Homilias JOÃO PAULO II 1208

1208 É-me grato, neste momento, recordar em particular os venerados Cardeais que nos deixaram: Laurean Rugambwa, Eduardo Francisco Pironio, António Quarracino, Jean Balland, António Ribeiro, Alberto Bovone, John Joseph Carberry, Agostino Casaroli, Anastásio Ballestrero e Alois Grillmeier.

A eles, assim como aos saudosos Arcebispos e Bispos, bem se aplicam as expressões do Salmista: «Eu espero no Senhor, a minha alma espera, confio na Sua palavra» (
Ps 129,5). Estes nossos Irmãos foram como que «sentinelas» na Igreja, vigiando dia e noite sobre o rebanho de Cristo. A sua acção apostólica estava fundada na fé, e a sua atenta vigilância fixava o olhar para muito além dos confins terrenos, porque as suas almas esperaram o Senhor mais do que as sentinelas a aurora (cf. Sl Ps 129,6).

2. Enquanto está para se concluir o ano que, em preparação para o Grande Jubileu, eu quis que fosse dedicado de modo especial ao Espírito Santo, escutámos o célebre oráculo do profeta Ezequiel, no qual, com extraordinária força expressiva, o Espírito de Deus aparece como o protagonista da ressurreição do povo de Israel, que se tornara inerte e quase sem vida por causa da desconfiança. O profeta é convidado por Deus a dirigir a sua palavra não só aos ossos - metáfora do «povo de Israel» (Ez 37,11) -, mas até mesmo ao próprio Espírito, com uma epiclese singular e mais do que nunca audaz: «Espírito, vem dos quatro ventos, sopra sobre estes mortos para que eles recuperem a vida» (ibid., v. 9).

Quantas vezes os nossos Irmãos que hoje comemoramos, na sua vida e no exercício do seu ministério, invocaram o divino Paráclito: Veni Sancte Spiritus. Veni creator Spiritus! Quantas vezes «profetizaram ao Espírito», para que infundisse a graça vivificante no Povo de Deus! De resto, não é talvez a missão do ministro ordenado, e em medida plena a do Bispo, como que uma grande epiclese, que encontra o seu ápice na celebração dos Sacramentos, de maneira especial da Eucaristia, da Confirmação e da Ordem?

À imagem de Cristo, todo o Pastor na Igreja é chamado a fazer-se instrumento activo da acção do Espírito Santo, que procede do Pai para iluminar, confortar, sanear e ressuscitar.

Confiemos ao Espírito Criador estes seus ministros fiéis, para que infunda neles a plenitude da vida no encontro com Cristo no Paraíso.

3. No Evangelho escutámos de novo a narração da morte de Cristo, segundo a redacção do evangelista João. Esta impressionante página evangélica permite-nos imergir com a nossa meditação nas profundezas de Deus, que só o Verbo encarnado, cheio de graça e verdade, pôde revelar. Quando contemplamos o ícone joanino da crucifixão e nos detemos naquela última palavra «expirou» (Jn 19,30), compreendemos, na luz da fé, que precisamente ali, na extrema doação do Filho de Deus, o Pai efundiu em plenitude o Espírito Santo no mundo.

O Bom Pastor, que veio para que os homens «tivessem a vida e a tivessem em abundância» (Jn 10,10), leva a cabo a Sua missão no momento em que, pregado na cruz, já sem forças para fazer algum gesto senão a extrema oferta de Si mesmo, «entrega o espírito», e nesse acto supremo efunde o Espírito Santo, para a salvação do mundo.

É esta a via para todo o cristão, ou melhor, para cada homem: realizar-se no dom de si. Mas esta é, de modo particular, a via para aqueles que na Igreja, por um especial dom da graça, foram configurados a Cristo Bom Pastor, o Qual «oferece a vida pelas Suas ovelhas» (Jn 10,11). E assim como Cristo, depois de ter conhecido a extrema debilidade, foi ressuscitado com o Seu corpo pelo poder do Espírito Santo, assim também o mesmo Espírito ressuscitará para a vida nova e eterna todos os que, com generosidade, dedicaram a própria existência ao Evangelho.

4. «Eis a tua mãe!» (Jn 19,27).

Com estas últimas palavras pronunciadas por Jesus na cruz, dirigidas ao apóstolo João, queremos concluir esta nossa meditação. Os venerados Irmãos Cardeais e Bispos, que hoje confiamos à bondade divina, «receberam Maria na sua casa» (ibid., v. 27b). Oremos para que Ela, Mater misericordiae os acolha, com todos os Santos, na casa do Pai.

