Homilias JOÃO PAULO II 1307


VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II À POLÓNIA


Sandomierz, 12 de Junho de 1999



1. «Sua Mãe dise-Lhe: 'Meu filho, porque fizeste isto connosco? Olha que Teu pai e eu andávamos angustiados, à Tua procura'» (Lc 2,48).

1308 Hoje a Liturgia da Igreja recorda o Coração Imaculado da Bem-aventurada Virgem Maria. Dirigimos o nosso olhar para Maria que, cheia de solicitude e de preocupação, procura Jesus perdido durante a peregrinação a Jerusalém. Como devotos israelitas, Maria e José iam todos os anos a Jerusalém para a festa da Páscoa. Quando Jesus tinha doze anos foi com eles pela primeira vez. Foi nessa ocasião que se verificou o acontecimento que contemplamos no quinto mistério glorioso do Santo Rosário, o mistério do encontro. São Lucas descreve-o de modo muito comovedor, com base nas notícias, como se pode imaginar, recebidas da Mãe de Jesus: «Meu filho, porque fizeste isto connosco? (...) andávamos angustiados, à Tua procura». Maria, que tinha trazido Jesus sob o seu coração e o tinha protegido contra Herodes fugindo para o Egipto, confessa humanamente a sua grande angústia pelo Filho. Sabe que deve estar presente no seu caminho. Sabe que mediante o amor e o sacrifício colaborará com Ele na obra da Redenção. Desta forma, entramos no mistério do grande amor de Maria para com Jesus, do amor que abraça com o seu Coração Imaculado o Amor inefável, o Verbo do eterno Pai.

A Igreja recorda-nos este mistério precisamente aqui, em Sandomierz, nesta antiquíssima Cidade, onde há mais de mil anos vivem a história da Igreja e a da Pátria. Saúdo toda a Igreja de Sandomierz com o seu Pastor, D. Waclaw, juntamente com os Bispos Auxiliares, os sacerdotes e as Ordens masculinas e femininas. Saúdo todos vós, amados Irmãos e Irmãs, que participais neste Santíssimo Sacrifício. Saúdo o Bispo castrense do Exército Polaco e, com ele, os soldados, os suboficiais, os oficiais e os generais. Saúdo os representantes do Episcopado Polaco, e também os Bispos hóspedes das Autoridades estatais e locais aqui presentes.

Saúdo com deferença a antiquíssima Sandomierz, que me é tão querida. Abraço com o coração as outras cidades e os centros industriais, de modo particular Stalowa Wola, cidade símbolo do grande trabalho, da grande fé dos trabalhadores, que com generosidade digna de admiração e com coragem edificaram o seu templo, apesar das dificuldades e das ameaças por parte das Autoridades de então. Tive a alegria de abençoar esta igreja. Quantas vezes visitei esta terra de Sandomierz; tive frequentemente a ocasião de me encontrar com a história da vossa cidade e de aprender aqui a história da cultura nacional. Com efeito, nesta cidade esconde-se uma admirável força, cuja fonte está radicada na tradição cristã. Sandomierz é, na realidade, um grande livro da fé dos nossos antepassados. Muitas das suas páginas foram escritas por Santos e por Beatos. Nomeio em primeiro lugar o Padroeiro da cidade, o beato Wincenty Kadlubek, que foi prepósito da Catedral de Sandomierz e Bispo de Cracóvia e, mais tarde, fez-se um pobre monge da Ordem Cisterciense, em Jedrzejów. Foi o primeiro, entre os polacos, que escreveu a história da Nação na «Crónica Polaca».

No século XIII, esta terra foi fecundada pelo sangue dos beatos Mártires de Sandomierz, clérigos e leigos, que em grande nùmero morreram pela fé por mão dos Tártaros e, juntamente com eles, o beato Sadok e 48 Padres Dominicanos do convento junto da Igreja românica de São Tiago. Nos templos de Sandomierz anunciaram o Evangelho São Jacinto, o Beato Czeiaw e Santo André Bobola. Os Padres Dominicanos difundiam aqui com fervor o culto de Nossa Senhora. No colégio «Gostomianum» os Jesuítas instruíram e formaram a juventude. Na Igreja do Espírito Santo, os Religiosos da Congregação do Espírito Santo geriam o hospital para os doentes, o refúgio para os pobres e as creches para as crianças. Esta cidade recorda Jan Dlugosz e a Rainha santa Ediges, da qual este ano celebramos o 600° aniversário.

Também em tempos recentes, esta terra foi portadora de frutos de santidade. O orgulho da Igreja de Sandomierz são os leigos e os clérigos, que com a sua vida deram testemunho do amor a Deus, à Pátria e ao homem. Quero recordar de maneira particular o Servo de Deus, D. Piotr Golebiowski, que guardou o rebanho que lhe fora confiado com mansidão e perseverança. Actualmente, como sabemos, está em curso o processo de beatificação deste Pastor bom da diocese de Sandomierz. Recordo também o Servo de Deus, o sacerdote e professor Wincenty Granat, insigne teólogo e Reitor da Universidade Católica de Lublim, com o qual me encontrei muitas vezes em várias ocasiões. Quero recordar com gratidão também Franciszek Jop, Bispo auxiliar desta Diocese, nomeado mais tarde Vigário Capitular em Cracóvia e, por fim, Bispo de Opole. A Arquidiocese de Cracóvia, da qual foi Administrador nos difíceis anos cinquenta, deve-lhe muito. D. Jop foi também um dos meus Bispos Consagrantes.

