Homilias JOÃO PAULO II 1259

1259 3. A primeira parte desta celebração faz-nos reviver a entrada triunfante de Jesus em Jerusalém. Quem, naquele dia fatídico, teve a intuição de que Jesus de Nazaré, o Mestre que falava com autoridade (cf. Lc Lc 4,32), era o Messias, o filho de David, o Salvador esperado e prometido? Foi o povo, e os mais entusiastas e activos entre o povo foram os jovens, que assim se tornaram, duma certa forma, os «arautos» do Messias. Eles compreenderam que havia chegado a hora de Deus, a hora tão desejada e abençoada, esperada durante séculos por Israel e, abanando ramos de oliveira e de palmeira, decretaram o triunfo de Jesus.

Em ideal continuidade com aquele evento, há já quatorze anos que se celebra o Dia Mundial da Juventude, durante o qual os jovens, reunidos juntamente com os seus Pastores, professam e proclamam com alegria a própria fé em Cristo, interrogam-se acerca das suas aspirações mais profundas, experimentam a comunhão eclesial, confirmam e renovam o próprio empenho na urgente tarefa da nova evangelização.

Eles procuram o Senhor no coração do Mistério pascal. O mistério da Cruz gloriosa torna-se para eles o grande dom e, ao mesmo tempo, o sinal da maturidade da fé. Com a sua Cruz, símbolo universal do Amor, Cristo guia os jovens do mundo na grande «assembleia» do reino de Deus, que transforma os corações e as sociedades.

Como não dar graças ao Senhor pelos Dias Mundiais da Juventude, iniciados em 1985 precisamente nesta praça de S. Pedro e que, seguindo a «Cruz do Ano Santo», percorreram o mundo como uma longa peregrinação rumo ao novo milénio? Como não louvar a Deus, que revela aos jovens os segredos do seu Reino (cf. Mt Mt 11,25), por todos os frutos bons e pelo testemunho cristão que esta feliz iniciativa suscitou?

O hodierno Dia Mundial da Juventude é o último antes do grande encontro jubilar, o último deste século e deste milénio: por conseguinte, assume um relevo particular. Oxalá ele constitua, graças ao contributo de todos, uma forte experiência de fé e de comunhão eclesial.

4. Os jovens de Jerusalém aclamavam: «Hosana ao Filho de David!» (Mt 21,9). Meus jovens amigos, desejais vós também, como os vossos coetâneos daquele longínquo dia, reconhecer em Jesus o Messias, o Salvador, o Mestre, a Guia, o Amigo da vossa vida? Recordai: só Ele conhece profundamente o que existe em cada ser humano (cf. Jo Jn 2,25); só Ele ensina a abrir-se ao mistério e a chamar Deus com o nome de Pai, «Abbá»; só Ele o torna capaz de um amor gratuito pelo seu semelhante, recebido e reconhecido como «irmão» e «irmã».

Queridos jovens! Ide com alegria ao encontro de Cristo, que torna jubilosa a vossa juventude. Procurai-O e encontrai-O na adesão à sua Palavra e à sua misteriosa presença eclesial e sacramental. Vivei com Ele na fidelidade ao seu Evangelho, sem dúvida exigente até ao sacrifício, mas ao mesmo tempo única fonte de esperança e de felicidade autêntica. Amai-O no rosto do irmão necessitado de justiça, de ajuda, de amizade e de amor.

Na vigília do novo milénio, eis que chegou a vossa hora. O mundo contemporâneo abre-vos novas veredas e chama-vos a ser portadores de fé e de alegria, como exprimem os ramos de palmeira e de oliveira que hoje tendes nas mãos, símbolo duma nova primavera de graça, de beleza, de bondade e de paz. O Senhor Jesus está convosco e acompanha-vos!

5. Todos os anos a Igreja entra trepidante, com a Semana Santa, no Mistério pascal, comemorando a morte e ressurreição do Senhor.

Precisamente em virtude do Mistério pascal, do qual é gerada, ela pode proclamar perante o mundo, com as palavras e com as obras dos seus filhos: «Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus Pai» (Ph 2,11).

Sim! Jesus Cristo é o Senhor! É o Senhor do tempo e da história; o Redentor e o Salvador do homem. Bendito Aquele que vem em nome do Senhor! Hosana!

Amém.







NA SANTA MISSA CRISMAL


1260
Quinta-Feira Santa, 1 de Abril de 1999




1. «Àquele que nos ama e que com o Seu sangue nos lavou dos nossos pecados, e nos fez reis e sacerdotes para Deus, Seu Pai, glória e poder para todo o sempre» (
Ap 1,5-6).

