Homilias JOÃO PAULO II 1277


POR OCASIÃO DA JORNADA DA CARIDADE


PROMOVIDA PELO PONTIFÍCIO CONSELHO "COR UNUM"


Domingo, 16 de Maio de 1999




1. «Contemplarei a bondade do Senhor na terra dos vivos» (Salmo resp.).

Estas palavras do Salmo responsorial fazem eco dos tocantes testemunhos que precederam a celebração eucarística, ilustrando, com a força da experiência vivida, o tema que orienta este encontro mundial: «reconciliação na caridade». Em qualquer situação, mesmo a mais dramática, o cristão faz suas as invocações do Salmista: «Javé é a minha luz e salvação: de quem terei medo? Ouço no meu coração: "Procurai a Minha face"! É a Tua face, Senhor, que eu procuro; não me escondas a Tua face» (Ps 26,1 Ps 26,8-9). Elas infundem coragem, alimentando a esperança e impelem a despender todas as energias, para fazer com que a face do Senhor brilhe com luz na nossa existência. Procurar a face de Deus é, portanto, anelar à plena comunhão com Ele; é amá-l'O sobre todas as coisas e com todas as forças. O caminho, porém, mais concreto para O encontrar é amar o homem, em cujo rosto brilha o do Criador.

Há pouco, nesta Praça, foram dados alguns testemunhos, através dos quais aparecem os prodígios que Deus realiza através do generoso serviço de tantos homens e mulheres, que fazem da sua existência um dom de amor aos outros, um dom que não se detém nem sequer diante de quem não o acolhe. Estes nossos irmãos e irmãs, juntamente com muitos outros voluntários em toda a parte da terra, testemunham com o seu exemplo que amar o próximo é a via para chegar a Deus e reconhecer a Sua presença também neste mundo tão distraído e indiferente.

2. «Contemplarei a bondade do Senhor na terra dos vivos».

Sustentada pela Palavra de Deus, a Igreja não cessa de proclamar a bondade do Senhor. Onde há ódio, ela anuncia o amor e o perdão; onde há guerra, a reconciliação e a paz; onde há solidão, o acolhimento e a solidariedade. Ela prolonga em todos os rincões da terra a oração de Cristo, que ressoa no Evangelho hodierno: «Que Te conheçam a Ti, por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a Quem enviaste» (Jn 17,3). O homem, hoje mais do que nunca, tem necessidade de conhecer Deus para Lhe entregar, em atitude de confiante abandono, a debilidade da sua natureza ferida. Ele percebe, às vezes até de maneira inconsciente, a necessidade de experimentar o amor divino que faz renascer para a vida nova.

1278 Toda a comunidade eclesial, mediante diversas formas de apostolado que a põem em contacto com antigas e novas pobrezas, tanto espirituais como materiais, é chamada a favorecer este encontro com «o único Deus verdadeiro» e com Aquele que por Ele foi enviado, Jesus Cristo. Move-a e impele-a a consciência de que ajudar os outros não é oferecer simplesmente um apoio e um socorro material, mas é sobretudo conduzi-lo, mediante o testemunho da própria disponibilidade, a fazer a experiência da bondade divina, que se revela com força especial na mediação humana da caridade fraterna.

3. Estou muito feliz, neste dia, por vos acolher em tão grande número, caríssimos Irmãos e Irmãs, por ocasião da Jornada da Caridade, promovida pelo Pontifício Conselho Cor Unum. De bom grado celebro a Eucaristia convosco e para vós, recordando todas as «testemunhas da caridade», que no mundo inteiro se empenham em eliminar a injustiça e a miséria, infelizmente ainda presentes de muitas formas evidentes e escondidas. Penso aqui nos inumeráveis aspectos do voluntariado, que inspira a sua acção no Evangelho: Institutos religiosos e Associações de caridade cristã, organizações de promoção humana e de serviço missionário, grupos de empenho civil e organizações de acção social, educativa e cultural. As vossas actividades abrangem todos os sectores da existência humana e as vossas intervenções atingem inúmeras pessoas em dificuldade. A cada um de vós exprimo a minha estima e o meu encorajamento.

Agradeço a D. Paul Josef Cordes e aos Colaboradores do Pontifício Conselho Cor Unum, que se fizeram promotores deste encontro. Ele coloca-se no contexto do ano de imediata preparação para o Grande Jubileu do Ano 2000, dedicado ao Pai celeste, rico em bondade e misericórdia. Agradeço a quantos expuseram os seus testemunhos e a todos os que quiseram participar nesta assembleia tão significativa.

