Homilias JOÃO PAULO II 1200

1200 Volta-me à mente o dia 26 de Agosto de 1978, quando na Capela Sistina ecoaram as palavras do Cardeal, o primeiro na ordem de precedência, dirigidas ao meu imediato Predecessor: «Aceitas a tua eleição canónica a Sumo Pontífice?». «Aceito», respondeu o Cardeal Albino Luciani. «Como queres ser chamado?», continuou o Cardeal Villot. E a resposta foi: «João Paulo».

Naquela data, quem poderia pensar que, apenas algumas semanas mais tarde, as mesmas perguntas teriam sido feitas a mim, como seu sucessor? À primeira pergunta, «Aceitas?», respondi: «Na obediência à fé perante Cristo meu Senhor, abandonando-me à Mãe de Cristo e da Igreja, consciente das grandes dificuldades, aceito». E à pergunta seguinte: «Como queres ser chamado? », também eu disse: «João Paulo». Depois da ressurreição, Cristo perguntou três vezes a Pedro: «Tu amas-Me?» (cf. Jo
Jn 21,15-17). O Apóstolo, consciente da própria fraqueza, respondeu: «Senhor, Tu sabes tudo; Tu bem sabes que Te amo», e recebeu d'Ele o mandato: «apascenta as minhas ovelhas» (Jn 21,17). O Senhor confiou esta missão a Pedro e, nele, a todos os seus sucessores. Dirigiu as mesmas palavras também àquele que hoje vos fala, no momento em que lhe era confiada a tarefa de confirmar os irmãos na fé.

Quantas vezes me vieram à memória as palavras de Jesus, que Lucas nos transmitiu mediante o seu Evangelho. Pouco antes de enfrentar a paixão, Jesus diz a Pedro: «Simão, Simão, olha que Satanás vos reclamou para vos joeirar como o trigo. Mas Eu roguei por ti, a fim de que a tua fé não desfaleça. E tu, uma vez convertido, fortalece os teus irmãos» (Lc 22,31-32). Por conseguinte, «fortalecer os irmãos na fé» é um dos aspectos essenciais do serviço pastoral confiado a Pedro e aos seus sucessores. Na Liturgia de hoje, Jesus faz a pergunta: «Mas, quando o Filho do Homem voltar, encontrar á fé sobre a terra?». É uma pergunta que interpela todos, mas sobretudo os sucessores de Pedro.

«Quando... voltar, encontrará...?». Com o passar de cada ano, aproxima-se a Sua vinda. Ao celebrar o Santo Sacrifício da Missa, depois da consagração, repetimos sempre: «Anunciamos, Senhor, a Vossa morte, proclamamos a Vossa ressurreição. Vinde Senhor Jesus».

Quando vier, encontrará fé sobre a terra?

2. As Leituras litúrgicas deste domingo podem sugerir uma dupla resposta a esta pergunta. A primeira tirámo-la da exortação que São Paulo dirige ao seu fiel colaborador, Timóteo. «Conjuro-te diante de Deus e de Jesus Cristo que há-de julgar os vivos e os mortos, e em nome da Sua aparição e do Seu Reino: prega a palavra, insiste oportuna e inoportunamente, repreende, censura e exorta com bondade e doutrina» (2Tm 4,1-2).

Encontra-se aqui sintetizado um plano concreto de acção. Com efeito, o ministério apostólico, e sobretudo o ministério de Pedro, consiste antes de mais em ensinar. Para ensinar a verdade divina, quem o faz deve ser ele próprio «firme - como escreve ainda o Apóstolo a Timóteo - naquilo que aprendeu e aceitou» (cf. ibid., 3, 14).

O Bispo, e com mais razão o Papa, deve haurir continuamente das fontes da sabedoria que levam à salvação. Deve amar a Palavra de Deus. Depois de vinte anos de serviço na Sé de Pedro, hoje não posso deixar de fazer algumas perguntas: Mantiveste tudo isto? Foste um mestre diligente e vigilante da fé na Igreja? Procuraste aproximar os homens de hoje à grande obra do Concílio Vaticano II? Procuraste satisfazer as expectativas dos crentes na Igreja, e também aquela fome de verdade que se sente no mundo, fora da Igreja?