Hoje em Sandomierz, juntamente com todos vós aqui reunidos, louvo a Deus por este grande património espiritual que, nos tempos das divisões, da ocupação alemã e do domínio totalitário por parte do sistema comunista, permitiu à população desta terra conservar a identidade nacional e cristã. Devemos, com muita sensibilidade, pôr-nos à escuta desta voz do passado, para levar além do limiar do ano 2000 a fé e o amor pela Igreja e pela Pátria e transmiti-los às gerações futuras. Aqui podemos dar-nos facilmente conta de como o tempo do homem, o tempo da comunidade e o das nações está impregnado da presença de Deus e da sua acção salvífica.

2. No percurso da minha peregrinação através da Polónia acompanha-me o Evangelho das oito bem-aventuranças pronunciadas por Cristo no Sermão da Montanha. Aqui em Sandomierz Cristo dirige-se a nós: «Felizes os puros de coração, porque verão a Deus» (
Mt 5,8). Estas palavras introduzem-nos no profundo da verdade evangélica sobre o homem. Encontram Jesus aqueles que o procuram, como o procuravam Maria e José. Este acontecimento ilumina aquela grande tensão presente na vida de cada homem, que é a busca de Deus. Sim, o homem procura deveras Deus; procura-o com a sua mente, com o seu coração e com todo o seu ser. Diz Santo Agostinho: «inquieto é o coração nosso enquanto não repousa em Deus» (cf. Confissões, I). Esta inquietude é criativa. O homem procura Deus porque n'Ele, só n'Ele, pode encontrar o próprio cumprimento, o cumprimento das próprias aspirações à verdade, ao bem e ao belo. «Tu não me procurarias se já não me tivesses encontrado», escreve Blaise Pascal acerca de Deus e do homem (Pensamentos, sec. VII, n. 555). Isto significa que o próprio Deus participa nesta busca, quer que o homem o procure e cria nele as condições necessárias, para que ele o possa encontrar. De resto, o próprio Deus aproxima-se do homem, fala-lhe de si, permite-lhe conhecer-se. A Sagrada Escritura é uma grande lição sobre o tema desta procura e deste encontro de Deus. Apresenta-nos numerosas e magníficas figuras daqueles que procuram e que encontram Deus. Ao mesmo tempo, ensina como o homem deveria aproximar-se de Deus, que condições deveria satisfazer para encontrar este Deus, para o conhecer e unir-se a Ele.

Uma destas condições é a pureza do coração. De que se trata? A este ponto tocamos a própria essência do homem o qual, em virtude da graça da redenção realizada por Cristo, readquiriu a harmonia do coração perdida no paraíso por causa do pecado. Ter um coração puro significa ser um homem novo, restituído à vida em comunhão com Deus e com toda a criação pelo amor redentor de Cristo, reconduzido à comunhão que é o seu destino originário.

A pureza do coração é, antes de mais, um dom de Deus. Cristo, ao doar-se ao homem nos sacramentos da Igreja, insere-se no seu coração e ilumina-o com o «esplendor da verdade». Só a verdade, que é Jesus Cristo, é capaz de iluminar a razão, de purificar o coração e de formar a liberdade humana. Sem a compreensão e a aceitação a fé extingue-se. O homem perde a visão do sentido das coisas e dos acontecimentos, e o seu coração procura a satisfação onde não a pode encontrar. Por isso, a pureza do coração é, em primeiro lugar, a pureza da fé.

Com efeito, a pureza do coração prepara para a visão de Deus face a face nas dimensões da felicidade eterna. Acontece isto, porque já na vida temporal os puros de coração são capazes de entrever em toda a criação o que é de Deus. São capazes, num certo sentido, de revelar o valor divino, a dimensão divina, a beleza divina de toda a criação. A bem-aventurança do sermão da montanha, duma certa forma, indica-nos toda a riqueza e beleza da criação e exorta-nos a saber descobrir em cada coisa o que provém de Deus e o que conduz a Ele. Por conseguinte, o homem carnal e sensual deve ceder, deve deixar o lugar ao homem espiritual, espiritualizado. É um processo profundo, em união com o esforço interior. Ele, apoiado pela graça de Deus, dá frutos maravilhosos.

A pureza do coração é, portanto, dada ao homem como tarefa. Ele deve constantemente assumir a fadiga de se opor às forças do mal, às que pressionam do exterior e às que agem do interior, que o querem afastar de Deus. E, desta forma, no coração do homem combate-se uma luta incessante pela verdade e pela felicidade. Para vencer esta luta, o homem deve dirigir-se a Cristo. Só será capaz de vencer se estiver corroborado pela Sua força, pela força da sua Cruz e da sua ressurreição. «Ó Deus, cria em mim um coração puro» (Sl 50[51], 12), exclama o Salmista, consciente da debilidade humana, porque sabe que para ser justo perante Deus, só o esforço humano não é suficiente.

1309 3. Queridos Irmãos e Irmãs, esta mensagem sobre a pureza do coração torna-se hoje muito actual. A civilização da morte quer destruir a pureza do coração. Um dos seus métodos de agir é pôr intencionalmente em dúvida o valor da atitude do homem, que definimos como virtude da castidade. É um fenómeno de modo particular perigoso quando o objectivo do ataque são as consciências sensíveis das crianças e dos jovens. Uma civilização que, agindo desta forma, fere ou até aniquila uma relação correcta entre os homens, é uma civilização da morte, porque o homem não pode viver sem o verdadeiro amor.