Desejo, além disso, encorajar cada um de vós a prosseguir nesta nobre missão que vos vê empenhados como filhos da Igreja, lá onde o homem sofre e vive em situações de desconforto. A todos aqueles com quem encontrardes, levai o conforto da solidariedade cristã; proclamai e testemunhai com vigor Cristo, Redentor do homem. Ele é a esperança que ilumina o caminho da humanidade. Sirva-vos de estímulo e de apoio o testemunho dos Santos, em particular o de São Vicente de Paulo, padroeiro de todas as associações caritativas.

4. É consolador constatar que na nossa época se multiplicam as intervenções de voluntariado, que irmanam em acções humanitárias pessoas de diferentes origens, culturas e religiões. Surge espontâneo no coração o desejo de dar graças ao Senhor por este crescente movimento de atenção ao homem, de generosa filantropia e de solidariedade compartilhada. O cristão é chamado a oferecer a esta vasta acção humanitária a sua contribuição específica. Ele sabe que na Sagrada Escritura o apelo ao amor do próximo está ligado ao mandamento de amar a Deus com todo o coração, com toda a alma e com todas as forças (cf. Mc
Mc 12,29-31).

Como não sublinhar esta fonte divina do serviço aos irmãos? Sim, o amor ao próximo só corresponde ao mandato e ao exemplo de Cristo, se estiver unido ao amor a Deus. Jesus, que dá a vida pelos pecadores, é sinal vivo da bondade de Deus; do mesmo modo o cristão, através da sua generosa dedicação, faz com que os irmãos, com os quais entra em contacto, experimentem o amor misericordioso e providente do Pai celeste.

Manifestação suprema da caridade divina é certamente o perdão, que nasce do amor para com o próprio inimigo. Quanto a isto, Jesus diz que não constitui um particular mérito amar aquele que é nosso amigo e nos faz bem (cf. Mt Mt 5,46-47). Tem mérito verdadeiro quem ama o próprio inimigo. Mas quem teria a força de chegar a tão sublime ápice, se não fosse sustentado pelo amor de Deus? Diante dos nossos olhos projectam-se neste momento as nobres figuras de heróicos servidores do amor, que neste nosso século ofereceram a vida aos irmãos, morrendo em cumprimento do máximo mandamento de Cristo. Enquanto acolhemos o seu ensinamento, somos convidados a seguir os seus passos, conscientes de que o cristão exprime o seu amor por Jesus no dom de si ao outro, porque tudo o que faz ao mais pequenino dos irmãos, fá-lo ao seu próprio Senhor (cf. Mt Mt 25,31-46).

5. «E todos unidos pelo mesmo sentimento, se entregavam assiduamente à oração, em companhia de algumas mulheres, entre as quais Maria, mãe de Jesus...» (Ac 1,14).

Ícone do voluntário é certamente o Bom Samaritano, que se inclina com prontidão sobre as chagas do viandante desconhecido, que caíra em poder dos salteadores enquanto descia de Jerusalém para Jericó (cf. Lc Lc 10,30-37). Ao lado desta imagem, que sempre devemos contemplar, hoje a Liturgia oferece-nos outra: no Cenáculo, os Apóstolos e Maria detêm-se em comum oração, à espera de receber o Espírito Santo.

A acção pressupõe a contemplação: desta brota e se alimenta. Não se pode dar amor aos irmãos se antes ele não for bebido na fonte autêntica da caridade divina, e isto só acontece num prolongado momento de oração, de escuta da Palavra de Deus, de adoração da Eucaristia, fonte e ápice da vida cristã. Oração e empenho activo constituem um binómio vital, inseparável e fecundo.

Caríssimos Irmãos e Irmãs, possam estes dois «ícones do amor» inspirar todas as vossas acções e a vossa vida inteira. Maria, Virgem da escuta, obtenha do Espírito Santo o dom da caridade para cada um. Torne todos artífices da cultura da solidariedade e construtores da civilização do amor. Amém!





DURANTE A SOLENE VIGÍLIA DE PENTECOSTES


PARA O ENCERRAMENTO DA GRANDE MISSÃO DA CIDADE


1279
22 de Maio de 1999




1. «Abre as portas a Cristo, teu Salvador»: este convite, que ressoou alto nos três anos de preparação para o Grande Jubileu, caracterizou a nossa Missão da Cidade.