E ecoava no meu espírito o convite de São Paulo: «Conjuro-te diante de Deus e de Jesus Cristo que há-de julgar os vivos e os mortos, - e que também há-de julgar a ti - e em nome da Sua aparição e do Seu Reino: prega a palavra, insiste oportuna e inoportunamente, repreende, censura e exorta com bondade e doutrina» (Ibid., 4, 1-2)!

3. Há depois outra resposta, que podemos tirar da primeira Leitura bíblica, do Livro do Êxodo. Ela apresenta a imagem emblemática de Moisés em oração com as mãos levantadas ao céu, enquanto, do cimo duma colina, segue a batalha do seu povo contra os amalecitas. Quando Moisés levantava os braços, Israel triunfava, e dado que Moisés sentia os braços pesados, ofereceram-lhe uma pedra para ele se poder sentar, enquanto Aarão e Hur lhe sustentavam os braços, um de cada lado. Deste modo, ele permaneceu em oração até ao pôr-do-sol, até à derrota de Amalec por parte de Josué (cf. 17, 11-13).

Eis um ícone de extraordinário vigor expressivo: o ícone do pastor em oração. É difícil ?encontrar uma referência mais eloquente para todas as situações nas quais a nova Israel, a Igreja, se encontra a combater contra os vários «amalecitas». Num certo sentido, tudo depende dos braços levantados de Moisés. A oração do pastor sustenta o rebanho. É uma coisa certa.

1201 Mas também é verdade que a oração do povo sustenta aquele que tem a tarefa de o guiar. Foi assim desde o início. Quando Pedro foi preso em Jerusalém para ser, como Tiago, condenado à morte depois das festas, toda a Igreja orava por ele (cf. Act Ac 12,1-5). Os Actos dos Apóstolos narram que ele foi milagrosamente tirado da prisão (cf. ibid., 12, 6-11).

Isto aconteceu numerosas vezes no decorrer dos séculos. Eu próprio sou testemunha disto, porque o experimentei em primeira pessoa. A oração da Igreja é um grande poder!

4. Desejaria agora agradecer a todos os que nestes dias me manifestaram a sua solidariedade. Obrigado pelas numerosas mensagens de bons votos que me foram enviadas; obrigado sobretudo pela constante recordação na oração. Penso de maneira especial nos doentes e em quantos sofrem, que me estão próximos com a oferta das suas dores. Penso nos mosteiros de clausura e nos inúmeros religiosos e religiosas, nos jovens e nas famílias que não deixam de elevar ao Senhor uma coral invocação pela minha pessoa e pelo meu ministério universal. Nestes dias, senti pulsar ao meu lado o coração da Igreja!

Obrigado a todos vós aqui presentes na Praça de São Pedro, que hoje vos unis à minha oração de louvor a Deus pelos vinte anos de serviço à Igreja e ao mundo como Bispo de Roma. Dirijo uma especial palavra de reconhecimento ao Presidente da República Italiana e a quantos o acompanharam nesta manhã para me honrar com a sua presença.

Depois, agradeço com afecto fraterno ao Senhor Cardeal Camillo Ruini, que no início da celebração se fez intérprete da fidelidade de todos vós a Cristo e ao Sucessor de Pedro. Estou comovido com a presença tão numerosa de Cardeais, Arcebispos e Bispos, e de modo particular de Sacerdotes da Diocese de Roma e da Cúria, que participam nesta solene Concelebração eucarística. Desejaria neste momento dizer a todos vós, caríssimos, como foi precioso para mim o vosso apoio durante estes anos de serviço à Igreja na Cátedra de Pedro. Desejaria testemunhar a minha gratidão pelo calor com que a Cidade de Roma e a Itália me acolheram desde os primeiros dias do meu ministério petrino. Peço ao Senhor que vos recompense generosamente por quanto fizestes e fazeis, a fim de facilitar a tarefa que me foi confiada.

Caríssimos Irmãos e Irmãs de Roma, da Itália e do mundo! Eis o significado da nossa assembleia orante na Praça de São Pedro: dar graças a Deus pela pró-vida solicitude com que, sem cessar, guia e sustenta o seu Povo a caminho na história; renovar, da minha parte, o «sim» pronunciado há vinte anos, confiando na graça divina; oferecer, da vossa parte, o empenho de rezar sempre por este Papa, para que possa cumprir a sua missão até ao fim.

Renovo de todo o coração a entrega da minha vida e do meu ministério à Virgem Maria, Mãe do Redentor e Mãe da Igreja. Repito-lhe com filial abandono: Totus tuus!

Amém.