Amém!





NA IGREJA NACIONAL ARGENTINA EM ROMA


1209
13 de Novembro de 1998


Amados Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio
Excelentíssimas Autoridades
Queridos irmãos e irmãs no Senhor

1. «Mulher, eis aí o Teu filho» (
Jn 19,26). Estas palavras de Jesus, dirigidas do madeiro da cruz a Maria, Sua Mãe, sob o olhar atento do discípulo João, que as transcreve no seu Evangelho, indicam-nos a vontade do Senhor de dar como Mãe à sua Igreja nascente a mesma Mulher que um dia O concebera no seu seio imaculado por obra e graça do Espírito Santo. Desde então, o povo cristão não hesitou em acolher a Virgem Maria com amor filial, vendo n'Ela um dom excelente de Cristo.

2. É com grande alegria que nesta tarde venho visitar a igreja nacional argentina em Roma, para me encontrar com todos e celebrar juntos a palavra de Deus, por ocasião da entronização neste templo da imagem de Nossa Senhora de Luján, que tive a alegria de abençoar durante a última visita «ad Limina » dos Bispos argentinos.

Agradeço a D. Estanislau Karlic, Presidente da Conferência Episcopal, as amáveis palavras que me dirigiu em nome de todo o episcopado argentino, no início desta celebração. Agradeço renovando a Vossa Excelência, bem como ao Senhor Cardeal Raúl Francisco Primatesta, Arcebispo de Córdova e Titular desta igreja, e aos outros Bispos da Argentina, a minha profunda estima no Senhor, que faço extensiva a todos os sacerdotes, às comunidades religiosas e aos fiéis das vossas Dioceses, que dum certo modo hoje estão aqui representados pela comunidade argentina de Roma, assistida pastoralmente pela comunidade de sacerdotes residentes nesta igreja, tendo como chefe o seu Reitor Pe. António Cavalieri.

Saúdo com deferência o Senhor Presidente da Nação argentina, Dr. Saúl Menem, bem como os membros do Governo e as autoridades civis que o acompanham, as quais quiseram participar nesta celebração litúrgica repleta de significado simbólico, porque é realizada neste templo, pátria espiritual dos católicos argentinos na Cidade eterna e expressão dos profundos vínculos de comunhão e afecto entre o querido povo argentino e a Sé de Pedro. Esta bonita igreja, dedicada a Nossa Senhora das Dores, foi construída graças à tenacidade do Mons. José León Gallardo, cujos restos mortais se encontram aqui, e orgulha-se de ser a primeira igreja nacional duma república americana em Roma. Por conseguinte, deve continuar a ser a casa romana de todos os fiéis argentinos, lugar de encontro e acolhimento, de amizade e reconciliação fraternas.

3. Como ensina São Paulo na primeira Carta, devemos dar graças a Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, porque nos abençoou em Cristo com todas as bênçãos, nos escolheu n'Ele a fim de sermos santos na caridade e nos destinou na pessoa do Filho para nos tornarmos também nós seus filhos adoptivos (cf. Ef Ep 1,3-6). Filhos de Deus e irmãos em Cristo! Eis o mistério da filiação divina. Dele derivam a dignidade comum e a igualdade fundamental de todos os cristãos, unidos entre si por vínculos sobrenaturais de fraternidade, mais profundos e duradouros do que as ideologias, os partidarismos ou os interesses de parte do nosso mundo.

4. Deus Pai, rico em misericórdia, quis dar aos Seus filhos da terra uma Mãe Imaculada: a Mãe de Jesus. Como ouvimos no Evangelho, do alto da cruz, cátedra suprema do amor e do sacrifício, Jesus fala à sua Mãe e ao discípulo. Diz à Mãe: «Mulher, eis aí o Teu filho». Depois, diz ao discípulo: «Eis aí a tua Mãe» (Jn 19,26-27). Olhando para a Virgem das Dores que preside na abóbada deste templo, podemos compreender melhor como a nova maternidade de Maria na ordem da graça é o fruto do amor que maturou nela, de maneira definitiva, aos pés da cruz, mediante a sua participação no amor redentor do Filho. Desta forma, Maria adquiriu no calvário um novo título, mediante o qual é e pode ser chamada Mãe espiritual dos irmãos do seu Filho.