Damos graças a Deus por este extraordinário acontecimento, que foi um acto de amor para a Cidade e para todos os seus habitantes. A Missão da Cidade promoveu, de facto, nas comunidades cristãs um itinerário de espiritualidade intensa, alimentado pela oração e pela escuta da Palavra de Deus. Além disso, permitiu o incremento daquela comunhão eclesial, que o Sínodo romano tinha indicado como condição indispensável da nova evangelização.

Toda a comunidade diocesana, nos seus vários ministérios, vocações e carismas, trabalhou em uníssono a fim de oferecer o próprio contributo de oração, anúncio, testemunho e serviço. Fizemos juntos a experiência de ser «povo de Deus em missão».

Sinto o dever de agradecer a quantos participaram de várias maneiras nesta importante iniciativa pastoral. Em primeiro lugar a Vossa Eminência, Senhor Cardeal Vigário, que guiou com zelo a Missão, em estreita colaboração com os Bispos Auxiliares, os quais saúdo cordialmente. Desejaria recordar agora os outros Prelados que ofereceram a sua apreciada colaboração e, entre eles, o saudoso D. Clemente Riva.

Penso com gratidão em vós, queridos missionários, sacerdotes, religiosos, religiosas e sobretudo leigos, que fostes os primeiros a beneficiar da graça da Missão. O generoso empenho, com que vos preparastes e levastes o Evangelho às casas e aos ambientes da Cidade, abriu novos caminhos de evangelização e de presença cristã no âmbito quotidiano da vida do nosso povo. O Espírito Santo guiou-vos passo a passo, inspirou-vos as palavras justas para o anúncio de Cristo e sustentou-vos nos inevitáveis momentos de dificuldade.

Damos graças ao Senhor por tudo o que realizou, mostrando em cada circunstância os sinais da sua misericórdia e do seu amor. O grande Jubileu, já às portas, estimula-nos a prosseguir neste esforço missionário com o mesmo impulso, a fim de consolidar e expandir os resultados alcançados pela Missão. Desta forma, poderíamos mostrar aos numerosos peregrinos, que virão a Roma no próximo ano, o rosto da nossa Igreja acolhedora e aberta, renovada na fé e rica de obras de caridade.

2. Para que isto se verifique, é necessário que a obra missionária, iniciada de modo tão feliz, se consolide e se desenvolva. É preciso continuar a sustentar as pessoas e as famílias que já foram contactadas nas suas casas e nos lugares de trabalho, bem como alcançar todos os que, por vários motivos, não foi possível contactar durante estes anos.

A visita anual às famílias e os centros de escuta do Evangelho, que devem ser ampliados de forma minuciosa, sejam então a alma da pastoral das paróquias, graças à colaboração das associações eclesiais, dos movimentos e dos grupos. A celebração da Palavra de Deus marque o caminho de fé das comunidades paroquiais, sobretudo nos tempos fortes do ano litúrgico. O sinal da caridade para com os pobres e os que sofrem acompanhe o anúncio do Senhor, mostrando a sua presença viva, através do testemunho quotidiano do amor fraterno.

Deve ser fortificada a comunhão entre os cristãos que estão empenhados nos ambientes de trabalho e de estudo, nos lugares de cura e de passatempo, onde foram iniciadas propostas concretas do Evangelho. O germe da novidade evangélica, semeado com a Missão, deve crescer e frutificar em todas as partes, também onde ainda não foi possível promover iniciativas missionárias apropriadas. Para esta finalidade, torna-se mais urgente o nosso testemunho. Com efeito, nenhuma realidade é impenetrável ao Evangelho; aliás, Cristo ressuscitado já está misteriosamente presente nelas, mediante o seu Espírito Santo.

3. Um empreendimento apostólico tão amplo requer uma obra de formação e de catequese dirigida a todo o povo de Deus, para que tome uma consciência mais profunda da sua vocação missionária e esteja preparado para dar a razão da fé em Cristo sempre e em toda a parte.

1280 É tarefa das paróquias, das comunidades religiosas, das associações, dos movimentos e dos grupos ter a solicitude por esta formação, predispondo itinerários de fé, de oração e de experiência cristã ricos de conteúdo teológico, espiritual e cultural.

Queridos sacerdotes, vós sois os primeiros a quem está confiada esta tarefa: sede, nas vossas comunidades, guias sábios e atentos mestres da fé.

Vós, queridas religiosas, que tanto contribuístes para a Missão, continuai a apoiá-la com a vossa oração, com a santidade da vida e com os carismas que vos são próprios, nos múltiplos âmbitos apostólicos em que estais empenhadas.