Cristo, o Sacerdote da nova e eterna Aliança, por meio do Seu sangue entrou no santuário celeste, depois de ter realizado, uma vez para sempre, a remissão dos pecados da humanidade inteira.

No limiar do Triduum sacrum, os sacerdotes de todas as Igrejas particulares do mundo encontram-se com os seus Ordinários para a solene Missa Crismal, durante a qual renovam as promessas sacerdotais. Também o presbyterium da Igreja que está em Roma se reúne à volta do seu Bispo, antes do grande dia, no qual a liturgia recorda como Cristo Se tornou, mediante o Seu sangue, o único e eterno sacerdote.

A cada um de vós, caríssimos irmãos no Sacerdócio, dirijo a minha saudação cordial, com um particular pensamento para o Cardeal Vigário e os Cardeais concelebrantes, os Bispos Auxiliares e os outros Prelados presentes. É grande a minha alegria por me encontrar convosco neste dia que para nós, ministros ordenados, tem o perfume da sagrada unção com que fomos consagrados à ima- gem d'Aquele que é o Consagrado do Pai.

«Ei-Lo que vem sobre as nuvens e todos os olhos O verão, até mesmo os que O trespassaram». Amanhã, a liturgia da Sexta-Feira Santa actualizará para nós aquilo de que fala o Autor do Apocalipse, com as palavras há pouco proclamadas. Neste dia santíssimo da paixão e morte de Cristo, todos os altares serão desnudados e envolvidos de grande silêncio: nenhuma Missa será celebrada no momento em que faremos a anual memória do único Sacrifício, oferecido de modo cruento por Cristo sacerdote no altar da cruz.

2. «Fez-nos reis e sacerdotes» (Ap 1,6). Cristo, não só realizou pessoalmente o sacrifício redentor, que tira o pecado do mundo e presta o louvor perfeito à glória do Pai. Ele instituiu também o Sacerdócio como sacramento da Nova Aliança, a fim de que o único sacrifício, por Ele oferecido ao Pai de modo cruento, pudesse ser renovado continuamente na Igreja de modo incruento, sob as espécies do pão e do vinho. A Quinta-Feira Santa é, precisamente, o dia em que recordamos de modo particular o sacerdócio que Cristo instituiu na Última Ceia, unindo-o de maneira indissolúvel ao sacrifício eucarístico.

«Fez-nos... sacerdotes». Tornou-nos partícipes do Seu único sacerdócio, para que em todos os altares do mundo e em todas as épocas da história pudesse ser apresentado de novo o cruento e único sacrifício do Calvário. A Quinta-Feira Santa é a grande festa dos presbíteros. Nesta tarde renovaremos o memorial da instituição do sacrifício eucarístico, segundo o ritmo dos eventos pascais, tal como no-lo transmitem os Evangelhos. A solene liturgia desta manhã é, ao contrário, uma singular acção de graças a Deus por parte de todos nós que, por um dom que é ao mesmo tempo mistério, participamos intimamente no sacerdócio de Cristo. Cada um de nós faz próprias as palavras do Salmo: «Misericordias Domini in aeternum cantabo». «Hei-de cantar para sempre o amor do Senhor» (Ps 89 [88], 2).

3. Queremos renovar em nós a consciência desse dom. Num certo sentido, queremos recebê-lo de novo, a fim de o orientar para um ulterior serviço. Este nosso sacerdócio sacramental é, de facto, um ministério, um serviço singular e específico. Servimos Cristo, a fim de que o Seu único e singular sacerdócio possa sempre viver e actuar na Igreja para o bem dos fiéis. Servimos o povo cristão, os nossos irmãos e as nossas irmãs, os quais, mediante o nosso ministério sacramental, de modo sempre mais profundo se tornam participantes da redenção de Cristo.

Hoje, com especial intensidade, cada um de nós pode repetir com Cristo as palavras do profeta Isaías, proclamadas no Evangelho: «O Espírito do Senhor está sobre Mim, porque Me ungiu, para anunciar a Boa Nova aos pobres; enviou-Me a proclamar a libertação aos cativos e, aos cegos, o recobrar da vista; a mandar em liberdade os oprimidos, a proclamar um ano de graça do Senhor» (Lc 4,18-19).

4. «Um ano de graça do Senhor»! Caríssimos, já nos encontramos no limiar de um extraordinário ano de graça, aquele do Grande Jubileu no qual celebraremos o bimilenário da Encarnação. Este dia é a última Quinta-Feira Santa antes do ano 2000.