NO INÍCIO DO ANO ACADÉMICO


DAS PONTIFÍCIAS UNIVERSIDADES DE ROMA


Sexta-feira, 23 de Outubro de 1998




1. «Do Senhor é a terra e a sua plenitude: o mundo inteiro e todos os que nela habitam.

Foi Ele quem a fixou sobre os mares, e a colocou sobre os rios» (Sl 23[24], 1-2).

1202 As palavras do Salmista, ressoadas na Liturgia deste dia, evocam a soberania de Deus sobre o mundo. Ele criou-o e confiou-o ao homem como tarefa; uma tarefa que se refere tanto ao campo do conhecer como do agir. O mundo é, neste sentido, a vocação do homem.

O apóstolo Paulo exorta a comportar-se de modo digno da vocação recebida (cf. Ef
Ep 4,1). Ele refere-se à vocação cristã, que empenha o baptizado a seguir Cristo e a conformar-se a Ele. Mas podemos entender a expressão também num sentido mais amplo, segundo o qual o próprio mundo pode constituir para a pessoa humana como que um chamamento, ao qual, de facto, o homem desde sempre procurou responder. Daqui nasceu a ciência, aquele imenso conjunto de conhecimentos que é fruto de maravilha, de intuições, de hipóteses e de experiências. Desta maneira, através dos séculos e das gerações, nas várias épocas históricas foi-se formando o património científico da humanidade.

2. Todos nós aqui reunidos somos herdeiros desta progressiva maturação do saber, elaborada pelas gerações precedentes. Em particular vós, caríssimos Reitores, professores e estudantes das Universidades eclesiásticas romanas, com o vosso empenho científico estais inseridos neste itinerário de pesquisa nas várias disciplinas teológicas, filosóficas, humanistas, históricas e jurídicas. A todos vós dirijo o meu pensamento cordial. Saúdo com ânimo grato o Senhor Cardeal Pio Laghi, que preside à hodierna Celebração e, com ele, os Grão-Chanceleres das Pontifícias Universidades. É importante iniciar um novo ano académico com a consciência de receber o tesouro da cultura como uma herança de quantos nos precederam, e ao mesmo tempo como tarefa para a própria criatividade cognoscitiva e operativa.

Mediante o saber o homem põe-se em relação com o mundo criado e refere-o a si mesmo, segundo a sua peculiar natureza. Contudo, o mundo não exaure a vocação do homem.

3. O Salmista fala do «subir ao monte do Senhor»:

«Quem será digno de subir ao monte do Senhor?
Quem poderá permanecer em seu lugar santo?» (Sl 23[24], 3).

Nesta imagem encontramos a complementação da verdade sobre o homem: criado no mundo e para o mundo, ele é ao mesmo tempo chamado a subir a Deus.

Ao fazer o ser humano à própria imagem e semelhança, Deus chamou-o à busca do seu «Protótipo», d'Aquele a quem se assemelha mais do que qualquer outra criatura e, conhecendo-O, conhece-se também a si próprio. Daqui provém a inteira tensão metafísica do homem. Daqui nasce a sua abertura à palavra de Deus, a disposição a procurar Aquele que é invisível e, ao mesmo tempo, constitui a plenitude da realidade.

4. Prossegue o Salmista:

«O que tem as mãos limpas e o coração puro, que não pensa nas vaidades, nem jura com perfídia...

1203 Esta é a geração daqueles que O buscam, dos que buscam a presença do Deus de Jacob» (Sl 32[24], 4.6).

Enquanto repito estas palavras, o meu pensamento dirige-se espontaneamente a vós, caríssimos estudantes, vindos em grande número a esta celebração já tradicional: sacerdotes, pessoas consagradas e leigos. Através do estudo das diversas disciplinas, vós sois chamados a buscar o «rosto» do Senhor, isto é, a revelação do Seu mistério, tal como Jesus Cristo a realizou de modo pleno e definitivo.

«Ninguém conhece quem é... o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho houver por bem revelar-lhe» (
Lc 10,22), escutámos há pouco através do Evangelho de Lucas. A mediação de Cristo é absolutamente necessária para conhecer o verdadeiro rosto de Deus. A Sua mediação refere-se de maneira inseparável à razão e ao «coração», à ordem dos conhecimentos, das intenções e dos comportamentos. «Aquele que não ama, não conhece a Deus, porque Deus é amor» (1Jn 4,8). «Aquele que diz conhecê-l'O, e não guarda os Seus mandamentos é mentiroso, e a verdade não está nele» (ibid., 2, 4).