Vós, queridos leigos, sois chamados a dar vida a um grande movimento missionário permanente na Cidade e em cada um dos seus ambientes. Tanto no interior das famílias, como no amplo e complexo mundo do trabalho e da cultura, na escola e na universidade, nas instituições de saúde, nos meios de comunicação social e nas actividades do tempo livre não deixeis faltar o vosso contributo, para que o anúncio do Evangelho possa incidir sobre toda a sociedade.

E como esquecer a contribuição que ofereceram os doentes, e que são chamados a renovar, à Missão da Cidade com a oferta do próprio sofrimento, e as irmãs de clausura com a sua constante oração?

Manifesto a todos e a cada um o meu reconhecimento pela sua utilíssima ajuda espiritual.

4. Com um olhar retrospectivo a estes três anos da Missão da Cidade, damo-nos facilmente conta de que a Palavra de Deus foi amplamente semeada. Para que esta semente divina não seja dispersa, mas ganhe raízes sólidas e dê frutos na vida e na pastoral quotidiana, é necessário favorecer uma específica reflexão que, envolvendo todas as componentes eclesiais, desemboque num congresso específico. Penso num grande encontro, que há-de servir para traçar, com base na experiência da Missão da Cidade, as linhas-mestras dum empenho de evangelização e missionariedade permanente.

Ser Igreja em Missão: eis o grande desafio dos próximos anos para Roma e para o mundo inteiro. Confio-vos esta tarefa, queridos sacerdotes, religiosos e religiosas, leigos e, de maneira especial a vós, movimentos e novas comunidades, recordando o encontro de há um ano na vigília de Pentecostes, nesta mesma Praça. É necessário abrir-se com docilidade à acção do Espírito, recebendo com gratidão e obediência os dons que Ele prodigaliza sem cessar em benefício de toda a Igreja. Nesta tarde Cristo repete a cada um de vós: «Ide pelo mundo inteiro e anunciai a Boa Notícia a toda a humanidade» (
Mc 16,15).

Caríssimos, o Evangelho que Cristo nos confiou é o Evangelho da paz! Não o tenhamos somente para nós, sobretudo neste momento no qual prepotência e guerra estão a semear destruição e morte na vizinha região dos Balcãs! O Espírito estimula-nos a ser anunciadores e operadores de paz na justiça e na reconciliação. Nesta perspectiva desejaria que na próxima festa do Corpus Domini se elevasse da Igreja de Roma uma coral invocação pela paz. Por conseguinte, convido todos vós – clero, religiosos e fiéis – a unir-vos a mim na tarde de quinta-feira, 3 de Junho, em S. João de Latrão para participar na Missa e na procissão do Corpus Domini, durante a qual imploraremos juntos o dom da paz nos Balcãs. O dia do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo seja, este ano, caracterizado por uma intensa oração pela paz.

5. Vem Espírito Santo, enche os corações dos teus fiéis e acende neles o fogo do teu amor.

Vem, Espírito Santo! A invocação, que ecoa na Liturgia desta vigília de Pentecostes, enche-nos de alegria e de esperança.

1281 Espírito Santo, artífice e alma da Missão, suscita na Igreja de Roma muitos missionários entre os jovens, os adultos e entre as famílias, e infunde em cada um o fervor inestimável do teu amor. Espírito, «luz dos corações», indica os novos caminhos para a Missão da Cidade e do Universo no Terceiro Milénio que está para iniciar.

«Consolador perfeito», sustém quem está desanimado, confirma o entusiasmo de quem sentiu a alegria da evangelização, fortalece em cada fiel o desejo e a coragem de ser quotidianamente missionário do Evangelho no próprio ambiente de vida e de trabalho.

«Hóspede doce da alma», abre o coração de cada pessoa, família, comunidade religiosa e paroquial, para que os peregrinos pobres que participarão nos eventos do Jubileu sejam acolhidos com generosidade. Este será, de facto, um dos frutos mais belos e fecundos da Missão da Cidade: pôr em prática aquela caridade romana, fruto da fé, que acompanhou sempre a celebração dos Anos Santos.

Maria Santíssima, que desde o Pentecostes vigias com a Igreja invocando o Espírito Santo, fica connosco no centro deste nosso cenáculo singular. A ti, que veneramos como Nossa Senhora do Divino Amor, confiamos os frutos da Missão da Cidade a fim de que, com a tua intercessão, a Diocese de Roma dê ao mundo um testemunho convicto de Cristo nosso Salvador.



