Homilias JOÃO PAULO II 1242


VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II

MÉXICO E ESTADOS UNIDOS



NA CELEBRAÇÃO DO OFÍCIO DAS VÉSPERAS


São Luís, 27 de Janeiro de 1999

«Louvem-Vos, ó Senhor! Os povos, todos os povos, Vos dêem graças» (Ps 67,4).


Caros Irmãos e Irmãs

1. Estamos reunidos aqui nesta esplêndida Basílica-Catedral, para adorar a Deus e fazer com que as nossas orações se elevem a Ele como incenso. Ao cantarmos os louvores a Deus, recordamos e reconhecemos o Seu domínio sobre a criação e sobre a nossa vida. A nossa oração, nesta tarde, recorda-nos que a nossa verdadeira língua mãe é o louvor a Deus, a linguagem dos Céus, a nossa verdadeira casa.

Estamos reunidos naquela que é já a vigília de um novo Milénio, sob todos os pontos de vista uma viragem decisiva para o mundo. Se olharmos o século que estamos a deixar para trás, vemos que o orgulho humano e a força do pecado tornaram difícil a muitas pessoas falar a própria língua mãe. Para podermos cantar louvores a Deus, devemos aprender de novo a língua da humildade e da confiança, a língua da integridade moral e do empenho sincero por tudo aquilo que é verdadeiramente bom aos olhos do Senhor.

2. Há pouco escutámos uma comovente Leitura, na qual o profeta Isaías descreve um povo que, subjugado e desanimado, retorna do exílio. Também nós, às vezes, experimentamos o deserto árido: as nossas mãos são débeis, os nossos joelhos fracos, o nosso coração amedrontado. Quantas vezes o louvor a Deus morre nos nossos lábios e daí brota, ao contrário, um cântico de lamento! A mensagem do profeta é uma exortação à confiança, uma exortação à coragem, uma exortação à esperança na salvação que vem do Senhor! Como é urgente para nós esta exortação: «Tomai ânimo, não temais! Olhai: o nosso Deus... Ele vem em pessoa salvar-nos» (Is 35,3-4)!

3. O nosso amável anfitrião, o Arcebispo Rigali, convidou para a celebração das Vésperas os representantes de muitos diferentes grupos religiosos e sectores da sociedade civil. Saúdo o Vice-Presidente dos Estados Unidos da América, as outras Autoridades civis, e os responsáveis de comunidades aqui presentes. Saúdo os meus irmãos e irmãs na fé católica: os membros do laicado que desejam viver a sua dignidade baptismal de modo ainda mais intenso, com os seus esforços para fazer com que o Evangelho tenha influência nas realidades da vida quotidiana da sociedade.

Com afecto saúdo os meus irmãos sacerdotes, que representam todos os numerosos, solícitos e generosos sacerdotes de São Luís e de outras Dioceses. Espero que exulteis cada dia ao encontrar, na oração e na Eucaristia, Jesus Cristo vivo, de cujo sacerdócio compartilhais. Com alegria vos saúdo, diáconos da Igreja e encorajo o vosso ministério litúrgico, pastoral e caritativo. Dirijo um agradecimento particular às vossas esposas e famílias pelo papel de apoio que desempenham neste ministério.

1243 Os numerosos religiosos que estão aqui esta tarde, representam milhares e milhares de mulheres e de homens que trabalham na Arquidiocese desde o início. Sois aqueles que seguem a Cristo, imitando o Seu total dom de Si ao Pai e à causa do seu Reino. A cada um de vós dirigem-se o meu agradecimento e a minha estima.

De bom grado, dirijo uma particular palavra de encorajamento aos seminaristas. Sereis os sacerdotes do novo Milénio, trabalhando com Cristo para a nova evangelização, ajudando a Igreja, sob a acção do Espírito Santo, a satisfazer as exigências do novo século. Todos os dias oro para que o Senhor vos torne «Pastores segundo o Seu coração» (
Jr 3,15).

4. Sinto-me particularmente feliz por que ilustres membros de outras Igrejas e Comunidades eclesiais estejam unidos à comunidade católica de São Luís, nesta celebração das Vésperas. Com esperança e confiança continuemos a trabalhar juntos para realizar o desejo do Senhor, a fim de que «todos sejam um só [...], para que o mundo creia» (Jn 17,21). A minha amizade e estima dirigem-se também aos membros de todas as outras tradições religiosas. Penso em particular no vínculo que, desde há muito tempo, tenho com os membros da fé hebraica, e nos meus encontros em muitas partes do mundo com os irmãos e irmãs muçulmanos. Hoje, a Divina Providência reuniu-nos e permitiu-nos orar: «Todos os povos Vos dêem graças!». Possa esta oração significar o nosso empenho comum por uma compreensão e colaboração sempre maiores!