5. Precisamente no plano do «coração» põe-se a mensagem contida nas Leituras bíblicas desta celebração. Elas recordam que o rosto do Senhor deve ser procurado e é encontrado na caridade plena (primeira Leitura) e na simplicidade (Evangelho).

Ao escrever aos Efésios, o Apóstolo evoca com vigor o primado da caridade ao serviço da unidade, a qual tem o seu fundamento em Deus Uno e Trino: «um só Espírito... um único Senhor... um só Deus e Pai» (Ep 4,4-6).

Cada um é portador de dons para a edificação da comunidade; e dom precioso é também o estudo, especialmente aquele que é aprofundado e sistemático. Para produzir fruto em benefício de quem o possui e dos irmãos, também ele pede que seja fecundado pela caridade, sem a qual para nada serve possuir toda a ciência (cf. 1Co 13,2).

A caridade é acompanhada pela simplicidade de coração, própria daqueles aos quais o Evangelho, ao fazer eco das palavras do Senhor Jesus, chama os «pequeninos». «Bendigo-Te, ó Pai, Senhor do Céu e da Terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e aos inteligentes e as revelaste aos pequeninos» (Lc 10,21). Esta bênção estupenda, brotada do coração de Cristo, recorda-nos que a autêntica maturidade intelectual deve sempre caminhar a par e passo com a simplicidade. Esta não consiste na superficialidade da vida e do pensamento nem na negação da problemática do real, mas em saber captar o centro de toda a questão e em sabê-la reconduzir ao seu significado essencial e à sua relação com o conjunto. A simplicidade é sabedoria.

6. A todos vós, caríssimos Irmãos e Irmãs, que compondes a grande comunidade académica eclesiástica de Roma, faço votos por que o ano há pouco iniciado vos ajude a maturar no conhecimento da verdade, que constitui a vocação e o destino do homem. Com as palavras da minha recente Encíclica Fides et ratio, faço votos por que «todo aquele que tiver no coração o amor pela [verdadeira sabedoria] possa tomar a estrada certa para a alcançar, e nela encontrar repouso para a sua fadiga e também satisfação espiritual» (n. 6).

Considerai bem que o tempo do estudo não é tirado da missão, mas é para a missão. No Domingo passado celebrámos o Dia Missionário Mundial. Desejo recordar que a «Missão da Cidade» da Diocese de Roma se realizará no próximo ano em particular nos diversos âmbitos e, portanto, também nas Universidades. As Universidades eclesiásticas constituem lugares privilegiados de testemunho, na forma da mediação cultural, e de preparação de quantos são chamados a semear no vasto campo da Igreja a boa semente da verdade evangélica.

Possa cada um de vós buscar, encontrar e contemplar o rosto do Senhor, para reflectir de maneira eficaz a sua luz, que preenche de significado a vida do homem.

Maria, meridiana chama de caridade e sede da sabedoria, interceda por vós e vos acompanhe nesta pesquisa.





NA CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA


PARA A BEATIFICAÇÃO


DE QUATRO SERVOS DE DEUS


1204
25 de Outubro de 1998


1. «Ouçam os humildes e alegrem-se» (
Ps 33,3).

Com estas palavras, a liturgia hodierna convida-nos à alegria, enquanto rendemos graças ao Senhor pelo dom dos novos Beatos. A alegria da Igreja exprime-se no cântico de louvor, que a assembleia eleva ao céu. Sim, os humildes ouçam e se alegrem considerando as obras que Deus realiza na vida dos Seus servos fiéis. A Igreja, que é o «Povo dos humildes», escuta e alegra-se, porque nestes seus membros, incluídos entre os Beatos, vê reflectido o amor misericordioso do Pai celeste. Com a liturgia, fazemos nossas as palavras inspiradas de Jesus: «Bendito és Tu, Pai, Senhor do céu e da terra, porque aos pequeninos revelaste os mistérios do reino dos céus» (Aclamação ao Evangelho).