1261 É-me grato oferecer hoje idealmente aos presbíteros do mundo inteiro a Carta que lhes enviei para esta circunstância. No ano dedicado ao Pai, a paternidade de cada sacerdote, reflexo daquela do Pai celeste, deve tornar-se ainda mais evidente, para que o povo cristão e todos os homens de todas as raças e culturas experimentem o amor que Deus tem por eles e O sigam de maneira fiel. O próximo evento jubilar, seja para todos ocasião propícia para experimentar o amor misericordioso de Deus, poderosa energia espiritual que renova o coração do homem.

Durante esta solene Celebração eucarística, peçamos ao Senhor que a graça do Grande Jubileu amadureça plenamente em todos os membros do Corpo de Cristo que é a Igreja, e de modo particular nos sacerdotes.

O já próximo Ano Santo chama todos nós, ministros ordenados, a tornar-nos totalmente disponíveis ao dom de misericórdia, que Deus Pai quer conceder com abundância a cada ser humano. O Pai procura esses sacerdotes (cf. Jo
Jn 4,23)! Possa Ele encontrá-los, repletos da Sua santa unção, a fim de difundirem entre os pobres a alegre mensagem da salvação.

Amém!







NAMISSA "IN CENA DOMINI"


E CERIMÓNIA DO LAVA-PÉS


Quinta-Feira Santa, 1 de Abril de 1999

1. «Adoro te devote, latens Deitas.

Quae sub his figuris vere latitas»
«Devotamente Vos adoro, Deus escondido,
que sob estes sinais Vos ocultais».

Revivemos nesta tarde a Última Ceia, quando o divino Salvador, na noite em que fora traído, nos deixou o Sacrifício eucarístico do seu Corpo e do seu Sangue, memorial da Sua morte e da Sua ressurreição, sacramento de piedade, sinal de unidade e vínculo de caridade (cf. Sacrosanctum Concilium SC 47).

Todas as Leituras desta celebração falam de ritos e gestos destinados a imprimir na história o desígnio salvífico de Deus. O Livro do Êxodo transmite o documento sacerdotal que fixa as prescrições para a celebração da páscoa hebraica. O apóstolo Paulo, na Primeira Carta aos Coríntios, transmite à Igreja o mais antigo testemunho acerca da nova Ceia pascal cristã: é o rito da nova e eterna aliança, instituído por Jesus no Cenáculo antes da paixão. E enfim o evangelista João, iluminado pelo Espírito Santo, sintetiza o sentido profundo do sacrifício de Cristo no gesto do «lava-pés».

1262 É a Páscoa do Senhor, que aprofunda as raízes na história do povo de Israel e encontra o seu cumprimento em Jesus Cristo, Cordeiro de Deus imolado para a nossa salvação.

2. A Igreja vive da Eucaristia. Graças ao ministério dos apóstolos e dos seus sucessores, ao longo de uma cadeia ininterrupta que parte do Cenáculo, as palavras e os gestos de Cristo são renovados, seguindo o caminho da Igreja, para oferecer o Pão da vida aos homens de todas as gerações: «Isto é o Meu corpo, que será entregue por vós: fazei isto em Minha memória... Este cálice é a Nova Aliança no Meu sangue: todas as vezes que o beberdes, fazei-o em Minha memória» (
1Co 11,24-25).

A Eucaristia, enquanto renovação sacramental do sacrifício da Cruz, constitui o ponto culminante da obra redentora: ela proclama e actualiza aquele Mistério, que é fonte de vida para todo o homem. Com efeito, todas as vezes que comemos deste pão e bebemos deste cálice, anunciamos a morte do Senhor até que venha (cf. 1Co 11,26).

Depois da consagração, o sacerdote proclama: «Mysterium fidei!», e a assembleia responde: «Anunciamos a vossa morte, Senhor, proclamamos a vossa ressurreição, enquanto esperamos a vossa vinda». Sim, neste dia é-nos dado compreender de modo especial que é deveras grande o «mistério da fé» e a simplicidade dos símbolos eucarísticos – o pão e o vinho, a mesa, o ágape fraterno – não faz senão exaltar ainda mais a sua profundidade.

3. «O memoriale mortis Domini!
Panis vivus, vitam praestans homini!»

«Memorial da morte do Senhor! Pão vivo, que dás a vida ao homem!».

A morte do Filho de Deus torna-se para nós fonte de vida. Eis o mistério pascal, eis a nova criação! A Igreja confessa esta fé com as palavras de Tomás de Aquino, implorando:

«Pie Pellicane, Iesu Domine,
Me immundum munda tuo sanguine,
Cuius una stilla salvum facere
1263 Totum mundum quit ab omni scelere».

