Homilias JOÃO PAULO II 1331


VIAGEM APOSTÓLICA DE JOÃO PAULO II À POLÓNIA



NAS VÉSPERAS


E COROAÇÃO DA IMAGEM


DA BEM AVENTURADA VIRGEM MARIA


1332
Wadowice, 16 de Junho de 1999


Dilectos Irmãos e Irmãs!

1. Mais uma vez, durante o meu serviço à Igreja universal na Sé de São Pedro, chego à minha cidade natal de Wadowice. Com grande comoção olho para esta cidade dos meus anos de infância, testemunha dos meus primeiros passos, das minhas primeiras palavras e daquelas - como diz Norwid - «primeiras reverências» que são «como a eterna profissão de Cristo: "Louvado sejas!"» (cf. Moja piosenka [O meu cântico]). A cidade da minha infância, a casa paterna, a igreja paroquial, a igreja do meu santo baptismo... quero cruzar estes limiares hospitaleiros, inclinar-me diante da terra natal e dos seus habitantes, e pronunciar as palavras com que os familiares se saúdam quando retornam de uma viagem distante: «Louvado seja Jesus Cristo!». E a casa encontrava-se precisamente aqui atrás de mim, na rua Koscielna. E quando eu olhava da janela, via o relógio de sol e a inscrição: «O tempo foge, a eternidade espera».

Com estas palavras saúdo todos os habitantes de Wadowice, a começar pelos mais velhos, os meus coetâneos, aos quais me unem os laços da minha infância e adolescência, até aos mais pequeninos, que pela primeira vez vêem o Papa que veio até eles. Saúdo o caro Cardeal Franciszek e agradeço-lhe porque, como pastor da Arquidiocese, tem um constante cuidado da minha cidade natal. Saúdo os queridos Bispos Auxiliares, os mais velhos e os Bispos Stanislaw, Albin, Jan, Kazimierz - recordo-me de todos eles. Agradeço aos Cardeais e Bispos anfitriões que me acompanham com perseverança no percurso da peregrinação. Dirijo saudações muito cordiais a todos os sacerdotes, de modo especial àqueles de ambas as Prefeituras de Wadowice, e entre eles o pároco desta paróquia. No Seminário, chamávamo-lo Kuba, Kuba Gil. Oficialmente ele é o Mons. Jakub Gil. Recomendo a Deus o falecido Padre Tadeusz Zacher e todos os sacerdotes defuntos, que exerceram o seu ministério pastoral nesta cidade. Recomendo todos eles. O falecido Mons. Prochownik, de venerada memória, e os catequistas: Padres Rospond, Wlodyga e Pawela, trago todos eles no meu coração, e também o Mons. Zajac. Existe uma crónica do coração que não se extingue. Abraço com o coração todas as famílias religiosas, que prestam o seu serviço na terra de Wadowice. E os padres Carmelitas em Górka, os padres Palotinos em Kopiec, as religiosas de Nazaré, na rua 3 de Maio. Lá eu frequentava a escola materna.

De modo particular quero saudar os padres Carmelitas descalços em Górka de Wadowice. Encontramo-nos, com efeito, numa circunstância excepcional: neste ano, no dia 27 de Agosto, ocorre o centenário da consagração da igreja de São José, junto do convento fundado por São Rafael Kalinowski. Assim como na minha infância e adolescência, dirijo-me em espírito para aquele lugar de particular culto à Bem-aventurada Virgem do Monte Carmelo, que exercia uma influência muito grande sobre a espiritualidade da Terra de Wadowice. Eu mesmo recebi naquele lugar numerosas graças, pelas quais exprimo hoje reconhecimento ao Senhor. E a pequena medalha, até hoje a trago comigo, assim como a recebi dos Carmelitas em Górka, quando ainda era adolescente. Grande é a alegria por me ter sido dado beatificar, juntamente com 108 mártires, também o Beato Padre Alfons Maria Mazurek, aluno e mais tarde benemérito educador do Seminário Menor anexo ao convento. Tive ocasião de me encontrar pessoalmente com esta testemunha de Cristo, que em 1944, como Prior do convento de Czerna, selou a sua fidelidade a Deus com o martírio. Ajoelho-me com veneração junto das suas relíquias, que repousam precisamente na igreja de São José e dou graças a Deus pelo dom da vida, do martírio e da santidade deste grande religioso.