Os «pequeninos»: como é diferente a lógica dos homens em relação à divina! Os «pequeninos», segundo o Evangelho, são as pessoas que, sabendo ser criaturas de Deus, são avessas a qualquer presunção: colocam toda a sua expectativa no Senhor e por isso jamais se desiludem. Esta é a atitude fundamental do crente: fé e humildade são inseparáveis. Prova disto é também o testemunho prestado pelos novos Beatos: Zeferino Agostini, Antônio de Sant'Anna Galvão, Faustino Míguez e Teodora Guerin. Quanto mais uma pessoa é grande na fé tanto mais se sente «pequenina», à imagem de Cristo Jesus, o qual, «sendo de condição divina... Se despojou a Si mesmo » (Ph 2,6-7) e veio ao meio dos homens como seu servo.

2. Para nós os novos Beatos são exemplos a imitar e testemunhas a seguir. Eles confiaram em Deus. A sua existência demonstra que a força dos pequeninos é a oração, como ressalta a Palavra de Deus deste Domingo. Os Santos, os Beatos são antes de tudo homens e mulheres de oração, bendizem o Senhor em todo o tempo, nos seus lábios há sempre louvor; bradam e o Senhor escuta-os, salva-os de todas as suas angústias, como nos recordou o Salmo responsorial (cf. Sl Ps 33,2 Sl Ps 33,18). A sua oração penetra as nuvens, é incessante, não se cansa nem diminui, enquanto o Altíssimo não intervir (cf. Eclo Si 35,16-18).

A força orante dos homens e das mulheres espirituais é sempre acompanhada pelo sentimento vivo da própria limitação e indignidade. É a fé, e não a presunção, que alimenta nos discípulos de Cristo a coragem e a fidelidade. Eles, como o apóstolo Paulo, sabem que o Senhor reserva a coroa da justiça para todos os que esperam com amor a Sua manifestação (cf. 2Tm 4,8).

3. «O Senhor assistiu-me e deu-me forças» (2Tm 4,17). Estas palavras do Apóstolo a Timóteo bem se aplicam ao Padre Zeferino Agostini o qual, embora entre inúmeras dificuldades, jamais perdeu a coragem. Ele é-nos apresentado hoje como humilde e firme testemunha do Evangelho no fecundo período da Igreja de Verona nos meados do século XIX. Sólida foi a sua fé, eficaz a sua acção caritativa e ardente o espírito sacerdotal que o distinguiu.

O amor do Senhor impeliu-o no seu apostolado voltado para os mais pobres, e em particular para a educação cristã das jovenzinhas, especialmente as mais necessitadas. Ele compreendeu bem a importância da mulher como protagonista do saneamento da sociedade, nos seus papéis de educadora para os valores da liberdade, da honestidade e da caridade.

Recomendava às Ursulinas, suas filhas espirituais: «As meninas pobres sejam o mais caro objecto dos vossos cuidados, das vossas atenções. Sensibilizai as suas mentes, educai para a virtude o seu coração, salvai as suas almas do funesto contacto do mundo perverso» (Scritti alle Orsoline, 289). Possa o seu exemplo constituir um válido encorajamento para quantos hoje o honram como Beato e o invocam como protector.

4. «O Senhor me assistiu e me deu forças, para que, por meu intermédio, a mensagem do Evangelho fosse plenamente proclamada» (2Tm 4,17).

Esta mensagem de S. Paulo a Timóteo reflete bem a vida do Frei Antônio de Sant'Anna Galvão, que quis corresponder à própria consagração religiosa, dedicando-se com amor e devotamento aos aflitos, aos doentes e aos escravos da sua época no Brasil.

1205 Demos graças a Deus pelos contínuos benefícios outorgados pelo poderoso influxo evangelizador a que o Espírito Santo deu vida até hoje em tantas almas através do Frei Galvão. Sua fé genuinamente franciscana, evangelicamente vivida e apostolicamente gasta no serviço ao próximo, servirá de estímulo para o imitar como «homem da paz e da caridade ». A missão de fundar os Recolhimentos dedicados a Nossa Senhora e à Providência continua produzindo frutos surpreendentes: ardoroso adorador da Eucaristia, mestre e defensor da caridade evangélica, prudente conselheiro da vida espiritual de tantas almas e defensor dos pobres. Que Maria Imaculada, de quem Frei Galvão se considerava «filho e perpétuo escravo», ilumine os corações dos fiéis e desperte a fome de Deus até à entrega ao serviço do Reino, mediante o próprio testemunho de vida autenticamente cristã.

