Homilias JOÃO PAULO II 1300


VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II À POLÓNIA


Siedlce , 10 de Junho de 1999



1. «Quem poderá separar-nos do amor de Cristo?» (Rm 8,35).

Acabámos de ouvir as palavras de São Paulo, dirigidas aos cristãos de Roma. É um grande hino de gratidão a Deus pelo seu amor e pela sua bondade. Este amor encontrou o seu ápice e a sua mais perfeita expressão em Jesus Cristo. Com efeito, Deus não poupou nem sequer o próprio Filho, mas entregou-O por nós, para que tivéssemos a vida eterna (cf. Rm Rm 8,32). Introduzidos em Cristo mediante o baptismo, somos filhos de Deus, eleitos e amados. Esta certeza deveria ser para nós um encorajamento a perseverar na fidelidade a Cristo. São Paulo entende esta fidelidade como união com Cristo no amor.

Queridos Irmãos e Irmãs, com que eloquência ressoam estas palavras do Apóstolo das Nações na terra da Podlásia, que deu intrépidas testemunhas do Evangelho de Cristo. Durante séculos, o povo desta terra ofereceu inúmeras provas da própria fé em Cristo e de adesão à sua Igreja, sobretudo perante as múltiplas experiências, as cruéis perseguições e as duras provas da história.

Saúdo quantos se encontram presentes nesta Santa Missa, todo o Povo de Deus da Podlásia unido ao próprio Pastor, o Bispo Jan Wiktor, os Bispos eméritos D. Jan e Waclaw, e o Bispo auxiliar Henryk. Alegro-me com a presença dos Cardeais e Bispos da Bielo-Rússia, do Cazaquistão, da Rússia e da Ucrânia. Saúdo de coração o Cardeal Kazamierz Swiatek. Saúdo também os Bispos de rito bizantino-ucraniano da Polónia e da Ucrânia. De maneira particular, saúdo o Arcebispo Metropolitano de Varsóvia-Przemysl, D. Jan Martyniak, o Bispo eleito de Wroclaw-Danzigue e o Bispo Lubomyr Huzar de Lviv, com os bispos da Ucrânia, bem como os peregrinos que vieram juntamente com ele. Saúdo os sacerdotes, as pessoas consagradas, os estudantes do Seminário Maior de Siedlce, e os representantes dos movimentos católicos, dos grupos de oração e dos apostólicos. Saúdo os peregrinos de várias partes da Polónia, e os da vizinha Bielo-Rússia, da Lituânia, da Ucrânia e da Rússia.

Neste momento reavivam-se no meu coração as recordações dos precedentes encontros com a Igreja de Sieldce, especialmente a comemoração do milénio do Baptismo da Polónia, em 1966, e do Jubileu do 150° aniversário da diocese, quando tive a ocasião de celebrar a Eucaristia em Koden dos Sapieha, aos pés de Nossa Senhora, Rainha da Podlásia. Apresento-me hoje com alegria a vós e dou graças à divina Providência porque me é concedido honrar as relíquias dos Mártires da Podlásia. Neles cumpriram-se de modo particular as palavras de São Paulo da hodierna liturgia: «nem a morte, nem a vida... nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, Nosso Senhor» (Rm 8,38-39).

2. «Pai Santo, guarda em Teu nome aqueles que Me deste, para que sejam um, assim como Nós» (Jn 17,11).

Cristo pronunciou estas palavras no dia anterior à sua paixão e morte. Num certo sentido são o seu testamento. Há dois mil anos, a Igreja procede ao longo da história com este testamento, com esta oração pela unidade. Contudo, existem alguns períodos da história nos quais esta oração se torna particularmente actual. Nós estamos a viver precisamente num destes períodos. Se o primeiro milénio da história da Igreja foi marcado sobretudo pela unidade, desde o início do segundo milénio sobrevieram divisões, que se verificaram primeiro no Oriente, e mais tarde no Ocidente. Desde há quase dez séculos o cristianismo vive dividido.

Isto encontrou e encontra expressão na Igreja que há mil anos desempenha a própria missão na terra polaca. No período da primeira República os extensos territórios polaco-lituano-rutenos constituíam uma região onde ambas as tradições, a ocidental e a oriental, coexistiam. Mas gradualmente manifestaram-se os efeitos da divisão que, como se sabe, se verificou entre Roma e Bizâncio a meados do século XI. Gradualmente foi-se também maturando a compreensão da necessidade de reconstruir a unidade, sobretudo depois do Concílio de Florença, no século XV. O ano de 1596 está relacionado com o acontecimento histórico da chamada União de Brest. Desde aquele tempo, nos territórios da I República, e de maneira particular nos orientais, aumentou o número das dioceses e das paróquias da Igreja greco-católica. Mesmo conservando a tradição oriental no âmbito da liturgia, da disciplina e da língua, aqueles cristãos permaneceram em união com a Sé Apostólica.

A diocese de Siedlce, onde nos encontramos hoje, e de maneira particular a localidade de Pratulin, é o lugar dum particular testemunho daquele processo histórico. De facto, aqui, foram martirizados os confessores de Cristo pertencentes à Igreja greco-católica, o beato Wincenty Lewoniuk e os seus doze companheiros.