5. Desejo também dizer uma palavra de apreço à comunidade civil da inteira área metropolitana, a todas as pessoas da cidade de São Luís que estão empenhadas no bem-estar humano, cultural e social. A vossa determinação em enfrentar os muitos desafios urbanos que se apresentam à comunidade, ajudará a criar um renovado «espírito de São Luís» para servir a causa da cidade, que é a causa do seu povo e das suas exigências. É preciso dedicar particular atenção à formação dos jovens, para que participem de maneira positiva na comunidade. A respeito disso, compartilho a esperança da Arquidiocese de que o Cardinal Ritter College Prep, sustentado pelo apoio conjunto de todos os sectores, possa continuar a oferecer a muitos jovens a oportunidade de aceder a uma válida educação e a uma autêntica promoção humana.

Em nome da Igreja agradeço a todos, inclusive à comunidade económica, o constante apoio a muitos e válidos serviços caritativos, sociais e educativos promovidos pela Igreja.

6. «Todos os povos Vos dêem graças» (Ps 67).

No final deste século - marcado ao mesmo tempo por um progresso sem precedentes e um trágico custo de sofrimento humano - as mudanças radicais na política mundial aumentam a responsabilidade da América de ser, para o mundo, um exemplo de sociedade deveras livre, democrática, justa e humana. Há uma lição para cada nação poderosa, contida no trecho do Livro do Apocalipse que recitámos. Na realidade, ele faz referência ao cântico de liberdade elevado por Moisés depois de ter conduzido o povo através do Mar Vermelho, salvando-o da ira do Faraó. A inteira história da salvação deve ser lida na perspectiva desse êxodo. Deus revela-Se a Si mesmo nas Suas acções para defender os humildes da terra e libertar os oprimidos.

Do mesmo modo, no seu Magnificat, Maria, Mãe do Redentor, oferece-nos a chave para compreender a intervenção de Deus na história humana, quando diz: «aniquilou os que se elevam no seu próprio conceito, [...] exaltou os humildes» (Lc 1,51-52). Da história da salvação aprendemos que o poder é responsabilidade: é serviço e não privilégio. O seu exercício é moralmente justificável quando é usado para o bem de todos, quando é sensível às necessidades dos pobres e dos indefesos.

Há também outra lição: Deus deu-nos uma lei moral para nos guiar e impedir que de novo caiamos na escravidão do pecado e da mentira. Não estamos sozinhos na nossa responsabilidade pelo grande dom da liberdade. Os Dez Mandamentos são a carta da autêntica liberdade, quer para cada um dos indivíduos quer para a sociedade no seu conjunto.

A América proclamou inicialmente a sua independência tendo como base claras verdades morais. A América permanecerá um farol de liberdade para o mundo, na medida em que tiver fé nestas verdades morais, que estão no centro da sua experiência histórica. Portanto, América, se queres a paz, trabalha pela justiça. Se queres a justiça, defende a vida. Se queres a vida, abraça a verdade - a verdade revelada por Deus.

Desse modo, o louvor a Deus, língua dos Céus, estará sempre nos lábios deste povo: «O Senhor é Deus, o Omnipotente... Vinde, então, inclinemo-nos e adoremos». Amém!



FESTA DA APRESENTAÇÃO DO SENHOR

III JORNADA DA VIDA CONSAGRADA


1244
Terça-feira, 2 de Fevereiro de 1999




1. «Luz para iluminar as nações» (
Lc 2,32).

O trecho evangélico que acabámos de escutar, tirado da narração de São Lucas, recorda o evento que teve lugar em Jerusalém quarenta dias depois do nascimento de Jesus: a Sua apresentação no Templo. É este um dos casos em que o tempo litúrgico reflecte o tempo histórico: com efeito, hoje completam-se quarenta dias desde 25 de Dezembro, solenidade do Natal do Senhor.

Este facto não é sem significado. Indica que a festa da Apresentação de Jesus no Templo constitui como que um «fecho», que separa e une a etapa inicial da Sua vida na terra, o nascimento, àquela que será o seu cumprimento, a Sua morte e ressurreição. Neste dia despedimo-nos definitivamente do tempo natalício e caminhamos rumo ao tempo quaresmal, que terá início daqui a quinze dias, com a Quarta-Feira de Cinzas.