5. «Quem se humilha será exaltado» (
Lc 18,14). Ao elevar à glória dos altares o sacerdote escolápio Faustino Míguez, cumprem-se estas palavras de Jesus que escutámos no Evangelho. O novo Beato, renunciando às próprias ambições, seguiu Jesus Mestre e consagrou a sua vida à educação das crianças e dos jovens, conforme o estilo de São José de Calasanz. Como educador, a sua meta foi a formação integral da pessoa. Como sacerdote, buscou sem cessar a santidade das almas. Como cientista, quis aliviar a enfermidade libertando a humanidade que sofre no corpo. Na escola e na rua, no confessionário e no laboratório, o Padre Faustino Míguez foi sempre transparência de Cristo, que acolhe, perdoa e anima.

«Homem do povo e para o povo», nada nem ninguém lhe esteve alheio. Constatou a situação de ignorância e marginalização em que vivia a mulher, a quem considerava a «alma da família e a parte mais interessante da sociedade ». Com a finalidade de a guiar desde a infância pelo caminho da promoção humana e cristã, fundou o Instituto Calasanziano das Filhas da Divina Pastora, dirigido para a educação das meninas na piedade e nas letras.

O seu exemplo luminoso, entretecido de oração, estudo e apostolado, prolonga-se hoje no testemunho das suas filhas e de tantos educadores que trabalham com denodo e alegria, para gravar a imagem de Jesus na inteligência e no coração da juventude.

6. «O Senhor assistiu-me e deu-me força a fim de que a palavra fosse anunciada por mim e os gentios a ouvissem» (2Tm 4,17). Nestas palavras dirigidas a Timóteo, São Paulo olha para trás através dos anos do seu trabalho apostólico, e afirma a sua esperança no Senhor diante das adversidades. As palavras do Apóstolo estavam gravadas no coração da Madre Teodora Guerin quando deixou a França, terra natal, em 1840, com outras cinco companheiras, para enfrentar as incertezas e perigos do território de fronteira da Indiana. A sua vida e o seu trabalho foram sempre guiados pela mão segura da Providência, na qual depositava plena confiança. Tinha entendido que devia dedicar-se plenamente ao serviço de Deus, procurando sempre a Sua vontade. Apesar das dificuldades e incompreensões iniciais, e dos sucessivos sofrimentos e aflições, ela sentia profundamente que Deus havia abençoado a sua Congregação das Filhas da Providência, fazendo-a crescer e forjando a união dos corações entre os seus membros. Nas escolas e orfanatos da Congregação, o testemunho da Madre Teodora levou muitas jovens e moças a conhecerem a solicitude amorosa de Deus na própria vida.

Hoje, ela continua a ensinar aos cristãos a abandonarem-se à providência do nosso Pai celeste e a dedicarem-se totalmente a fazer aquilo que Lhe é agradável. A vida da Beata Teodora é um testemunho de que, com Deus e por Deus, tudo é possível. Oxalá as suas filhas espirituais e todos os que fizeram a experiência do seu carisma, vivam hoje aquele mesmo espírito!

7. Caríssimos Irmãos e Irmãs, vindos de várias partes do mundo para esta festiva Celebração, saúdo-vos cordialmente e agradeço a vossa presença!

O testemunho oferecido pelos novos Beatos seja para nós um encorajamento a prosseguirmos com generosidade pela estrada do Evangelho. Ao olhar para eles que encontraram graça junto de Deus pela humilde submissão à Sua vontade, possa o nosso espírito sentir-se impelido a seguir o Evangelho com paciente e constante generosidade.

«Aquele que adora a Deus com alegria será bem recebido, e a sua oração chegará até às nuvens» (Si 35,16). Eis a grande lição que estes nossos irmãos nos oferecem: honrar, amar e servir a Deus com toda a vida, conscientes sempre de que «aquele que se exalta ser á humilhado, e quem se humilha será exaltado» (Lc 18,14).

Deus abra a todos com liberalidade os tesouros da Sua misericórdia: Ele, que «ouve a oração do oprimido» (Si 35,13); que «está perto dos aflitos do coração» (Ps 35,19); que liberta os pobres «de todas as suas angústias» (ibid., v. 18), que dá satisfação aos justos e restabelece a equidade (cf. Eclo Si 35,18). A Virgem Maria, Rainha de todos os Santos, obtenha para nós e para cada crente o dom da humildade e da fidelidade, a fim de que a nossa oração seja sempre autêntica e agradável ao Senhor.

Louvado seja Jesus Cristo!