2. Jerusalém, «pela casa de Javé nosso Deus, desejo-te todo o bem» (Sl 121[122], 9). Hoje, faço minhas estas palavras do Salmista e refiro-as a esta cidade. Wadowice, a cidade da minha infância, pela casa - pela casa paterna e pela casa do Senhor - pedirei para ti o bem! Como não exprimir esta promessa, enquanto a Providência me concedeu hoje encontrar-me como que numa ponte, que une estas duas casas: a casa paterna e a casa de Deus? É uma extraordinária, e ao mesmo tempo a mais natural ligação de lugares que - como nenhum outro - deixam um profundo sinal no coração do homem.

Com afecto filial beijo a soleira da minha casa natal, exprimindo à divina Providência a gratidão pelo dom da vida, que me foi transmitido pelos meus queridos Pais, pelo calor do ninho familiar, pelo amor dos meus entes queridos, o qual me dava um sentido de segurança e de força, até mesmo quando se deviam enfrentar a experiência da morte e os afãs da vida quotidiana em tempos difíceis.

Com profunda veneração beijo também o limiar da casa de Deus - da igreja paroquial de Wadowice, e nela o baptistério, junto do qual fui inserido em Cristo e acolhido na comunidade da sua Igreja. Neste templo aproximei-me da primeira confissão e da sagrada Comunhão. Aqui fui coroinha. Dei graças a Deus pelo dom do sacerdócio e - já como Arcebispo de Cracóvia - vivi o jubileu dos meus 25 anos de sacerdócio. Quanto bem, quantas graças recebi deste templo e desta comunidade paroquial, somente o sabe Aquele que é Dador de todas as graças. A Ele, Deus uno e trino, hoje rendo glória no limiar desta igreja.

Por fim, como no passado, dirijo os meus passos para a Capela da Santa Cruz, para de novo olhar o rosto de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, na sua efígie de Wadowice. Faço-o com alegria ainda maior, porque hoje me é dada a possibilidade de adornar esta efígie com as coroas, em sinal do nosso amor para com a Mãe do Salvador e o seu Filho divino. E é um sinal tanto mais eloquente porque - como me foi dito - estas coroas foram feitas com os vossos dons, frequentemente muito preciosos, que têm em si um particular conteúdo de recordações, de destinos humanos, de provações ou de nobilíssimos sentimentos familiares, de casais e de noivos. E a este dom material acrescentastes o grande dom do espírito - a oração de confiança à Mãe de Cristo que visitou as vossas casas. Estai certos de que o vosso ardente amor por Maria jamais permanece sem uma resposta. Precisamente este recíproco laço de amor é, num certo sentido, portador de graças e penhor de uma incessante ajuda, que por obra de Maria recebemos do seu divino Filho.

3. «Quando, porém, chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou o Seu Filho. Ele nasceu de uma mulher» (
Ga 4,4) - estas palavras de São Paulo, que ouvimos hoje, introduzem-nos num certo sentido no próprio coração deste mistério. Completou-se o tempo em que se cumpriu o mistério da encarnação do Verbo eterno. Eis que o Filho de Deus veio ao mundo para realizar o plano salvífico do Pai, para actuar a redenção do homem e lhe restituir a filiação perdida. Neste mistério, Maria ocupa um lugar particular. Deus chamou-a a fim de que se tornasse a Mulher, por meio da qual haveria de ser cancelada a culpa original da primeira mulher. Deus, num certo sentido, tinha necessidade desta mediação de Maria. Precisava do seu livre consentimento, da sua obediência e dedicação, para revelar plenamente o seu eterno amor pelo homem.

Em seguida, o Apóstolo das nações escreve: «A prova de que sois filhos é o facto de que Deus enviou aos nossos corações o Espírito do Seu Filho, que clama: Abba, Pai!» (Ga 4,6). Sabemos também que este evento se realizou na presença de Maria. Assim como estava presente no início da obra da redenção, de igual modo, no dia do Pentecostes, ela estava presente no início da Igreja. Aquela que no dia da anunciação foi repleta de Espírito Santo, no dia do Pentecostes foi testemunha particular da Sua presença. Aquela, que à acção misteriosa do Espírito devia a própria maternidade, mais do que qualquer outro soube apreciar o significado da descida do Consolador.