VIAGEM PASTORAL DO PAPA JOÃO PAULO II A ANCONA



NA SOLENIDADE DA SANTÍSSIMA TRINDADE


Domingo, 30 de Maio 1999



1. «Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo: a Deus que é, que era e que há-de vir» (Aclamação ao Evangelho; cf. Ap Ap 1,8).

Louvemos a Deus pela providencial coincidência entre duas datas, diferentes nos conteúdos mas convergentes no significado, que estamos a viver neste dia: a solenidade da Santíssima Trindade e as celebrações milenárias da vossa Igreja Catedral.

O magnífico edifício, que do alto da colina domina a Cidade, é de facto símbolo do Povo de Deus que nesta terra de Ancona foi reunido, segundo uma sugestiva expressão de Cipriano, «da unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo» (de Orat. Dom., 23; PL 4, 536). Ao celebrar os mil anos da Catedral, celebramos portanto também os prodígios de graça e de amor que, durante dez séculos de história, a Santíssima Trindade derramou sobre as gerações cristãs, que neste território acreditaram no Evangelho e se esforçaram por vivê-lo.

Conscientes disto, a nossa assembleia litúrgica, hoje reunida neste estádio enfeitado para a festa, aclama com alegria: «Benditos sejam Deus Pai, o unigénito Filho de Deus e o Espírito Santo, porque grande é o seu amor por nós».

2. É deveras grande o amor de Deus por cada um de nós! É grande o amor de Deus por cada um de vós, caríssimos Irmãos e Irmãs de Ancona, e a vossa bonita Catedral, dedicada a São Ciríaco, é disto um sinal tangível.

Vista de fora, com a sua posição elevada sobre a Cidade, ela simboliza muito bem a tranquilizadora presença de Deus-Trindade, que do alto orienta e protege a vida dos homens. Ao mesmo tempo, a Catedral constitui um vigoroso apelo a olhar para o alto, a elevar-se acima da quotidianidade e de tudo aquilo que pesa sobre a vida terrena, para fixar os olhos no céu, numa contínua tensão rumo aos valores espirituais. Ela é, por assim dizer, o ponto de encontro entre dois movimentos: o descendente do amor de Deus revelado à humanidade e o ascendente das aspirações do homem à comunhão com Deus, fonte de alegria e de paz.

1282 3. «Bendito sois Vós no vosso templo santo e glorioso. A Vós louvor e glória nos séculos». Com esta invocação do Salmo responsorial, estou feliz por saudar todos vós, caríssimos Irmãos e Irmãs, recordando com ânimo grato à Providência divina os mil anos de história, de tradições religiosas e culturais, de laboriosa vida cristã, entretecida com as vicissitudes da Cidade e da Região.

Saúdo com afecto todos vós aqui presentes, a começar pelo vosso pastor, o querido D. Franco Festorazzi, a quem agradeço as cordiais palavras que me dirigiu em vosso nome no início desta Celebração. Além dele, saúdo os Prelados das Marcas, o Arcebispo de Zara e todos os outros Bispos aqui presentes. Dirijo uma deferente saudação ao Vice-Presidente do Conselho dos Ministros, que veio aqui em representação do Governo italiano, ao Presidente da Câmara Municipal de Ancona, ao Prefeito, ao Presidente da Região e às Autoridades civis e militares, que com a sua presença quiseram honrar esta solene celebração.

Depois, dirijo a minha afectuosa saudação aos sacerdotes, aos religiosos, às religiosas e aos leigos que se dedicam activamente ao apostolado, com uma especial recordação aos peregrinos vindos de outras localidades para celebrar connosco esta histórica circunstância e, de modo particular, ao grupo de fiéis croatas e bósnios.

Caríssimos fiéis da Arquidiocese de Ancona-Ósimo, abraço todos vós espiritualmente e agradeço-vos a amável hospitalidade que me reservastes, segundo a sensibilidade e o calor típicos da tradição das Marcas.

4. Há pouco escutamos as palavras do Apóstolo Paulo: «Irmãos, sede alegres, trabalhai na vossa perfeição, confortai-vos, tende um mesmo sentir, vivei em paz. O Deus do amor e da paz estará convosco» (
2Co 13,11). Caríssimos Irmãos e Irmãs, dirijo estas mesmas palavras a vós com afecto e profunda cordialidade.