NA MISSA CELEBRADA NA PARÓQUIA


ROMANA DE SANTA MARIA DO ROSÁRIO DE POMPEIA


1206
Domingo, 8 de Novembro de 1998




1. «Deus não é Deus de mortos mas de vivos, pois, para Ele, todos estão vivos » (
Lc 20,38).

A distância de uma semana da solenidade de Todos os Santos e da Comemoração dos fiéis defuntos, a Liturgia deste domingo convida-nos ainda a reflectir sobre o mistério da ressurreição dos mortos. Este anúncio cristão não responde de maneira genérica à aspiração do homem a uma vida sem fim; ao contrário, é o anúncio de uma esperança certa, porque fundada, como recorda o Evangelho, sobre a própria fidelidade de Deus. Ele, de facto, é o «Deus de vivos» e comunica, a todos os que n'Ele confiam, aquela vida divina que Ele possui em plenitude. Ele, que é «Aquele que vive », é a fonte da vida.

Já no Antigo Testamento estava a maturar-se progressivamente a esperança na ressurreição dos mortos. Ouvimos um eloquente testemunho disto na primeira leitura, onde é narrado o martírio dos sete irmãos no tempo da perseguição desencadeada pelo rei Antíoco Epifânio contra os Macabeus e quantos se opunham à introdução dos costumes e cultos pagãos no interior do povo judaico.

Estes sete irmãos enfrentaram os sofrimentos e o martírio, sustentados pela exortação da sua heróica mãe e pela fé na recompensa divina reservada aos justos. Como afirma um deles já reduzido ao fim de vida: «É uma felicidade perecer pela mão dos homens com a esperança de que Deus nos ressuscitará» (2M 7,14).

2. Estas palavras, ressoadas hoje na nossa assembleia, trazem à mente o exemplo de outros mártires da fé que, não distante deste lugar, ofereceram a vida pela causa de Cristo. Penso nos jovens irmãos Simplício e Faustino, mortos durante a perseguição de Diocleciano, e na sua irmã Beatriz, também ela martirizada. Os seus corpos estão sepultados, como se sabe, nas vizinhas Catacumbas de Generosa, a vós muito queridas.

O corajoso testemunho destes jovens Mártires, ainda hoje recordados e celebrados com o nome de Santos Mártires Portuenses, deve constituir para a vossa Comunidade um premente convite a anunciar, com vigor e perseverança, a morte e a ressurreição de Cristo em todos os momentos e em toda a parte.

O seu exemplo anime o vosso impulso apostólico, sobretudo durante este ano pastoral em que a Missão da cidade se dirige, de modo especial, aos ambientes de vida e de trabalho. Com efeito, são precisamente estes os contextos sociais em que, não raro, os cristãos correm o perigo de se encontrar fechados no anonimato e têm, portanto, maior dificuldade em propor um incisivo testemunho evangélico.

3. Caríssimos Irmãos e Irmãs da Paróquia de Santa Maria do Rosário de Pompeia, no bairro da Magliana! Tenho a alegria de celebrar juntamente convosco o Dia do Senhor e de visitar a vossa entusiasta Comunidade cristã. Desde que a Providência divina me chamou à Cátedra de Pedro, há vinte anos, dedico alguns domingos do ano a este serviço pastoral, que representa um empenho primordial para todo o Pastor diocesano.

Dou graças a Deus pelo dom que me concedeu de poder encontrar, nestes vinte anos, duzentas e setenta e cinco comunidades paroquiais com os seus Sacerdotes, Religiosos e Religiosas, e os seus movimentos e associações eclesiais. É meu vivo desejo poder completar, se Deus quiser, a visita pastoral a todas as Paróquias, pois, como ressaltei no meu primeiro encontro com o Clero romano, estou «profundamente convencido de que me tornei Papa da Igreja universal, porque Bispo de Roma» (Ed. port. de L'Osserv. Rom Rm 19 Rom Rm 11 Rom Rm 1978, Rm 3).

4. Caríssimos Irmãos e Irmãs, abraço-vos a todos no Senhor. Saúdo em particular o Cardeal Vigário, o Bispo Auxiliar do Sector, D. Vincenzo Apicella, o vosso jovem Pároco, Padre Gerard McCarthy. Vê-se que é de origem irlandesa, como muitos outros antes dele que vieram como missionários da Irlanda ao Continente, não só à Itália, mas certamente ao restante do Continente, à Alemanha e a outros Países da Europa central. Saúdo-o e vejo que também vós o saudais cordialmente. Saúdo ainda todos os Presbíteros da Fraternidade Sacerdotal dos Missionários de São Carlos Borromeu, que colaboram com ele na direcção da comunidade. Naturalmente, saúdo também o seu superior, Mons. Camisasca.