As palavras proféticas, pronunciadas pelo velho Simeão, põem em evidência a missão do Menino levado pelos pais ao Templo: «Este Menino está aqui para queda e ressurgimento de muitos em Israel e para ser sinal de contradição... a fim de se revelarem os pensamentos de muitos corações» (Lc 2,34-35). A Maria, Simeão diz: «Uma espada trespassará a tua alma» (Ibid., 2, 35).

Acabaram de ser entoados os cânticos de Belém e já se delineia a cruz do Gólgota, e isto acontece no Templo, lugar em que se oferecem os sacrifícios. O evento que hoje comemoramos constitui, portanto, como que uma ponte entre os dois tempos fortes do ano da Igreja.

2. A segunda leitura, tirada da Carta aos Hebreus, oferece um interessante comentário a este evento. O Autor faz uma observação que nos induz à reflexão: ao comentar o sacerdócio de Cristo, releva como o Filho de Deus, «veio em auxílio da descendência de Abraão» (2, 16).

Abraão é o pai dos crentes: todos os crentes estão, portanto, de algum modo inseridos nesta «descendência de Abraão», pela qual o Menino, que está entre os braços de Maria, é apresentado no Templo. O evento, que se realiza sob os olhos daquelas poucas testemunhas privilegiadas, constitui o primeiro anúncio do sacrifício da Cruz.

O texto bíblico afirma que o Filho de Deus, solidário com os homens, compartilha a sua condição de debilidade e fragilidade até ao extremo, isto é, até à morte, a fim de realizar uma libertação radical da humanidade, derrotando de uma vez para sempre o adversário, o demónio, que precisamente na morte tem o seu ponto de força sobre os seres humanos e todas as criaturas (cf. Hb He 2,14-15).

Com esta admirável síntese, o Autor inspirado exprime toda a verdade acerca da redenção do mundo. Ele põe em evidência a importância do sacrifício sacerdotal de Cristo, o Qual «devia assemelhar-Se em tudo a seus irmãos, a fim de ser um sumo sacerdote misericordioso e fiel no serviço de Deus, para expiar os pecados do povo» (He 2,17).

Precisamente porque evidencia o vínculo profundo que une o mistério da Encarnação ao mistério da Redenção, a Carta aos Hebreus constitui um adequado comentário ao evento litúrgico que hoje celebramos. A Carta salienta a missão redentora de Cristo, na qual todo o Povo da Nova Aliança participa.

1245 Nesta missão participais de modo particular vós, caríssimos consagrados, que encheis a Basílica Vaticana e a quem saúdo com grande afecto. Esta solenidade da Apresentação é especialmente a vossa festa: com efeito, celebramos a terceira Jornada da Vida Consagrada.

3. Estou grato ao Senhor Cardeal Eduardo Martínez Somalo, Prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, que preside a esta Eucaristia. Na sua pessoa, saúdo e agradeço àqueles que, em Roma e no mundo, trabalham ao serviço da Vida Consagrada. Neste momento, o meu pensamento dirige-se com especial afecto a cada um dos consagrados, em todas as partes da terra: trata-se de homens e mulheres que escolheram seguir a Cristo de modo radical, na pobreza, na virgindade e na obediência. Penso nos hospitais, nas escolas e nos oratórios onde eles trabalham pelo Reino de Deus, em atitude de completa dedicação ao serviço dos irmãos: penso nos milhares de mosteiros, nos quais se vive a comunhão com Deus num intenso ritmo de oração e de trabalho; penso nos leigos consagrados, testemunhas discretas no mundo, e nas muitas pessoas que estão na vanguarda entre os mais pobres e os marginalizados.

Como não recordar aqui os religiosos e as religiosas que, também recentemente, derramaram o seu sangue enquanto desempenhavam um serviço apostólico muitas vezes difícil e incómodo? Fiéis à sua missão espiritual e caritativa, uniram o sacrifício da própria vida ao de Cristo, em vista da salvação da humanidade. A cada pessoa consagrada, mas de modo especial a esses, é hoje dedicada a oração da Igreja. Ela agradece o dom de tal vocação e ardentemente o invoca: de facto, as pessoas consagradas contribuem de modo determinante para a obra da evangelização, conferindo-lhe a força profética que provém da radicalidade da sua opção evangélica.