Dirijo estas palavras a todos vós que participais no hodierno Sacrifício eucarístico, mas dirijo-as, de maneira especial, aos numerosos jovens aqui presentes, aos soldados da tropa e aos escuteiros. Anunciai ao mundo a «Boa Nova» da pureza do coração e, com o exemplo da vossa vida, transmiti a mensagem da civilização do amor. Conheço a vossa sensibilidade à verdade e à beleza. Hoje, a civilização da morte propõe-vos, entre outras coisas, o chamado «amor livre». Neste género de deformação do amor chega-se à profanação dum dos valores mais queridos e sagrados, porque a libertinagem não é amor nem liberdade. «Não vos amoldeis às estruturas deste mundo, mas transformai-vos pela remoção da mente, a fim de distinguir qual é a vontade de Deus, o que é bom, o que Lhe é agradável, o que é perfeito» (
Rm 12,2), admoesta-nos S. Paulo. Não tenhais medo de viver contra as opiniões da moda e as propostas em contraste com a lei de Deus.

A coragem da fé tem um preço muito elevado, mas vós não podeis perder o amor! Não permitais que alguém vos torne escravos! Não vos deixeis seduzir pelas ilusões da felicidade, pelas quais deveríeis pagar um preço demasiado elevado, o preço de feridas por vezes incuráveis ou até duma vida despedaçada, da própria e do próximo! Quero repetir a vós o que já disse, noutra ocasião, aos jovens noutro continente: «Só um coração puro pode amar plenamente a Deus! Só um coração puro pode levar plenamente a cabo a grande empresa do amor que é o matrimónio! Só um coração puro pode servir plenamente os demais (...). Não deixeis que destruam o vosso futuro, não deixeis que vos arrebatam a riqueza do amor! Assegurai a vossa fidelidade, a das vossas famílias, que haveis de formar no amor de Cristo» (L'Osserv. Rom. , Rm 14,5).

Dirijo-me também às nossas famílias polacas, a vós pais e mães. É preciso que a família assuma uma firme posição em defesa da salvaguarda das entradas da própria casa, em defesa da dignidade de cada pessoa. Preservai as vossas famílias da pornografia, que hoje invade sob várias formas a consciência do homem, especialmente das crianças e dos jovens. Defendei a pureza dos costumes nos vossos lares domésticos e na sociedade. Educar para a pureza é uma das grandes tarefas da evangelização que agora se nos apresenta. Quanto mais pura for a família, mais sadia será a nação. E nós queremos permanecer uma nação digna do próprio nome e da própria vocação cristã.

«Felizes os puros de coração, porque verão a Deus» (Mt 5,8).

4. Fixemos o olhar na Virgem Imaculada de Nazaré, Mãe do Belo Amor, que acompanha os homens de todos os tempos, em particular, dos nossos tempos, na «peregrinação de fé» rumo à casa do Pai. Ela é-nos recordada não só pela memória litúrgica de hoje, mas também pela magnífica Basílica-Catedral que domina esta cidade. Tem o seu nome: é uma coincidência eloquente do lugar e do momento. Até a Mãe de Jesus, à qual foi revelado de maneira mais plena o mistério da filiação divina de Cristo, teve que aprender longamente o mistério da Cruz: «'Meu filho, porque fizeste isto connosco? - recorda-nos o Evangelho de hoje - Olha que Teu pai e eu andávamos angustiados, à Tua procura'. Jesus respondeu: 'Porque Me procuráveis? Não sabíeis que Eu devo estar na casa de Meu Pai?' Mas eles não compreenderam o que o Menino acabava de lhes dizer» (Lc 2,48-50). De facto, Jesus falava-lhes da sua obra messiânica.

Antes de compreender isto, o homem aprende «com o sofrimento do coração» o Amor crucificado. Mas se, como Maria, - medita tudo fielmente no seu coração» (cf. Lc Lc 2,51) tudo o que Cristo diz, se é fiel à chamada divina, compreenderá aos pés da Cruz a coisa mais importante, ou seja, que é unicamente verdadeiro o amor em união com Deus, que é Amor.



VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II À POLÓNIA


Zamosc, 12 de Junho de 1999



1. «Bem-aventurada Aquela que acredita, porque vai acontecer o que o Senhor lhe prometeu» (Lc 1,45).

Ao longo do percurso da nossa peregrinação através da terra polaca, encontramo-nos de novo com Maria. É um dom especial da graça divina o facto que, precisamente em Zamosc, onde Maria é venerada há gerações como Mãe da Divina Protecção, no Santuário-Catedral, devemos celebrar como que uma segunda etapa da solenidade do seu Coração Imaculado. Na hodierna liturgia encontramos Maria da Visitação. É bem conhecido o seu caminho depois da Anunciação: de Nazaré rumo aos subúrbios montanhosos da Judeia, onde mora a sua prima Isabel. Maria vai ajudá-la nos dias de preparação para a maternidade. Caminha pelas estradas da sua terra levando consigo o maior mistério.

Lemos no Evangelho que a revelação deste mistério aconteceu duma forma insólita. «Bendita és Tu entre as mulheres e bendito é o fruto do Teu ventre» (Lc 1,42): com estas palavras Isabel saúda Maria. «Como posso merecer que a Mãe do meu Senhor me venha visitar?» (Lc 1,43). Isabel já conhece o desígnio de Deus e o que, nesse momento, é um mistério seu e de Maria. Sabe que seu filho, João Baptista, deverá preparar o caminho do Senhor. Deverá tornar-se o mensageiro do Messias, d'Aquele que a Virgem de Nazaré concebeu por obra do Espírito Santo. O encontro das duas mães, Isabel e Maria, precede os acontecimentos que se deverão realizar e, num certo sentido, prepara-os. Bendita és Tu, que acreditaste na palavra de Deus que te anuncia o nascimento do Redentor do mundo, diz Isabel. E Maria responde com as palavras do Magnificat: «A minha alma proclama a grandeza do Senhor, e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador» (Lc 1,46-47). Deveras, as grandes obras de Deus, os grandes mistérios de Deus realizam-se no escondimento, na casa de Zacarias. Toda a Igreja se referirá continuamente a eles, repetirá com Isabel: «Feliz daquela que acreditou» e, com Maria, cantará o Magnificat.

