Homilias JOÃO PAULO II 1234


VIAGEM APOSTÓLICA DE JOÃO PAULO II

AO MÉXICO E ESTADOS UNIDOS



NA BASÍLICA DE NOSSA SENHORA DE GUADALUPE


1235
Cidade do México, 23 de Janeiro de 1999




Amados Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio
Queridos Irmãos e Irmãs no Senhor!

1. «Ao chegar a plenitude dos tempos, Deus enviou o Seu Filho, nascido de mulher» (
Ga 4,4). O que é a plenitude dos tempos? A partir da perspectiva da história humana, a plenitude dos tempos é uma data concreta. É a noite em que o Filho de Deus veio ao mundo em Belém, segundo quanto foi anunciado pelos profetas, como escutámos na primeira leitura: «Por isso, o mesmo Senhor por sua conta e risco vos dará um sinal: Olhai: A jovem está grávida e dará à luz um filho, pôr-lhe-á o nome de Emanuel» (Is 7,14). Estas palavras, pronunciadas muitos séculos antes, cumpriram-se na noite em que veio ao mundo o Filho concebido, por obra do Espírito Santo, no seio da Virgem Maria.

O nascimento de Cristo foi precedido pelo anúncio do anjo Gabriel. Depois, Maria foi à casa da sua prima Isabel para se pôr ao seu serviço. O evangelista Lucas recordou-no-lo, colocando diante dos nossos olhos a insólita e profética saudação de Isabel e a esplêndida resposta de Maria: «A minha alma glorifica ao Senhor e o meu espírito exulta de alegria em Deus, meu Salvador» (1, 46- 47). Estes são os acontecimentos a que se refere a liturgia de hoje.

2. A leitura da Carta aos Gálatas, por sua vez, revela-nos a dimensão divina desta plenitude dos tempos. As palavras do apóstolo Paulo resumem toda a teologia do nascimento de Jesus, com a qual se esclarece ao mesmo tempo o sentido dessa plenitude. Trata-se de algo extraordinário: Deus entrou na história do homem. Deus, que é em Si mesmo o mistério insondável da vida; Deus, que é Pai e, desde a eternidade, Se reflecte a Si mesmo no Filho, consubstancial a Ele e pelo Qual foram feitas todas as coisas (cf. Jo Jn 1,1 Jo Jn 1,3); Deus, que é unidade do Pai e do Filho no fluxo de amor eterno, que é o Espírito Santo.

Apesar da pobreza das nossas palavras para expressar o mistério indescritível da Trindade, a verdade é que o homem, a partir da sua condição temporal, foi chamado a participar desta vida divina. O Filho de Deus nasceu da Virgem Maria, para nos outorgar a filiação divina. O Pai infundiu nos nossos corações o Espírito de Seu Filho, graças ao Qual podemos dizer: «Abbá, Pai» (cf. Gl Ga 4,4). Eis aqui, pois, a plenitude dos tempos, que colma toda a aspiração da história e da humanidade: a revelação do mistério de Deus, entregue ao ser humano mediante o dom da adopção divina.

3. A plenitude dos tempos a que se refere o Apóstolo está relacionada com a história humana. De certo modo, ao fazer-Se homem, Deus entrou no nosso tempo e transformou a nossa história em história de salvação. Uma história que abrange todas as vicissitudes do mundo e da humanidade, desde a criação até ao seu final, mas que se desenvolve através de momentos e datas importantes. Uma delas é o já próximo ano 2000 depois do nascimento de Jesus, o ano do Grande Jubileu, para o qual a Igreja se tem preparado também com a celebração dos Sínodos extraordinários dedicados a cada Continente, como é o caso daquele que foi celebrado no final de 1997 no Vaticano.

4. Hoje, nesta Basílica de Guadalupe, coração mariano da América, damos graças a Deus pela Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a América - autêntico cenáculo de comunhão eclesial e de afecto colegial entre os Pastores do Norte, do Centro e do Sul do Continente - vivida com o Bispo de Roma como experiência fraterna de encontro com o Senhor ressuscitado, caminho para a conversão, a comunhão e a solidariedade na América.

Agora, um ano depois da celebração daquela Assembleia sinodal, e em coincidência também com o centenário do Concílio Plenário da América Latina, que teve lugar em Roma, vim aqui para depositar aos pés da Virgem mestiça do Tepeyac, Estrela do Novo Mundo, a Exortação Apostólica Ecclesia in America, que recolhe os contributos e as sugestões pastorais do mencionado Sínodo, confiando à Mãe e Rainha deste Continente o futuro da sua evangelização.