Jesus deu-nos Maria como Mãe e ela aceitou-nos a todos como filhos! Eis o testamento que Cristo fez na Cruz. Por um lado, Ele confia a Igreja à solicitude de sua Mãe, por outro, confia a sua Mãe à solicitude da Igreja. A cena do calvário revela-nos o segredo da autêntica piedade mariana, que é o amor filial de dedicação e gratidão a Maria, amor de imitação e consagração à sua pessoa.

1210 5. Assim como São João, o discípulo predilecto, recebeu Maria na sua casa, também hoje o povo argentino a recebe nesta sua casa de Roma, entronizando a sua santa imagem de Luján. Hospedar Maria, oferecer-lhe o trono do coração e da mente tem um significado profundo que supera o mero sentimento: é a experiência da própria indigência que recorre confiante à omnipotência suplicante de Maria perante o Pai; é unir a própria vontade à de Maria, pronunciando como ela um «sim», para que Cristo entre plenamente na nossa vida. Hoje, ao entronizar esta imagem da Virgem, todos os católicos argentinos podem ouvir o convite materno de Maria a renovar o seu amor a Cristo e a confrontar-se com a verdade do Evangelho, que renova os indivíduos e as instituições; seremos julgados no final da nossa vida segundo a resposta que dermos.

6. Diante da tua imagem de pura e imaculada Conceição, Virgem de Luján, Padroeira da Argentina, prostro-me hoje, juntamente com todos os filhos e filhas dessa querida terra, cujos olhares e corações convergem para ti. Na encruzilhada do Terceiro Milénio confio-te, Mãe Santa de Luján, a Pátria argentina: as esperanças e os anseios do seu povo; as suas famílias e os seus lares, para que vivam em santidade; as suas crianças e os seus jovens, para que cresçam em paz e em harmonia e possam alcançar a plenitude da sua vocação humana e cristã; confio-te também o esforço quotidiano e o diálogo solidário dos empresários, dos trabalhadores e dos políticos, que encontram na Doutrina Social da Igreja a sua inspiração mais autêntica. Acolhe sob a tua protecção todos os que sofrem, os pobres, os doentes e os marginalizados. Faz com que toda a Argentina seja fiel ao teu Filho e abra de par em par o seu coração a Cristo, Redentor do homem, a esperança firme da humanidade.

Ó Virgem de Luján, assiste o povo argentino, sustenta-o na defesa da vida, conforte-o na tribulação, acompanha-o na alegria e ajuda-o sempre a dirigir o olhar ao céu, onde as cores da sua bandeira se confundem com as do teu manto imaculado. A ti a honra e a glória da Igreja para sempre, Mãe de Jesus e nossa Mãe!





NA MISSA CELEBRADA NA PARÓQUIA ROMANA


DE SÃO MATEUS APÓSTOLO E EVANGELISTA


15 de Novembro de 1998


1. «Vigiai e estai atentos, porque não sabeis em que dia virá o Senhor» (cf. Mt Mt 24,42 Mt Mt 24,44).

Estas palavras, tiradas da Aclamação ao Evangelho, ajudam-nos a compreender melhor o significado do tempo litúrgico que estamos a viver. Já nos aproximamos da conclusão do ano litúrgico, e a Igreja convida-nos a considerar os eventos últimos da vida e da história.

As Leituras bíblicas, que há pouco escutámos, apresentam a expectativa do retorno de Cristo através das enérgicas expressões do profeta Malaquias, que descreve o «dia do Senhor» (Ml 4,1) como uma imprevista e determinante intervenção de Deus na história. O Senhor vencerá definitivamente o mal e restabelecerá a justiça, punindo os maus e trazendo Consigo o prémio para os justos.

Na perspectiva final do mundo, resulta mais do que nunca premente o convite, proclamado na Aclamação ao Evangelho, a estarmos prontos. O cristão é chamado a viver na perspectiva do encontro com Cristo, constantemente consciente de dever contribuir cada dia, com o próprio empenhamento pessoal, para a gradual instauração do Reino divino.

2. «Quem não quiser trabalhar, não tem o direito de comer» (2Th 3,10).

Este convite do apóstolo Paulo à Comunidade de Tessalonica põe em evidência como a espera do «dia do Senhor » e a intervenção final de Deus não comportam para o cristão uma fuga do mundo ou uma atitude passiva em relação aos problemas quotidianos.

Ao contrário, a Palavra revelada oferece fundamento à certeza de que as vicissitudes humanas, embora submetidas a pressões e a transtornos às vezes tamb ém trágicos, permanecem solidamente nas mãos de Deus.