Sobretudo a vós, jovens! Juntamente com São Paulo, digo-vos: «Tendei para a perfeição!». Um convite tão comprometedor supõe nos destinatários a capacidade do entusiasmo. Não é esta porventura uma característica típica da vossa idade? Portanto, digo-vos: sabei pensar à grande! Tende a coragem de ousar! Com a ajuda de Deus «tendei para a perfeição!». Deus tem um projecto de santidade para cada um de vós.

Hoje está aqui convosco a «Cruz dos jovens» que, a partir do Ano Santo de 1984, acompanhou os mais importantes encontros eclesiais da juventude. A Cruz convida-vos a testemunhar com coragem aquela fé que herdastes de Estêvão, de Ciríaco e de Leopardo, Padroeiros das vossas Comunidades. Estai prontos a prosseguir o caminho da nova evangelização, entrando com a Cruz vitoriosa de Cristo no terceiro milénio.

5. «Tende os mesmos sentimentos!». Estimadas famílias e especialmente vós, queridos jovens esposos, acolhei este convite à unidade dos corações e à plena comunhão em Deus. Grande é a vocação que recebestes d'Ele! Ele chama-vos a ser famílias abertas à vida e ao amor, capazes de transmitir esperança e confiança no futuro a uma sociedade que às vezes se demonstra isenta delas.

«Sede alegres!», repete-vos hoje o Apóstolo Paulo. Para o cristão a profunda razão da alegria interior encontra-se na Palavra de Deus e no seu amor que jamais falta. Fortalecida por esta consciência, a Igreja continua a sua peregrinação e a todos proclama: «O Deus do amor e da paz estará convosco!».

6. O meu olhar alarga-se agora a toda a vossa Cidade que, exposta ao mar Adriático, constitui desde sempre por assim dizer, uma «cabeça-de-ponte» rumo ao Oriente. A história de Ancona está impregnada de heroicidade apostólica e de espírito missionário. Basta pensar no Protomártir Santo Estêvão, a quem foi consagrada a primeira Catedral, e em Primiano, de origem grega e primeiro Bispo da Cidade. E depois há São Ciríaco, que evocamos de modo especial nestas celebrações milenárias da Catedral que lhe é dedicada: ele veio de Jerusalém. Libério era arménio e também os mártires de Ósimo - Florenço, Sisínio e Dioclécio - vieram do Oriente. O horizonte sobre o qual debruça a vossa Cidade é deveras vastíssimo!

Lugar de passagem para comerciantes e peregrinos, Ancona conheceu durante séculos a serena convivência de comunidades gregas e arménias, que elevaram aqui os próprios lugares de culto e entreteceram relações de recíprocos respeito e colaboração com a comunidade católica. Agradecemos a Deus porque nos séculos a Igreja de Ancona assumiu uma característica cosmopolita e amadureceu um ardente impulso missionário, como testemunhou de maneira eloquente a actividade de D. António Maria Sacconi na China e de D. Giacomo Riccardini no Médio Oriente.

1283 Esta herança espiritual não se interrompeu e continua a dar os seus frutos. É prova disto, entre outras coisas, a cooperação missionária que esta Diocese oferece à Comunidade eclesial de Anatuja, na Argentina. Estou certo de que a vossa Igreja se há-de abrir para novas e promissoras perspectivas, imprimindo no inteiro povo cristão de Ancona um renovado impulso apostólico ao serviço do Evangelho. Este será um dos resultados mais significativos das celebrações jubilares da vossa Catedral.

7. «Vivei em paz», recomenda São Paulo. Caríssimos, a Catedral é um símbolo da unidade da Igreja. Também aqui em Ancona, bem como na vizinha Ósimo, ela foi o lugar do louvor a Deus de toda a Cidade, a sede da reencontrada harmonia entre os momentos do culto e da vida cívica, o ponto de referência para a pacificação dos espíritos.

Impelidos pela memória, desejais viver a actualidade da história. E como os vossos pais souberam construir o esplêndido templo de pedra, a fim de que fosse sinal e apelo à comunhão de vida, compete a vós tornar visível e crível o significado do edifício sagrado, vivendo em paz na comunidade eclesial e civil.

Recordando o passado e atentos ao presente, mas também projectados para o futuro, vós cristãos da Diocese de Ancona-Ósimo sabeis que o progresso espiritual das vossas comunidades eclesiais e a mesma promoção do bem comum das comunidades civis exigem um compromisso árduo, além de uma inserção das vossas paróquias e associações cada vez mais vital neste território. O caminho até agora percorrido e a fé que vos anima vos dêem coragem e impulso para continuardes.