«Jesus, pio Pelicano, meu Senhor,
com o vosso sangue lavai o meu pecado:
só uma gota pode bastar
para purificar o mundo inteiro».

Poder vivificante da morte de Cristo! Força purificadora do Sangue de Cristo, que obtém a remissão dos pecados para os homens de todos os tempos e lugares. Sublimidade do Sacrifício redentor, no qual encontram cumprimento todas as vítimas da lei antiga!

4. Este mistério de amor, «incompreensível» para o ser humano, oferece-se todo inteiro no sacramento da Eucaristia. O povo cristão é convidado a deter-se nesta tarde, até à noite avançada, diante dele em silenciosa adoração:

«Iesu, quem velatum nunc aspicio,
Oro, fiat illud quod tam sitio:
Ut te revelata cernens facie,
Visu sim beatus tuae gloriae».

1264 «Ó Jesus, que agora contemplo aqui velado,
escutai o meu ardente desejo:
possa eu um dia ver o vosso rosto na glória dos beatos.
Amém».

Esta é a fé da Igreja. Esta é a fé de cada um de nós diante do sublime mistério eucarístico. Sim, cessem as palavras e permaneça a adoração em silêncio.

«Ave, verum Corpus, natum de Maria Virgine...

«Salve, verdadeiro Corpo, nascido de Maria Virgem,
realmente submetido à paixão,
imolado na cruz pelo homem...
Ó doce Jesus! Ó Jesus piedoso!

Ó Jesus, filho de Maria!».

Amém!







NA VIGÍLIA PASCAL


1265
Sábado Santo, 3 de Abril de 1999

1. «A pedra que os construtores rejeitaram, tornou-se pedra angular» (Sl 117[188],22).


Nesta noite, a liturgia fala-nos com a abundância e a riqueza da palavra de Deus. Esta Vigília constitui não só o centro do ano litúrgico, mas, de certo modo, a sua matriz: dela, de facto, se desenvolve toda a vida sacramental. Poder-se-ia dizer que está abundantemente preparada a mesa, em torno à qual a Igreja reúne os seus filhos nesta noite; de modo especial, ela reúne aqueles que devem receber o Baptismo.

O meu primeiro pensamento é para vós, caríssimos Catecúmenos, que daqui a pouco renascereis pela água e pelo Espírito Santo (cf. Jo
Jn 3,5). Saúdo-vos com muita alegria e, ao mesmo tempo, saúdo os vossos Países de origem: Albânia, Cabo Verde, China, França, Marrocos e Hungria.

Pelo Baptismo tornar-vos-eis membros do Corpo de Cristo, participantes a título pleno do seu mistério de comunhão. Possa a vossa vida permanecer constantemente imersa neste mistério pascal, a fim de que sejais sempre autênticas testemunhas do amor de Deus.

2. Nesta noite, não só vós, queridos catecúmenos, mas todos os baptizados são chamados a realizar na fé uma profunda experiência daquilo que há pouco escutámos na Epístola: «Todos nós, que fomos baptizados em Jesus Cristo, fomos baptizados na Sua morte. [...] Pelo baptismo sepultámo-nos juntamente com Ele, para que, assim como Cristo ressuscitou dos mortos, mediante a glória do Pai, assim caminhemos nós também numa vida nova» (Rm 6,3-4).

Ser cristão significa participar pessoalmente na morte e ressurreição de Cristo. Esta participação realiza-se de modo sacramental pelo Baptismo, sobre o qual, como num sólido fundamento, se edifica a existência cristã de cada um de nós. É precisamente por isso que o Salmo responsorial nos exortou a dar graças: «Louvai o Senhor porque Ele é bom, porque é eterno o Seu amor. [...] A direita do Senhor opera maravilhas. Não morrerei, antes viverei, para celebrar as obras do Senhor» (Ps 117 [118], 1-2.16-17). Nesta noite santa, a Igreja repete estas palavras de agradecimento, enquanto confessa a verdade sobre Cristo que «foi morto e sepultado, e ressuscitou ao terceiro dia» (cf. Credo).

3. «Esta noite [...] será de vigília em honra do Senhor, de geração em geração» (Ex 12,42).