1211 Desse modo, a expectativa do «dia do Senhor» conduz os crentes a trabalharem com maior entusiasmo pelo progresso integral da humanidade. Ao mesmo tempo, inspira neles uma atitude de prudente vigilância e de sadio realismo, vivendo, dia após dia, na esperança do encontro definitivo com o Senhor.

3. Caríssimos Irmãos e Irmãs da Paróquia de São Mateus em Morena! Prosseguindo as Visitas pastorais às Paróquias romanas, a Providência de Deus conduziu-me hoje até aqui, no limite da Diocese de Roma com a de Frascati. Sob um ponto de vista geográfico, a vossa Paróquia está situada numa zona distante da casa do Papa, entretanto não o é sob o ponto de vista do afecto e da comunhão eclesial. Ela, como de resto cada Comunidade paroquial, está-me muito próxima e, para mim, é uma grande alegria encontrar-vos nesta feliz circunstância.

Saúdo todos vós com intensa cordialidade! Em primeiro lugar, saúdo o Cardeal Vigário, juntamente com o Arcebispo Vice-Gerante, que segue directamente a pastoral do Sector Leste da Diocese ao qual pertence esta Comunidade. Depois, saúdo o vosso Pároco, Padre Pedro Martínez Pedromingo, e os Sacerdotes seus colaboradores que pertencem aos Missionários Itinerantes. A eles dirige-se o meu cordial agradecimento pelo generoso ministério que desde há cinco anos exercem nesta Paróquia.

Dirijo um particular pensamento às Servas Paroquiais do Espírito Santo, que, com a sua presença, testemunho e ajuda pastoral, constituem uma componente da vossa Comunidade. Saúdo depois os membros dos numerosos grupos paroquiais e todos aqueles que, a vários títulos, estão empenhados na obra de evangelização da zona. A respeito disso, não posso deixar de reservar uma particular menção aos missionários da vossa Paróquia, empenhados na «Missão da cidade » no território.

A propósito da «Missão da cidade», no domingo 29 de Novembro, na Basílica Vaticana, durante a Celebração eucarística de abertura do terceiro ano de preparação para o Grande Jubileu do Ano 2000, se Deus quiser, terei a alegria de conferir o mandato aos missionários e missionárias da Diocese, para que levem o anúncio do Evangelho aos ambientes de vida e de trabalho da Cidade. Nessa significativa celebração, durante a qual será promulgada a Bula de proclamação do Ano Santo, terei a oportunidade de lhes entregar o Crucifixo, que levarão a cada um destes lugares.

O anúncio do amor de Deus Pai, que se manifestou plenamente na morte e ressurreição de Cristo, não tem confins de espaço nem de tempo. Com a «Missão da cidade», ele deve ressoar em todos os cantos da Diocese, porque o Evangelho é destinado a todos os homens, é mensagem de salvação a ser proclamada sempre e em toda a parte.

4. Como escrevi na Carta Apostólica Tertio millennio adveniente, no terceiro ano de preparação imediata para o Jubileu do Ano 2000, «recordando que Jesus veio "evangelizar os pobres" (
Mt 11,5 Lc 7,22)», dever-se-á «sublinhar com maior decisão a opção preferencial da Igreja pelos pobres e os marginalizados» (n. 51). Congratulo-me, portanto, convosco, caros paroquianos, porque quisestes criar, sobretudo a partir deste ano, um voluntariado que responda de modo sempre mais adequado às necessidades dos menos afortunados que vivem no vosso bairro. Refiro-me de modo especial aos anciãos, às famílias que perderam a alegria de viver unidas, aos adolescentes e aos jovens que não têm espaços suficientes e adequados para o tempo livre.

A propósito dos jovens, não posso deixar de pensar no Dia Mundial da Juventude, que a Diocese de Roma hospedará no mês de Agosto do ano 2000. Estou certo de que ele constituirá para vós, como para todas as outras Paróquias, a ocasião propícia para revigorar a pastoral juvenil e para fazer crescer a atenção da inteira Comunidade diocesana para com as jovens gerações. Desde agora faço votos por que todas as Paróquias, os Institutos religiosos, as Escolas católicas, as outras estruturas eclesiais e as famílias se empenhem por acolher os inúmeros jovens que virão a Roma para essa significativa circunstância.