1310 De facto, o acontecimento que se verificou na terra da Judeia encerra em si um conteúdo inefável. Eis que Deus veio ao mundo. Fez-Se homem. Por obra do Espírito Santo foi concebido no seio da Virgem de Nazaré para nascer na manjedoura de Belém. Mas antes que tudo isto aconteça, Maria traz Jesus, como todas as mães trazem em si o filho do seu seio. Traz não só a sua existência humana, mas todo o seu mistério, o mistério do Filho de Deus, Redentor do mundo. Por isso, também a visita de Maria à casa de Isabel é, num certo sentido, um acontecimento comum e, ao mesmo tempo, um evento único, extraordinário e irrepetível.

Eis que, juntamente com Maria vem o Verbo eterno, o Filho de Deus. Vem para estar no meio de nós. Como naquela época, no tempo que precedeu o nascimento e o ligara a Nazaré, depois à Judeia, onde morava Isabel, e definitivamente à pequena cidade de Belém, onde iria nascer, também agora cada uma das suas visitas o ligam sempre a outro lugar na terra, onde a celebramos na liturgia.

2. Hoje lemos o Evangelho da Visitação na terra de Zamosc. O mistério da vinda de Maria e do Filho, torna-se num certo sentido também nosso. Alegra-me muito o facto de poder viver este mistério juntamente convosco, na comunidade da Diocese de Zamosc-Lubaczów! É uma diocese jovem, mas com uma tradição religiosa e cultural tão rica, que remonta ao século XVI. Nela, desde o início, increvem-se profundos contactos com a Sé Apostólica: um fruto especial é a famosa Academia de Zamosc - a terceira depois de Cracóvia e Wilno - uma instituição académica na República da Polónia, fundada com o apoio do Papa Clemente VIII. A Colegiada de Zamosc, que tive a honra de elevar à dignidade de Catedral, é testemunha silenciosa, mas como nunca eloquente da herança dos séculos. Encerra em si não só os magníficos monumentos da arquitectura e da arte religiosa, mas também os restos mortais de quantos formavam esta grande tradição. Visitando esta bonita cidade e a terra de Zamosc, hoje sinto-me feliz por poder voltar a este tesouro plurissecular da nossa fé e da nossa cultura.

Saúdo cordialmente todos os fiéis aqui reunidos e quantos se uniram a nós espiritualmente. Saúdo o Pastor desta comunidade, o Bispo Jan com o Auxiliar Mariusz e todos os presbíteros e as pessoas consagradas. Dirijo palavras de saudação também aos representantes das Autoridades do Estado e das territoriais. Desejo exprimir particular gratidão aos que acompanham a minha peregrinação com a oração e com a oferta do seu sofrimento. Rezo a Deus para que eles participem das graças desta visita.

3. A colocação providencial da cena da Visitação de Maria na excepcional moldura da beleza desta cidade e desta terra, faz-me voltar à memória a narração bíblica da criação, que recebe a sua explicação e o seu completamento no mistério da Encarnação. Deus, nos dias da criação, olhava para a obra do seu desígnio e via que o que tinha feito era muito bom. Não podia ser doutra forma. A harmonia da criação reflecte a íntima perfeição do Criador. No final, Deus criou o homem. Criou-o à Sua imagem e semelhança. Confiou-lhe toda a magnificência do mundo para que, gozando dela e usando os seus bens de maneira livre e racional, colaborasse activamente para o aperfeiçoamento da obra de Deus. E a Escritura diz então que «Deus viu tudo o que havia feito, e tudo era muito bom» (
Gn 1,31). Contudo, depois do pecado original do homem, o mundo, como sua particular propriedade, num certo sentido partilhou o seu destino. O pecado não só interrompeu o vínculo de amor entre o homem e Deus e destruiu a unidade entre os homens, mas perturbou também a harmonia de toda a criação. A sombra da morte não pousou só sobre o género humano, mas também sobre tudo o que por vontade de Deus devia existir para o homem.

Todavia, se falarmos da participação do mundo nos efeitos do pecado do homem, damo-nos conta de que também ele não podia ser privado da participação na promessa divina da Redenção. O tempo do cumprimento desta promessa para o homem e para a inteira criação chegou quando Maria, por obra do Espírito Santo, se tornou Mãe do Filho de Deus. Ele é o primogénito da criação (cf. Cl Col 1,15). Tudo o que foi criado, estava n'Ele desde sempre. Se vem ao mundo, vem à sua propriedade, como diz S. João (cf. Jo Jn 1,11). Vem para voltar a abraçar a criação, para iniciar a obra da redenção do mundo, para restituir à criação a sua original santidade e dignidade. Vem para nos fazer ver, com a sua própria vinda, esta particular dignidade da natureza criada.

Ao percorrer a terra polaca - do Báltico, através da Wielkopolska, da Masóvia, da Warmia e da Masuria - e depois as suas regiões orientais - de Bialystok até Zamosc - e ao contemplar a beleza desta terra pátria, vem-me à mente esta particular dimensão da missão salvífica do Filho de Deus. Aqui parece que falam, com um poder excepcional, o azul do céu, o verde dos bosques e dos campos, o brilho dos lagos e dos rios. Aqui ecoa particularmente familiar, polaco, o canto dos passarinhos. E tudo isto testemunha o amor do Criador, o poder vivificante do seu Espírito e a redenção realizada pelo Filho para o homem e para o mundo. Todas estas criaturas falam da sua santidade e dignidade, readquiridas quando Aquele que foi «gerado antes de todas as criaturas» assumiu o corpo por Maria Virgem.