Estas palavras do livro do Êxodo concluem a narração da saída dos israelitas do Egipto. Elas repercutem, com particular eloquência, na Vigília Pascal, em cujo contexto assumem o seu pleno de sentido. Neste ano dedicado a Deus-Pai, como não pensar que esta noite, a noite de Páscoa, é a grande «noite de vigília» do Pai? As dimensões desta «vigília» de Deus abraçam todo o Tríduo Pascal. Mas, de modo especial, o Pai «vigia» durante o Sábato Santo, enquanto o Filho jaz morto no sepulcro. O mistério da vitória de Cristo sobre o pecado do mundo é conservado precisamente pelo Pai que vigia. Ele «vigia» sobre toda a missão terrena do Filho. A sua infinita compaixão alcança o cume na hora da paixão e da morte: a hora em que o Filho é abandonado, para que os filhos sejam salvos; o Filho é desprezado e rejeitado, para que os filhos sejam reencontrados; o Filho morre, para que os filhos possam voltar à vida.

A vigília do Pai explica a ressurreição do Filho: mesmo na hora da morte, não esmorece a relação de amor em Deus, não esmorece a acção do Espírito Santo, que, difundido por Jesus agonizante sobre a cruz, enche de luz as trevas do mal e ressuscita Cristo, constituindo-O Filho de Deus em poder e glória (cf. Rom Rm 1,4).

4. «A pedra que os construtores rejeitaram, tornou-se pedra angular» (Sl 117[188],22). À luz da Ressurreição de Cristo, como se manifesta em toda a sua plenitude esta verdade que canta o Salmista! Condenado a uma morte ultrajante, o Filho do homem, crucificado e ressuscitado, tornou-Se pedra angular para a vida da Igreja e de cada cristão.

1266 «Isto se fez por obra do Senhor, e é um prodígio aos nossos olhos» (Sl 117[188],23). Foi o que aconteceu nesta noite santa. Puderam-no comprovar as mulheres, que «no primeiro dia da semana, logo de manhã, ainda escuro» (Jn 20,1), foram ao sepulcro para ungir os restos mortais do Senhor, mas encontraram vazio o túmulo. Ouviram a voz do anjo: «Não tenhais medo; sei que buscais a Jesus crucificado. Não está aqui, pois ressuscitou» (cf. Mt Mt 28,5).

Cumpriram-se, assim, as palavras proféticas do Salmista: «A pedra que os construtores rejeitaram, tornou-se pedra angular». Esta é a nossa fé. Esta é a fé da Igreja, que nos gloriamos de professar no limiar do terceiro milénio, porque a Páscoa de Cristo é a esperança do mundo, ontem, hoje e por todos os séculos.

Amen!







DURANTE A VISITA PASTORAL NA


PARÓQUIA ROMANA


DE SANTA MARIA DE LORETO


Domingo, 11 de Abril de 1999




1. «Uma semana depois... estando fechadas as portas, Jesus entrou. Ficou no meio deles e disse: "A paz esteja convosco"» (Jn 20,26).

Nesta oitava de Páscoa, ouvimos a saudação de paz que Jesus dirigiu aos Apóstolos no dia da ressurreição: «A paz esteja convosco». Com a sua morte e ressurreição, Cristo reconciliou-nos com o Pai e ofereceu a quantos o acolheram o precioso dom da paz. A sua graça redentora tornou-os testemunhas da sua paz, e empenhou-os a serem seus artífices, recebendo este dom sobrenatural de Deus e transformando-o em gestos concretos de reconciliação e fraternidade.

Quanta necessidade de paz autêntica se faz sentir no mundo neste final de milénio: sentem-na as pessoas individualmente, as famílias, a própria vida das Nações! Quantas situações de tensão e de guerra infelizmente permanecem no mundo, na Europa e noutros continentes! Nestes dias temos os olhos cheios de imagens de violência e de morte que provêm do Kossovo e dos Balcãs, onde se combate um conflito com dramáticas consequências. Apesar disso, não queremos perder a esperança da paz. Como Tomé e os outros Apóstolos, estamos chamados neste tempo pascal a renovar a nossa fé no Senhor, que venceu o pecado e a morte, recebendo d'Ele o dom da paz e difundindo-o com todos os meios de que dispomos.

2. Caríssimos Irmãos e Irmãs da paróquia de Santa Maria de Loreto em Castelverde! Sinto-me feliz por me encontrar finalmente na vossa comunidade, que não pude visitar no início do passado mês de Fevereiro. Agradeço ao Senhor a oportunidade que me concedeu de estar hoje entre vós, neste domingo tradicionalmente chamado «in Albis». Compartilho de bom grado convosco a alegria do tempo pascal, expressa repetidas vezes nestes dias com as palavras do Salmista: «Este é o dia em que Javé agiu: exultemos e alegremo-nos com Ele» (117[118], 24).