5. «Pela vossa constância é que salvareis as vossas almas» (Lc 21,19) Estas são as palavras conclusivas do trecho evangélico de hoje. Elas enquadram a perspectiva do fim do mundo e do juízo final num contexto de espera confiante e de esperança cristã. Os discípulos de Cristo sabem, pela fé, que o mundo e a história provêm de Deus e a Deus estão destinados. Baseia-se nesta consciência a perseverança cristã, que conduz os crentes a enfrentar com optimismo as inevitáveis dificuldades e fadigas do viver quotidiano.

Com o olhar voltado para esta meta definitiva, façamos nossas as palavras do Salmo responsorial: «Vinde, Senhor, julgar o mundo». Sim, vinde, Senhor Jesus, instaurar no mundo o Reino! Reino do vosso e nosso Pai. Reino de vida e de salvação; Reino de justiça, de amor e de paz.

Amém!





NA SANTA MISSA DE ABERTURA


DA ASSEMBLEIA SINODAL PARA A OCEÂNIA


1212
22 de Novembro de 1998




1. «Jesus Nazareno, rei dos judeus». Este é o letreiro que tinham colocado na cruz. Pouco antes da morte de Cristo, um dos dois condenados, crucificados juntamente com Ele, disse-Lhe: «Lembra-Te de mim quando estiveres no Teu reino». Que reino? O objecto do seu pedido não era, certamente, um reino terreno, mas outro reino.

O bom ladrão fala como se tivesse ouvido o colóquio ocorrido precedentemente entre Pilatos e Cristo. Com efeito, fora diante de Pilatos que a Jesus tinha sido dirigida a acusação de querer fazer-se rei. Pilatos interrogara-O a respeito disto: «Tu és o rei dos judeus?» (
Jn 18,33). Cristo não negara; tinha explicado: «O Meu Reino não é deste mundo: se o Meu Reino fosse deste mundo, pelejariam os Meus servos, para que Eu não fosse entregue aos judeus; mas o Meu Reino não é daqui» (Jn 18,36). A Pilatos, que de novo O interrogava se Ele era rei, Jesus respondera directamente: «Tu o dizes! Eu sou Rei! Para isto nasci e para isto vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a Minha voz» (Jn 18,37).

2. A liturgia hodierna faz referência ao reino terreno de Israel, recordando a unção real de David. Sim, Deus que escolhera Israel, enviara-lhe não só os profetas mas também os reis, quando o povo eleito tinha pretendido ter um soberano terreno. Entre todos os reis que, depois, se sentaram no trono de Israel, o maior foi David. Se a primeira Leitura desta celebração se refere àquele reino, fá-lo para recordar que Jesus de Nazaré provinha da estirpe do rei David, mas ao mesmo tempo, e sobretudo, para sublinhar o facto que o carácter régio, próprio de Cristo, se põe noutro plano.

São significativas as palavras que Maria ouviu na anunciação: «O Senhor Deus dar-Lhe-á o trono de Seu pai David, reinará eternamente sobre a casa de Jacob e o Seu reinado não terá fim» (Lc 1,32-33). Este, portanto, não é só o reino terreno de David, que teve fim. É o reino de Cristo, que não conhece termo, o reino eterno, o reino da verdade, do amor e da vida eterna

O bom ladrão crucificado juntamente com Cristo chegou, de algum modo, ao âmago desta verdade. Antes, num certo sentido ele tornou-se profeta deste reino, quando, suspendido na cruz, disse: «Lembra-Te de mim quando estiveres no Teu reino» (Lc 23,42). Cristo respondeu- lhe: «... Hoje estarás Comigo no Paraíso» (Lc 23,43).

3. Para este reino, que não é daqui, Jesus convidou-nos a olhar, quando nos ensinou a invocar: «Venha o Vosso reino ». Obedecendo ao Seu mandato, os apóstolos, os discípulos, os missionários de todos os tempos despenderam as melhores energias para ampliar, mediante a evangelização, os confins deste reino. Com efeito, ele é dom do Pai (cf. Lc Lc 12,32), mas é também fruto da correspondência pessoal do homem. Na «nova criação» poderemos entrar no reino do Pai, só depois de termos seguido o Senhor na peregrinação terrena (cf. Mt 19,28).

Este é, portanto, o programa de todo o cristão: seguir o Senhor, Caminho, Verdade e Vida, para possuir o reino por Ele prometido e dado. Com esta solene Concelebração eucarística, estamos hoje a inaugurar a Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Oceânia, que tem como tema: «Jesus Cristo e os povos da Oceânia, seguindo o Seu caminho, proclamando a Sua verdade, vivendo a Sua vida».

