Homilias JOÃO PAULO II 1321


VIAGEM APOSTÓLICA DE JOÃO PAULO II À POLÓNIA



POR OCASIÃO DO MILÉNIO


DA ARQUIDIOCESE DE CRACÓVIA


15 de Junho de 1999




1. Te Deum laudamus:
te Dominum confitemur
Te aeternum Patrem,
1322 omnis terra veneratur.

«Nós vos louvamos, ó Deus,
nós vos proclamamos Senhor.
Ó Pai eterno,
toda a terra vos adora».

Como é grande o dom que hoje a divina Providência me concede, juntamente com a Igreja que está em Cracóvia, de me inserir neste hino, que o céu e a terra elevam desde há séculos para a glória do seu Criador, Senhor e Pai!

Te per orbem terrarum
sancta confitetur Ecclesia,
Patrem immensae maiestatis.

«A santa Igreja proclama
a vossa glória,
1323 Pai de imensa majestade».

É um grande dom o facto de que, enquanto a Igreja em toda a terra dá graças a Deus pelos dois mil anos da sua existência, ao mesmo tempo esta Igreja de Cracóvia agradece o próprio milénio! Como deixar de cantar o solene Te Deum, que hoje adquire um conteúdo particular e exprime a gratidão de inteiras gerações de habitantes por tudo o que a comunidade dos crentes ofereceu à vida da terra de Cracóvia! Como não agradecer aquele sopro do Espírito de Cristo, que do Cenáculo se difundiu por toda a terra e alcançou as margens do Vístula, e continuamente renova a face da terra - desta terra de Cracóvia! Nós vos louvamos, ó Deus!

Saúdo cordialmente todos os habitantes. Saúdo o dilecto Cardeal Franciszek, os Bispos Auxiliares Jan e Kazimierz, bem como os Bispos Eméritos Stanislaw e Albin. Abraço com o coração todos os sacerdotes, as pessoas consagradas, os estudantes dos Seminários Maiores, os catequistas e as catequistas leigos. Dirijo a minha saudação também às autoridades provinciais e municipais. Cumprimento-vos com cordialidade, irmãs e irmãos que vos reunistes em Blonia Krakowskie para celebrar com o Papa esta Eucaristia do milénio. Saúdo todos aqueles que se unem a nós através da rádio e da televisão. Dirijo palavras de particular gratidão aos doentes. A oferta do vosso sofrimento, que em união com Cristo apresentais cada dia por todos os homens, pela Igreja e pelo Papa, possui um grande valor aos olhos de Deus. No limiar do terceiro milénio, ela seja o cumprimento do nosso louvor, do pedido de perdão e de impetração.

2. Te gloriosus Apostolorum chorus,
te prophetarum laudabilis numerus,
te martyrum candidatus
laudat exercitus.

«Aclama-vos o coro dos apóstolos
e a cândida plêiade dos mártires;
as vozes dos profetas unem-se
no vosso louvor».

1324 Hoje os apóstolos, os profetas e os mártires louvam a Deus. No ocaso do primeiro milénio, eles chegaram às margens do Vístula e difundiram a semente do Evangelho. Sucessivamente ao baptismo de Mieszko no ano de 966, chegaram à terra dos Piast numerosas testemunhas, entre as quais conquistou grandíssima celebridade Adalberto, Bispo de Praga. Em conformidade com a tradição, antes de chegar ao Báltico, para ali padecer o martírio, deteve-se em Cracóvia e aqui anunciou a Boa Nova. Parece que pregava no lugar onde, após a sua morte, foi edificado um templo a ele intitulado, que ainda hoje existe. A actividade apostólica e o martírio de Adalberto estão ligados aos primórdios da Igreja de Cracóvia, também noutra dimensão. Com efeito, junto do seu túmulo nasceu a Metrópole de Gniezno, que compreendia as Sedes episcopais de Kolobrzeg, Wroclaw e Cracóvia. Se em Danzigue demos graças a Deus de maneira particular pela vida e pela obra deste grande Padroeiro da Polónia, é justo que também em Cracóvia remontemos com grata memória à milenária irradiação do seu testemunho e martírio.

Enfim, nos alvores da história desta Igreja acende-se a chama do ministério pastoral e da morte heróica de Santo Estanislau. Enquanto na liturgia hodierna ouvimos as palavras de Cristo: «Eu sou o bom pastor» (
Jn 10,11), sabemos que por obra deste Santo eles se uniram muito estreitamente à história da Igreja em Cracóvia. A sua heróica solicitude pela grei do Senhor, pelas ovelhas tresmalhadas em busca de ajuda, tornou-se o paradigma em que a Igreja desta cidade se inspirou fielmente durante séculos. De geração em geração foi transmitida a tradição de irremovível perseverança no respeito da lei divina e, ao mesmo tempo, de grande amor pelo homem - esta tradição nasceu junto do túmulo de Santo Estanislau, Bispo de Szczepanowo.

Se hoje voltamos ao início e a estas fiuras, fazemo-lo para renovar em nós a consciência de que as raízes da Igreja na terra de Cracóvia estão profundamente arraigadas na tradição apostólica, na missão profética e no testemunho do martírio. Nesta tradição, na missão e no martírio inspiraram-se inteiras gerações e sobre esses construíram a sua fé ao longo de um milénio. Graças a esta referência, a Igreja de Cracóvia permaneceu sempre em estreita unidade com a Igreja universal e, contemporaneamente, formou a sua própria personalidade histórica, escrevendo a sua história como uma antiga e irrepetível comunidade de homens que participam na missão salvífica de Cristo.