1301 Há três anos, durante a sua beatificação na Praça de S. Pedro, em Roma, eu disse que eles «deram testemunho de inabalável fé ao Senhor da vinha. Não O desiludiram, mas, permanecendo unidos a Cristo como os ramos à videira, produziram os frutos esperados de conversão e santidade. Perseveraram, mesmo à custa do sacrifício supremo (...). Como 'servos' fiéis do Senhor, confiando na sua graça, eles testemunharam a própria pertença à Igreja católica, na fidelidade à sua tradição oriental (...). Com esse gesto generoso os mártires de Pratulin defenderam não só o templo sagrado, diante do qual foram trucidados, mas também a Igreja confiada por Cristo ao apóstolo Pedro, da qual eles se sentiam pedras vivas» (L'Osserv. Rom. , Rm 3,2).

Os Mártires de Pratulin defenderam a Igreja, que é a vinha do Senhor. Foram-lhe fiéis até ao fim e não cederam às pressões do mundo de então, que precisamente por isso os odiou. Na sua vida e morte realizou-se o pedido de Cristo da oração sacerdotal: «Deixei-lhes a Tua palavra e o mundo odiou-os (...). Não Te peço que os tires do mundo, mas que os guardes do maligno (...). Consagra-os na verdade: a verdade é a Tua palavra. Assim como Tu Me enviaste ao mundo, Eu também os envio ao mundo. Eu consagro-Me por eles, a fim de que também eles sejam consagrados na verdade» (Jn 17,14-15 Jn 17,17-19). Deram testemunho da sua fidelidade a Cristo na sua santa Igreja. No mundo em que viviam procuraram com coragem derrotar, com a verdade e o bem, o mal que se espalhava, e quiseram debelar com o amor o ódio que enfurecia. Como Cristo, que se ofereceu a Si mesmo em sacrifício por eles, a fim de os consagrar na verdade - assim também eles, pela fidelidade à verdade de Cristo e pela defesa da unidade da Igreja, ofereceram a sua vida. Este povo simples, pais de família, no momento crítico preferiram sofrer a morte para não ceder a pressões que se opunham à sua consciência. «Como é agradável morrer pela fé» - foram as suas últimas palavras.

Agradecemos-lhe este testemunho que deveria tornar-se o património de toda a Igreja na Polónia para o Terceiro Milénio que se vai aproximando. Deram o seu grande contributo para a construção da unidade. O brado de Cristo dirigido ao Pai: «guarda em Teu nome aqueles que Me deste, para que sejam um, assim como Nós», eles realizaram-no até ao fim, através do generoso sacrifício da vida. Com a sua morte confirmaram a dedicação a Cristo na Igreja católica de tradição oriental. O mesmo espírito animou as multidões dos fiéis de rito bizantino-ucraniano, bispos, sacerdotes e leigos que durante os quarenta e cinco anos de perseguições mantiveram a fidelidade a Cristo, conservando a sua identidade eclesial. Neste testemunho, a fidelidade a Cristo entrelaça-se com a fidelidade à Igreja e torna-se serviço de unidade.

3. «Assim como Tu Me enviaste ao mundo, Eu também os envio ao mundo» (cf. Jn 17,18).

Os Mártires de Pratulin deram, perante o mundo, o testemunho da sua fé, recordando-nos que Cristo chamou e enviou todos os seus discípulos, para que através dos séculos, até ao fim dos tempos, fossem anunciadores da vinda do Seu reino. O Concílio Vaticano II, no Decreto sobre o apostolado dos leigos, recordou-nos com muita clareza esta chamada universal a testemunhar Cristo: «O próprio Senhor... convida mais uma vez... todos os leigos a unirem-se a Ele cada vez mais intimamente e a associarem-se à Sua missão salvadora, sentindo como próprias as Suas coisas» (n. 33). Este convite feito pelo Concílio é particularmente actual sobretudo agora que se aproxima o terceiro milénio. É Cristo quem o faz, no final do século XX, pelos lábios dos Padres Conciliares não só aos Bispos, aos sacerdotes, aos religiosos e às religiosas, mas a todos os seus discípulos. Hoje, indicando o exemplo dos treze homens de Pratulin, dirige-o de modo particular a nós.

Hoje, como nunca, há necessidade dum autêntico testemunho de fé, tornado visível através da vida dos discípulos leigos de Cristo: das mulheres e dos homens, dos jovens e dos idosos. Há necessidade dum testemunho decidido de fidelidade à Igreja e de responsabilidade em relação à Igreja, que desde há vinte séculos leva a cada povo e nação a salvação, anunciando o imutável ensinamento do Evangelho. A humanidade encontra-se perante dificuldades de vários tipos, problemas e rápidas transformações; muitas vezes experimenta dramáticos sobressaltos e dilacerações. Num mundo como este, muitos, sobretudo os jovens, sentem-se perdidos e são feridos. Outros são vítimas das seitas e de deformações religiosas, ou de manipulações da verdade. Outros sucumbem a outras formas de escravidão. Difundem-se atitudes de egoísmo, de injustiça e de falta de sensibilidade em relação às necessidades do próximo.

A Igreja encontra-se perante estes e muitos outros desafios do nosso tempo. Deseja dar aos homens uma ajuda eficaz e por isso precisa do empenho dos fiéis, os quais, sob a guia dos seus Pastores, devem participar activamente na sua missão salvífica.