Bem-vindos, venerados e caros Irmãos no Episcopado que tendes a solicitude pastoral pelas Igrejas particulares do Continente oceânico. Juntamente convosco, saúdo todos aqueles que participarão nos trabalhos sinodais e quantos os prepararam de maneira activa. Quereria, além disso, enviar um cordial pensamento às comunidades cristãs e às populações da Oceânia, que estão espiritualmente unidas a nós neste momento.

«Jesus, Verbo Encarnado, foi enviado pelo Pai ao mundo para o salvar, para proclamar e estabelecer o reino de Deus... O Pai, ao ressuscitá-l'O, fez d'Ele, perfeitamente e para sempre, o Caminho, a Verdade e a Vida para todos aqueles que crêem» (Instrumentum laboris, 5). Aquela difundida porção da Igreja, que materialmente está disseminada na imensidão dos espaços oceânicos, conhece o Caminho e sabe que nele encontrará a Verdade e a Vida: o caminho do Evangelho, via indicada pelos santos e pelos mártires que pelo Evangelho deram a própria vida (cf. Instrumentum laboris, 4).

4. Nos nossos dias, enquanto a Igreja universal se apresta para cruzar o limiar do Terceiro Milénio da era cristã, os Pastores da Oceânia reúnem-se em comunhão, unidos ao Sucessor de Pedro, para procurar impulsos novos à solicitude pastoral que os impele a anunciar o reino de Cristo, na diversidade das culturas e das tradições humanas, sociais e religiosas e na admirável multiplicidade dos seus povos.

1213 O apóstolo Paulo, na segunda Leitura, explica em que consiste o reino de que Jesus fala. Escreve assim aos Colossenses: é preciso dar graças a Deus, que «nos livrou do poder das trevas e nos transferiu para o Reino de Seu Filho muito amado, no Qual temos a redenção e a remissão dos pecados» (1, 13-14). Precisamente esta remissão dos pecados se tornou a herança do bom ladrão no Calvário. Ele foi o primeiro que experimentou que Cristo é Rei enquanto Redentor.

Em seguida, o Apóstolo explica a essência do reino de Cristo: «Ele é a imagem do Deus invisível. O Primogénito de toda a criação, porque n'Ele foram criadas todas as coisas nos Céus e na Terra, as visíveis e as invisíveis... Tudo foi criado por Ele e para Ele. Ele existe antes de todas as coisas e todas têm n'Ele a sua subsistência» (
Col 1,15-17). Portanto, Cristo é Rei, antes de tudo, como Primogénito em relação a qualquer outra criatura.

O texto paulino prossegue: «Ele é também a cabeça do Corpo, a Igreja; Ele é o princípio, o Primogénito dos mortos, pois devia ter em tudo a primazia. Porque agradou ao Pai que residisse n'Ele toda a plenitude, e por Ele fossem reconciliadas Consigo todas as coisas, pacificando, pelo sangue da Sua Cruz, tanto as da Terra como as dos Céus» (ibid., 1, 18-20). Com estas palavras, o Apóstolo de novo confirma e justifica tudo o que revelara sobre a essência do Reino de Cristo: Cristo é Rei como Primogénito entre os mortos. Noutras palavras: como Redentor do mundo, Cristo crucificado e ressuscitado é o Rei da humanidade nova.

5. «Jesus, lembra-Te de mim quando entrares no Teu reino» (Lc 23,42).

No Calvário, Jesus teve um companheiro de paixão muito singular, um ladrão. Para este desventurado, o caminho da cruz tornou-se, infalivelmente, o caminho do paraíso (cf. Lc Lc 23,43), o caminho da verdade e da vida, o caminho do reino. Hoje recordamo-lo como o «bom ladrão». Nesta circunstância solene em que nos estreitamos em torno do altar de Cristo para abrir um Sínodo, que tem diante de si um inteiro Continente com os seus problemas e as suas esperanças, podemos fazer nossa a oração do «bom ladrão».

«Jesus, lembrai-Vos de mim, lembrai- Vos de nós, lembrai-Vos dos povos, aos quais os Pastores aqui reunidos dão quotidianamente o pão vivo e verdadeiro do vosso Evangelho através dos espaços imensos, por mar e por terra. Enquanto pedimos que o Vosso reino venha a nós, damo-nos conta de que a Vossa promessa se torna realidade: depois de Vos termos seguido, chegaremos a Vós, no Vosso reino, atraídos por Vós elevado na cruz (cf. Jo Jn 12,32); a Vós, elevado sobre a história e no centro dela, Alfa e Ómega, o Primeiro e o Último (cf. Ap Ap 22,13), Senhor do tempo e dos séculos!