3. Permanecendo na corrente da Igreja universal, e ao mesmo tempo conservando a própria irrepetibilidade, esta comunidade conferiu uma forma à história e à cultura da cidade de Cracóvia, da região e, é lícito dizer, de toda a Polónia. O que poderia testemunhá-lo de maneira mais eloquente do que a Catedral de Wawel? Hoje, enquanto o som do sino de Zygmunt nos parece dirigir o convite a visitar esta mãe dos templos de Cracóvia, este tesouro da história da Igreja e da Nação, vamos ali em peregrinação espiritual. Apresentemo-nos no meio dos seus construtores e perguntemos-lhes qual foi o fundamento por eles posto debaixo desta edificação, graças ao qual ela conseguiu sobreviver aos tempos positivos e negativos, oferecendo refúgio a santos e heróis, a pastores e a soberanos, a homens de Estado, a criadores da cultura e a inteiras gerações de habitantes desta cidade. Cristo morto e ressuscitado, não é Ele essa pedra angular? Ajoelhemo-nos diante do tabernáculo na capela de Batory, perante o crucifixo negro de Edviges, junto da confissão de Santo Estanislau; desçamos à cripta de São Leonardo e redescubramos a irrepetível história da Igreja em Cracóvia, que se uniu àquela da cidade e deste país. E cada igreja, cada capela parece dizer a mesma coisa: é graças à presença milenária da Igreja que a semente do Evangelho aqui lançada deu frutos abundantes na história desta cidade, aos pés de Wawel.

Não o confirma porventura a Alma Mater de Cracóvia? Não foi acaso por amor a Cristo e por obediência à sua chamada a anunciar o Evangelho às nações, que no coração da Santa Rainha Edviges nasceu o desejo de fundar a Faculdade de Teologia e de elevar a Academia de Cracóvia à categoria de Universidade? A fama desta Universidade foi durante séculos um motivo de orgulho para a Igreja de Cracóvia. Daqui saíram estudiosos da qualidade de São João Kanty, Pedro Wysz, Paulo Wlodkowic e outros, que exerceram não pouca influência no desenvolvimento do pensamento teológico na Igreja universal. Depois, como deixar de mencionar Nicolau Copérnico, Estanislau de Skalbmierz, João Kochanowski e todas as fileiras daqueles que acreditaram na sabedoria e, tendo amado a verdade, o bem e a beleza, de várias formas testemunharam ter encontrado em Deus a sua realização definitiva? O que seria Cracóvia sem este fruto da fé e da sabedoria de Santa Edviges?

A inserção da Igreja na história desta cidade realizou-se não só nos templos, nos palácios reais e nas salas universitárias, mas em toda a parte onde a fidelidade ao Evangelho exigia o testemunho do serviço aos necessitados. Os antigos anais e as crónicas modernas falam muito das escolas paroquiais e religiosas, dos hospitais e dos orfanatos; falam muito das pequenas e grandes obras de misericórdia, que os habitantes de Cracóvia realizavam, atraídos pelo impulso da pregação do Padre Pedro Skarga, pelo exemplo humilde do Santo Frei Alberto ou de muitas outras testemunhas do amor concreto; falam muito da grande solicitude da Igreja pela vida, liberdade e dignidade de cada homem, que era necessário demonstrar sem poupar sacrifícios, na história remota mas também nos tempos mais próximos da nossa geração, nos tempos da guerra, do tormento pós-bélico e na época das transformações.

Se hoje elencamos os frutos de dez séculos de existência da Igreja de Cracóvia, fazemo-lo para inflamar os nossos corações de gratidão a Deus, que no decurso desta história derramou multíplices graças sobre o seu povo. É necessário que nos recordemos deste bem e exclamemos com um impulso muito maior: «Não a nós, Javé, não a nós! Honra, sim, o teu próprio nome, por teu amor e fidelidade» (Sl 115[113B], 1), que manifestaste por obra da Igreja nesta terra.

4. Tu rex gloriae, Christe.
Tu Patris sempiternus es Filius.

«Ó Cristo, rei da glória,
eterno Filho do Pai».

1325 Hoje damos glória a Cristo. É oportuno que lhe entoemos o cântico de louvor. Com efeito, que valor teriam os frutos da existência da Igreja, se não fossem a revelação da obra salvífica do Filho de Deus? Quando na hodierna liturgia da palavra ouvimos proclamar:

Eu sou o bom pastor» (
Jn 10,11), num certo sentido descobrimos o motivo mais essencial da nossa acção de graças. «Eu sou o bom pastor; conheço as minhas ovelhas e elas conhecem-me, assim como o Pai me conhece e Eu conheço o Pai. Eu dou a vida pelas ovelhas» (Jn 10,14-15). Cristo fala assim de si mesmo. Este bom pastor é precisamente Ele. Na Carta aos Efésios, São Paulo ajuda-nos de certa forma a aprofundar o conteúdo desta descrição. O Apóstolo escreve que, no seu Filho, Deus «nos escolheu em Cristo antes de criar o mundo, para que sejamos santos e sem defeito diante d'Ele, no amor. Ele predestinou-nos [na caridade] para sermos seus filhos adoptivos por meio de Jesus Cristo, conforme a benevolência da sua vontade, para o louvor da sua glória e da graça que Ele derramou abundantemente sobre nós por meio de seu querido Filho. Por meio do sangue de Cristo é que fomos libertos e n'Ele as nossas faltas foram perdoadas, conforme a riqueza da sua graça» (1, 4-7).

Se Cristo é o Bom Pastor, o único Bom Pastor, e como tal o Rei de todos os pastores da Igreja, isto acontece porque n'Ele habita o amor que O une ao Pai. Através deste amor realiza-se a eleição divina, levada a cabo pelo Pai no que concerne ao homem, antes da criação do mundo. O eterno e unigénito Filho de Deus, fazendo-se homem precisamente em nome deste amor, preocupa- se com uma única coisa: multiplicar no meio dos homens os filhos adoptivos, que correspondam à eterna eleição por parte do Pai. Precisamente por isso Ele é o Bom Pastor. Oferece a própria vida para defender os homens da morte, para multiplicar neles a vida. Esta vida está n'Ele. Fazendo-se Homem, trouxe-a consigo ao mundo, como dom do Pai. O desejo de Cristo como Bom Pastor é compartilhar esta vida, distribuí-la ao homem, porque somente desta forma - participando da vida de Deus - o homem, ser mortal, pode libertar-se da morte espiritual. A liturgia desta celebração mostra-nos num certo sentido as profundíssimas raízes daquilo que desde há mil anos a Igreja de Cracóvia é em terra polaca. É a única e irrepetível realização do eterno desígnio do Pai que, por meio de Jesus Cristo e em virtude do Espírito Santo, derramou sobre esta comunidade do Povo de Deus uma multíplice bênção espiritual.