4. A Igreja vive do evento e do mistério. Neste dia vive do evento da Apresentação do Senhor no Templo, procurando aprofundar o mistério que ela encerra. Num certo sentido, porém, todos os dias a Igreja bebe deste evento da vida de Cristo, meditando o seu significado espiritual. Todas as tardes, de facto, nas igrejas e nos mosteiros, nas capelas e nas casas ressoam no mundo inteiro as palavras do velho Simeão, há pouco proclamadas:

«Agora, Senhor, podes deixar
o teu servo partir em paz,
segundo a Tua palavra,
porque os meus olhos viram
a Salvação, que preparaste
em favor de todos os povos:
Luz para iluminar as nações
1246 e glória de Israel, Teu povo»

(@LC 2,29-32@).

Assim rezou Simeão, a quem se concedera ver a realização das promessas da Antiga Aliança. Assim reza a Igreja que, sem poupar energias, se prodigaliza por levar a todos os povos o dom da Nova Aliança.

No misterioso encontro entre Simeão e Maria, unem-se o Antigo e o Novo Testamento. Juntos, o profeta ancião e a jovem Mãe dão graças por esta Luz que impediu a prevalência das trevas. É a Luz que brilha no coração da existência humana: Cristo, Salvador e Redentor do mundo, «luz para iluminar as nações e glória de Israel, Teu povo».

Amém!







NA VISITA PASTORAL À PARÓQUIA ROMANA


DE SÃO FULGÊNCIO


14 de Fevereiro de 1999



1. «Bem-aventurado aquele que caminha na lei do Senhor» (Salmo responsorial).

Neste sexto domingo do tempo ordinário, que precede de poucos dias o início da Quaresma, a Liturgia fala do cumprimento da Lei realizado por Cristo. Ele afirma que não veio para abolir a antiga lei, mas para a cumprir. Com o envio do Espírito Santo, Ele inscreverá a lei no coração dos crentes, isto é, no lugar da opção pessoal e responsável. Eis aquele «mais» que fará com que se aceite a lei não como ordem externa, mas como opção interior. A lei promulgada por Cristo é, pois, uma lei de «santidade» (cf. Mt Mt 5,48), é a suprema lei do amor (cf. Jo Jn 15,9-12).

A esta responsabilidade pessoal que tem sede no coração do homem, faz referência também o trecho tirado do livro do Sirácida há pouco escutado. Ele sublinha a liberdade da pessoa diante do bem e do mal: Deus «pôs diante de ti a água e o fogo, estende a mão ao que quiseres» (Si 15,16). Assim, vem-nos indicada a via para encontrar a verdadeira felicidade, que é a escuta dócil e a pronta actuação da Lei do Senhor.

2. Caríssimos Irmãos e Irmãs da Paróquia de São Fulgêncio: saúdo-vos com as palavras da liturgia: «Bem-aventurado aquele que caminha na lei do Senhor!». Vim para vos encontrar a fim de partilhar as alegrias e as esperanças, os empenhos e as expectativas da vossa comunidade paroquial.

Saúdo em primeiro lugar o Cardeal Vigário com o Bispo Auxiliar do Sector; saúdo o vosso querido Pároco, Padre Giorgio Alessandrini, os sacerdotes que colaboram com ele, os religiosos e as religiosas que actuam no bairro. Quero dirigir uma palavra de especial apreço às Irmãs de Nossa Senhora do Retiro no Cenáculo e às Irmãs Dominicanas, que puseram as capelas situadas no interior das suas estruturas à disposição dos fiéis, para a celebração das Missas nos dias festivos, não podendo a igreja paroquial responder às exigências de toda a Comunidade. Saúdo aqueles que, a vários títulos, estão empenhados nas associações, movimentos e grupos apostólicos, assim como nos organismos de participação, sempre mais orientados para fazer da paróquia uma autêntica família de crentes. Penso, além disso, com afecto nas crianças e nos jovens, nas famílias, nos doentes e nos idosos. A todos os habitantes desta zona chegue a minha saudação cordial.

3. Caríssimos Irmãos e Irmãs, na fadiga apostólica quotidiana é necessário, como evidencia o apóstolo Paulo na segunda Leitura, que não nos adequemos à lógica da «sabedoria deste mundo», mas à outra sabedoria, a «divina, misteriosa», revelada por Deus em Cristo e por meio do Espírito (cf. 1Co 2,6-10). Estas palavras constituem um estímulo e um conforto para todo o crente e, de modo especial, para os agentes pastorais desejosos de imprimir na sua acção um impulso de alta dimensão espiritual, sem ter em vista sucessos humanos, mas procurando o reino de Deus e a Sua justiça (cf. Mt Mt 6,33).