Dirigimo-nos a Vós com as palavras de um hino antigo:

«É pela Vossa morte dolorosa, Rei de eterna glória, que obtivestes para os povos a vida eterna, por isso o mundo inteiro Vos chama Rei dos homens. Reinai sobre nós, Cristo Senhor!».

Amém.





NA MISSA APÓS A ENTREGA DA BULA DE PROCLAMAÇÃO DO ANO SANTO


29 de Novembro de 1998

1. «Vamos com alegria ao encontro do Senhor» (Salmo responsorial).


1214 São as palavras do Salmo responsorial que acompanha esta liturgia do primeiro domingo do Advento, tempo litúrgico que renova cada ano a expectativa da vinda de Cristo. O Advento adquiriu, nestes anos que estamos a viver na perspectiva do Terceiro Milénio, uma nova e singular dimensão. Tertio millennio adveniente: 1998, que está a chegar ao fim, e o próximo ano de 1999 levam-nos ao limiar de um novo século e de um novo milénio.

Também a nossa celebração de hoje teve início no «limiar»: no limiar da Basílica de São Pedro, diante da Porta Santa, com a entrega e a leitura da Bula de proclamação do Grande Jubileu do Ano 2000.

«Vamos com alegria ao encontro do Senhor» é um refrão que se aplica perfeitamente ao Jubileu. É, por assim dizer, um «refrão jubilar», segundo a etimologia da palavra latina iubilare, que encerra em si a referência à alegria. Vamos, por conseguinte, com alegria! Caminhamos jubilosos e vigilantes na expectativa do tempo que recorda a vinda de Deus feito homem, tempo que alcançou a sua plenitude quando Cristo nasceu na manjedoura de Belém. Cumpriu-se então o tempo da expectativa.

Ao vivermos o Advento, esperamos um evento que se situa na história e ao mesmo tempo a transcende. Como acontece em cada ano, ele verificar-se-á na Noite do Natal do Senhor. À manjedoura de Belém acorrerão os pastores; mais tarde virão os Magos do Oriente. Uns e outros simbolizam, num certo sentido, toda a família humana. A exortação que ecoa na hodierna liturgia: «Vamos com alegria ao encontro do Senhor » difunde-se em todos os países, em todos os continentes, entre todos os povos e nações. A voz da liturgia - ou seja, a voz da Igreja - ecoa em toda a parte e convida todos para o Grande Jubileu.

2. Estes últimos três anos que precedem o Ano 2000 constituem um tempo de expectativa muito intenso, orientado para a meditação acerca do iminente acontecimento espiritual e da sua necessária preparação. O conteúdo desta preparação modela-se na fórmula trinitária, que se repete no final de cada oração litúrgica. Por conseguinte, vamos com alegria ao encontro do Pai, pelo Caminho que é nosso Senhor Jesus Cristo, que vive e reina com Ele na unidade do Espírito Santo.

Por este motivo, o primeiro ano foi dedicado ao Filho, o segundo ao Espírito Santo e o que hoje tem início - o último ano antes do Grande Jubileu - será o ano do Pai. Convidados pelo Pai, vamos ao Seu encontro através do Filho, no Espírito Santo. Este triénio de preparação imediata para o novo milénio, devido ao seu carácter trinitário, não nos fala apenas de Deus em si mesmo, como mistério inefável de vida e de santidade, mas também de Deus que vem ao nosso encontro.

3. Por isso, o refrão «Vamos com alegria ao encontro do Senhor» é tão apropriado. Nós podemos encontrar Deus, porque Ele veio ao nosso encontro. Fê-lo como o pai da parábola do filho pródigo (cf. Lc
Lc 15,11-32), porque é rico em misericórdia, dives in misericordia, e deseja encontrar-nos, de onde quer que venhamos e aonde quer que o nosso caminho nos leve. Deus vem ao nosso encontro, quer o tenhamos procurado, ignorado, ou até mesmo evitado. Ele é o primeiro a vir ao nosso encontro, com os braços abertos como um pai amoroso e misericordioso. Se Deus é o primei ro a vir ao nosso encontro, poderemos nós voltar- Lhe as costas? Mas não podemos ir sozinhos ao encontro do Pai. Devemos ser acompanhados por quantos pertencem à «família de Deus». A fim de nos prepararmos de modo conveniente para o Jubileu, devemos dispor-nos ao acolhimento de cada pessoa. Todos são nossos irmãos e irmãs, porque são filhos do mesmo Pai celeste.