Por isso, enquanto ouvimos hoje a parábola de Cristo, do Bom Pastor, damo- nos conta de que estas palavras constituem uma medida que deve ser aplicada à história da Igreja. Cristo é o Rei dos pastores e ao longo dos séculos, vários pastores por Ele chamados trabalharam pela realização do seu reino. Assim, portanto, através da parábola do Bom Pastor revela-se-nos a história milenária da Igreja de Cracóvia. Vemos todos aqueles que, mediante esta Igreja, participaram na missão profética, sacerdotal e real de Cristo - o inteiro Povo de Deus, que ao longo deste milénio constituiu a Igreja de Cracóvia.

Primeiro vemos aqueles que, em virtude de um especial mandato de Cristo, foram pastores deste Povo: os Bispos e os sacerdotes. Apresentam-se-nos Santo Estanislau, o Beato Vicente Kadlubek, Ivo Odrowaz, Pedro Wysz, Zbigniew Oleoenicki, Bernardo Maciejowski e Adão Estêvão Sapieha; apresentam-se-nos João Dlugosz, São João Kanty, o Beato Pedro Dañkowski e muitos outros Bispos e presbíteros, que ficaram não só na memória da Igreja, mas foram inscritos também em toda a história da Nação e na cultura. Como deixar de evocar aqui também as Ordens religiosas! Já nos tempos de Santo Estanislau se estabeleceram aqui os beneditinos; um pouco mais tarde, os cistercienses e depois vieram ainda outras Ordens e Congregações, que deram apóstolos e pastores como Pedro Skarga, São Jerónimo Odrowaz o Beato Estanislau Kazimierczyk, São Maximiliano e São Rafael Kalinowski.

Se hoje abraçamos com o pensamento e o coração todos aqueles que, como pastores, trabalharam nesta Igreja pelo reino de Cristo, na perspectiva histórica vemos não só os sacerdotes, mas também inumeráveis plêiades de leigos. Aos nossos olhos apresentam-se os soberanos e os homens de Estado, orientados por Santa Edviges e por São Casimiro, e juntamente com eles uma simples empregada doméstica - a Beata Aniela Salawa, e um professor do Politécnico - o Servo de Deus Jerzy Ciesielski, e ainda inteiras gerações de pais, educadores, professores, estudantes, médicos, enfermeiros, comerciantes, empregados, artesãos e agricultores - homens de várias condições e profissões. Vemos também homens e mulheres que, nas Ordens religiosas, ofereceram a vida a Deus e ao próximo. Enquanto hoje olhamos para as imagens do Santo Frei Alberto e da Beata Irmã Faustina sabemos que, num certo sentido, eles representam todos aqueles que de alguma forma reflectiam a parábola do Bom Pastor.

Todos estes homens da Igreja, conhecidos por nome ou anónimos, com a sua vida e santidade, o seu trabalho ordinário e o seu sofrimento testemunhavam nesta terra que Deus é amor, que com este amor Ele abraça cada um e o conduz pelos caminhos deste mundo, rumo a uma vida nova. Não existe motivo maior do que este para dar graças pela história milenária da Igreja na terra de Cracóvia. Não há um bem maior do que a santificação, que esta terra recebe desde há dez séculos das mãos da Igreja. «Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo: Ele abençoou-nos com todas as bênçãos espirituais, no céu, em Cristo» (Ep 1,3).

Hoje sinto-me chamado de modo particular a agradecer a esta milenária comunidade de pastores de Cristo, clérigos e leigos, porque graças ao testemunho da sua santidade, graças a este ambiente de fé que por dez séculos eles formaram e formam em Cracóvia, foi possível no fim deste milénio, precisamente nas margens do Vístula, aos pés da Catedral de Wawel, pronunciar a exortação de Cristo: «Pedro, cuida dos meus cordeiros» (Jn 21,15). Foi possível apoiar a debilidade do homem no poder da eterna fé, esperança e caridade nesta terra, e dar esta resposta: «Na obediência da fé diante de Cristo meu Senhor, confiando-me à Mãe de Cristo e da Igreja - consciente das grandes dificuldades - aceito».

5. Salvum fac populum tuum,
Domine, et benedic hereditati tuae.
Et rege eos,
1326 et extolle illos usque in aeternum.

«Salvai o vosso povo, Senhor,
e abençoai a vossa herança,
guiai e sustentai os vossos filhos
até à eternidade».

Na sua história, a Igreja de Cracóvia sobreviveu a muitas tempestades e a numerosas provações. Considerando apenas o nosso século, sabemos que primeiro ela resistiu à força destruidora da guerra e da ocupação, e apesar das dolorosas perdas conservou a própria dignidade, sobretudo graças à inflexível atitude do Príncipe Cardeal Adão Sapieha. No meio século do pós-guerra, a Igreja enfrentou os novos desafios, que o totalitarismo comunista, juntamente com a ideologia ateia, trouxera consigo. Ultrapassou o período das perseguições sem jamais perder a força do testemunho. A profunda unidade das paróquias, dos pastores e dos fiéis, a grande obra da educação religiosa dos jovens e o serviço da misericórdia demonstraram-se então como pilares poderosos, assentes sobre o fundamento de uma fé profunda. Não é possível deixar de evocar aqui o meu predecessor na Sede de Santo Estanislau, D. Eugeniusz Baziak.