Se hoje falo de tais santidade e dignidade, faço-o em espírito de acção de graças a Deus, que realizou obras tão grandes para nós; ao mesmo tempo, faço-o em espírito de solicitude pela conservação do bem e da beleza concedida pelo Criador. Com efeito, existe o perigo de que aquilo que faz rejubilar tanto o olhar e exultar o espírito, possa sofrer a destruição. Sei que os Bispos polacos exprimiram esta preocupação há já dez anos, dirigindo-se a todos os homens de boa vontade, numa Carta Pastoral sobre o tema da tutela do meio ambiente.

Escreveram justamente que «qualquer actividade do homem, como de um ser responsável, tem uma dimensão moral. A degradação do ambiente atinge o bem da criação oferecido ao homem por Deus Criador, como indispensável para a sua vida e para o seu desenvolvimento. Existe a obrigação de fazer bom uso deste dom em espírito de gratidão e de respeito. Por outro lado, a consciência de que este dom se destina a todos os homens, constitui um bem comum, gera uma oportuna obrigação em relação ao próximo. Portanto, é preciso reconhecer que qualquer acção que não tem em consideração o direito de Deus sobre a sua obra, como também o direito do homem, objecto de generosidade por parte do Criador, está em contraste com o mandamento do amor (...). Por conseguinte, é necessário dar-se conta de que existe um pecado grave contra o ambiente natural que pesa sobre as nossas consciências, que gera uma séria responsabilidade em relação a Deus Criador» (2.5.1989).

Se estamos a falar da responsabilidade perante Deus, somos conscientes de que não se trata apenas daquilo que, na linguagem de hoje, se chama habitualmente ecologia. Não basta procurar a causa da destruição do mundo só numa excessiva industrialização, numa acrítica aplicação na indústria e na agricultura de conquistas científicas e tecnológicas, ou numa ansiosa busca da riqueza sem considerar os futuros efeitos destas acções. Mesmo não podendo negar que tais acções causem grandes danos, é fácil observar que a sua fonte se encontra mais em profundidade: na própria atitude do homem. Parece que o que se demonstra mais perigoso para a criação e para o homem seja a falta de respeito pelas leis da natureza e o desaparecimento do sentido do valor da vida.

A lei inscrita por Deus na natureza e que pode ser lida por meio da razão, induz ao respeito do desígnio do Criador - de um desígnio que tem por objectivo o bem do homem. Esta lei estabelece uma certa ordem interior que o homem encontra e que deveria conservar. Qualquer actividade que se oponha a esta ordem fere inevitavelmente o próprio homem.

1311 Acontece assim quando se perde o sentido do valor da vida como tal, e sobretudo da vida humana. Como é possível defender eficazmente a natureza, se são justificadas as iniciativas que ferem o próprio coração da criação, que é a existência do homem? É possível opor-se à destruição do mundo, se em nome do bem-estar e da comodidade se admitem o extermínio dos nascituros, a morte provocada dos idosos e dos enfermos e, em nome do progresso, são feitas inadmissíveis intervenções e manipulações já no início da vida humana? Quando o bem da ciência ou os interesses económicos prevalecem sobre o bem da pessoa, e até de inteiras sociedades, as destruições provocadas no meio ambiente são sinal de autêntico desprezo do homem. É preciso que todos os que se preocupam pelo bem do homem neste mundo dêem um constante testemunho de que «a norma fundamental, capaz de inspirar um sadio progresso económico, industrial e científico, é o respeito pela vida e, em primeiro lugar, pela dignidade da pessoa humana» (L'Osserv. , Rm 5,7).

4. «Porque n'Ele foram criadas todas as coisas. Ele existe antes de todas as coisas e todas têm n'Ele a sua subsistência (...). Porque agradou a Deus que residisse n'Ele toda a plenitude, e por Ele fossem reconciliadas Consigo todas as coisas, pacificando, pelo sangue da Sua Cruz, tanto as da terra como as dos Céus» (Col 1,16-17 Col 1,19-20). Estas palavras de S. Paulo parecem traçar o caminho cristão de defesa daquele bem que é todo o mundo criado. É a via da reconciliação em Cristo. Mediante o sangue da cruz e a ressurreição, Ele restituiu à criação a ordem original. De agora em diante o mundo inteiro, e no seu centro o homem, foi arrancado à escravidão da morte e da corrupção (cf. Rm Rm 8,21), num certo sentido, foi criado de novo (cf. Ap Ap 21,5) e já não existe para a morte, mas para a vida, para a vida nova em Cristo. Graças à união com Cristo o homem redescobre o próprio lugar no mundo. Em Cristo experimenta de novo aquela harmonia original, que existia entre o Criador, a criação e o homem antes de sucumbir sob os efeitos do pecado. N'Ele relê a chamada originária de subjugar a terra, que é a continuação da obra divina da criação, e não a incontrolada exploração.

A beleza desta terra induz-me a invocar a sua conservação para as gerações futuras. Se amais esta terra pátria, que esta invocação não permaneça sem resposta! Dirijo-me, de modo especial, a quantos foi confiada a responsabilidade deste País e do seu progresso, exortando-os a não esquecerem o dever de o proteger contra a destruição ecológica! Preparem programas para a tutela do ambiente e vigiem sobre a sua eficaz realização! Sobretudo, assumam atitudes de respeito pelo bem comum, pelas leis da natureza e da vida! Sejam apoiados pelas organizações, que têm como objectivo a defesa dos bens naturais! Na família e na escola não pode faltar a educação para o respeito pela vida, pelo bem e pela beleza. Todos os homens de boa vontade deveriam cooperar nesta grande obra. Cada discípulo de Cristo verifique o estilo da própria vida, para que a justa aspiração ao bem-estar não ofusque a voz da consciência, que pondera o que é justo e o que é autenticamente bom.