Queridos Irmãos e Irmãs, através do santo Baptismo, fostes introduzidos em Cristo. Formais a Igreja, seu Corpo místico. Através de vós Cristo quer agir com o poder do seu Espírito. Através de vós deseja «anunciar a Boa Nova aos pobres, proclamar a liberdade aos presos e, aos cegos, o recobrar da vista» (cf. Lc Lc 4,18-19). Como leigos, fiéis à vossa identidade, vivendo no mundo, podeis transformá-lo de modo activo e eficaz no espírito do Evangelho. Sede o sal que dá o sabor cristão à vida. Sede a luz, que resplandece nas trevas da indiferença e do egoísmo.

Na Carta a Diogneto lemos: «O que a alma é para o corpo, são-no os cristãos para o mundo. A alma está difundida em todos os membros do corpo, e os cristãos estão espalhados em todas as cidades do mundo» (2, 6). A nova evangelização apresenta-nos grandes desafios. O meu predecessor, o Papa Paulo VI, escreveu na Exortação apostólica Evangelii nuntiandi: «o campo próprio da sua actividade evangelizadora é o mesmo mundo vasto e complicado da política, da realidade social e da economia, como também o da cultura, das ciências e das artes, da vida internacional, dos mass media e, ainda, outras realidades abertas para a evangelização, como sejam o amor, a família, a educação das crianças e dos adolescentes, o trabalho profissional e o sofrimento» (n. 70).

Constato com grande alegria que na Polónia se está a desenvolver de maneira vivaz a Acção Católica, vários tipos de organizações, associações e movimentos católicos, e entre eles movimentos juvenis, sendo as primeiras a Associação Católica dos Jovens e o movimento Luz-Vida. É um novo sopro do Espírito Santo na nossa Pátria. Sejam dadas graças a Deus por isto. Sede fiéis à vossa vocação cristã. Sede fiéis a Deus e a Cristo vivo na Igreja.

4. Veneramos hoje as relíquias dos mártires da Podlásia e adoramos a Cruz de Pratulin, que foi uma testemunha silenciosa da sua heróica fidelidade. Eles tinham esta Cruz nas mãos e levavam-na no profundo do coração, como sinal do amor do Pai e da unidade da Igreja de Cristo. A Cruz deu-lhes a força para testemunhar Cristo e a sua Igreja. Neles tornaram-se realidades as palavras de Paulo desta liturgia: «Se Deus está a nosso favor, quem estará contra nós?» (Rm 8,31). Mediante a sua morte, foram inseridos de modo especial no grande património da fé, a partir de Santo Adalberto, de Santo Estanislau e de São Josafat Kuncewicz, o Padroeiro da Rus', até aos nossos tempos.

1302 É incalculável o número de quantos, em terra polaca, ou melhor, nas terras da primeira República, as amplas terras polaco-lituano-rutenas, sofreram pela Cruz de Cristo e por ela sofreram os maiores sacrifícios. Várias vezes na sua história, a nossa nação teve que defender a própria fé e suportar a opressão e a perseguição pela fidelidade à Igreja. Sobretudo o longo período depois da guerra caracterizou-se como o tempo de uma luta particularmente intensa contra a Igreja, feita pelo sistema totalitário. Procurava-se proibir o ensinamento da religião na escola; era obstada a pública profissão da fé, e também a construção de igrejas e de capelas. Quantos sacrifícios se tiveram que enfrentar, quanta coragem foi precisa para manter a identidade cristã. Todavia, não se conseguiu eliminar a Cruz, este sinal de fé e de amor, da vida pessoal e social, porque estava enraizada profundamente na terra dos corações e das consciências. Ela tornou-se para a nação e para a Igreja fonte de força e sinal de unidade entre os homens.

A nova evangelização precisa de testemunhas autênticas da fé. De pessoas enraizadas na cruz de Cristo e preparadas para enfrentar sacrifícios por ela. De facto, o verdadeiro testemunho a respeito do poder vivificador da Cruz é dado por aquele que, em seu nome, derrota em si o pecado, o egoísmo e qualquer mal, e deseja imitar o amor de Cristo até ao fim.

É preciso que, como no passado, a Cruz continue a estar presente na nossa existência como um claro indicador do caminho a seguir e como a luz que esclarece toda a nossa vida. A Cruz, que com os seus braços une o céu à terra e os homens entre eles, cresça na nossa terra e forme uma grande árvore cheia de frutos de salvação. Gere novos e corajosos anunciadores do Evangelho, que amam a Igreja e são responsáveis por ela, verdadeiros arautos da fé, linhagem de homens novos. Eles acendam a chama da fé e a levem além do limiar do terceiro milénio.

Cruz de Cristo, louvada sejas,
Veneramos-te em todos os tempos,
de ti brota força e fortaleza,
Está em Ti a nossa vitória!





VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II À POLÓNIA


Drohiczyn , 10 de Junho de 1999



1. «Dou-vos um mandamento novo: amai-vos uns aos outros. Assim como Eu vos amei!» (Jn 13,34).

Acabámos de escutar as palavras de Cristo que São João nos transmitiu no seu Evangelho. O Senhor dirigiu-as aos seus discípulos no discurso de adeus, antes da paixão e morte na cruz, no momento em que lavou os pés aos Apóstolos. É como que o seu derradeiro brado dirigido à humanidade, com o qual expressa um desejo ardente: «Amai-vos uns aos outros»!