Um factor especial na renovação da Igreja de Cracóvia foram os trabalhos do Sínodo pastoral da Arquidiocese, nos anos 1972-1979. Recordo aquele compromisso inaudito por parte dos fiéis nos grupos sinodais, nos trabalhos de cada uma das comissões e aquela profunda reflexão sobre si mesma por parte da Igreja de Cracóvia. Tratou-se de um grande diagnóstico do passado e do presente, mas com um simultâneo olhar rumo ao futuro.

Agora, enquanto damos graças pelo passado esplendoroso desta Igreja, com o mesmo espírito deveríamos olhar para o presente e o futuro. Devemos interrogar-nos: que fez a nossa geração com esta grande herança? O Povo de Deus desta Igreja continua a viver da tradição dos Apóstolos, da missão dos Profetas e do sangue dos Mártires?

Devemos dar uma resposta a estes interrogativos. Em conformidade com esta resposta, é necessário delinear o futuro, a fim de demonstrar que o tesouro da fé, da esperança e da caridade, que os nossos antepassados conservaram nas lutas e nos transmitiram, não seja perdido por esta geração adormecida, não já como na obra de Wyspiañski: «As núpcias» do sonho da liberdade, mas da própria liberdade. Pesa sobre nós uma grande responsabilidade pelo desenvolvimento da fé, pela salvação do homem de hoje e pela sorte da Igreja no novo milénio.

Por isso, irmãos e irmãs, juntamente com São Paulo peço-vos: tomai como modelo os princípios sadios, na fé e no amor a Jesus Cristo. Guardai o bom depósito com a ajuda do Espírito Santo que habita em vós (cf.
2Tm 1,13-14). Introduzi-o no terceiro milénio do cristianismo com o orgulho e a humildade das testemunhas. Transmiti às gerações vindouras a mensagem da Misericórdia divina, que aprouve escolher esta cidade para se manifestar ao mundo. No final do século XX o mundo parece, mais do que nunca, ter necessidade desta mensagem. Levai-a aos tempos novos como rebento de esperança e penhor de salvação.

Deus misericordioso, sustentai com a vossa graça o povo desta terra. Fazei dos filhos desta Igreja uma geração de testemunhas para os séculos futuros. Fazei com que, em virtude do Espírito Santo, a Igreja em Cracóvia e em toda a Pátria dê continuidade à obra de santificação, que Vós lhe confiastes há mil anos.

1327 Fiat misericordia tua,
Domine, super nos,
quemadmodum speravimus in te.
In te, Domine, speravi:
non confundar in aeternum.

«Esteja sempre connosco
a vossa misericórdia:
em Vós esperámos.
Vós sois a nossa esperança,
não seremos confundidos em eterno».

Não seremos confundidos.
Amém!



VIAGEM APOSTÓLICA DE JOÃO PAULO II À POLÓNIA


1328
Gliwice, 14 de Junho de 1999




1. «Vede que prova de amor o Pai nos deu, chamando-nos filhos de Deus. E somo-lo de facto!» (
1Jn 3,1).

O encontro hodierno introduz-nos directamente nas profundidades do mistério do amor de Deus. Com efeito, estamos a participar nas Vésperas em honra do Sacratíssimo Coração de Jesus, que nos permitem viver e experimentar o que é o amor que Deus dá ao homem. «Deus amou de tal forma o mundo que entregou o Seu Filho único, para que todo o que n'Ele acreditar não morra, mas tenha a vida eterna» (Jn 3,16). O mundo é amado por Deus e será amado até ao fim. O Coração do Filho de Deus, trespassado na cruz e aberto, testemunha de modo profundo e definitivo o amor de Deus. Escreverá São Boaventura: «Por disposição divina, foi permitido que um soldado trespassasse e abrisse aquele sagrado lado. Dele saiu sangue e água, preço da nossa salvação» (Liturgia das Horas, vol. III, pág. 601).

Apresentamo-nos com o coração trepidante e com humildade diante do grande mistério de Deus, que é amor. Hoje aqui, em Gliwice, queremos exprimir-Lhe o nosso louvor e ao mesmo tempo uma imensa gratidão.

É com grande alegria que venho a vós, pois me sois queridos. Todo o povo da Silésia é caro ao meu coração. Como Arcebispo Metropolitano de Cracóvia, todos os anos eu ia em peregrinação a Nossa Senhora de Piekary e lá encontrávamo-nos para a comum oração. Eu apreciava muito cada convite. Para mim era sempre uma experiência profunda. Porém, na diocese de Gliwice encontro-me pela primeira vez, porque é uma diocese jovem, instituída há alguns anos. Recebei, por isso, a minha saudação cordial, que dirijo em primeiro lugar ao vosso Bispo D. Jan e ao Bispo Auxiliar D. Gerard. Saúdo também o clero, as famílias religiosas, todas as pessoas consagradas e o povo fiel desta diocese. Sinto-me feliz porque no percurso da minha peregrinação na Pátria está também Gliwice, uma cidade que visitei várias vezes, à qual me ligam especiais recordações. Com grande alegria visito esta terra de homens habituados ao trabalho duro: é a terra do mineiro polaco, a terra das usinas de aço, das minas e dos fornos das fábricas, mas também a terra que possui uma rica tradição religiosa. Os meus pensamentos e o meu coração abrem-se hoje a vós aqui presentes, a todos os homens da Alta Silésia e de toda a terra da Silésia. Saúdo-vos a todos no nome de Deus uno e trino.

2. «Deus é amor» (1Jn 4,16). Estas palavras de São João evangelista constituem o tema-guia da peregrinação do Papa na Polónia. Na vigília do Grande Jubileu do Ano 2000, é preciso que seja de novo transmitida ao mundo esta jubilosa e impressionante boa nova sobre um Deus que ama. Deus é uma realidade que supera a nossa capacidade de exaustiva compreensão. Porque é Deus, com a nossa razão não seremos capazes de compreender a sua infinidade, nem de a encerrar nas estreitas dimensões humanas. É Ele que nos dá valor, que nos governa, nos guia e nos compreende, mesmo quando não somos conscientes disto. Mas este Deus, inatingível na sua essência, fez-Se próximo do homem mediante o seu amor paterno. A verdade sobre Deus que é amor constitui como que uma síntese e, ao mesmo tempo, o ápice de tudo aquilo que Deus nos revelou sobre Si mesmo, do que, por meio dos Profetas e de Cristo, nos disse sobre aquilo que Ele é.