1247 Sei que vos dedicais com grande paixão a fazer com que a Paróquia seja dinâmica e aberta, a fim de responder aos desafios espirituais do bairro. Prossegui com coragem neste caminho, dando preferência àqueles aspectos da evangelização que tendem a uma amadurecida formação cristã de todos. Em primeiro lugar, cuidai do crescimento interior das pessoas, com um ensinamento doutrinal bem arraigado na tradição da Igreja. A zelosa transmissão do património da fé exige atenção e métodos adequados às várias faixas de idade, sem transcurar ninguém: das crianças aos jovens, das famílias aos anciãos.

Um lugar privilegiado deve certamente ser reservado à pastoral familiar e à preparação dos jovens e dos noivos para o matrimónio. A respeito disso, congratulo-me convosco por vos preocupardes de favorecer a sua activa participação na liturgia e por estimulardes as famílias a um confronto pessoal com a Palavra de Deus. Indispensável é também testemunhar de modo concreto a solidariedade para com aquele que é pobre e sofredor, manifestando a todos o amor misericordioso do Pai celeste. A uma solidez doutrinal, a uma eficiente organização pastoral está ligada assim uma generosa abertura aos irmãos, de maneira especial a quantos estão em dificuldade, evidenciando a dimensão missionária que é própria de toda a comunidade cristã.

4. «Fazei com que o povo cristão... seja coerente com as exigências do Evangelho e se torne para cada homem um sinal de reconciliação e de paz» (Colecta).

Assim orámos no início da nossa celebração. O Senhor nos ajude a ser fiéis a Ele e intrépidos no testemunho da Sua mensagem de salvação. Ajude a vossa Comunidade a crescer na tensão missionária para que, no contexto da Missão da cidade, difunda em todos os lares, em cada lugar de vida e trabalho o Evangelho da esperança. Esperam-no os habitantes desta zona, grande parte dos quais está orientada, por formação, papel social ou profissão, para pôr entre os valores primários a salvaguarda da discrição, às vezes também com prejuízo, infelizmente, de um maior envolvimento na vida da Comunidade.

Penso que precisamente a Missão da cidade pode ser uma ocasião propícia para superar estas dificuldades. Ao levardes com cuidado e entusiasmo a todos os habitantes do bairro o convite a partilhar na Paróquia a libertadora experiência do encontro com Cristo, ajudá-los-eis a crescer juntos na confiança recíproca e na partilha da fé.

Não é talvez este o objectivo da Missão da cidade? De coração faço votos por que também a vossa Paróquia, como todas as outras da Diocese, percorra com decisão este itinerário de busca do homem, lá onde ele vive e trabalha. O aproximar-se do histórico evento do Jubileu solicita-nos a difundir com impulso crescente o Evangelho, que é fermento de autêntica renovação espiritual, social e cultural.

5. Uma tão vasta empresa missionária envolve a inteira comunidade eclesial e pede a cada um dos seus membros um contributo generoso. Deve-se dedicar uma atenção muito especial aos jovens, chamados a ser os evangelizadores dos seus coetâneos. A propósito dos jovens, é-me grato pensar já na Jornada Mundial da Juventude do ano 2000. Roma prepara-se para acolher e viver com singular intensidade aquele momento, que fazemos votos por que constitua uma ocasião de vasto aprofundamento vocacional para todos os jovens e moças que nele participarão, induzindo-os a fazer própria a pergunta: «Mestre, o que devo fazer?» (cf. Mt
Mt 19,16 ss.). Confiamos ao coração materno de Maria a juventude de Roma e de modo especial desta Paróquia, para que saiba responder com generosidade à chamada à santidade, realizando tudo o que o Senhor pede a cada um.

Pedimos à Virgem Santa para a inteira Comunidade paroquial o dom de acolher sempre a vontade divina e realizá-la fielmente na existência quotidiana.

6. «Eu Vos bendigo, ó Pai... porque revelastes aos pequeninos os mistérios do reino dos céus» (Aclamação ao Evangelho).

É aos pequeninos que Deus manifesta a Sua sabedoria e revela os Seus planos de salvação. Quantas vezes no nosso trabalho quotidiano fazemos esta experiência! Quantas vezes o Senhor escolhe caminhos aparentemente ineficazes para realizar os Seus providenciais desígnios de salvação!