5. Desejo expressar a minha gratidão àqueles que, com o seu trabalho e oração, fizeram com que aquela Assembleia sinodal reflectisse a vitalidade da fé católica na América. De igual modo, agradeço a esta Arquidiocese Primacial do México e ao seu Arcebispo, Cardeal Norberto Rivera Carrera, o cordial acolhimento e a generosa disponibilidade. Saúdo com afecto o numeroso grupo de Cardeais e Bispos que vieram de todas as partes do Continente e os numerosíssimos sacerdotes e seminaristas aqui presentes, que dão imensa alegria e esperança ao coração do Papa. A minha saudação vai para além das paredes desta Basílica, a fim de abraçar todos os que, da parte externa, acompanham a celebração, assim como todos os homens e mulheres das diversas culturas, etnias e nações que integram a rica e pluriforme realidade americana.

1236 6. «Bem-aventurada és tu que creste, pois se hão-de cumprir as coisas que da parte do Senhor te foram ditas» (Lc 1,45). Estas palavras que Isabel dirige a Maria, portadora de Cristo em seu seio, podem-se aplicar também à Igreja neste Continente. Bem-aventurada és tu, Igreja na América que, acolhendo a Boa Nova do Evangelho, geraste na fé numerosos povos! Bem-aventurada por crer, bem-aventurada por esperar, bem-aventurada por amar, porque a promessa do Senhor se cumprirá! Os heróicos esforços missionários e a admirável gesta evangelizadora destes cinco séculos não foram em vão. Hoje podemos dizer que, graças a isso, a Igreja na América é a Igreja da Esperança. Basta ver o vigor da sua numerosa juventude, o valor excepcional que se dá à família, o florescimento das vocações sacerdotais e de consagrados e, sobretudo, a profunda religiosidade dos seus povos. Não esqueçamos que no próximo milénio, já iminente, a América será o continente com o maior número de católicos.

7. Todavia, como os Padres sinodais ressaltaram, se a Igreja na América conhece bem os motivos para se alegrar, ela é também confrontada por graves dificuldades e importantes desafios. Devemos então desanimar? De maneira alguma: «Jesus Cristo é o Senhor!» (Ph 2,11). Ele venceu o mundo e enviou o seu Espírito Santo para renovar todas as coisas. Seria muito ambicioso esperar que, após essa Assembleia sinodal - o primeiro Sínodo americano da história - se desenvolvesse neste continente de maioria cristã uma maneira mais evangélica de viver e de partilhar? Existem muitos sectores em que as comunidades cristãs do Norte, do Centro e do Sul da América podem manifestar os seus laços fraternos, pôr em prática uma solidariedade concreta e colaborar nos projectos pastorais comuns, cada uma oferecendo as riquezas espirituais e materiais de que dispõe.

8. O Apóstolo Paulo ensina-nos que na plenitude dos tempos Deus enviou o Seu Filho, nascido de mulher, para nos remir do pecado e fazer de nós Seus filhos e filhas. Deste modo, já não somos servos, mas filhos e herdeiros de Deus (cf. Gl Ga 4,4-7). Portanto, a Igreja deve proclamar o Evangelho da vida e denunciar com força profética a cultura da morte. O Continente da Esperança seja também o Continente da Vida! Este é o nosso brado: uma vida com dignidade para todos! Para todos os que foram concebidos no seio da própria mãe, para os meninos de rua, para as populações indígenas e afro-americanas, para os imigrantes e refugiados, para os jovens privados de oportunidades, para os idosos e para todos aqueles que sofrem qualquer género de pobreza ou de marginalização.

Queridos Irmãos e Irmãs, chegou a hora de banir de uma vez para sempre do Continente qualquer ataque contra a vida. Basta com a violência, o terrorismo e o tráfico de drogas! Basta com a tortura ou outras formas de abuso! Deve-se pôr fim ao desnecessário recurso à pena de morte! Basta com a exploração dos débeis, a discriminação racial e os bolsões de pobreza! Nunca mais! Estes males são intoleráveis e bradam aos céus, exortando os cristãos a um diferente estilo de vida, a um compromisso social mais consoante com a sua fé. Devemos despertar a consciência dos homens e das mulheres com o Evangelho, a fim de evidenciarmos a sua sublime vocação de filhos de Deus. Isto há-de inspirá-los a construir uma América melhor. É urgente despertar uma nova primavera de santidade no Continente, de maneira que a acção e a contemplação caminhem lado a lado.

9. Quero confiar e oferecer o futuro do Continente a Maria Santíssima, Mãe de Cristo e Mãe da Igreja. Por isso, tenho a alegria de anunciar agora que declarei que, no dia 12 de Dezembro, em toda a América se celebre a Virgem Maria de Guadalupe com o grau litúrgico de festa.