Deus revelou este amor de vários modos. Em primeiro lugar, no mistério da criação. A criação é obra da omnipotência de Deus, guiada pela sabedoria e pelo amor. «Eu amei-te com amor eterno; por isso, conservei o Meu amor por ti» - dirá Deus a Israel pelos lábios do profeta Jeremias (31, 3). Deus amou o mundo que criou, e nele acima de todas as coisas amou o homem. E mesmo quando o homem prevaricou contra este amor original, Deus não cessou de o amar e ergueu-o da queda, pois é Pai, é Amor. Do modo mais perfeito e definitivo Deus revelou o seu amor em Cristo - na sua cruz e na sua ressurreição. São Paulo dirá: «Deus que é rico em misericórdia, pelo grande amor com que nos amou, deu-nos a vida juntamente com Cristo» (Ep 2,4-5). Na mensagem deste ano para os jovens, escrevi: «O Pai ama-vos». Esta magnífica notícia foi depositada no coração do homem que crê, o qual como o discípulo predilecto de Jesus apoia a cabeça no peito do Mestre e escuta as suas confidências: «Quem Me ama será amado por Meu Pai. Eu também o amarei e manifestar-Me-ei a ele» (Jn 14,21).

«O Pai ama-vos» - estas palavras do Senhor Jesus constituem o centro mesmo do Evangelho. Ao mesmo tempo, ninguém mais do que Cristo ressalta o facto de que esse amor é exigente: «tornando-Se obediente até à morte» (Ph 2,8), ensinou de modo mais perfeito que o amor espera a resposta por parte do homem. Exige a fidelidade aos mandamentos e à vocação que o homem recebeu de Deus.

3. «E nós reconhecemos o amor que Deus tem por nós e acreditamos nesse amor» (1Jn 4,16).

Mediante a graça, o homem é chamado à aliança com o seu Criador, a dar a resposta de fé e de amor, que ninguém pode dar no seu lugar. Essa resposta não faltou aqui, na Silésia. Destes-la a Deus durante séculos inteiros com a vossa vida cristã. Na história estivestes sempre unidos à Igreja e aos seus Pastores, fortemente apegados à tradição religiosa dos vossos antepassados. De modo particular, o longo período do pós-guerra, até às mudanças ocorridas no nosso país em 1989, também para vós era tempo de uma grande prova de fé. Perseverastes com fidelidade junto de Deus, resistindo à ateização e à laicização da nação e à luta contra a religião. Recordo-me como milhares de operários da Silésia repetiam com firmeza, no Santuário de Piekary, o lema: «O Domingo é de Deus e nosso». Sempre sentistes a necessidade da oração e dos lugares de onde ela pode elevar-se melhor. Por isso não vos faltou a vontade de espírito e a generosidade para vos empenhardes na construção de novas igrejas e de lugares de culto, que surgiram numerosos naquele tempo nas cidades e aldeias da Alta Silésia. Tínheis em grande consideração também o bem da família. Por esta razão reclamáveis os direitos a ela devidos, especialmente da livre educação dos vossos filhos e dos jovens para a fé. Muitas vezes vos reuníeis nos santuários e em muitos outros lugares queridos ao vosso coração, para exprimirdes a adesão a Deus e para Lhe dardes testemunho. Convidáveis também a mim para estas comuns celebrações na Silésia. De muito bom grado vos anunciava a palavra de Deus, porque tínheis necessidade de ser confortados no difícil período de lutas pela conservação da identidade cristã, a fim de terdes força para obedecer «mais a Deus do que aos homens» (cf. Act Ac 5,29).

Olhando para o passado, hoje damos graças à Providência por este exame sobre a fidelidade a Deus e ao Evangelho, à Igreja e aos seus Pastores. Este era também um exame sobre a responsabilidade para com a nação, pela Pátria cristã e pelo seu património milenário, que apesar de todas as grandes provas não sofreu a destruição ou o esquecimento. Assim foi porque «reconhecestes e acreditastes no amor que Deus tem por nós» e quisestes responder sempre com amor a Deus.

1329 4. «Feliz o homem que não vai ao conselho dos injustos (...). Pelo contrário: o seu prazer está na lei de Javé, e medita a Sua lei, dia e noite» (Ps 1,1-2).

Escutámos estas palavras do Salmista na breve leitura durante as Vésperas de hoje. Permanecei fiéis à experiência das gerações, que viveram nesta terra com Deus no coração e com a oração nos lábios. Na Silésia vençam sempre a fé e a moralidade sadia, o verdadeiro espírito cristão e o respeito pelos mandamentos divinos. Conservai como o maior tesouro aquilo que era fonte de força espiritual para os vossos antepassados. Eles sabiam incluir Deus na própria vida e n'Ele rejeitar todas as manifestações do mal. Símbolo eloquente disto é a saudação «Deus te seja propício!», que é precisamente a dos que trabalham nas minas. Sabei conservar o coração sempre aberto aos valores anunciados pelo Evangelho, conservai-os; eles decidem a vossa identidade.

Caros Irmãos e Irmãs, queria também dizer que conheço as vossas dificuldades, os temores e os sofrimentos que agora estais a viver; os temores e os sofrimentos que experimenta o mundo do trabalho nesta diocese e em toda a Silésia. Dou-me conta dos perigos ligados a este estado de coisas, especialmente para muitas famílias e para a inteira vida social. É necessária uma atenta consideração tanto das causas desses perigos como das possíveis soluções. Já falei a respeito disto durante esta peregrinação, em Sosnowiec. Hoje, dirijo-me mais uma vez a todos os meus concidadãos na Pátria. Construí o futuro da nação sobre o amor de Deus e dos homens, sobre o respeito dos mandamentos de Deus e sobre a vida da graça. Com efeito, é feliz o homem, é feliz a nação que se compraz com a lei do Senhor.