Dirijo uma saudação cordial ao Cardeal Vigário, ao Monsenhor Vice-Gerente e ao vosso querido Pároco, Pe. Patrizio Milano, aos seus colaboradores, às Irmãs Franciscanas dos Sagrados Corações, aos membros do Conselho Pastoral paroquial e a todos os aderentes aos vários grupos, associações e movimentos presentes na paróquia. Saúdo com afecto todos vós, caríssimos paroquianos, com uma recordação particular para os pobres e os doentes, que constituem um autêntico «tesouro» para a vossa comunidade.

Vós bem sabeis que não é a primeira vez que a vossa comunidade recebe a visita do Sucessor de Pedro. De facto, o meu venerado predecessor, o Servo de Deus Paulo VI, do qual se concluiu há poucas semanas a fase diocesana do processo de beatificação, veio até vós no dia 5 de Março de 1967. É uma data que merece ser recordada. A sua vinda deixou um sinal profundo nos corações das pessoas, mas também na própria denominação do território, até então chamado Castellaccio. Com efeito, o Papa, ao ver a zona rica de prados exclamou: «Deveria chamar-se Castelverde em vez de Castelaccio!» E a Administração municipal, aceitando imediatamente a sugestão, mudou o nome ao bairro.

3. Hoje, à distância de mais de trinta anos daquela data, o Papa está de novo entre vós. Os meus votos são por que o encontro hodierno seja uma ocasião propícia para intensificar o caminho de todos rumo a Deus, graças a uma existência cristã mais firme, animada pela escuta constante da Palavra de Deus, fortalecida pela prática frequente dos sacramentos e diferenciada por um genuíno testemunho evangélico em todos os ambientes e situações.

1267 Caríssimos Irmãos e Irmãs, o Senhor ressucitado chama-vos como pessoas e como paroquianos a anunciar o seu Evangelho, com o mesmo estilo da comunidade apostólica descrito na primeira Leitura de hoje (cf. Act Ac 2,42-43). Desta forma, mostrareis o valor da fé que vos anima e a profundidade do vosso amor a Cristo (cf. 1P 1,7-8). Então sereis felizes, segundo a promessa de Jesus (cf. Jo Jn 20,28), porque, mesmo sem ter a possibilidade de tocar com a mão, como fez Tomé, os sinais da crucifixão no corpo do Ressuscitado, vós acreditais n'Ele e desejais ser os seus apóstolos destemidos e generosos.

Nesta difícil tarefa, sustenta-vos a Missão da Cidade, oportunidade providencial para a nova evangelização. Tenho conhecimento de que na vossa paróquia continuastes louvavelmente também este ano essa importante iniciativa apostólica, visitando as famílias, incrementando os centros de escuta e procurando levar a cada habitante o anúncio do Evangelho. Tenho a certeza de que a Missão não terminará com a celebração da fase conclusiva na solene Vigília de Pentecostes. Poder-se-ia deixar sem respostas adequadas as numerosas expectativas que a Missão tem despertado no coração do povo? Muitas pessoas sentem o desejo de uma vida cristã mais autêntica, e esta aspiração deve ser encorajada e apoiada com apropriadas iniciativas espirituais e missionárias. Compete a vós prolongar esta extraordinária experiência apostólica, tendo em consideração as expectativas e os desafios relacionados com o vosso bairro, que mudou notavelmente durante estes anos.

Já transcorreram mais de quarenta e cinco anos desde quando, em 1953, foi posta a primeira pedra da Igreja, sob a protecção de Nossa Senhora de Loreto, tão querida aos habitantes das Marcas, região da qual provinha grande parte dos primeiros habitantes de Castelverde. Com o passar dos anos, alcançou-se, graças a Deus, um certo bem-estar, e muitos tiveram a possibilidade de construir a casa para a própria família e para os seus filhos. Mas, paralelamente ao progresso social, fruto muitas vezes de numerosos sacrifícios, surgiram alguns fenómenos típicos da sociedade de consumo. Por vezes verificou-se uma certa superficialidade na vivência da fé. Corre-se o risco dum fechamento em si próprio, não considerando devidamente os problemas dos mais desvantajados. A crise da família faz-se sentir, enquanto os jovens esperam propostas de vida exigentes, para não caírem numa existência medíocre e superficial.