Mãe! Tu conheces os caminhos que foram seguidos pelos primeiros evangelizadores do Novo Mundo, desde as ilhas Guanahani e La Española até às selvas do Amazonas e os cumes andinos, chegando até à Terra do Fogo no Sul e aos grandes lagos e montanhas do Norte. Acompanha a Igreja que desenvolve o seu trabalho nas nações americanas, para que seja sempre evangelizadora e renove o seu espírito missionário. Encoraja todos aqueles que dedicam a sua vida à causa de Jesus e à difusão do seu Reino.

Ó doce Senhora do Tepeyac, Mãe de Guadalupe! Apresentamos-Te esta incalculável multidão de fiéis que reza a Deus na América. Tu que entraste no seu coração, visita e conforta os lares, as paróquias e as dioceses de todo o Continente. Faze com que as famílias cristãs eduquem de maneira exemplar os seus filhos na fé da Igreja e no amor do Evangelho, para que sejam viveiros de vocações apostólicas. Volve hoje o teu olhar sobre os jovens e anima-os a caminhar com Jesus Cristo.

Ó Senhora e Mãe da América! Confirma a fé dos nossos irmãos e irmãs leigos, para que em todos os campos da vida social, profissional, cultural e política actuem de acordo com a verdade e a lei nova, que Jesus trouxe à humanidade. Dirige o teu olhar propício para a angústia de quantos sofrem de fome, solidão, marginalização e ignorância. Faze com que reconheçamos neles os teus filhos predilectos e dá-nos o impulso da caridade para os ajudar nas suas necessidades.

Virgem Santa de Guadalupe, Rainha da Paz! Salva as nações e os povos do Continente. Faze com que todos, governantes e cidadãos, aprendam a viver na autêntica liberdade, actuando segundo as exigências da justiça e o respeito dos direitos humanos, para que assim a paz se consolide definitivamente.

A ti, Senhora de Guadalupe, Mãe de Jesus e nossa Mãe, todo o carinho, honra, glória e louvor contínuo dos teus filhos e filhas americanos!

Obrigado por este esplêndido presente que me acompanhará. Tive a alegria de celebrar mais uma vez nesta Basílica, tão amada por todos os mexicanos e americanos, filhos da paz. Agradeço-vos as orações que todos os dias elevais por mim e pelo meu ministério petrino. Sei que continuareis a fazê-lo sempre. Muito obrigado!



VIAGEM APOSTÓLICA DE JOÃO PAULO II

AO MÉXICO E ESTADOS UNIDOS



NA SANTA MISSA CELEBRADA


NO AUTÓDROMO «HERMANO RODRÍGUEZ»


1237
Cidade do México, 24 de Janeiro de 1999




Queridos Irmãos e Irmãs!

1. «Sede perfeitos no mesmo espírito e no mesmo parecer» (
1Co 1,10).

Nesta manhã, as palavras do apóstolo São Paulo animam-nos a viver intensamente este encontro de fé, como é a celebração eucarística, no «santo domingo, honrado pela ressurreição do Senhor, primícia de todos os outros dias» (Dies Domini, 19). Sinto-me repleto de imensa alegria ao estar aqui a presidir à Santa Missa.

No plano de Deus, o domingo é o dia em que a comunidade cristã se congrega em torno da mesa da Palavra de Deus e da mesa da Eucaristia. Neste importante encontro somos chamados pelo Senhor a renovar e aprofundar o dom da fé. Sim, Irmãos, o domingo é o dia da fé e da esperança; o dia da alegria e da jubilosa resposta a Cristo Salvador, o dia da santidade. Nesta assembleia fraterna vivemos e celebramos a presença do Mestre, que prometeu: «E Eu estarei sempre convosco, até ao fim do mundo» (Mt 28,20).

2. Quero agradecer agora as amáveis palavras que me dirigiu o Senhor Cardeal Norberto Rivera Carrera, Arcebispo Primaz da Cidade do México, ao apresentar a realidade desta querida comunidade eclesial. Saúdo também com afecto o Cardeal Ernesto Corrípio Ahumada, Arcebispo Emérito da Cidade do México, assim como os demais Cardeais e Bispos mexicanos e os que vieram de outras partes do Continente americano e de Roma. O Papa anima-vos no exercício do vosso ministério e exorta-vos a não poupar energias ao pregardes com vigor o Evangelho de Cristo.

Saúdo também com grande estima os sacerdotes e os consagrados e consagradas, exortando-os a santificar-se com a sua irrenunciável doação a Deus, mediante o seu serviço à Igreja e à nova evangelização, seguindo sempre as directrizes dos seus Pastores. Isto será uma grande força para melhor anunciardes Cristo aos demais, especialmente aos mais afastados. Tenho de igual modo presentes tantas religiosas de clausura, que oram pela Igreja, pelo Papa, pelos Bispos e Sacerdotes, pelos missionários e por todos os fiéis.