1333 Maria, mais do que ninguém, reconheceu o instante em que teve início a vida da Igreja - daquela comunidade de homens, que inseridos em Cristo podem dirigir-se a Deus chamando-O: Abba, Pai! No mundo não há um ser humano que tenha sido introduzido na experiência do amor trinitário do Pai, do Filho e do Espírito Santo, no mesmo grau próprio de Maria, Mãe do Verbo encarnado.

Por isso, enquanto estamos a preparar-nos para viver o Grande Jubileu da redenção, dirigimo-nos de modo particular àquela que é a insubstituível guia pelos caminhos da salvação. Se o Jubileu deve, num certo sentido, tornar-nos presente tudo o que se cumpriu graças à encarnação do Filho de Deus, não podemos senão basear-nos na experiência de fé, de esperança e de caridade da Mãe de Cristo. Esse recurso não pode faltar. Com efeito, de Maria aprendemos esta docilidade ao Espírito Santo, graças à qual podemos usufruir de maneira mais plena dos frutos da morte e da ressurreição de Cristo.

Os nossos antepassados sempre estiveram convencidos do insubstituível papel da Mãe de Deus na vida da Igreja e de todo o cristão. No decurso dos últimos cem anos, os habitantes de Wadowice exprimiam-no de modo particular quando se reuniam com veneração diante da imagem de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e a escolhiam como Mediadora, Padroeira da vida pessoal, familiar e social. O Padre Leonard Prochownik, pároco e decano, assim escrevia em 1935: «Nós veneramos Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Ela tem a sua capela, onde está colocada a sua efígie milagrosa e lá muitos experimentaram e experimentam pessoalmente como, nas necessidades temporais e espirituais, Ela demonstra a sua bondade e se apressa em ajudar». E assim era. Posso testemunhá-lo pessoalmente. E creio que assim é até hoje. Seja assim também no futuro!

4. Durante a minha primeira permanência em Wadowice, pedi-vos que me circundásseis de incessante oração diante da imagem desta Mãe. Vejo que o meu pedido foi gravado na pedra. Creio que isto é um sinal de que o meu pedido permaneceu profundamente impresso também nos vossos corações. Por esta razão, hoje agradeço-vos com cordialidade esta oração. Sinto constantemente a sua acção e peço-vos que continueis a rezar. Preciso muito da vossa oração. A Igreja tem necessidade dela. Dela precisa o mundo inteiro.

Ainda há algo que desejo agradecer. Sei que a Igreja de Cracóvia, juntamente com o seu Cardeal, construiu em Wadowice um particular votum de gratidão à Mãe de Deus. Pouco distante daqui foi edificada a Casa da mãe solteira. Ali encontram abrigo e ajuda as mulheres que, não obstante os sacrifícios e as contrariedades, querem conservar o fruto da sua maternidade. Estou grato por este grande dom do vosso amor pelo homem e pela vossa solicitude para com a vida. A minha gratidão é ainda maior porque esta Casa é dedicada à minha mãe, Emília. Creio que aquela que me deu à luz e circundou de amor a minha infância cuidará também desta obra. A vós, porém, peço que continueis a sustentar esta Casa com a vossa bondade. Se me recordo bem, esta Casa encontra-se na rua Mickiewicz. Ela leva para Ocznia; nessa rua encontra-se a escola de Marcin Wadowita, onde estudei durante oito anos. Antes frequentei a escola elementar aqui, neste edifício, onde se encontram as repartições municipais. Depois fui ao liceu, e quem ia ao liceu fazia ginástica em «Sokól». Ia-se a «Sokól» também para ver os espectáculos teatrais. Recordo Mieczyslaw Kotlarczyk, aquele que criou o «teatro da palavra»; recordo os meus companheiros e as minhas companheiras de Wadowice: Halina Królikiewiczówna-Kwiatkowska e Zbyszewk Silkowski, que moravam na casa que pertencia aos senhores Homme. Muitas recordações! Em todo o caso aqui, nesta cidade de Wadowice tudo começou: começou a vida, a escola, os estudos, o teatro... e o sacerdócio.