Com estas palavras de Cristo, saúdo todos os presentes no hodierno encontro litúrgico que é, ao mesmo tempo, uma oração ecuménica pela unidade dos cristãos. Saúdo cordialmente D. Antoni, Pastor da Diocese de Drohiczyn, D. Jan Szarek, Presidente do Conselho Ecuménico Polaco, juntamente com os representantes das Igrejas e das Comunidades eclesiais, membros do mesmo Conselho Ecuménico. Dirijo palavras de saudação aos irmãos e às irmãs da Igreja ortodoxa da Polónia e àqueles que provêm do estrangeiro; transmito uma especial saudação a D. Sawa, Metropolita ortodoxo de Varsóvia e de toda a Polónia, agradecendo-lhe as palavras que acaba de me dirigir. Juntamente com ele, saúdo todos os Bispos da Igreja ortodoxa na Polónia. Dirijo o meu pensamento muito cordial aos Senhores Cardeais, aos Arcebispos e aos Bispos provenientes da Polónia e do estrangeiro. Abraço de coração todo o Povo de Deus da Diocese de Drohiczyn, que me é querida. Saúdo de modo especial os irmãos sacerdotes, as pessoas consagradas e os estudantes do Seminário Maior de Drohiczyn. Dirijo com intenso afecto o meu pensamento às pessoas idosas, aos doentes, aos portadores de deficiência, aos jovens e às crianças aqui presentes. Saúdo inclusivamente os peregrinos da Bielo-Rússia, da Lituânia e da Ucrânia. A sua presença enche-me de particular júbilo.

1303 Saúdo-te, terra da Podlásia: terra enriquecida pela beleza da natureza e, antes de tudo, santificada pela fidelidade deste povo que, no decurso da sua história, várias vezes foi dolorosamente provado e teve que lutar com enormes contrariedades de todos os géneros. Todavia, permaneceu sempre fiel à Igreja e é-o até hoje. Estou feliz por me encontrar aqui convosco para exercer o serviço pastoral. Recordo com emoção as minhas numerosas visitas a Drohiczyn, de forma especial por ocasião das celebrações do Milénio, quando os Bispos de toda a Polónia, juntamente com o Primaz do Milénio, agradeceram a Deus o dom do santo baptismo, a graça da fé, da esperança e da caridade. Aqui participei na última viagem do Prelado mitrado, D. Krzywicki, Administrador Apostólico da Diocese de Pinsk. Alguns anos depois, regressei aqui para concluir a peregrinação da réplica da imagem de Nossa Senhora de Czetochowa. Revivo hoje em mim estas recordações enquanto, como Pontífice peregrino, me encontro aqui no meio de vós.

2. «Dou-vos um mandamento novo: amai-vos uns aos outros. Assim como Eu vos amei!».

Estas palavras de Cristo emanam um grande poder. Quando morreu na cruz na horrível paixão, na humilhação e no abandono, então mostrou ao mundo todo o significado e a profundidade de tais provações. Olhando para a agonia de Cristo, os discípulos tomaram consciência da empresa para a qual Ele os chamara, dizendo: «Amai-vos assim como Eu vos amei!». Ao recordar este evento, São João escreverá no seu Evangelho: «Ele, que tinha amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim» (13, 1). Cristo amou-nos primeiro, amou-nos não obstante a nossa pecaminosidade e a nossa debilidade humana. Foi Ele que nos tornou dignos do seu amor, o qual não conhece qualquer limite e nunca termina. Este tem um carácter definitivo e perfeitíssimo. Com efeito, Cristo redimiu-nos com o seu precioso sangue.

Ele ensinou este amor também a nós, confiando-no-lo: «Dou-vos um mandamento novo» (
Jn 13,34). Isto significa que este mandamento é sempre actual. Se quisermos corresponder ao amor de Cristo, devemos observá-lo sempre, independentemente do tempo e do lugar: ele deve ser para o homem uma via nova, uma semente nova que restaura as relações entre os homens. Este amor faz de nós, discípulos de Cristo, homens novos, herdeiros das promessas divinas. Faz com que todos nos tornemos irmãos e irmãs no Senhor. Faz de nós o novo Povo de Deus, a Igreja em que todos deveriam amar Cristo e, n'Ele, amar-se uns aos outros.

Eis o verdadeiro amor, que se manifestou na cruz de Cristo. Todos nós devemos olhar para essa cruz, para ela devemos orientar os nossos desejos e os nossos esforços. Nela temos o maior modelo a imitar.

3. «Senhor, indicai-nos as vossas vias, para que possamos caminhar ao longo das vossas sendas» (cf. Is Is 2,3).

A visão do Profeta Isaías na primeira Carta da hodierna Liturgia mostra-nos a multiplicidade dos povos e das nações reunidas à volta do Monte Sião. Ela atesta a presença de Deus. A profecia anuncia um reino universal de justiça e de paz. Esta pode ser referida à Igreja, como Cristo a quis, ou seja, uma Igreja em que reina o irrenunciável princípio da unidade.

É necessário que nós, cristãos, hoje reunidos para esta comum oração, invoquemos com as palavras de Isaías: «Senhor, indicai-nos as vossas vias, para que possamos caminhar ao longo das vossas sendas», a fim de juntos podermos, como aqueles que confessam Cristo, caminhar nestas veredas rumo ao futuro. De modo particular a proximidade do Grande Jubileu deveria impelir-nos a assumir o afã da busca de novos caminhos na vida da Igreja, Mãe comum de todos os cristãos. Na Carta Apostólica Tertio millennio adveniente, expressei o ardente desejo que hoje renovo: «o Jubileu seja a ocasião propícia para uma frutuosa colaboração, visando colocar em comum as muitas coisas que nos unem, e que são seguramente mais do que aquelas que nos dividem» (n. 16).