Saúdo igualmente, de maneira muito afectuosa, os numerosos indígenas de diversas regiões do México, presentes nesta celebração. O Papa sente-se muito próximo de todos vós, admirando os valores das vossas culturas, e animando-vos a superar com esperança as difíceis situações que atravessais. Convido-vos a esforçar-vos por alcançar o vosso progresso e trabalhar pela vossa promoção. Construí com responsabilidade o vosso futuro e o dos vossos filhos! Por isso, peço a todos os fiéis desta Nação que se comprometam a ajudar e promover os mais necessitados de entre vós. É necessário que todos e cada um dos filhos desta Pátria tenham o necessário para levar uma vida digna. Todos os membros da sociedade mexicana são iguais em dignidade, pois são filhos de Deus e, portanto, merecem todo o respeito e têm direito a realizar-se plenamente na justiça e na paz.

A palavra do Papa quer chegar também aos doentes que não puderam estar aqui connosco. Sinto-me muito perto deles para lhes comunicar o consolo e a paz de Cristo. Peço-lhes que, enquanto buscam recuperar a saúde, ofereçam a sua enfermidade pela Igreja, sabendo o valor salvífico e a força evangelizadora que tem o sofrimento humano associado ao do Senhor Jesus.

Agradeço de modo particular às Autoridades civis a sua presença nesta celebração. O Papa encoraja-as a continuar a trabalhar com diligência pelo bem de todos, com profundo sentido de justiça, segundo as responsabilidades que lhe foram confiadas.

3. Na primeira leitura, ao referir-se à expectativa messiânica de Israel, diz o Profeta: «O povo que andava nas trevas viu uma grande luz (Is 9,1). Esta luz é Cristo, trazida aqui, há quase quinhentos anos, pelos doze primeiros evangelizadores franciscanos procedentes da Espanha. Hoje, somos testemunhas de uma fé arraigada e dos abundantes frutos que foram produzidos pelo sacrifício e a abnegação de tantos missionários.

1238 Como nos recorda o Concílio Vaticano II, «Cristo é a luz dos povos» (Lumen gentium LG 1). Que esta luz ilumine a sociedade mexicana, as suas famílias, escolas e universidades, os seus campos e cidades. Que os valores do Evangelho inspirem os governantes a servirem os seus concidadãos, tendo muito presente os mais necessitados.

A fé em Cristo é parte integrante da nação mexicana, estando como que gravada de maneira indelével na sua história. Não deixeis extinguir esta luz da fé! O México continua a necessitar dela, para poder construir uma sociedade mais justa e fraterna, solidária com os que nada têm e que esperam um futuro melhor.

Às vezes o mundo actual esquece os valores transcendentes da pessoa humana: a sua dignidade e liberdade, o seu direito inviolável à vida e o dom inestimável da família, dentro de um clima de solidariedade na convivência social. As relações entre os homens nem sempre se fundam sobre os princípios da caridade e da ajuda mútua. Ao contrário, outros são os critérios dominantes, pondo em perigo o desenvolvimento harmonioso e o progresso integral das pessoas e dos povos. Por isso, os cristãos devem ser como a «alma» deste mundo: que o colme de espírito, lhe infunda vida e coopere na construção de uma sociedade nova, regida pelo amor e a verdade.

Vós, queridos filhos e filhas, mesmo nos momentos mais difíceis da vossa história, soubestes reconhecer sempre o Mestre «que tem palavras de vida eterna» (cf. Jo Jn 6,68). Fazei com que a palavra de Cristo chegue aos que ainda a ignoram! Tende a coragem de testemunhar o Evangelho nas ruas e nas praças, nos vales e montanhas desta Nação! Promovei a nova evangelização, seguindo as orientações da Igreja.

4. No salmo responsorial cantámos: «O Senhor é a minha luz e a minha salvação» (Ps 26,1). A quem podemos temer se Ele está connosco? Sede, pois, corajosos. Buscai o Senhor e n'Ele encontrareis a paz. Os cristãos são chamados a ser «luz do mundo» (Mt 5,14), iluminando com o testemunho das suas obras a sociedade inteira.

Quando se empreende firmemente o caminho da fé, são deixadas de lado as seduções que levam a afastar-se da Igreja, corpo místico de Cristo, e não se presta atenção àqueles que, renegando a verdade, pregam a •divisão e o ódio (cf. 2P 2,1-2). Filhos e filhas do México e da América inteira, não busqueis a verdade da vida em ideologias falazes e aparentemente portadoras de novidade: «Jesus é verdadeiramente a realidade nova que supera tudo quanto a humanidade possa esperar, e tal permanecerá para sempre (Incarnationis mysterium, 1).