Bendito sois Vós, ó Pai, porque aos pequeninos revelais a sabedoria divina, misteriosa, que permaneceu encoberta, destinada por Vós antes dos séculos para nossa glória (cf. 1Co 2,7)!

1248 Ajudai-nos a procurar sempre e só a Vossa sapiente vontade. Tornai-vos instrumentos do Vosso amor, para que caminhemos sem descanso na vossa Lei. Abri os nossos olhos, para que desta Lei divisemos as maravilhas; dai-nos inteligência para que a observemos e a conservemos com todo o coração.

Amém!







DURANTE O RITO DA IMPOSIÇÃO DAS CINZAS


Basílica de Santa Sabina

17 de Fevereiro de 1999



1. «Convertei-vos ao Senhor, vosso Deus, porque Ele é clemente e misericordioso...» (Jl 2,13).

Com esta exortação, tirada do Livro do profeta Joel, a Igreja inaugura a peregrinação quaresmal, tempo favorável à conversão: retorno a Deus, do Qual nos afastamos. De facto, este é o sentido do itinerário penitencial que inicia hoje, Quarta-Feira de Cinzas; retornar à casa do Pai, levando no coração a confissão da própria culpa. O Salmista convida-nos a repetir: «Tende piedade de mim, Senhor, segundo a Vossa misericórdia, segundo a Vossa grande misericórdia, apagai os meus pecados» (Sl 51[50], 3). Com esses sentimentos, cada um empreenda o caminho quaresmal, na convicção de que Deus Pai, o Qual «vê no segredo» (Mt 6,4 Mt 6,6 Mt 6,18), vem ao encontro do pecador arrependido na via do retorno. Como na parábola do filho pródigo, abraça-o e faz com que ele entenda que, ao retornar à casa, readquiriu a dignidade de filho: «estava morto e reviveu, estava perdido e encontrou-se» (Lc 15,24).

Neste ano particularmente dedicado a Deus Pai, a Quaresma assume ainda mais o valor de tempo propício para realizar um autêntico caminho de conversão, a fim de que com coração arrependido retorne ao Pai de todos, «clemente e misericordioso, inclinado a arrepender-Se do castigo que inflige» (Jl 2,13).

2. O antiquíssimo e sugestivo rito das cinzas abre hoje este itinerário quaresmal. Pondo as cinzas na cabeça dos fiéis, o celebrante dirige a cada um a advertência: «Recorda-te que tu és pó e em pó te hás-de tornar» (cf. Gn Gn 3,19).

Também estas palavras fazem referência a um «retorno»: o retorno ao pó. Elas aludem à necessidade da morte e convidam a não esquecer que estamos de passagem neste mundo.

Ao mesmo tempo, porém, com a imagem do pó, esta expressão evoca à mente a verdade da criação, aludindo à riqueza da dimensão cósmica da qual a criatura humana faz parte. A Quaresma recorda a obra da salvação, para tornar o homem consciente do facto que a morte, realidade com que constantemente se deve confrontar, não é porém uma verdade originária. Com efeito, no início ela não existia, mas, como triste consequência do pecado, «por inveja do demónio é que a morte entrou no mundo» (Sg 2,24), tornando-se comum herança dos seres humanos.

Antes que às outras criaturas, as palavras: «Recorda-te que tu és pó e em pó te hás-de tornar!» são dirigidas ao homem, criado por Deus à própria imagem e colocado no centro do universo. Ao recordar-lhe que deve morrer, Deus não renega o projecto inicial, mas, antes, confirma-o e dum modo singular restabelece-o, depois da ruptura causada pela culpa original. Esta confirmação aconteceu em Cristo, que assumiu livremente o peso do pecado e quis sofrer a morte. O mundo tornou-se assim teatro da Sua paixão e da Sua morte salvífica. Eis o mistério pascal, para o qual o tempo da Quaresma nos orienta de maneira muito especial.

1249 3. «Recorda-te que tu és pó e em pó te hás-de tornar!».

A morte do homem foi vencida pela morte de Cristo. Se, pois, o tempo da Quaresma nos orienta para reviver os dramáticos eventos do Gólgota, fá-lo sempre e de maneira exclusiva a fim de nos preparar para imergirmos depois no cumprimento do evento pascal, isto é, na alegria luminosa da ressurreição.