A fé diz-nos que a unidade da Igreja não é apenas uma esperança para o futuro: em certa medida, esta unidade já existe! Ela ainda não alcançou entre os cristãos a sua forma plenamente visível. Portanto, a sua edificação constitui «um imperativo da consciência cristã, iluminada pela fé e guiada pela caridade», porque «acreditar em Cristo significa querer a unidade; querer a unidade significa querer a Igreja; querer a Igreja significa querer a comunhão de graça que corresponde ao desígnio do Pai desde toda a eternidade» (Ut unum sint UUS 8 Ut unum sint, 8 e 9).

Por conseguinte, somos chamados a edificar a unidade. A unidade presente nos primórdios da vida da Igreja jamais pode perder o seu valor essencial. Todavia, com tristeza é preciso constatar que esta unidade originária no arco dos séculos, e de maneira particular no ùltimo milénio, foi seriamente debilitada.

4. O caminho da Igreja não é fácil. «Podemos compará-lo à via dolorosa de Cristo. Todavia, esta não dura algumas horas, dura séculos» - assim escrevia o teólogo ortodoxo Pavel Evdokimov. Lá onde aumentam as divisões entre os discípulos de Cristo, fica ferido o seu Corpo místico. Ao longo do caminho da história da Igreja aparecem as sucessivas «estações dolorosas». Todavia, Cristo fundou uma única Igreja e deseja que esta permaneça para sempre. Portanto todos nós devemos, às portas de um novo período da história, fazer um exame de consciência sobre a responsabilidade pelas divisões existentes. Devemos admitir as culpas cometidas e perdoar-nos reciprocamente. De facto, recebemos um mandamento novo de amor mútuo, que tem a sua fonte no amor de Cristo. São Paulo impele-nos a este amor com as palavras: «Cristo amou-vos e deu-se a si mesmo por nós, oferecendo-se em sacrifício. Portanto, tornai-vos imitadores de Deus e caminhai na caridade» (cf. Ef Ep 5,1-2).

1304 O amor deveria induzir-nos a uma comum reflexão sobre o passado, para procedermos com perseverança e coragem ao longo do caminho rumo à unidade.

O amor é a única força que abre os corações à palavra de Jesus e à graça da Redenção. É a única força capaz de nos levar a partilhar fraternalmente tudo o que somos e quanto temos por vontade de Cristo. Ele é um poderoso estímulo ao diálogo, no qual nos escutamos e nos conhecemos uns aos outros.

O amor abre-nos ao outro, tornando-se assim a base das relações humanas. Faz com que as pessoas sejam capazes de ultrapassar as barreiras das próprias debilidades e dos seus preconceitos. Purifica a memória, indica novos caminhos, abre-se para perspectivas de uma autêntica reconciliação, premissa essencial para o comum testemunho do Evangelho, do qual o mundo de hoje tem tanta necessidade.

Na vigília do terceiro milénio, devemos acelerar o passo rumo à perfeita e fraterna reconciliação, para podermos no próximo milénio testificar de mãos dadas a salvação diante de um mundo que muito aspira a este sinal de unidade.

É bom falarmos da grande causa do ecumenismo precisamente em Drohiczyn, no coração da Podlásia, onde desde há séculos se encontram as tradições cristãs do Oriente e do Ocidente. Trata-se de uma cidade que sempre esteve aberta aos católicos, aos ortodoxos e aos protestantes. Todavia, há muitos momentos na história desta terra que, mais do que em qualquer outro, salientam a necessidade do diálogo na aspiração dos cristãos à unidade. na Encíclica Ut unum sint, sublinhei que «O diálogo é (...) um instrumento natural para confrontar os diversos pontos de vista e, sobretudo, examinar aquelas divergências que são um obstáculo para a plena comunhão dos cristãos entre si» (n. 36). Este diálogo deveria distinguir-se pelo amor à verdade, porque «o amor à verdade é a dimensão mais profunda de uma autêntica busca da plena comunhão entre os cristãos.

Sem esse amor, seria impossível enfrentar as reais dificuldades teológicas, culturais, psicológicas e sociais que se encontram ao examinar as divergências. A esta dimensão interior e pessoal está inseparavelmente associado o espírito de caridade e de humildade: caridade para com o interlocutor, humildade para com a verdade que se descobre e que poderia exigir uma revisão de afirmações e de atitudes» (Ibid.).

Portanto, seja o amor a lançar as pontes entre as nossas margens e nos encoraje a fazer tudo o que nos é possível. Sejam o amor recíproco e o amor pela verdade a resposta às dificuldades existentes e às tensões que às vezes surgem.

Hoje dirijo-me aos irmãos e irmãs de todas as Igrejas: abramo-nos ao amor reconciliador de Deus. Abramos as portas das nossas mentes e dos nossos corações, das Igrejas e das Comunidades. O Deus da nossa fé, Aquele que invocamos como Pai, é «o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacob» (
Mc 12,26), é o Deus de Moisés. Ele é sobretudo o Deus e o Pai do nosso comum Senhor, Jesus Cristo, no qual Ele se fez «Deus connosco» (cf. Mt Mt 1,23 Rm 15,6).