5. Neste Autódromo, transformado hoje num grande templo, ressoam com vigor as palavras com que Jesus começou a Sua pregação: «Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus» (Mt 4,17). Desde as suas origens, a Igreja transmite com fidelidade esta mensagem de conversão, para que todos nós possamos levar uma vida mais pura, segundo o espírito do Evangelho. O apelo à conversão torna-se mais premente nestes momentos de preparação para o Grande Jubileu, no qual comemoraremos o mistério da Encarnação do Filho de Deus, ocorrido há dois mil anos.

Ao começar este ano litúrgico, com a Bula Incarnationis mysterium, eu indicava como «o tempo jubilar nos faz ouvir aquela linguagem vigorosa que Deus usa, na sua pedagogia de salvação, para impelir o homem à conversão e à penitência, princípio e caminho da sua reabilitação» (n. 2). Por isso, o Papa exorta-vos a converter o próprio coração a Cristo. É necessário que a Igreja inteira comece o novo milénio ajudando os seus filhos a purificarem-se do pecado e do mal; que estenda os seus horizontes de santidade e fidelidade, para participarmos na graça de Cristo, que nos chamou a ser filhos da luz e a ter parte na glória eterna (cf. Cl Col 1,13).

6. «Vinde após Mim e Eu farei de vós pescadores de homens» (Mt 4,19).

Estas palavras de Jesus, que escutámos, repetem-se ao longo da história e em todos os rincões da terra. Como o Mestre, faço o mesmo convite a todos, especialmente aos jovens, a seguirem Cristo. Queridos jovens, certa vez Jesus chamou Simão Pedro e André. Eram pescadores e abandonaram as suas redes para O seguirem. Certamente, Cristo chama alguns de vós a segui-l'O e a entregar-se totalmente à causa do Evangelho. Não tenhais medo de aceitar este convite do Senhor! Não permitais que as redes vos impeçam de seguir o caminho de Jesus! Sede generosos, não deixeis de responder ao Mestre que chama. Segui-O, para serdes, como os Apóstolos, pescadores de homens.

De igual modo, encorajo os pais e mães de família a serem os primeiros a alimentar a semente da vocação nos seus filhos, dando-lhes exemplo do amor de Cristo nos seus lares, com esforço e sacrifício, com dedicação e responsabilidade. Queridos pais: formai os vossos filhos segundo os princípios do Evangelho, para que possam ser os evangelizadores do terceiro milénio. A Igreja tem necessidade de mais evangelizadores. A América inteira, da qual fazeis parte, e sobretudo esta querida Nação, tem uma grande responsabilidade diante do futuro.

1239 Durante muito tempo o México recebeu a abnegada e generosa acção evangelizadora de tantas testemunhas de Cristo. Pensemos nalgumas dessas figuras exímias, como Juan de Zumárraga e Vasco de Quiroga. Outros evangelizaram com o seu testemunho até à morte, como os Beatos meninos mártires de Tlaxcala, Cristóbal, António e Juan, ou o Beato Miguel Pro e tantos outros sacerdotes, religiosos e leigos mártires. Outros, por fim, foram confessores como o Bispo Beato Rafael Guizar.

7. Ao concluir, quero dirigir o meu pensamento para o Tepeyac, para Nossa Senhora de Guadalupe, Estrela da primeira e da nova Evangelização da América. A ela confio a Igreja que peregrina no México e no Continente americano, e peço-lhe ardentemente que acompanhe os seus filhos a entrarem, com fé e esperança, no terceiro milénio.

Sob o seu cuidado materno ponho os jovens desta Pátria, assim como a vida e inocência das crianças, de modo especial das que correm o perigo de não nascer. Confio à sua amorosa protecção a causa da vida: que nenhum mexicano se atreva a vulnerar o dom precioso e sagrado da vida no seio materno!

À sua intercessão recomendo os pobres com as suas necessidades e anseios. Diante d'Ela, com o seu rosto mestiço, deposito os anseios e esperanças dos povos indígenas com a sua própria cultura, que esperam alcançar as suas legítimas aspirações e o desenvolvimento a que têm direito. Confio-Lhe de igual modo os afro-americanos. Nas suas mãos ponho também os trabalhadores, empresários e todos os que, com a sua actividade, colaboram no progresso da sociedade actual.

Virgem Santíssima, que, como o Beato Juan Diego, possamos no caminho da nossa vida levar impressa a tua imagem e anunciar a Boa Nova de Cristo a todos os homens!

Esta pregação deve ser ressaltada. Pregou o Papa e, com ele, toda a assembleia com as suas preces. Aqui, à minha esquerda, encontra-se um grupo de crianças que rezou com uma força especial. Muito obrigado a todos!



VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II

AO MÉXICO E ESTADOS UNIDOS



NA SOLENE MISSA CONCELEBRADA


NO «TRANS WORLD DOME»


São Luís, 27 de Janeiro de 1999


«Nisto se manifestou o amor de Deus para connosco: em ter enviado o Seu Filho unigénito ao mundo, para que, por Ele, vivamos» (1Jn 4,9).

Caros Irmãos e Irmãs!

1. Na Encarnação, Deus revela-Se a Si mesmo plenamente no Filho, que veio ao mundo (cf. Tertio millennio adveniente, 9). A nossa fé não é simplesmente o resultado da nossa busca de Deus. Em Jesus Cristo, é Deus que, pessoalmente, vem até nós para nos falar e nos indicar o caminho rumo a Ele.

A Encarnação revela também a verdade sobre o homem. Em Jesus Cristo, o Pai pronunciou a palavra definitiva sobre o nosso verdadeiro destino e sobre o significado da história humana (cf. ibidem, n. 5). «Nisto consiste o Seu amor: não fomos nós que amámos a Deus, mas foi Ele que nos amou e enviou o Seu Filho como propiciação pelos nossos pecados» (1Jn 4,10). O Apóstolo fala do amor que inspirou o Filho a fazer-Se homem e a habitar no meio de nós. Através de Jesus Cristo sabemos quanto o Pai nos ama. Em Jesus Cristo, pelo dom do Espírito Santo, cada um de nós pode participar no amor que é a vida da Santíssima Trindade.

1240 São João prossegue: «Todo aquele que confessar que Jesus Cristo é o Filho de Deus, Deus está nele e ele em Deus» (1Jn 4,15). Através da fé no Filho de Deus que Se fez homem, temos morada no coração de Deus: «Deus é amor, e quem permanece no amor permanece em Deus e Deus em nós» (ibid., 4, 16). Estas palavras revelam-nos o mistério do Sagrado Coração de Jesus: o amor e a compaixão de Jesus são a porta, através da qual o amor eterno do Pai é derramado sobre o mundo. Ao celebrar esta Missa do Sagrado Coração, abramos de par em par os nossos corações à misericórdia salvífica de Deus!

2. Na leitura do Evangelho que há pouco escutámos, São Lucas usa a figura do Bom Pastor para falar deste amor divino. O Bom Pastor é uma imagem querida a Jesus nos Evangelhos. Ao responder aos Fariseus que se lamentavam porque Ele recebia os pecadores, comendo com eles, o Senhor faz-lhes uma pergunta: Quem de vós, que, possuindo cem ovelhas e tendo perdido uma delas, não deixa as noventa e nove no deserto e vai à procura da que se perdeu, até a encontrar? «Ao encontrá-la, põe-na alegremente nos ombros e, ao chegar a ca- sa, convoca os amigos e vizinhos e diz- lhes: "Alegrai-vos comigo, porque achei a minha ovelha perdida"» (Lc 15,4-6).

Esta parábola sublinha a alegria de Cristo e do nosso Pai celeste por todo o pecador que se arrepende. O amor de Deus é um amor que nos busca. É um amor salvífico. Este é o amor que encontramos no Coração de Jesus.

3. Quando conhecemos o amor que existe no Coração de Cristo, sabemos que cada pessoa, cada família, cada povo sobre a face da terra pode depositar a própria confiança nesse Coração. Escutámos o que disse Moisés: «És um povo consagrado ao Senhor, teu Deus [...] Se o Senhor vos preferiu e vos distinguiu [...] foi porque o Senhor vos ama» (Dt 7,6-8). Desde os tempos do Antigo Testamento, o fulcro da história da salvação é representado pelo amor inexaurível, pela predilecção de Deus e pela nossa resposta humana a esse amor. A nossa fé é a resposta ao amor e à predilecção de Deus.

Já transcorreram trezentos anos desde aquele dia 8 de Dezembro de 1698, no qual o santo sacrifício da Missa foi oferecido pela primeira vez naquela que, agora, é a cidade de São Luís. Era a solenidade da Imaculada Conceição da Bem-aventurada Virgem; e os Padres Montigny, Davion e S. Cosme erigiram um altar de pedra, nas margens do Mississípi, e celebraram a Missa. Estes três séculos foram a história do amor de Deus derramado sobre esta parte dos Estados Unidos e uma história de generosa resposta a esse amor.