A consciência de que Deus nos ama, deveria impelir ao amor pelos homens, todos os homens sem excepção alguma e sem qualquer divisão em amigos e inimigos. O amor pelo homem consiste em desejar para cada um o verdadeiro bem. Consiste também na solicitude por garantir este bem e rejeitar toda a forma de mal e de injustiça. Deve-se, sempre e com perseverança, procurar as vias de um justo desenvolvimento para todos, a fim de «tornar - como diz o Concílio - mais humana a vida do homem» (cf. Gaudium et spes GS 38). Abundem no nosso país o amor e a justiça, produzindo frutos todos os dias na vida da sociedade. Somente graças a eles esta terra pode tornar-se uma casa feliz. Sem um grande e autêntico amor não existe casa para o homem. Embora alcance grandes sucessos no campo do desenvolvimento material, sem ele seria condenado a uma vida privada de verdadeiro sentido.

«O homem é a única criatura sobre a terra que Deus quis por si mesma» (cf. Gaudium et spes GS 24). Ele foi chamado a participar da vida de Deus, foi chamado à plenitude da graça e da verdade. A própria grandeza, o valor e a dignidade da mesma humanidade, ele encontra-os precisamente nesta vocação.

Deus, que é amor, seja a luz da vossa vida para hoje e para os tempos vindouros. Seja a luz para a nossa Pátria inteira. Construí um futuro digno do homem e da sua vocação!

Deponho todos vós, as vossas famílias e os vossos problemas aos pés da Mãe Santíssima, que é venerada em muitos santuários desta diocese e em toda a Silésia. Ela ensine o amor de Deus e do homem, como o praticou na sua vida. A todos: «Deus vos seja propício»!



VIAGEM APOSTÓLICA DE JOÃO PAULO II À POLÓNIA

NA SANTA MISSA

PARA A CANONIZAÇÃO DA BEATA KINGA


Stary Sacz, 16 de Junho de 1999



1. «Os Santos não passam. Os Santos vivem dos Santos e têm sede de santidade».

Dilectos Irmãos e Irmãs!

Há quase trinta e três anos pronunciei estas palavras em Stary Sacz, durante as celebrações do Milénio. Fi-lo evocando uma circunstância particular. De facto, apesar do mau tempo, chegaram àquela cidade os habitantes da Terra de Sacz e dos arredores, e toda aquela grande assembleia do Povo de Deus, sob a presidência do Cardeal Primaz Stefan Wyszynski e do Bispo de Tarnów, D. Jerzy Ablewicz, rezava a Deus pela canonização da Beata Kinga. Como, então, deixar de repetir estas palavras no dia em que, por disposição da divina Providência, me é dado proceder à sua canonização, como há dois anos me foi concedido proclamar Santa a Rainha Edviges, Senhora de Wawel? Ambas chegaram a nós da Hungria, entraram na nossa história e permaneceram na memória da Nação. Assim como Edviges, também Kinga resistiu à lei inexorável do tempo que tudo cancela.Passaram-se os séculos, e o esplendor da sua santidade não só não se extingue, mas brilha ainda mais para as gerações que se sucedem. Não esqueceram esta filha do rei húngaro, a Princesa de Malopolska, Fundadora e Monja do convento de Sacz. E este dia da sua canonização é a prova mais magnífica disto. Louvado seja Deus nos seus Santos!

1330 2. Antes de percorrer espiritualmente as vias da santidade da Princesa Kinga, para dar graças a Deus pela obra da sua graça, quero saudar todos aqueles que estão aqui reunidos e a inteira Igreja da bonita Terra de Tarnów, juntamente com D. Wiktor e os Bispos Auxiliares D. Wladyslaw e D. Jan, e o caro Bispo Emérito D. Piotr. Cumprimento os Prelados húngaros e o Primaz, Cardeal Laszlo Paskai, assim como o Presidente da República da Hungria, Senhor Arpad Göncz, e o seu séquito. Saúdo todos os sacerdotes, os religiosos, as religiosas e de modo particular as Irmãs Clarissas. Dirijo uma saudação cordial aos nossos anfitriões - os habitantes de Stary Sacz. Sei que esta cidade é famosa pelo seu apego a Santa Kinga. Toda a vossa cidade parece ser o seu santuário. Saúdo também Nowy Sacz, uma cidade que sempre me fascinou com a sua beleza e o seu bom funcionamento. Com o coração abraço a inteira comunidade diocesana, cada família, as pessoas sozinhas, todos os doentes e quem participa nesta liturgia por meio da rádio e da televisão. Esteja convosco toda a graça d'Aquele que é fonte e fim de toda nossa santidade!

3. «Os Santos vivem dos Santos».

Na primeira Leitura escutámos um anúncio profético: «Uma luz brilhante iluminará também as regiões da terra. De longe, numerosos povos virão a ti, e habitantes de todos os extremos da terra virão visitar o nome do Senhor Deus» (
Tb 13,13). Estas palavras do Profeta referem-se antes de tudo a Jerusalém, a cidade marcada pela particular presença de Deus no seu templo. Contudo, sabemos que desde quando, mediante a morte e a ressurreição, «Cristo não entrou num santuário feito por mãos humanas, figura do verdadeiro santuário; Ele entrou no próprio céu, a fim de se apresentar agora diante de Deus em nosso favor» (He 9,24), esta profecia cumpre-se sobre todos aqueles que seguem Cristo pela mesma via rumo ao Pai. Doravante, não mais a luz do templo de Jerusalém, mas o esplendor de Cristo, que ilumina as testemunhas da sua ressurreição, atrai para o santo nome de Deus as numerosas nações e os habitantes de todos os confins da terra.