5. Se falo do respeito pela terra, não posso esquecer aqueles que mais lhe estão ligados e conhecem o seu valor e dignidade. Penso nos agricultores, que não só em Zamosc, mas em toda a Polónia, enfrentam a dura fadiga dos campos, tirando deles os produtos indispensáveis para a vida dos habitantes das cidades e das aldeias. Ninguém, como quem cultiva a terra, pode testemunhar como ela, se for estéril, não dá frutos, e se, ao contrário, for tratada com amor é uma generosa nutriz. Inclino a cabeça, com gratidão e respeito, diante daqueles que durante séculos fertilizaram esta terra com o suor da fronte, e quando era necessário defendê-la não pouparam nem sequer o sangue. Com o mesmo reconhecimento e respeito, dirijo-me aos que também hoje empreendem o duro trabalho de cultivar a terra. Deus abençoe o trabalho das vossas mãos!

Sei que num tempo de transformações sociais e económicas não faltam problemas que muitas vezes atormentam dolorosamente a zona rural polaca. É preciso que no processo das reformas sejam reconhecidos os problemas dos agricultores e resolvidos no espírito da justiça social.

Falo acerca disto na terra de Zamosc, onde o problema rural é tratado desde há séculos. Basta recordar as obras de Szymon Szymonowic, ou a actividade da Sociedade Rural fundada em Hrubiezów, há duzentos anos. Também o Cardeal Stefan Wyszynski, como Bispo local e depois Primaz da Polónia, recordou muitas vezes a importância da agricultura para a Nação e para o Estado, a necessidade da solidariedade com a população rural por parte de todos os grupos sociais. Hoje, não posso deixar de me inserir nesta tradição. Faço-o repetindo com o Profeta estas palavras cheias de esperança: «Porque assim como a terra produz os seus gérmens e o jardim faz brotar as suas sementes, assim o Senhor Deus fará germinar a justiça» (Is 61,11).

6. Dirijamos o nosso olhar para Maria e invoquemo-la com as palavras de Isabel: «Feliz daquela que acreditou que teriam cumprimento as coisas que lhe foram ditas da parte do Senhor» (Lc 1,45).

Feliz és tu, Maria, Mãe do Redentor. Confiamos-te hoje o destino da terra de Zamosc e da terra polaca e todos os que vivem e trabalham nela, realizando a chamada do Criador a subjugá-la. Guia-nos com a tua fé neste tempo novo, que se abre diante de nós. Fica connosco junto do teu Filho, Jesus Cristo, que quer ser para nós o Caminho, a Verdade e a Vida.



VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II À POLÓNIA



DURANTE O RITO DE BEATIFICAÇÃO


Varsóvia, 13 de Junho de 1999



«Felizes os que são misericordiosos, porque encontrarão misericórdia» (Mt 5,7).

Caríssimos Irmãos e Irmãs!

1312 1. Com as palavras desta bem-aventurança de Cristo, faço uma paragem no meu percurso de peregrino no meio de vós, povo fiel de Varsóvia. Saúdo cordialmente quantos estão aqui reunidos, os presbíteros, os religiosos, as religiosas e os fiéis leigos. Dirijo uma fraterna saudação aos Bispos, especialmente ao Cardeal Primaz e aos seus colaboradores, os Bispos Auxiliares da Arquidiocese de Varsóvia. Saúdo o Senhor Presidente da República, o Senhor Primeiro-Ministro, o Presidente do Senado e o Senhor Presidente da Dieta, os Representantes das Autoridades do Estado e locais, e os Hóspedes convidados.

Dou graças à divina Providência, porque de novo me é concedido encontrar-me aqui onde, há vinte anos, na memorável vigília de Pentecostes, vivemos de modo especial o mistério do Cenáculo. Juntamente com o Primaz do milénio, Cardeal Stefan Wyszynski, os Bispos e o Povo de Deus da capital, presente em grande número, invocámos então com ardor o dom do Espírito Santo.

Naqueles tempos difíceis, suplicávamos o seu poder de se derramar nos corações dos homens e de despertar neles a esperança. Era um brado que brotava da fé que Deus actua e, com a força do Espírito Santo, renova e santifica todas as coisas. Era uma imploração para a renovação da face da terra, desta terra.Desça o teu espírito e renove a face da terra, desta terra! Hoje, como deixar de agradecer a Deus, Uno e Trino, tudo o que no arco dos últimos vinte anos interpretamos como a sua resposta àquele brado? Não é porventura a resposta de Deus àquilo que se realizou neste tempo na Europa e no mundo, a começar pela nossa Pátria? Diante dos nossos olhos aconteceram as mudanças dos sistemas políticos, sociais e económicos, graças aos quais cada uma das pessoas e as nações viram novamente o esplendor da própria dignidade. A verdade e a justiça estão a readquirir o seu valor, tornando-se um desafio impelente para todos aqueles que sabem apreciar o dom da liberdade. Por isso damos graças a Deus, olhando com confiança para o futuro.

Sobretudo, glorificamo-l'O por quanto estes vinte anos trouxeram à vida da Igreja. Portanto, na acção de graças unimo-nos com as Igrejas das Tradições ocidental e oriental entre os povos que nos são vizinhos, as quais saíram das catacumbas e desempenham abertamente a própria missão. A sua vitalidade constitui um magnífico testemunho do poder da graça de Cristo, que faz com que os homens frágeis se tornem capazes de um heroísmo, não raro até ao martírio. Não é este o fruto da acção do Espírito de Deus? Não é graças a este sopro do Espírito na história recentíssima, que hoje temos a irrepetível ocasião de experimentar a universalidade da Igreja e a nossa responsabilidade pelo testemunho de Cristo e pelo anúncio do seu Evangelho, «até aos extremos confins da terra»?