1207 Manifesto um grato pensamento aos queridos Frades Menores Capuchinhos da Província dos Abruzos, que dirigiram a Paróquia desde 1965 até 1997, encontrando constante simpatia e apoio por parte da população. O Senhor os recompense pelo bem realizado durante estes anos de generoso serviço pastoral e lhes conceda o dom de numerosas e santas vocações, em benefício da família religiosa e para o bem da inteira comunidade cristã.

Dirijo uma cordial saudação também às Irmãs Oblatas do Divino Amor e às Missionárias da Caridade, que tornam presente o dom da vida religiosa nesta porção da Diocese. Dirijo-me, por fim, com afecto a todos vós, caríssimos fiéis, com um pensamento especial aos catequistas, às numerosas crianças e jovens que estão a preparar-se para os sacramentos da Primeira Comunhão e da Confirmação, e aos muitos membros dos grupos paroquiais que, com os seus dons e a sua vivacidade, contribuem para animar o inteiro povo de Deus.

5. Sei que dentro da vossa Paróquia convivem dois diversos agrupamentos urbanos: um mais antigo, surgido em torno da igreja de Santa Maria do Rosário de Pompeia, e outro de constituição mais recente, que está ao redor da igreja dos Santos Mártires Portuenses. Estes dois pólos são caracterizados também por um certa diferenciação social. De facto, no primeiro são residentes sobretudo famílias de mais longa formação ou de anciãos, enquanto no segundo se encontram núcleos familiares mais jovens, com a presença de um número relevante de crianças e adolescentes. Esta diversidade não constitua para vós uma dificuldade mas, antes, seja uma preciosa oportunidade para fazer crescer em todos um maior sentido de comunidade e partilha.

Ao viverdes na unidade os dons que cada um possui, e pondo-os com generosidade ao serviço recíproco, alcançareis aquela plena comunhão dos corações, que torna mais eficaz o anúncio do Evangelho da caridade. No território da Paróquia estão presentes, além disso, várias realidades sociais: seis escolas, duas clínicas, dois hospitais, algumas sedes de sociedades, indústrias, empresas comerciais e artesanais. É vossa tarefa apostólica fazer penetrar em todos estes ambientes de vida e de actividade produtiva a Palavra divina da salvação. Fazei com que ela chegue explícita e adequada, correspondente o mais possível às expectativas e exigências das pessoas e dos grupos sociais aqui residentes. A todos e a cada um levai o conforto do amor misericordioso do Senhor.

6. «Que o Senhor dirija os vossos corações para o amor de Deus e a paciência de Cristo» (
2Th 3,5).

Faço minhas estas palavras do apóstolo Paulo, que desejo deixar-vos como recordação e bons votos por ocasião desta Visita. O amor de Deus, que se revelou em plenitude na paixão, morte e ressurreição de Cristo, é fonte inspiradora e luz que ilumina todo o empenho missionário. Sustente-vos a força do amor do Espírito e ajude-vos a confessar de maneira corajosa o nome de Jesus, sem jamais vos envergonhardes da Cruz.

Esteja diante de vós o exemplo dos Santos Mártires Portuenses e vos assista a materna protecção de Nossa Senhora do Rosário, especial Padroeira do vosso bairro. Santa Maria do Rosário de Pompeia, roga por nós.

Amém!





NA MISSA EM SUFRÁGIO PELOS CARDEAIS,


ARCEBISPOS E BISPOS FALECIDOS


10 de Novembro de 1998


1. «Somos cidadãos do Céu» (Ph 3,20).

As palavras do apóstolo Paulo convidam-nos a elevar as nossas mentes e os nossos corações ao Céu, a verdadeira pátria dos filhos de Deus. Nos dias passados, para ela nos orientaram as celebrações litúrgicas da solenidade de Todos os Santos e da Comemoração de todos os fiéis defuntos. É neste clima espiritual que nos encontramos na Basílica de São Pedro, para oferecer o Sacrifício eucarístico em sufrágio pelos Cardeais e Bispos, que no decurso deste último ano partiram deste mundo a fim de alcançar a pátria celeste.


Homilias JOÃO PAULO II 1200