Desde o seu nascimento, Santa Kinga experimentara de modo admirável esta salvífica irradiação de santidade. Com efeito, ela nasceu na família real húngara de Bela IV, da dinastia dos Arpádios. Esta estirpe real cultivava com enorme fervor a vida de fé e dela nasceram grandes santos. Dela provêm Santo Estêvão, o Padroeiro principal da Hungria, e seu filho Santo Emerico. Um lugar particular entre os santos da família dos Arpádios é ocupado pelas mulheres: Santa Ladislava, Santa Isabel da Turíngia, Santa Edviges da Silésia, Santa Inês de Praga e, enfim, as irmãs de Kinga - Santa Margarida e a Beata Iolanda. Não é óbvio que a luz da santidade da família conduziu Kinga ao santo nome de Deus? Podia permanecer sem algum vestígio na sua alma o exemplo dos santos pais, dos irmãos, das irmãs e dos parentes?

A semente de santidade lançada no coração de Kinga na casa paterna encontrou na Polónia um terreno fértil onde se desenvolver. Quando, em 1239, chegou primeiro a Wojnicz e depois a Sandomierz, ela entreteceu um vínculo cordial com a mãe do seu futuro esposo, Grzymislawa, e com a sua filha Salomé. Ambas distinguiram-se por uma profunda religiosidade, por uma vida ascética e pelo amor à oração, pela leitura da Sagrada Escritura e das vidas dos santos. A sua companhia cordial, especialmente nos primeiros e difíceis anos da sua permanência na Polónia, teve uma grande influência sobre Kinga. O ideal da santidade amadureceu sempre mais no seu coração.

Procurando modelos a imitar, que correspondessem à sua categoria, escolheu como especial padroeira a sua santa parente - a princesa Edviges da Silésia. Quis, outrossim, indicar à Polónia um santo que pudesse tornar-se, para todos os estados e regiões, um mestre de amor à Pátria e à Igreja. Por este motivo, juntamente com o Bispo de Cracóvia, Prandota de Bialaczew, empenhou-se com esforços intensos na canonização do mártir de Cracóvia, D. Estanislau de Szczepanów. Exerceram, sem dúvida, uma grande influência na sua espiritualidade São Jacinto, seu contemporâneo, o Beato Sadok, a Beata Bronislawa, a Beata Salomé, a Beata Iolanda, irmã de Kinga, e todos aqueles que formaram um particular ambiente de fé na Cracóvia de então.

4. Se hoje estamos a falar da santidade, do desejo e da obtenção da santidade, seria necessário perguntar-nos como formar ambientes que favoreçam a sua aspiração. O que fazer a fim de a família, a escola, o ambiente de trabalho, o escritório, as aldeias, as cidades e por fim o país inteiro se tornem uma morada de santos, que influenciem mediante a sua bondade, a fidelidade ao ensinamento de Cristo, o testemunho da vida quotidiana, alimentando o crescimento espiritual de cada homem? Santa Kinga e todos os Santos e Beatos do século XIII respondem: é preciso o testemunho. É necessária a coragem, para não esconder a própria fé. É preciso, enfim, que nos corações dos crentes exista aquele desejo de santidade, que forma não só a vida privada, mas influi sobre a sociedade inteira.

Na Carta às Famílias escrevi que «através da família passa a história do homem, a história da salvação da humanidade. A família acha-se no centro do grande combate entre o bem e o mal, entre a vida e a morte, entre o amor e quanto a este se opõe. À família está confiado o dever de lutar sobretudo para libertar as forças do bem, cuja fonte se encontra em Cristo Redentor do homem. É preciso fazer com que tais forças sejam assumidas por cada núcleo familiar para que, como se disse por ocasião do milénio polaco do cristianismo, a família seja 'fonte de Deus'» (n. 23). Hoje, baseando-me na experiência perene de Santa Kinga, repito estas palavras aqui, entre os habitantes da Terra de Slaogonelcz, os quais durante os séculos, muitas vezes à custa de renúncias e de sacrifícios, deram provas de solicitude pela família e de grande amor pela vida familiar.

Juntamente com a Padroeira desta terra, peço a todos os meus compatriotas: que a família polaca mantenha a fé em Cristo! Perseverai com firmeza ao lado de Cristo, para que Ele permaneça em vós! Não permitais que nos vossos corações, nos corações dos pais e das mães, dos filhos e das filhas, se extinga a luz da santidade! O seu esplendor forme as futuras gerações, para a glória do nome de Deus! Tertio millennio adveniente.

Irmãos e Irmãs, não tenhais medo de aspirar à santidade! Não temais ser santos! Do século que está para terminar e do novo milénio fazei uma era de homens santos!

5. «Os Santos têm sede de santidade». Esta sede foi viva no coração de Kinga. Com este desejo, ela meditava as palavras de São Paulo, que hoje escutámos: «Quanto às pessoas virgens, não tenho nenhum preceito do Senhor. Porém, como homem que pela misericórdia do Senhor é digno de confiança, dou apenas um conselho: considero boa a condição das pessoas virgens, por causa das angústias presentes. Claro, é bom que o homem continue assim» (1Co 7,25-26). Inspirada por essa indicação, ela quis consagrar-se a Deus de todo o coração, mediante o voto de virgindade. Por isso, quando em consideração das circunstâncias históricas teve de se casar com o príncipe Boleslau, convenceu-o à vida virginal para a glória de Deus e, depois de uma prova de dois anos, os esposos confiaram às mãos do Bispo Prandota o voto de castidade perpétua.

1331 Este modo de vida, hoje talvez difícil de ser compreendido, mas arraigado profundamente na tradição da Igreja primitiva, deu a Santa Kinga esta liberdade interior, graças à qual com toda a dedicação pôde preocupar-se, antes de tudo, das coisas do Senhor, levando uma profunda vida religiosa. Hoje relemos este grande testemunho. Santa Kinga ensina que tanto o matrimónio como a virgindade vivida em união com Cristo podem tornar-se uma via de santidade.Hoje, Santa Kinga põe-se como salvaguarda destes valores. Ela recorda que em nenhuma circunstância o valor do matrimónio, esta indissolúvel união de amor entre duas pessoas, pode ser posto em dúvida. Qualquer que seja a dificuldade, não se pode renunciar à defesa deste amor original, que uniu duas pessoas e é incessantemente abençoado por Deus. O matrimónio é a via da santidade, até mesmo quando se torna o caminho da cruz.