Nesse sentido, podemos entender a outra exortação que a Igreja dirige hoje aos fiéis durante a imposição das cinzas: «Arrependei-vos e acreditai na Boa Nova» (
Mc 1,15). O que significa, de facto, «acreditar na Boa Nova», senão aceitar a verdade da ressurreição, com aquilo que ela comporta? Desde o primeiro dia da Quaresma, entremos portanto nesta perspectiva salvífica, exclamando com o Salmista: «Ó Senhor, criai em mim um coração puro, e renovai ao meu interior um espírito recto... Abri, Senhor, os meus lábios, para que a minha boca possa anunciar as Vossas grandezas» (Sl 51[50], 12.17).

4. A Quaresma é tempo de oração intensa e de louvor prolongado; é tempo de penitência e de jejum. Ao lado, porém, da oração e do jejum, a liturgia convida-nos a preencher a nossa jornada com obras de caridade. É este o culto agradável a Deus! Como tive ocasião de recordar na mensagem para a Quaresma, este tempo é período propício para pensar nos muitos «Lázaros», que esperam recolher alguma migalha caída da mesa dos ricos (cf. n. 4). A imagem que está diante de nós é a do banquete, símbolo da providente solicitude do Pai celeste pela inteira humanidade (cf. n. 1). Todos devem poder participar nele. Por este motivo, as práticas quaresmais do jejum e da esmola, além de exprimirem a ascese pessoal, revestem um importante valor comunitário e social: recordam a exigência de «converter» o modelo de desenvolvimento, para uma mais justa distribuição dos bens, de maneira que todos possam viver de maneira digna, salvaguardando ao mesmo tempo a criação.

Mas tudo isto começa por uma profunda mudança de mentalidade e, de modo mais radical, pela conversão do coração. Como, então, se faz urgente e oportuna esta invocação: «Ó Senhor, criai em mim um coração puro, e renovai ao meu interior um espírito recto».

Sim, criai em nós, ó Pai,
um coração puro,
renovai em nós um espírito recto,
«para que enfrentemos
de maneira vitoriosa,
com as armas da penitência,
o combate
1250 contra o espírito do mal» (Colecta).

Amém!







DURANTE A VISITA À PARÓQUIA ROMANA


DE SÃO RAIMUNDO NONATO


Domingo, 21 de Fevereiro de 1999




1. «O Espírito conduziu Jesus ao deserto a fim de ser tentado pelo demónio» (cf. Mt Mt 4,1).

No início do tempo quaresmal, a liturgia apresenta-nos Jesus no deserto à mercê do tentador. O Filho de Deus, duramente provado pelo maligno, supera as três fundamentais tentações pelas quais é insidiada toda a existência humana: a concupiscência, a instrumentalização de Deus e a idolatria.

As três enganadoras insinuações de satanás: «se és Filho de Deus...» imitam a solene proclamação do Pai celeste, no momento do baptismo no Jordão: «Este é o Meu Filho muito amado» (Mt 3,17). Elas constituem, portanto, uma prova que toca em profundidade a missão do Salvador. E a vitória conquistada por Cristo no início da sua vida pública preanuncia o seu triunfo definitivo sobre o pecado e a morte, que se realizará no mistério pascal.

Com a sua morte e ressurreição, Jesus não cancelará apenas o pecado dos nossos primeiros pais, mas comunicará também ao homem, a cada homem, a superabundância da graça de Deus. É quanto recorda o apóstolo Paulo na segunda Leitura há pouco proclamada: «Como pela desobediência de um só, muitos se tornaram pecadores, assim também, pela obediência de um só, muitos se tornaram justos» (Rm 5,19).

2. «Nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus» (Mt 4,4).

No início da Quaresma, tempo litúrgico «forte» que nos convida à conversão, estas palavras de Jesus ressoam para cada um de nós. Deixemo-nos inteperlar pela «palavra que sai da boca de Deus» e nutre o nosso espírito, pois «nem só de pão vive o homem». O nosso coração tem necessidade sobretudo de Deus.

Caríssimos Irmãos e Irmãs da paróquia de São Raimundo Nonato! É-me grato encontrar-me no meio de vós neste dia. Saúdo cordialmente o Cardeal Vigário, o Arcebispo Vice-Gerente, o vosso Pároco, Padre Eráclio Contu, da Ordem da Bem-aventurada Maria Virgem das Mercês, os Mercedários e todos os Coirmãos que partilham com ele a responsabilidade pastoral da comunidade paroquial. Saúdo as Irmãos da Imaculada de Ivreia e as pessoas hospedadas no seu Instituto. Saúdo todos vós, caríssimos paroquianos, e quantos habitam neste bairro. Dirijo um pensamento particular aos Membros das equipas e dos grupos paroquiais, aos catequistas, aos meninos do Movimento Juvenil Mercedário, aos jovens, às famílias e a todos os que, de vários modos, oferecem a sua activa colaboração à vida da comunidade.