Ofereçamos ao nosso Pai celeste, ao Pai de todos os crentes, o dom de uma sincera vontade de reconciliação, expressando-a com actos concretos. A Deus, «que é amor», respondamos com o nosso amor humano, que olha com benevolência para os outros e demonstra um desejo sincero de colaborar em toda a parte, onde quer que seja possível, e permite valorizar aquilo que é bom e que merece o apreço e a imitação.

5. «Vinde! Subamos à Montanha de Javé, vamos ao Templo do Deus de Jacob!» (Is 2,3).

Eis o brado que o Profeta Isaías coloca nos lábios dos povos e das nações sedentas de unidade e de paz.

1305 Irmãs e Irmãos, nada expressará melhor e com maior eficácia esta solicitude do que uma grande oração pela unidade, pela fraternidade, por uma comunidade familiar de todos os cristãos. O amor de Cristo impele-nos rumo a esta oração. É Cristo mesmo que nos manda pedir ao Pai: «Venha a nós o vosso reino!» (cf. Mt Mt 6,10). O Reino de Deus, que Ele trouxe em si quando veio ao mundo e se fez homem, permanece na Igreja como uma realidade já existente mas, ao mesmo tempo, é uma tarefa a cumprir.

Somente a oração pode actuar uma verdadeira metanoia do coração. Com efeito, esta tem o poder de unir todos os baptizados na fraternidade dos filhos de Deus. A oração purifica de tudo aquilo que nos separa de Deus e dos homens. Protege-nos contra a tentação da pusilanimidade e abre o coração à graça divina.

Portanto, exorto todos aqueles que estão aqui reunidos a uma férvida oração a favor da plena comunhão das nossas Igrejas. O progresso ao longo do caminho rumo à unidade exige o nosso esforço, a recíproca benevolência, a abertura e uma autêntica experiência de fraternidade em Cristo.

Imploremos ao Senhor para obter esta graça. Imploremos-lhe a fim de que elimine os obstáculos que atrasam a obtenção da plena unidade. Imploremos para sermos todos bons realizadores dos seus desígnios, a fim de que a aurora do novo milénio surja sobre os discípulos de Cristo mais unidos entre si.

«Dou-vos um mandamento novo» (Jn 13,34).

O mandamento novo.

«A fim de que todos sejam um, para que o mundo creia!» (cf. Jo Jn 17,21).

Quando ouço estas palavras, vem-me à mente o encontro com o Patriarca Teoctisto em Bucareste. No fim desse encontro, toda a assembleia gritava: «Unidade, unidade, unidade!». Queremos a unidade, desejamos a unidade, rezamos pela unidade! Deus vos recompense!







VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II À POLÓNIA

NA CATEDRAL

POR OCASIÃO DO ENCERRAMENTO


DO II SÍNODO PLENÁRIO DA POLÓNIA


Varsóvia, 11 de Junho de 1999



1. «Deixai-me ir ao campo onde estão a ceifar» (Rt 2,2).

A liturgia de hoje põe diante dos nossos olhos a imagem da ceifa. A primeira leitura mostra-nos Rute, a Moabita, que vai ao campo de Booz, um homem rico, para colher as espigas atrás dos ceifeiros. Mesmo se a maneira de ceifar em Israel fosse provavelmente diferente da polaca, contudo havia sem dúvida algo semelhante e, portanto, podemos relacionar-nos com a nossa própria experiência. Com a imagem duma messe polaca diante dos olhos, pensamos no II Sínodo Plenário, que termina hoje na Catedral de Varsóvia. Também ele constitui uma espécie de ceifa.

1306 Durante os anos dos trabalhos sinodais, procurou-se recolher o que o solo da Igreja produziu nos últimos decénios do século, em terra polaca. Através dos trabalhos do Sínodo, procurastes unir tudo isto. Antes de tudo, procurastes observar, chamar pelo nome, avaliar, tirar as conclusões. Hoje trazeis tudo isto e apresentai-lo como oferta a Deus, como fazem os ceifeiros depois da messe, os quais transportam os feixes de trigo ceifado, confiantes de que o que colheram será útil; como o pão que é feito de trigo, com a esperança que as futuras gerações se poderão nutrir dele.

2. Desde o início, a Igreja polaca, viu nos Sínodos um instrumento eficaz para a reforma e o renovamento da vida cristã, seguindo uma prática, sancionada desde o tempo dos Apóstolos, de uma reflexão comum sobre problemas importantes e difíceis. Depois do período antigo do desenvolvimento da vida sinodal na Igreja, o Concílio de Trento deu um novo impulso a esta prática. Os sínodos realizados depois do Concílio de Trento, com os seus decretos, tornaram-se um elemento válido de aprofundamento da fé e uma indicação do caminho evangélico para todas as gerações do Povo de Deus na nossa Pátria. Nisto tiveram grande mérito os Arcebispos de Gniezno, que convocaram vários sínodos provinciais: os Arcebispos Karnkowski, Maciejowski, Gembicki, Wezyk e Lubienski. Foram autênticos propagadores da reforma conciliar, que via na instituição sinodal uma eficaz via de renovação.