As paredes do convento de Stary Sacz, ao qual Santa Kinga deu início e onde concluiu a sua vida, parecem hoje testemunhar como ela apreciava a castidade e a virgindade, vendo justamente nesse estado um dom extraordinário, graças ao qual o homem experimenta dum modo especial a própria liberdade. E desta liberdade interior pode fazer um lugar de encontro com Cristo e o homem no caminho da santidade. Diante deste convento, juntamente com Santa Kinga peço de modo particular a vós, jovens: defendei a vossa liberdade interior! Uma falsa vergonha não vos impeça de cultivar a castidade! Os rapazes e as moças, chamados por Cristo a conservar a virgindade durante toda a vida, saibam que este é um estado privilegiado, através do qual se manifesta do modo mais claro a acção do poder do Espírito Santo.

Há ainda outra característica do espírito de Santa Kinga, unida ao seu desejo de santidade. Como princesa, ela soube ocupar-se das coisas do Pai também neste mundo. Ao lado do marido participou no governo, demonstrando firmeza e coragem, generosidade e solicitude pelo bem do país e dos súbditos. Durante as insurreições no Estado, a luta pelo poder num reino dividido em regiões e as devastadoras invasões dos Tártaros, Santa Kinga soube enfrentar as necessidades do momento. Com zelo esforçou-se pela unidade da herança dos Piast e para reconstruir o país das ruínas, não hesitando em doar tudo o que recebera em dote do seu pai. Ao seu nome estão ligadas as minas de sal-gema de Wieliczka e de Bochnia, nos arredores de Cracóvia. Teve em consideração sobretudo as necessidades dos seus súbditos. Confirmam-no as suas antigas biografias, testemunhando que o povo a chamava: «consoladora», «médica», «nutriz», «santa mãe». Tendo renunciado à maternidade natural, tornou-se verdadeira mãe de muitos.

Cuidou também do desenvolvimento cultural da nação. À sua pessoa e ao convento local está ligado o nascimento de verdadeiros monumentos da literatura, como o primeiro livro escrito em língua polaca: Zoltarz Dawidów - Saltério de David.

Tudo isto se inscreve na sua santidade. E enquanto hoje perguntamos: como aprender a ser santo e como actuar a santidade, Santa Kinga parece responder: é preciso ocupar-se das coisas do Senhor neste mundo. Ela testemunha que a realização dessa tarefa consiste num incessante esforçar-se para conservar a harmonia entre a fé professada e a vida. O mundo de hoje tem necessidade da santidade dos cristãos, que nas ordinárias condições de vida familiar e profissional assumem os próprios deveres quotidianos; e, tendo o desejo de cumprir a vontade do Criador e de servir os homens todos os dias, respondem ao seu eterno amor. Isto diz respeito aos vários sectores da vida, tais como a política, a actividade económica, social e legislativa (cf. Christifideles laici
CL 42). Não faltem nestes sectores o espírito de serviço, a honestidade, a verdade, a solicitude pelo bem comum, mesmo à custa de uma magnânima abnegação pessoal, a exemplo da Santa Princesa destas terras! Também nestes sectores não falte a sede de santidade, conseguida mediante o serviço prestado com competência, em espírito de amor a Deus e ao próximo!

6. «Os Santos não passam». Enquanto fixamos o olhar na figura de Kinga, surge um interrogativo essencial: o que a transformou numa figura que, num certo sentido, não passa? O que lhe permitiu sobreviver na memória dos polacos e, de modo particular, na memória da Igreja? Qual é o nome daquela força que resiste à lei inexorável do «tudo passa»? O nome desta força é o amor. O Evangelho hodierno, concernente às dez virgens sábias, fala precisamente do amor. Kinga foi decerto uma delas. Como elas, encaminhou-se ao encontro do Esposo divino, vigiou com a lâmpada do amor acesa, para não perder o momento da vinda do Esposo. Como elas, encontrou-O quando Ele estava a chegar e foi convidada a participar no banquete de núpcias. O amor do Esposo divino na vida da Princesa Kinga expressou-se com muitos actos de amor ao próximo. Foi precisamente aquele amor que fez com que o passar, a que está sujeito todo o homem sobre a terra, não cancelasse a sua memória. Após tantos séculos, hoje é a Igreja em terra polaca que o exprime.

«Os Santos vivem dos Santos e têm sede de santidade». Repito mais uma vez estas palavras aqui, na terra de Sacz. Kinga recebeu-a como dom em troca do dote que destinou ao socorro do país, e esta terra nunca cessou de ser sua propriedade particular. Ela cuida sempre do povo fiel que vive aqui. Como não lhe agradecer a protecção sobre as famílias, de maneira especial sobre as inúmeras famílias daqui que contam uma prole numerosa, para as quais olhamos com admiração e respeito? Como não lhe estar grato por ela impetrar para esta comunidade eclesial a graça de vocações sacerdotais e religiosas tão numerosas? Como não lhe estar reconhecido por nos reunir hoje aqui, unindo na comum oração irmãos e irmãs da Hungria, da República Tcheca, da Eslováquia e da Ucrânia, reavivando a tradição da unidade espiritual, que ela mesma formou com tanta dedicação?

Repletos de gratidão, louvamos a Deus pelo dom da santidade da Senhora desta terra e pedimos-lhe que o esplendor desta santidade continue em todos nós. No novo milénio, esta magnífica luz irradie sobre todos os confins da terra, a fim de que venham de longe visitar o santo nome de Deus (cf. Tb Tb 13,13) e vejam a sua glória.

«Os Santos não passam».
Os Santos invocam a santidade.
Santa Kinga, Senhora desta terra, implora para nós a graça da santidade!



Homilias JOÃO PAULO II 1321