente do permissivismo, ignorando a porta estreita do discernimento e da renúncia. Dirijo-me especialmente a vós, jovens cristãos, em particular aos numerosos ministrantes reunidos em Roma nestes dias: evitai conceber a vossa vida como uma porta aberta a todas as opções! Escutai a voz do vosso coração! Não permaneçais na superfície, mas ide até ao fundo das coisas! E quando chegar o momento, tende a coragem de vos decidirdes! O Senhor espera que coloqueis a vossa liberdade nas suas mãos misericordiosas.

6. Santa Teresa Benedita da Cruz conseguiu compreender que o amor de Cristo e a liberdade do homem se entretecem, porque o amor e a verdade têm uma relação intrínseca. A busca da verdade e a sua tradução no amor não lhe pareciam ser contrastantes entre si; pelo contrário, compreendeu que estas se interpelam reciprocamente. No nosso tempo, a verdade é com frequência interpretada como a opinião da maioria. Além disso, é difundida a convicção de que se deve usar a verdade também contra o amor, ou vice-versa. Todavia, a verdade e o amor têm necessidade uma do outro. A Irmã Teresa Benedita é testemunha disto. «Mártir por amor», ela deu a vida pelos seus amigos e no amor não se fez superar por ninguém. Ao mesmo tempo, procurou com todo o seu ser a verdade, da qual escrevia: «Nenhuma obra espiritual vem ao mundo sem grandes sofrimentos. Ela desafia sempre o homem inteiro». A Irmã Teresa Benedita da Cruz diz a todos nós: Não aceiteis como verdade nada que seja isento de amor. E não aceiteis como amor nada que seja isento de verdade!

7. Enfim, a nova Santa ensina-nos que o amor a Cristo passa através da dor. Quem ama verdadeiramente, não se detém diante da perspectiva do sofrimento: aceita a comunhão na dor com a pessoa amada. Consciente do que comportava a sua origem judaica, Edith Stein pronunciou palavras eloquentes a este respeito: «Debaixo da cruz, compreendi a sorte do povo de Deus... Efectivamente, hoje conheço muito melhor o que significa ser a esposa do Senhor no sinal da Cruz. Mas dado que se trata de um mistério, isto jamais poderá ser compreendido somente com a razão». Pouco a pouco, o mistério da Cruz impregnou toda a sua vida, até a impelir rumo à oferta suprema. Como esposa na Cruz, a Irmã Teresa Benedita não escreveu apenas páginas profundas sobre a «ciência da cruz», mas percorreu até ao fim o caminho da escola da Cruz. Muitos dos nossos contemporâneos quereriam fazer com que a Cruz se calasse. Mas nada é mais eloquente que a Cruz que se quer silenciar! A verdadeira mensagem da dor é uma lição de amor. O amor torna o sofrimento fecundo e este aprofunda aquele. Através da experiência da Cruz, Edith Stein pôde abrir um caminho rumo a um novo encontro com o Deus de Abraão, Isaac e Jacob, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. A fé e a cruz revelaram-se-lhe inseparáveis. Amadurecida na escola da Cruz, ela descobriu as raízes às quais estava ligada a árvore da própria vida. Compreendeu que lhe era muito importante «ser filha do povo eleito e pertencer a Cristo não só espiritualmente, mas inclusive mediante um vínculo sanguíneo».

8. «Deus é espírito e aqueles que O adoram devem adorá-Lo em espírito e verdade» (Jn 4,24). Caríssimos Irmãos e Irmãs, com estas palavras o divino Mestre entretém-se com a Samaritana junto do poço de Jacob. Quanto Ele deu à sua ocasional mas atenta interlocutora, encontramo-lo presente também na vida de Edith Stein, na sua «subida ao Monte Carmelo ». A profundidade do mistério divino tornou-se-lhe perceptível no silêncio da contemplação. Ao longo da sua existência, enquanto amadurecia no conhecimento de Deus adorando-O em espírito e verdade, ela experimentava cada vez mais claramente a sua específica vocação de subir à cruz juntamente com Cristo, de abraçá-la com serenidade e confiança, de amá-la seguindo as pegadas do seu dilecto Esposo: hoje, Santa Teresa Benedita da Cruz é-nos indicada como modelo em que nos devemos inspirar e como protectora à qual havemos de recorrer. Dêmos graças a Deus por este dom. A nova Santa seja para nós um exemplo do nosso compromisso no serviço da liberdade e na nossa busca da verdade. O seu testemunho sirva para tornar cada vez mais sólida a ponte da recíproca compreensão entre judeus e cristãos. Santa Teresa Benedita da Cruz, ora por nós! Amém.





NA COMEMORAÇÃO


DO XX ANIVERSÁRIO DE PONTIFICADO


18 de Outubro de 1998




1. «Mas, quando o Filho do Homem voltar, encontrar á fé sobre a terra? (Lc 18,8).

Esta pergunta, feita um dia por Cristo aos seus discípulos, ao longo dos dois mil anos da era cristã interpelou muitas vezes os homens que a Divina Providência chamou a assumir o ministério petrino. Neste momento, penso em todos os meus Predecessores, distantes e próximos. E de maneira especial penso em mim e em tudo o que aconteceu no dia 16 de Outubro de 1978. Com a celebração hodierna dou graças ao Senhor, juntamente com todos vós, por estes vinte anos de pontificado.


Homilias JOÃO PAULO II 1193