No nosso século, a actividade sinodal intensificou-se depois que a Polónia readquiriu a independência. E assim, em 1936, foi realizado o Sínodo Plenário para as cinco metrópoles polacas e tiveram lugar numerosos sínodos diocesanos. A finalidade que se propunham era reavivar a vida religiosa dos fiéis depois de longos anos da perda da independência, bem como unificar o direito eclesiástico. O louvável costume de convocar os sínodos prosseguiu depois da segunda guerra mundial. Sobretudo depois do Concílio Ecuménico Vaticano II começou-se a celebrar sínodos de carácter pastoral. Nas suas deliberações eles relacionavam-se ao ensinamento e às indicações do Concílio, envolvendo toda a comunidade eclesial. Esta breve história faz-nos ver como as gerações que se sucediam, mediante estes sínodos, procuravam para si novas vias para realizar a vida cristã, dando um precioso contributo ao desenvolvimento e à actividade da Igreja.

Há oito anos, juntamente com todo o Episcopado Polaco na basílica do Santíssimo Coração de Jesus, em Varsóvia-Praga, foi-me concedido orar a fim de obter a bênção para o II Sínodo Plenário. Naquela data eu disse: «o vosso Sínodo abre os seus trabalhos depois do Concílio Vaticano II (que foi o Concílio do nosso século). Contemporaneamente, encontra-se diante do início do Terceiro Milénio depois de Cristo. Estas circunstâncias, por si, decidem do carácter do Sínodo Plenário e das suas tarefas. Nele, de facto, não pode deixar de se reflectir todo o 'novum' conciliar unido ao Vaticano II. Ele nem sequer pode deixar de pôr em relevo todos os 'sinais dos tempos', que se delineiam no horizonte do nosso século, quando está a chegar ao fim» (L'Osserv. Rom. ,
Rm 14,3).

3. Sei que os mais importantes temas conciliares estiveram presentes na mesa dos trabalhos sinodais, aos quais participaram mais de seis mil Grupos de Estudo. Os documentos aprovados exprimem a comum solicitude pela renovação da vida cristã na Igreja polaca, no espírito do Concílio Ecuménico Vaticano II, e indicam também a direcção do trabalho futuro.

Na Carta apostólica Tertio millennio adveniente escrevi que a melhor preparação para o Jubileu do Ano 2000 é a actuação, na medida do possível fiel, na vida de cada um e em toda a Igreja, dos ensinamentos do Vaticano II. Indiquei, ao mesmo tempo, a necessidade de fazer um discernimento espiritual sobre o tema da «recepção do Concílio, este grande dom do Espírito feito à Igreja quase ao findar do segundo milénio» (n. 36). Sinto-me feliz por que o II Sínodo Plenário na Polónia assumiu esta tarefa, procurando reler os ensinamentos do Concílio e assimilar com maior fidelidade as suas indicaçõs, de acordo com o mote escolhido: «Com a mensagem do Concílio no terceiro milénio».

A Igreja, enquanto realidade divino-humana inserida na temporalidade, tem necessidade de uma contínua renovação, para se poder tornar cada vez mais semelhante ao seu Fundador. Esta renovação é, antes de mais, obra do Espírito Santo, que «habita na Igreja e com a força do Evangelho mantem-na sempre jovem e condur-la à união perfeita com Cristo» (cf. Lumen gentium LG 4).

O Concílio Ecuménico Vaticano II desempenhou um importante papel neste processo de renovação da Igreja, que requer a colaboração de todos os seus membros. Durante os seus trabalhos, a Igreja realizou uma aprofundada reflexão sobre si mesma e sobre as suas relações com o mundo contemporâneo. Simultaneamente, delineou o caminho a ser percorrido para poder cumprir o mandato e a missão recebidos de Cristo. Com grande firmeza, o Concílio ressaltou a co-responsabilidade de todos os seus membros para o bem da Igreja: Bispos, presbíteros, consagrados e leigos. A variedade dos carismas e das tarefas concedida pelo Espírito Santo ao clero e aos leigos, deve servir para construir uma comunidade eclesial a vários níveis da vida paroquial, diocesana, nacional ou internacional.

4. A formação duma sociedade nova, baseada no respeito dos direitos do homem, da verdade e da liberdade, exige por parte de todas as filhas e de todos os filhos da Igreja uma consciência que seja capaz de constituir o ponto de partida para uma mais ampla responsabilidade eclesial. É bom que numa situação deste género o Sínodo Plenário tenha reconhecido como sua tarefa fundamental trabalhar para a reconstrução e o aprofundamento desta consciência eclesial, e isto quer entre os leigos quer entre o clero. O longo período de lutas contra o sistema totalitário comunista, enfraqueceu o sentido religioso em muitos, favorecendo a tendência a limitar a Igreja à ordem das instituições meramente humanas e a limitar a religião ao âmbito privado. Procurou-se debilitar a Igreja como comunidade reunida à volta de Cristo, que dá público testemunho da fé que professa.

Se, graças aos trabalhos do Sínodo, a Igreja está chamada a consolidar-se como comunidade dos crentes, isto pode ser realizado principalmente mediante uma participação consciente na sua vida, de acordo com o carisma próprio do estado de vida de cada um e segundo o princípio de subsidiariedade. Por conseguinte, o Sínodo poderá actuar a própria tarefa se conseguir reavivar nos corações de todos - tanto do clero como dos leigos - o sentido de responsabilidade eclesial e a vontade de cooperar na realização da missão salvífica da Igreja.