Nesta Arquidiocese, o mandamento do amor suscitou uma série infinita de actividades, pelas quais hoje damos graças ao nosso Pai celeste. São Luís foi a Porta para o Ocidente, mas foi também a porta para o grande testemunho cristão e do serviço evangélico. Fiel ao mandato de Cristo de evangelizar, o primeiro Pastor desta Igreja local, o Bispo Joseph Rosati - originário da pequena cidade de Sora, muito perto de Roma - desde o início promoveu uma excepcional actividade missionária. Hoje, de facto, podemos contar quarenta e seis diversas Dioceses, no território em que o Bispo Rosati prestou serviço.

Saúdo com muito afecto o vosso actual Pastor, o estimado Arcebispo Rigali, meu precioso colaborador em Roma. Saúdo no amor do Senhor toda a Igreja desta região.

Nesta área, numerosas Congregações religiosas, masculinas e femininas, trabalharam pelo Evangelho com dedicação exemplar, uma geração depois da outra. Aqui é possível encontrar as raízes americanas do empenho evangelizador da Legião de Maria ou de outras associações de apostolado laical. A actividade da Sociedade para a Propagação da Fé, que se tornou possível pelo generoso apoio do povo desta Arquidiocese, é uma autêntica participação na resposta da Igreja ao mandato de Cristo de evangelizar. De São Luís, o Cardeal Ritter enviou os primeiros sacerdotes Fidei donum à América Latina, em 1956, dando assim expressão concreta ao intercâmbio de dons, que deveria sempre fazer parte da comunhão entre as Igrejas. Esta solidariedade no seio da Igreja foi o tema central da Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a América do ano passado, e é o pensamento central da Exortação Apostólica Ecclesia in America - A Igreja na América - que há pouco assinei e emanei junto do Santuário de Nossa Senhora de Guadalupe, na Cidade do México.

4. Aqui, pela graça de Deus, as actividades caritativas de todo o género têm sido uma parte viva da vida católica. A Sociedade de São Vicente de Paulo, desde o início, ocupou um lugar privilegiado na Arquidiocese. Os Institutos católicos de caridade, durante muitos anos desenvolveram um trabalho excepcional no nome de Jesus Cristo. Os excelentes serviços católicos de assistência no campo da saúde mostraram o rosto humano de Cristo amoroso e compassivo.

As escolas católicas deram provas de possuir um valor inestimável para gerações de crianças, ensinando-lhes a conhecer, amar e servir a Deus e preparando-as para assumir com responsabilidade o seu papel na comunidade. Pais, professores, pastores, administradores e inteiras paróquias fizeram grandes sacrifícios para conservar o carácter fundamental da educação católica, como autêntico ministério da Igreja e serviço evangélico aos jovens. Os objectivos do Plano de Estratégia Pastoral da Arquidiocese - evangelização, conversão, serviço, educação católica, assistência aos necessitados - têm aqui uma longa tradição. Hoje, os católicos americanos devem enfrentar o grave desafio de conhecer e conservar esta imensa herança de santidade e serviço. Desta herança deveis haurir inspiração e força para a nova evangelização, tão necessária ao aproximar-se o Terceiro Milénio cristão. Através da santidade e do serviço da Santa de São Luís, Filipina Duchesne, e de inúmeros sacerdotes, religiosos e leigos desde os primórdios da Igreja neste território, a vida católica manifestou-se com todo o seu rico e diversificado esplendor. Hoje não vos é pedido menos.

5. Na nova evangelização que se está a realizar, é preciso dar um particular relevo à família e à renovação do matrimónio cristão. Na sua principal missão de comunicarem o amor, de serem juntamente com Deus co-criadores da vida humana e de transmitirem o amor de Deus aos seus filhos, os pais devem saber beneficiar do pleno apoio da Igreja e da sociedade.

1241 A nova evangelização deve fazer com que a família seja mais plenamente apreciada como primeiro e mais vital fundamento da sociedade, como primeira escola de virtude social e de solidariedade (cf. Familiaris consortio FC 42). Assim como está a família, assim está a nação!

A nova evangelização deve também fazer emergir a verdade, segundo a qual «o Evangelho do amor de Deus pelo homem, o Evangelho da dignidade da pessoa e o Evangelho da vida são um único e indivisível Evangelho» (Evangelium vitae EV 2). Enquanto crentes, como não entender que o aborto, a eutanásia e o suicídio assistido representam uma terrível rejeição do dom de Deus da vida e do amor? E, enquanto crentes, como não sentir o dever de oferecer aos doentes e aos que sofrem o calor do nosso afecto e o apoio que os ajudará sempre a abraçar a vida?