À luz do Espírito Santo, a Igreja na Polónia relê os sinais dos tempos e assume as suas tarefas, livre de limitações externas e de pressões, que até há pouco tempo experimentava. Como deixar de agradecer hoje a Deus porque, no espírito de respeito mútuo e do amor, a Igreja pode entretecer um diálogo criativo com o mundo da cultura e da ciência! Como não dar graças pelo facto de que os crentes podem frequentar os sacramentos sem obstáculos e escutar a palavra de Deus, para poderem testemunhar abertamente a própria fé! Como não dar graças a Deus por este grande número de igrejas edificadas nos últimos tempos no nosso País! Como deixar de dar graças porque as crianças e os jovens podem tranquilamente conhecer Cristo na escola, onde a presença do sacerdote, da religiosa ou do catequista é vista como um precioso auxílio no trabalho de educação das jovens gerações! Como não louvar a Deus, que com o seu Espírito anima as comunidades, as associações e os movimentos eclesiais, e faz com que a missão da evangelização seja empreendida por grupos de leigos cada vez mais numerosos!

Quando, durante a minha primeira peregrinação na Pátria, me encontrava neste lugar, vinha-me insistentemente à mente a oração do Salmista:

«Lembra-te de mim, Javé,
por amor do teu povo,
visita-me com a tua salvação,
para que eu experimente a felicidade
dos teus eleitos,
1313 me alegre com a alegria do teu povo
e me glorie com a tua herança» (105[106], 4-5).

Ao dirigirmos o olhar para estes últimos vinte anos do nosso século, hoje vem-me à mente a exortação do mesmo Salmo:

«Agradecei a Javé,
porque Ele é bom,
porque o seu amor é para sempre!
Quem poderá contar
as proezas de Javé
e proclamar todo o seu louvor?
Seja bendito Javé,
desde agora e para sempre!» (105[106], 1-2.48).

1314 2. «Felizes os que são misericordiosos, porque encontrarão misericórdia» (Mt 5,7). A Liturgia deste domingo confere uma dimensão particular à nossa acção de graças. Com efeito, permite ver tudo aquilo que acontece na história desta geração, na perspectiva da eterna misericórdia de Deus, que se revelou mais plenamente na obra salvífica de Cristo. Jesus, «foi entregue à morte pelos nossos pecados e ressuscitado para nos tornar justos» (Rm 4,25). O mistério pascal da morte e da ressurreição do Filho de Deus conferiu um novo curso à história humana. Se observarmos nela os sinais dolorosos da acção do mal, temos a certeza de que em última análise este não pode dominar a sorte do mundo e do homem, não pode vencer. Esta certeza brota da fé na misericórdia do Pai, que «amou de tal forma o mundo que entregou o seu Filho único, para que todo o que n'Ele acreditar não morra, mas tenha a vida eterna» (Jn 3,16). Por isso hoje, enquanto São Paulo indica a fé de Abraão, que «diante da promessa divina não duvidou mas foi fortalecido na fé» (Rm 4,20), nos é dado entrever a fonte desta força, graças àqual até mesmo as mais duras provas não eram capazes de os distrair do amor de Deus.

Graças à fé na divina misericórdia, a esperança perdurou em nós. Ela não dizia respeito apenas ao renascimento social e à restituição ao homem da dignidade nas dimensões deste mundo. A nossa esperança vai muito além: de facto, tem em vista as promessas divinas que ultrapassam amplamente a temporalidade. O seu objecto definitivo é a participação nos frutos da obra salvífica de Cristo. Ela pode ser-nos concedida como justiça, se «acreditamos n'Aquele que ressuscitou dos mortos, Jesus nosso Senhor» (Rm 4,24). Somente a esperança que nasce da fé na ressurreição nos pode impelir a dar na vida quotidiana uma resposta digna ao amor infinito de Deus. Somente com esta esperança podemos ir ao encontro dos «doentes» (Mt 9,12) e ser apóstolos do amor de Deus que cura. Se há vinte anos eu dizia que «a Polónia se tornou, nos nossos tempos, uma terra de testemunho particularmente responsável» (Homilia na Praça da Vitória, 2 de Junho de 1979, ed. port. de L'Osservatore Romano de 10.6.79, pág. 6), hoje é necessário acrescentar que esta deve ser um testemunho de misericórdia laboriosa, edificada sobre a fé na ressurreição. Somente um testemunho deste género é sinal de esperança para o homem de hoje, de modo especial para as jovens gerações; e se para alguns ela é também um «sinal de contradição», oxalá tal contradição jamais nos distraia da fidelidade a Cristo crucificado e ressuscitado.

3. «Omnipotens aeterne Deus, qui per glorificationem Sanctorum novissima dilectionis tuae nobis argumenta largiris, concede propitius ut, ad Unigenitum tuum fidelitur imitandum, et ipsorum intercessione commendemur et incitemur exemplo»: assim reza a Igreja, recordando na Eucaristia os Santos e as Santas: «ó Deus, nosso Pai, que no testemunho glorioso dos Santos dais à vossa Igreja sinais sempre novos do vosso amor misericordioso, fazei com que sintamos ao nosso lado a presença confortadora destes nossos irmãos, para sermos estimulados à imitação de Cristo, vosso Filho» (Comune sanctorum et sanctarum, Collecta). Elevemos esta invocação também hoje, enquanto admiramos o testemunho que nos provém dos Beatos que acabam de ser elevados à glória dos altares. A fé viva, a esperança inabalável e a caridade generosa foram-lhes atribuídas como justiça, porque eles estavam profundamente arraigados no mistério pascal de Cristo. Assim, é com razão que exortamos ao seguimento de Cristo na fidelidade, a exemplo deles.