Nesta perspectiva, podemos ler a bimilenária história da Igreja. É confortador constatar como a Igreja conhece, nesta passagem do segundo para o terceiro milénio, um renovado estímulo missionário. É quanto se revela com os Sínodos continentais celebrados nestes anos, incluindo o que actualmente se está a realizar para a Austrália e a Oceânia. É quanto demonstram também as informações que provêm do Comité para o Grande Jubileu, acerca das iniciativas predispostas pelas Igrejas locais em preparação para o histórico acontecimento.

Desejaria saudar de modo especial o Cardeal Presidente do Comité, o Secretário-Geral e os Colaboradores. A minha saudação torna-se de igual modo extensiva aos Cardeais, Bispos e Sacerdotes aqui presentes, bem como a todos vós, queridos Irmãos e Irmãs, que participais nesta solene Liturgia. Dirijo uma particular saudação ao Clero, aos religiosos, às religiosas e aos leigos empenhados de Roma que, juntamente com o Cardeal Vigário e os Bispos Auxiliares, se encontram aqui nesta manhã para inaugurar a última fase da Missão da Cidade, que se destina aos ambientes da sociedade. É uma fase importante, que verá toda a Diocese projectada numa ampla obra de evangelização em todos os ambientes de vida e de trabalho. No final da Santa Missa entregarei aos missionários a Cruz da Missão. É preciso que Cristo seja anunciado e testemunhado em quaisquer lugares e situações. Convido todos vós a sustentar com a oração este grande empreendimento. Conto sobretudo com o contributo das religiosas de clausura, dos doentes e das pessoas idosas que, apesar de não poderem participar directamente nesta iniciativa apostólica, podem contribuir em grande medida com a oração e a oferenda dos seus sofrimentos, a fim de predispor os corações ao acolhimento do anúncio evangélico.

Maria, que o tempo do Advento nos exorta a contemplar na laboriosa expectativa do Redentor, ajude todos vós a ser generosos apóstolos do seu Filho Jesus.

4. No Evangelho de hoje ouvimos o convite do Senhor à «vigilância »: «Portanto, vigiai! Porque não sabeis em que dia virá o vosso Senhor». E imediatamente a seguir: «Por isso, também vós estai preparados. Porque o Filho do Homem vir á na hora em que menos esperardes » (Mt 24,42 Mt 24,44). Na Liturgia ouve-se muitas vezes a exortação a vigiar, sobretudo no período do Advento, tempo de preparação não só para o Natal, mas também para a definitiva e gloriosa vinda de Cristo no fim dos tempos. Por conseguinte, tem um significado tipicamente escatológico e convida o fiel a transcorrer todos os dias e cada momento na presença d'Aquele «que é, que era e que vem» (Ap 1,4), ao qual pertence o futuro do mundo e do homem. Eis a esperança cristã! Sem esta perspectiva, a nossa existência reduzir-se-ia a vivermos para a morte.

1215 Cristo é o nosso Redentor: Redemptor mundi et Redemptor hominis, Redentor do mundo e do homem. Ele veio entre nós para nos ajudar a cruzar o limiar que conduz à porta da vida, a «porta santa» que é Ele mesmo.

5. Esta verdade confortadora esteja sempre diante dos nossos olhos, enquanto caminhamos em peregrinação rumo ao Grande Jubileu. Ela constitui a razão última da alegria à qual nos exorta a liturgia de hoje: «Vamos com alegria ao encontro do Senhor». Ao crermos em Cristo crucificado e ressuscitado, acreditamos na ressurreição da carne e na vida eterna.

Tertio millennio adveniente. Nesta perspectiva, os anos, os séculos e os milénios adquirem o sentido definitivo da existência que o Jubileu do Ano 2000 nos quer revelar.

Olhando para Cristo, façamos nossas as palavras dum antigo cântico popular polaco:

«A salvação veio através da cruz,
eis o grande mistério.
Todo o sofrimento tem um sentido:
leva à plenitude de vida».

Com esta fé no coração, que é a fé da Igreja, abro hoje, como Bispo de Roma, o terceiro ano de preparação para o Grande Jubileu. Inicio-o no nome do Pai celeste, que «amou de tal forma o mundo que entregou o Seu Filho único, para que todo o que n'Ele acredita... tenha a vida eterna» (
Jn 3,16).

Louvado seja Jesus Cristo!





Homilias JOÃO PAULO II 1208