8. «A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunicação do Espírito Santo estejam com todos vós» (
2Co 13,13): estes são os bons votos que o Apóstolo Paulo dirigia aos cristãos de Corinto. Hoje, o Sucessor de Pedro deseja transmitir estes mesmos bons votos de respiro trinitário à vossa Comunidade em festa pelo milénio da Catedral.

Cristãos de Ancona, imitando os vossos antepassados, sede uma Igreja viva ao serviço do Evangelho! Uma Igreja hospitaleira e generosa, que com o seu testemunho perseverante saiba tornar presente o amor de Deus por cada um dos seres humanos, especialmente pelos sofredores e necessitados. Bem sei que este é o vosso empenhamento. Atesta-o, entre outros, a iniciativa que em recordação das celebrações milenárias, a Igreja de Ancona quis realizar: a reestruturação do complexo da Anunciação, que será destinado aos serviços de solidariedade e à pastoral juvenil. O Papa elogia-vos por isto e encoraja-vos.

Maria, que na vossa Catedral venerais com o lindo título de «Rainha de todos os Santos», vigie do alto da colina sobre cada um de vós e sobre a gente do mar.

E Tu, Rainha dos Santos, Rainha da Paz, escuta a nossa oração: torna-nos testemunhas críveis do teu Filho Jesus e indefessos artífices de paz.

Amém!







NA SOLENIDADE DE CORPUS DOMINI


3 de Junho de 1999




Lauda, Sion, Salvatorem! Louva, Sião, o Salvador!

1284 Louva o teu Salvador, Comunidade cristã de Roma, reunida diante desta Basílica Catedral, dedicada a Cristo Salvador e ao seu Precursor, João Baptista! Louva-O porque «Ele estabelece a paz nas tuas fronteiras e te sacia com a flor do trigo» (Salmo responsorial 147, 14).

A solenidade do Corpus Domini é uma festa de louvor e acção de graças. Nela o povo cristão reúne-se à volta do altar para contemplar e adorar o Mistério eucarístico, memorial do sacrifício de Cristo, que deu a salvação e a paz a todos os homens. Neste ano, a nossa solene celebração e, daqui a pouco, a tradicional procissão que nos levará desta Praça a Santa Maria Maior, têm uma finalidade especial: querem ser súplica unânime e premente em prol da paz.

Enquanto adoramos o Corpo d'Aquele que é a nossa Cabeça, como deixarmos de ser solidários com os seus membros que sofrem em virtude da guerra? Sim, caríssimos Irmãos e Irmãs, romanos e peregrinos, nesta tarde queremos rezar juntos pela paz; desejamos orar de modo especial pela paz nos Balcãs. Ilumina-nos e guia-nos a Palavra de deus, que há pouco escutámos.

2. Na primeira Carta ressoou o mandato do Senhor: «Lembra-te, porém, de todo o caminho que Javé teu Deus te fez percorrer» (
Dt 8,2). «Lembra-te...»! Esta é a primeira palavra. Não se trata de um convite, mas de um mandato que o Senhor dirige ao seu povo, antes de o introduzir na terra prometida. Pede-lhe que não se esqueça.

Para ter a paz, síntese de todos os bens prometidos por Deus, é necessário sobretudo não esquecer, mas valorizar a experiência passada. Também dos erros se pode tirar uma lição útil para orientar melhor o próprio caminho.

Olhando para este século e para o milénio que termina, como deixar de evocar as terríveis provas que a humanidade teve de suportar? Não podemos esquecer: antes, devemos lembrar. Ajudai-nos, ó Deus nosso Pai, a aprender as justas lições das nossas vicissitudes e daqueles que nos precederam!

3. A história fala de grandes aspirações à paz, mas também de novas desilusões que a humanidade teve de padecer entre lágrimas e sangue. Precisamente neste dia, 3 de Junho de há 36 anos, morria João XXIII, o Papa da Pacem in terris. Que unânime coro de louvores acolheu esse documento, onde se traçavam as directrizes para a edificação de uma paz genuína no mundo! Mas quantas vezes nestes anos se teve de assistir à explosão da violência bélica numa ou noutra parte do planeta!