4. O Senhor ressuscitado chama todos nós a um renovado esforço apostólico: Ide, diz Ele a cada um. Ide, anunciai o Evangelho e não tenhais medo! Ele está connosco todos os dias até ao fim dos tempos. Fortalecidos por esta consciência, caríssimos Irmãos e Irmãs, não hesiteis ser apóstolos do Ressuscitado. É tarefa de todos imprimir, em Seu nome, um generoso impulso aos valores espirituais, como a fidelidade, o acolhimento e a defesa da vida em cada uma das suas fases, o amor para com o próximo, a perseverança na fé, mesmo entre as numerosas dificuldades de todos os dias. Não esqueçais que é necessário redescobrir o gosto pela oração, a fim de que o testemunho cristão conheça o desejado e vigoroso despertar. A este propósito, congratulo-me convosco pela bonita prática da oração nocturna, que fazeis na igreja na primeira sexta-feira do mês. Por ocasião do já iminente Jubileu, seria bom que em todas as paróquias se desenvolvessem iniciativas análogas, para propor aos peregrinos que virão a Roma uma ocasião de espiritualidade autêntica.

Confiamos à Virgem de Loreto, padroeira da vossa paróquia, não só o feliz êxito deste encontro, mas também as expectativas e os projectos de toda a vossa comunidade paroquial.

Nossa Senhora vos proteja e vos inspire pensamentos de paz e de reconciliação, para que saibais responder sempre acerca da esperança que vos anima. Ela assista as pessoas que vivem no bairro e a Comunidade dos cidadãos das Marcas que vivem em Roma.

Virgem de Loreto, ora por nós!





DURANTE A SANTA MISSA DE CANONIZAÇÃO


DE MARCELINO CHAMPAGNAT, JOÃO CALÁBRIA


E AGOSTINA LÍVIA PIETRANTONI


Domingo, 18 de Abril de 1999




1. «Tomou o pão e abençoou-o, depois partiu-o e entregou-lho. Nisto os olhos dos discípulos abriram-se e eles reconheceram Jesus» (Lc 24,30-31).

Escutámos há pouco estas palavras do Evangelho de Lucas: elas narram o encontro de Jesus com dois discípulos a caminho rumo à aldeia de Emaús, no mesmo dia da ressurreição. Este encontro inesperado suscita o júbilo no coração dos dois viandantes desconfortados e volta a dar-lhes esperança. O Evangelho narra que, quando O reconheceram, «se levantaram e voltaram para Jerusalém» (Lc 24,33). Sentiam a necessidade de informar os Apóstolos do «que tinha acontecido no caminho, e como tinham reconhecido Jesus quando Ele partiu o pão» (Lc 24,35).

O desejo de dar testemunho de Jesus brota, no coração dos crentes, do encontro pessoal com Ele. Foi o que aconteceu aos três novos Santos, que hoje tenho a alegria de elevar à glória dos altares: Marcelino Champagnat, João Calábria e Agostinha Lívia Pietrantoni. Eles abriram os seus olhos face aos sinais da presença de Cristo: adoraram-n'O e receberam-n'O na Eucaristia, amaram-n'O nos irmãos mais necessitados, reconheceram os sinais do seu desígnio de salvação nos acontecimentos da existência quotidiana.

1268 Ouviram as palavras de Jesus e cultivaram a sua companhia, sentindo arder dentro do peito o coração. Que fascínio indescritível exerce a misteriosa presença do Senhor em quantos O acolhem! É a experiência dos santos. É a mesma experiência espiritual que podemos fazer nós, encaminhados pelas veredas do mundo rumo à pátria celeste. O Ressuscitado também vem ao nosso encontro com a sua Palavra, revelando-nos o seu amor infinito no Sacramento do Pão eucarístico, partido para a salvação da humanidade inteira. Possam os olhos do nosso espírito abrir-se à sua verdade e ao seu amor, como aconteceu com Marcelino Benedito Champagnat, com o Pe. João Calábria e com a Irmã Agostinha Lívia Pietrantoni.

2. «Porventura não nos ardia o coração no peito, quando Ele nos explicava as Escrituras?». Este desejo ardente de Deus que sentiam os discípulos de Emaús manifesta-se profundamente em Marcelino Champagnat, que foi um sacerdote conquistado pelo amor de Jesus e de Maria. Graças à sua fé inabalável, permaneceu fiel a Cristo, mesmo nos momentos difíceis, num mundo por vezes privado do sentido de Deus. Também nós somos chamados a haurir a nossa força na contemplação de Cristo ressuscitado, seguindo o exemplo da Virgem Maria.

São Marcelino anunciava o Evangelho com coração totalmente ardente. Foi sensível às necessidades espirituais e educativas da sua época, sobretudo a ignorância religiosa e as situações de abandono vividas em particular pela juventude. O seu sentido pastoral é exemplar para os sacerdotes: chamados a proclamar a Boa Nova, eles devem ser de igual modo para os jovens, que procuram dar sentido à sua vida, verdadeiros educadores, acompanhando-os ao longo do seu caminho e explicando-lhes as Escrituras. O Padre Champagnat é também um modelo para os pais e os educadores, ajudando-os a ter plena esperança nos jovens, a amá-los com um amor total que favoreça uma verdadeira formação humana, moral e espiritual.