3. O território da vossa paróquia, não particularmente vasto, é composto de dois âmbitos humanos e sociais, bem diferentes entre si. Com efeito, próximo da igreja estão os antigos povoamentos, enquanto mais distante e na zona de urbanização recente se encontram famílias que chegaram há pouco tempo e ainda estão ligadas às comunidades de origem. Talvez precisamente pela sua diferente composição, estas duas zonas encontrem alguma dificuldade para se comunicar e se integrar, com consequências às vezes não positivas para o pleno entendimento nas actividades litúrgicas e pastorais.

1251 Sei que estais a empenhar-vos para superar estas dificuldades e exorto-vos a prosseguir no caminho de um maior conhecimento recíproco, a fim de crescerdes juntos. Faço votos de coração por que fortaleçais a unidade da paróquia, tornando-a autêntica «família de famílias». A respeito disso, poderá servir de válida ajuda o projecto «Nova imagem de paróquia», que escolhestes como vosso itinerário pastoral. Alegro-me sobretudo pelo grande empenho, com o qual estais a viver a Missão da cidade. Também para isto, desejo que o espírito e o estilo da Missão se tornem, para a vossa como para qualquer outra comunidade, um estilo permanente de acção apostólica.

Se as pessoas e as famílias tendem a fechar-se em si mesmas e têm dificuldade para se agregar ao redor da paróquia - o que pode acontecer numa metrópole como Roma - é preciso que a própria paróquia se faça «missionária». Isto é, os cristãos devem sentir-se impelidos a tomar a iniciativa e a encontrar os seus irmãos nas casas, no bairro e naqueles lugares de vida e de trabalho, onde é possível porem-se juntos à escuta da única palavra de salvação - a Palavra de Deus - que é mais indispensável do que o pão para a vida de cada homem.

4. «Perdoai-nos, Senhor, porque pecámos! (Salmo resp.).

A Quaresma, bem o sabemos, é um tempo forte de penitência e de graça. Neste ano ela contém um apelo ainda mais significativo ao arrependimento e à conversão em vista do Jubileu do Ano 2000. A conversão, vós o sabeis, «compreende seja um aspecto "negativo" com a libertação do pecado, seja um aspecto "positivo" com a escolha do bem, expresso pelos valores éticos contidos na lei natural, confirmada e aprofundada pelo Evangelho» (Tertio millennio adveniente, 50).

Caríssimos, vivamos todos a Quaresma neste espírito! Dedicai uma atenção especial à celebração do sacramento da Penitência. Na prática frequente deste Sacramento, o cristão experimenta a misericórdia divina e torna-se, por sua vez, capaz de perdoar e de amar. Possa o aproximar-se do evento jubilar despertar em todos os crentes o activo interesse por este Sacramento; estejam disponíveis os sacerdotes para desempenhar com cuidado e dedicação este indispensável ministério sacramental; multipliquem-se na Cidade os lugares de celebração da Penitência, com confessores disponíveis nos diversos horários da jornada, prontos a dispensar a mãos-cheias a inexaurível misericórdia de Deus.

5. «Tende piedade de mim, Senhor, segundo a Vossa misericórdia... lavai- me totalmente das minhas iniquidades... criai em mim um coração puro... restituí-me a alegria da Vossa libertação e sustentai-me com um espírito generoso... Abri, Senhor, os meus lábios para que a minha boca possa anunciar as Vossas grandezas» (Salmo resp.).

Ressoa no nosso espírito o eco desta oração de David, comovido pelas palavras do profeta Natan. É o salmo do «Miserere», muito utilizado pela liturgia e querido à piedade popular. A Quaresma é o tempo propício para o fazer nosso e suscitar na nossa alma as disposições oportunas para nos encontrarmos com o Deus da reconciliação e da paz, com «um espírito contrito, com um coração prosternado e humilhado».

«Tende piedade de mim, Senhor, segundo a Vossa misericórdia»: haveremos de empreender assim, ó Senhor, como nos sugere a Liturgia de hoje, o caminho quaresmal com a força da Vossa palavra, «para vencermos as seduções do maligno e chegarmos à Páscoa na alegria do Espírito».

Amém!







Homilias JOÃO PAULO II 1242