A nova evangelização tem necessidade de seguidores de Cristo que sejam, de maneira incondicional, a favor da vida; que proclamem, celebrem e sirvam o Evangelho da vida em qualquer situação. Um sinal de esperança é constituído pelo crescente reconhecimento de que a dignidade da vida humana nunca deve ser negada, nem sequer a quem praticou o mal. A sociedade moderna possui os instrumentos para se proteger, sem negar de modo definitivo aos criminosos a possibilidade de se redimirem (cf. Evangelium vitae EV 27). Renovo o apelo lançado no Natal, a fim de que se decida abolir a pena de morte, que é cruel e inútil.

Ao aproximar-se o novo Milénio, apresenta-se outro desafio a esta comunidade de São Luís, a Leste e a Oeste do Mississípi, e não só a São Luís, mas ao inteiro País: o de pôr fim a qualquer forma de racismo, chaga que os vossos Bispos definiram um dos males mais persistentes e destruidores da nação.

6. Caros Irmãos e queridas Irmãs, o Evangelho do amor de Deus, que hoje celebramos, encontra a sua máxima expressão na Eucaristia. Na Missa e na Adoração eucarística encontramos o amor misericordioso de Deus, que passa pelo Coração de Jesus Cristo. No nome de Jesus, o Bom Pastor, desejo lançar um apelo aos católicos em todo os Estados Unidos e onde quer que cheguem a minha voz e as minhas palavras, sobretudo àqueles que, por qualquer motivo, estão afastados da prática da fé. Na vigília do Grande Jubileu do bimilenário da Encarnação, Cristo está à vossa procura e convida-vos a retornar à comunidade de fé. Não é talvez este o momento de experimentar a alegria de retornar a casa do Pai? Nalguns casos, ainda poderá haver obstáculos à participação eucarística; noutros, poderá haver recordações a sanar; em todos os casos há sempre a certeza do amor e da misericórdia de Deus.

O Grande Jubileu do Ano 2000 iniciará com a abertura da Porta Santa na Basílica de São Pedro, em Roma: é um poderoso símbolo da Igreja - aberta a todo aquele que sentir a necessidade do amor e da misericórdia do Coração de Cristo. No Evangelho, Jesus diz: «Eu sou a porta: se alguém entrar por Mim, salvar-se-á; entrará e sairá e achará pastagens» (Jn 10,9).

A nossa vida cristã pode ser considerada uma grande peregrinação rumo à casa do Pai, que passa através da porta que é Jesus Cristo. A chave dessa porta é o arrependimento e a conversão. A força para cruzar o limiar desta porta provém da nossa fé, da esperança e do amor. Para muitos católicos, uma parte importante da viagem consiste na necessidade de redescobrir a alegria de pertencer à Igreja, de cuidar da Igreja, pois ela nos foi dada pelo Senhor, como Mãe e Mestra.

Vivendo no Espírito Santo, a Igreja espera o Milénio como tempo de profunda renovação espiritual. O Espírito suscitará verdadeiramente uma nova primavera de fé, se os corações cristãos estiverem repletos de novas atitudes de humildade, generosidade e abertura à Sua graça purificadora. Nas paróquias e nas comunidades desta terra hão-de florescer a santidade e o serviço cristão, se «conhecerdes e acreditardes no amor que Deus tem por vós» (cf. 1Jn 4,16).

Maria, Mãe de Misericórdia, ensina os habitantes de São Luís e dos Estados Unidos a dizerem sim ao teu Filho, nosso Senhor Jesus Cristo!

Mãe da Igreja, ao longo do caminho rumo ao Grande Jubileu do Terceiro Milénio, sê a Estrela que guia com segurança os nossos passos em direcção ao Senhor!

Virgem de Nazaré, há dois mil anos trouxeste ao mundo o Verbo Encarnado, conduze os homens e as mulheres do novo Milénio Àquele que é a verdadeira luz do mundo! Amém.

1242 Paz! A paz de Cristo a todos vós. Aos meus irmãos, Cardeais e Bispos, hoje tão numerosos, Pastores da Igreja que está na América. Agradeço de modo particular aos Sacerdotes a sua quotidiana solicitude pastoral para com os filhos de Deus. Obrigado a todos vós pela linda liturgia. Aprecio muito a vossa entusiasta participação e o espírito de oração. Exprimo mais uma vez a minha gratidão ao Arcebispo Rigali, vosso Pastor, e a quantos colaboraram na preparação deste grande acontecimento.

Saúdo cordialmente os meus conterrâneos que vivem na América, sobretudo os que residem em São Luís. Estou-vos grato por me terdes recordado nas vossas orações. Deus vos abençoe a todos!

Dirijo uma particular palavra de afecto aos doentes, aos presos e a todos os que sofrem no corpo e na alma. Exprimo também a minha gratidão e estima aos meus irmãos e irmãs que com espírito de adoração ecuménica, se uniram a nós. Obrigado!



Homilias JOÃO PAULO II 1234