A Beata Regina Protmann, Fundadora da Congregação das Irmãs de Santa Catarina, proveniente de Braniewo, dedicou-se com todo o seu coração à obra de renovação da Igreja entre os séculos XVI e XVII. A sua actividade, que brotava do amor a Cristo acima de tudo, desenvolveu-se depois do Concílio de Trento. Ela inseriu-se activamente na reforma pós-conciliar da Igreja, realizando com grande generosidade uma humilde obra de misericórdia. Fundou uma Congregação que unia a contemplação dos mistérios de Deus ao cuidado dos enfermos nas suas casas e com a educação das crianças e da juventude feminina. Dedicou uma atenção particular à pastoral das mulheres. Com abnegação, a Beata Regina abraçava com o olhar clarividente as necessidades do povo e da Igreja. As palavras: «Como Deus quiser» tornaram-se o mote da sua vida. O amor ardente levava-a a cumprir a vontade do Pai celeste, a exemplo do Filho de Deus. Ela não temia aceitar a cruz do serviço quotidiano, dando testemunho de Cristo ressuscitado.

O apostolado da misericórdia colmou a vida também do Beato Edmundo Bojanowski. Este proprietário de terras de Wielkopolska, dotado por Deus de numerosos talentos e de uma particular profundidade de vida espiritual, não obstante tivesse uma saúde frágil, realizou e inspirou com perseverança, prudência e generosidade de coração uma vasta actividade em benefício da população rural. Orientado por um discernimento repleto de sensibilidade às necessidades, deu início a numerosas obras educativas, caritativas, culturais e religiosas, de apoio material e moral à família rural. Permanecendo leigo, fundou a Congregação das Servas da Bem-Aventurada Virgem Imaculada, muito conhecida na Polónia. A guiá-lo em cada uma das suas iniciativas era o desejo de que todos se tornassem partícipes da redenção. Inscreveu-se na memória humana como «um homem cordialmente bom» que, por amor a Deus e aos homens, sabia unir com eficácia os vários ambientes à volta do bem. Na sua rica actividade, precedeu de muito aquilo que o Concílio Vaticano II disse acerca do tema do apostolado dos leigos. Deu um excepcional exemplo de trabalho generoso e sapiente em prol do homem, da Pátria e da Igreja. A obra do Beato Edmundo Bojanowski foi continuada pelas Irmãs Servas, a quem saúdo de todo o coração e agradeço o serviço silencioso e repleto de espírito de sacrifício a favor do homem e da Igreja.

4. «Munire digneris me, Domine Iesu Christe (...) signo sanctissimae Crucis tuae: ac concedere digneris mihi (...) ut, sicut hanc Crucem, Sanctorum tuorum reliquiis refertam, ante pectus memum teneo, sic semper mente retineam et memoriam passionis, et sanctorum victorias Martyrum»: eis a oração que o Bispo recita ao revestir-se da cruz peitoral. Hoje, desta invocação faço a prece de toda a Igreja na Polónia que, trazendo desde há mil anos o sinal da paixão de Cristo, sempre se regenera a partir do derramamento do sangue dos mártires e vive da memória da vitória, por eles trazida sobre esta terra.

Precisamente hoje estamos a celebrar a vitória daqueles que, no nosso tempo, deram a vida por Cristo, deram a vida temporal para a possuir pelos séculos na sua glória. Trata-se de uma vitória particular, porque é compartilhada pelos representantes do clero e dos leigos, jovens e idosos, pessoas de várias classes e posições. Entre eles estão D. Antoni Julian Nowowiejski, Pastor da Diocese de Plock, torturado até à morte em Dzialdowo; e D. Wladyslaw Goral de Lublim, torturado com particular ódio somente porque era Bispo católico. Há sacerdotes diocesanos e religiosos, que morreram porque não quiseram abandonar o seu ministério, e aqueles que morreram servindo os companheiros de prisão, doentes de tifo; há pessoas que foram torturadas até à morte pela defesa dos judeus. No grupo dos Beatos existem irmãos religiosos e irmãs, que perseveraram no serviço da caridade e na oferta dos seus tormentos pelo próximo. Entre estes Beatos mártires contam-se também leigos. Há cinco leigos jovens, formados no oratório salesiano; um activista zeloso da Acção Católica, um catequista leigo, torturado até à morte pelo seu serviço, e uma mulher heróica que deu livremente a sua vida em permuta daquela da sua nora, que esperava um filho. Hoje estes Beatos mártires são inscritos na história da santidade do Povo de Deus, peregrinante em terra polaca há mais de mil anos.

Se hoje nos alegramos pela beatificação de 108 Mártires clérigos e leigos, fazemo-lo antes de mais porque eles são o testemunho da vitória de Cristo, o dom que restitui a esperança. Enquanto realizamos este acto solene, num certo sentido revive em nós a certeza de que, independentemente das circunstâncias, podemos obter a vitória plena em tudo, graças Àquele que nos amou (cf. Rm Rm 8,37). Os Beatos mártires bradam aos nossos corações: crede que Deus é amor! Acreditai n'Ele, no bem e no mal! Despertai a esperança em vós! Que esta dê em vós o fruto da fidelidade a Deus em cada provação!

5. Alegra-te, Polónia, pelos novos Beatos: a Regina Protmann, Edmundo Bojanowski e os 108 Mártires. Aprouve a Deus «mostrar a extraordinária riqueza da sua graça mediante a bondade» dos teus filhos e filhas em Cristo Jesus (cf. Ef Ep 2,7). Eis a «riqueza da sua graça», eis o fundamento da nossa inabalável confiança na presença salvífica de Deus ao longo dos caminhos do homem no terceiro milénio! A Ele seja dada glória pelos séculos dos séculos.

Amém!





Homilias JOÃO PAULO II 1307