A mensagem que o Concílio Vaticano II nos deixou é, contudo, muito mais ampla. Diz respeito não só à verdade acerca da Igreja como comunidade visível de fé, de esperança e de caridade, mas também à sua relação com o mundo que nos circunda. A evangelização hoje requer um dinamismo apostólico, que não se feche perante os problemas do mundo. Dou graças a Deus Omnipotente por todas as inspirações e ensinamentos que, através do Sínodo, alcançou as mentes e os corações dos seus participantes e permitiu-lhes apresentar-se ao mundo como testemunhas do Evangelho.

1307 O Sínodo Plenário polaco insere-se na preparação de todo o Povo de Deus para o encontro com o Ano 2000, na série de Sínodos que têm lugar neste tempo na Igreja. Fazem parte deles os Sínodos ordinários e os extraordinários, os Sínodos continentais, regionais, nacionais ou diocesanos. O II Sínodo Plenário e a sua actuação vão ao encontro do grande desafio que hoje se apresenta à Igreja na Polónia. Tal desafio é a necessidade duma nova evangelização, isto é, da realização da obra salvífica de Deus que pede novas formas de difusão do Evangelho de Cristo.

5. Desejo agradecer a quantos deram o seu contributo para a preparação deste Sínodo e que colaboraram durante o tempo que ele durou. Agradeço ao Senhor Cardeal Primaz, Presidente do Sínodo, aos Bispos, aos sacerdotes e aos leigos que trabalharam na Comissão Permanente e na Secretaria do Sínodo. Agradeço, de modo particular, a todos os que se empenharam nos Grupos Sinodais e que com a oração, a reflexão e as iniciativas apostólicas concretas construíram este Sínodo. Que Deus recompense a vossa fadiga e o vosso zelo, mediante os quais demonstrastes quanto amais a Igreja e como vos preocupais pelo seu futuro.

6. «O Reino de Deus é como um homem que lançou a semente à terra» (
Mc 4,26).

O Evangelho de hoje fala do crescimento do Reino de Deus. Ele é semelhante a uma semente. Não é importante se o homem «dorme ou acorda, noite e dia; a semente vai brotando e crescendo, mas o homem não sabe como isso acontece. A terra produz fruto por si mesma: primeiro aparecem as folhas, depois a espiga e, por fim, os grãos enchem a espiga. Quando as espigas estão maduras, logo o homem mete a foice, porque chegou o tempo da ceifa» (Mc 4,27-29). No momento em que estamos para encerrar o Sínodo Plenário, Cristo indica-nos aquilo para o que ele serviu desde o início e para que deve servir no futuro. Serviu para a expansão do Reino de Deus. As palavras do Evangelho mostram como este Reino cresce na história do homem, na das nações e das sociedades. Ele cresce de maneira orgânica. De um pequeno início, como o grão de mostarda, torna-se gradualmente uma grande árvore. Faço votos por que aconteça o mesmo com este II Sínodo Plenário e com muitas outras iniciativas da Igreja na nossa terra.

Sem dúvida, a Divina Providência quis que o encerramento do Sínodo coincidisse com a solenidade do Santíssimo Coração de Jesus, instituída pela Sé Apostólica no século XVIII, depois dos insistentes pedidos dos bispos polacos. Hoje, a Igreja inteira medita e venera de maneira particular o inefável amor de Deus, que encontrou a sua expressão humana no Coração do Salvador, trespassado pela lança do centurião. Recordamos hoje também o centenário da consagração de todo o género humano ao Santíssimo Coração de Jesus, um grande acontecimento na Igreja, que contribuiu para o desenvolvimento do culto e produziu frutos salvíficos de santidade e de zelo apostólico.

«Deus é amor» (Jn 4,8) e o cristianismo é a religião do amor. Enquanto os outros sistemas de pensamento e de acção querem construir o mundo do homem baseado na riqueza, no poder, na prepotência, na ciência ou no prazer, a Igreja anuncia o amor. O Santíssimo Coração de Jesus é precisamente a imagem deste amor infinito e misericordioso que o Pai celeste derramou no mundo através do seu Filho, Jesus Cristo. A nova evangelização tem como finalidade conduzir os homens ao encontro deste amor. Só o amor, revelado pelo Coração de Cristo, é capaz de transformar o coração do homem e de o abrir ao mundo inteiro, a fim de o tornar mais humano e mais divino.

O Papa Leão XIII escreveu há cem anos que no Coração de Jesus «é preciso depor todas as esperanças. É necessário procurar n'Ele e d'Ele esperar a salvação de todos os homens» (Annum sacrum, 6). Também eu vos exorto a renovar e a desenvolver o culto do Santíssimo Coração de Jesus. Aproximai desta «Fonte de vida e de santidade» as pessoas, as famílias, as comunidades paroquiais e os ambientes, para que dele possam tirar «a incalculável riqueza de Cristo» (Ep 3,8).

Só os que estão «enraizados e alicerçados no amor» (Ep 3,17) se sabem opor à civilização da morte e construir sobre as ruínas do ódio, do desprezo e da prepotência, uma civilização que tem a sua fonte no Coração do Salvador.

Para terminar o meu encontro convosco, nesta solenidade tão querida a toda a Igreja, confio a inteira obra do II Sínodo Plenário, a sua realização e os seus frutos na terra polaca ao Santíssimo Coração de Jesus e ao Coração Imaculado da Sua Mãe, que, ao pronunciar o fiat, se uniu sem reservas ao sacrifício redentor do seu Filho.



Homilias JOÃO PAULO II 1300