Marcelino Champagnat também nos convida a ser missionários, para fazer com que Jesus Cristo seja conhecido e amado, como fizeram os Irmãos maristas, indo até à Ásia e à Oceânia. Tendo Maria como guia e Mãe, o cristão é missionário e servidor dos homens. Peçamos ao Senhor a graça de termos um coração ardente como o de Marcelino Champagnat, para O reconhecer e sermos Suas testemunhas.

3. «Deus ressuscitou este Jesus. E nós todos somos testemunhas disso» (
Ac 2,32).

«E nós todos somos testemunhas disso»: é Pedro quem fala em nome dos Apóstolos. Na sua voz, reconhecemos a de outros numerosos discípulos, que no decorrer dos séculos fizeram da sua vida um testemunho do Senhor morto e ressuscitado. Os santos hoje canonizados unem-se a este coro. Une-se o Pe. João Calábria, testemunha exemplar da Ressurreição. Nele resplandecem a fé ardente, a caridade genuína, o espírito de sacrifício, o amor à pobreza, o zelo pelas almas e a fidelidade à Igreja.

No ano do Pai, que nos introduz no Grande Jubileu do Ano 2000, somos convidados a dar o máximo relevo à virtude da caridade. Toda a existência de João Calábria foi um evangelho vivo, transbordante de caridade: caridade para com Deus e caridade para com os irmãos, sobretudo com os mais pobres. A fonte do seu amor para com o próximo eram a confiança ilimitada e o abandono filial que sentia em relação ao Pai celeste. Gostava de repetir aos seus colaboradores as palavras evangélicas: «Em primeiro lugar buscai o Reino de Deus e a sua justiça, e Deus vos dará, em acréscimo, todas essas coisas» (Mt 6,33).

4. O ideal evangélico da caridade para com o próximo, especialmente para com os pequeninos, os doentes e os abandonados, levou também Lívia Pietrantoni aos cumes da santidade. Formada na escola de Santa Joana Antida Thouret, a Irmã Agostinha compreendeu que o amor a Jesus exige o serviço generoso aos irmãos. De facto, é no rosto deles, sobretudo no dos mais necessitados, que brilha o rosto de Cristo. «Deus» deu a «única bússola» que orientou todas as suas opções de vida. «Amarás», o primeiro e fundamental mandamento, posto no início da «Regra de vida das Irmãs da Caridade», foi a fonte inspiradora dos gestos de solidariedade da nova Santa, o estímulo interior que a sustentou na doação de si ao próximo.

Na primeira Carta de Pedro, que há pouco escutámos, lemos que a redenção não se verificou «com coisas perecíveis, isto é, com prata nem ouro», mas com o «precioso sangue de Cristo, como o de um cordeiro sem defeito e sem mancha» (1P 1,19). A consciência do valor infinito do Sangue de Cristo, derramado por nós, induziu Santa Agostinha Lívia Pietrantoni a responder ao amor de Deus com um amor igualmente generoso e incondicionado, manifestado no humilde e fiel serviço aos «queridos pobres», como ela costumava repetir.

Disposta a qualquer sacrifício, testemunha heróica da caridade, pagou com o sangue o preço da fidelidade ao Amor. Possam o seu exemplo e a sua intercessão obter para o Instituto das Irmãs da Caridade, que este ano celebra o segundo centenário de fundação, um renovado impulso apostólico.

5. «Fica connosco, pois já é tarde e a noite já se aproxima» (Lc 24,29). Os dois viandantes cansados suplicaram a Jesus que ficasse na casa deles a fim de partilharem o mesmo pão.

1269 Fica connosco, Senhor ressuscitado! Esta é também a nossa aspiração quotidiana. Se ficares connosco, o nosso coração estará em paz.

Acompanha-nos, como fizeste com os discípulos de Emaús, no nosso caminho pessoal e eclesial.

Abre os nossos olhos, para que saibamos reconhecer os sinais da tua inefável presença.

Torna-nos dóceis à escuta do teu Espírito. Alimentados todos os dias com o teu Corpo e Sangue, saberemos reconhecer-Te e servir-Te-emos nos nossos irmãos.

Maria, Rainha dos Santos, ajuda-nos a manter a nossa fé e a nossa esperança firmes em Deus (cf.
1P 1,21).

São Marcelino Benedito Champagnat, São João Calábria e Santa Agostinha Lívia Pietrantoni orai por nós!



Homilias JOÃO PAULO II 1259