Todavia, o crente não se rende. Ele sabe que pode contar sempre com a ajuda de Deus. A este respeito, são eloquentes as palavras proferidas por Jesus durante a Última Ceia: «Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz. A paz que vos dou não é a paz que o mundo dá» (Jn 14,27). Hoje queremos acolhê-las e compreendê-las de novo em profundidade. Entremos espiritualmente no Cenáculo para contemplar Cristo que dá, sob as espécies do pão e do vinho, o seu Corpo e o seu Sangue, antecipando no sacramento o Calvário. É deste modo que Ele nos concedeu a paz. São Paulo comentará: «Cristo é a nossa paz. De dois povos, Ele fez um só. Na sua carne derrubou o muro da separação: o ódio... por meio da cruz» (Ep 2,14 Ep 2,16).

Dando-Se a Si mesmo, Cristo deu-nos a paz. A sua paz não é a paz do mundo, com frequência feita de astúcias e de compromissos, e às vezes mesmo de prepotências e de violências. A paz de Cristo é fruto da sua Páscoa: ou seja, é fruto do seu sacrifício que erradica o ódio e a violência, reconciliando os homens com Deus e entre si mesmos; é o troféu da sua vitória sobre o pecado e a morte, da sua guerra pacífica contra o mal do mundo, combatida e vencida com as armas da verdade e do amor.

4. Não é por acaso que precisamente esta saudação brota dos lábios de Cristo ressuscitado. Aparecendo aos Apóstolos, Ele mostra em primeiro lugar nas mãos e no lado os sinais da dura luta combatida e depois exprime o desejo: «A paz esteja convosco!» (Jn 20,19 Jn 20,21 Jn 20,26). Ele comunica esta sua paz aos discípulos como dom preciocíssimo, que não se deve conservar ciosamente escondido, mas difundir mediante o testemunho.

Caríssimos, nesta tarde, ao levarmos em procissão a Eucaristia, sacramento de Cristo nossa Páscoa, levaremos pelas ruas da Cidade o anúncio desta paz que Ele nos deixou e que o mundo não pode dar. Caminharemos interrogando-nos sobre o nosso pessoal testemunho em favor da paz. De facto, não basta falarmos de paz, se não nos empenharmos em cultivar no coração sentimentos de paz e em manifestá-los nas relações diárias com quem vive ao nosso lado.

1285 Levaremos a Eucaristia em procissão e elevaremos a nossa súplica premente ao «Príncipe da paz» pela vizinha terra dos Balcãs, onde já se derramou demasiado sangue inocente e muitas ofensas se perpetraram contra a dignidade e os direitos dos homens e dos povos.

Nesta tarde a nossa oração é confortada pelas perspectivas de esperança, que enfim parecem ter-se aberto.

5. «O pão que Eu vou dar é a minha própria carne, para que o mundo tenha vida» (
Jn 6,51). No texto evangélico, que há pouco escutámos, estas palavras de Jesus introduziram-nos na compreensão da fonte da verdadeira paz. Cristo é a nossa paz, «pão» oferecido pela vida do mundo. Ele é o «pão» que Deus Pai preparou, para que a humanidade tenha vida e a tenha em abundância (cf. Jo Jn 10,10).

Deus não poupou o seu Filho, mas deu-O como salvação para todos, como Pai do qual se nutrir para ter a vida. A linguagem de Cristo é clara: para ter vida não basta crer em Deus, é preciso viver n'Ele (cf. Tg Jc 2,14). Por isso o Verbo encarnou, morreu e ressuscitou, dando-nos o seu Espírito; por isso nos deixou a Eucaristia, a fim de podermos viver d'Ele como Ele vive do Pai. A Eucaristia é o sacramento do dom que Cristo nos concedeu de Si mesmo: é o Sacramento do amor e da paz, que é plenitude de vida.

6. «Pão vivo, que dá vida!».

Senhor Jesus, diante de Vós, nossa Páscoa e nossa paz, empenhamo-nos em nos opor sem violência às violências do homem sobre o homem.

Prostrados aos vossos pés, ó Cristo, hoje queremos compartilhar o pão da esperança com os nossos irmãos desesperados; o pão da paz com os nossos irmãos martirizados pela purificação étnica e pela guerra; o pão da vida com os nossos irmãos ameaçados todos os dias pelas armas da destruição e da morte.

Com as vítimas inocentes e mais indefesas, ó Cristo, desejamos compartilhar o Pão vivo da tua paz.

«Por eles vos oferecemos a Vós, e também eles vos oferecem este sacrifício de louvor» (Cânone romano), porque Vós, ó Cristo, nascido da Virgem Maria, Rainha da paz, sede para nós com o Pai e o Espírito Santo, manancial de vida, amor e paz. Amém!



Homilias JOÃO PAULO II 1277