Então ali está a rua Mickiewicz e lá em baixo a rua Zatorska; aqui, a rua Krakowska. Lá antigamente encontrava-se Zbozny Rynek, e ali Choczenka. Atrás de nós está a rua Skawa. Aqui havia a livraria de Foltyn. Ainda existe? Não, naquela casa morava Jurek Kluger e lá em baixo havia uma confeitaria. Depois das aulas íamos ali comer bolinhos de creme. Ainda bem que conseguimos suportar tudo isto, todos aqueles bolinhos de creme, após as lições. Depois do liceu, sobe a ladeira Slowacki. Ali está a rua Karmelicka e um pouco mais adiante o parque da Associação de manutenção da cidade de Wadowice e dos seus arredores. Estas coisas não são fáceis de esquecer! Aí está a rua Tatrzanska, onde se encontra o cemitério, e a paróquia de São Pedro, e depois Gorzen. De Gorzen desce-se até Skawa, e da outra parte está Góra Jaroszowicka e assim até à Kalwaria. Depois de Kopiec está Klecza Dolna, e após Klecza Górna, Barwald; por fim, Kalwaria Zebrzydowska. Agora basta com estas recordações.

Esta casa pertencia à senhora Maria Wodzinska. Na rua 3 de Maio havia o quartel do 12° Batalhão de Infantaria. Nos dias 11 de Novembro e 3 de Maio havia celebrações na praça do Mercado: a Santa Missa celebrada pelo Bispo Castrense, depois o desfile diante do quartel. Também nós participávamos nas celebrações como estudantes membros da Legião, ainda não académica. E assim até à guerra. Procuremos concluir.

Esta casa foi-me muito hospitaleira: aqui festejei as Ordenações sacerdotal e episcopal e a púrpura cardinalícia. Fui muitas vezes à casa dos senhores Homme, de Zbyszek Silkowski. Recordo-me deles todos os dias.

E no palco de Wadowice recitámos as maiores obras dos clássicos, a começar por «Antígona». Não sei se hoje ainda é assim. Agora vamos terminar de verdade.

5. Sub tuum praesidium...

Sob a tua protecção, Maria, procuramos refúgio.
1334 À tua protecção confiamos a história desta cidade, da Igreja de Cracóvia e de toda a Pátria.
Ao teu amor materno confiamos o destino de cada um de nós, das nossas famílias e da sociedade inteira.
Não desprezes a súplica de nós que estamos na provação
e livra-nos sempre de todo o perigo.
Maria, pede para nós a graça da fé, da esperança e da caridade, a fim de que, sob o teu exemplo e a tua guia, levemos ao novo milénio o testemunho do amor do Pai, da morte redentora e da ressurreição do Filho e da acção santificadora do Espírito Santo.
Permanece sempre connosco!
Virgem gloriosa e bendita,
Nossa Senhora, nossa Advogada,
nossa Medianeira,
nossa Consoladora, nossa Mãe!
Amém.



VIAGEM APOSTÓLICA DE JOÃO PAULO II À POLÓNIA



NA MISSA CELEBRADA


NA CAPELA DE SANTO ESTANISLAU


1335
Cracóvia, 17 de Junho de 1999




«Em verdade vos digo: sempre que fizestes isto a um destes Meus irmãos mais pequeninos, a Mim mesmo o fizestes » (
Mt 25,40).

Estas palavras de Cristo, com as quais a liturgia nos introduz no mistério da hodierna memória de Santo Adalberto, adquirem uma particular eloquência na Catedral de Wawel. Com efeito, juntamente com os túmulos dos santos soberanos e dos heróis nacionais, ela encerra a história do amor, daquele amor que torna a vida pelos irmãos um dom para Cristo.

Dou graças à divina Providência porque me é concedido encontrar-me de novo junto da Confissão de Santo Estanislau, para oferecer o sacrifício de acção de graças por esta comunidade eclesial, que o Bispo de Szczepanów consolidou durante um inteiro milénio, com o seu ministério pastoral e o seu martírio. Num certo sentido, ele deu início a esta história de amor pelo homem e por Cristo, que se realiza incessantemente no meio deste povo. Dela progride também o calendarium da nossa vida, das nossas pesquisas, do nosso caminho - individual e comunitário - rumo ao encontro com Cristo. Louvo a Deus porque neste grande património espiritual pude ter uma parte, especialmente como Bispo de Cracóvia e porque desta riqueza posso haurir força e inspiração como Bispo de Roma.

Quero saudar cordialmente todos os participantes nesta Eucaristia. Seria difícil nomear cada um deles. São pessoas a mim queridas, membros do Governo, representantes de vários ambientes aos quais eu estava ligado e que desempenham importantes funções culturais, científicas e sociais na vida da Nação.

De modo particular, quero saudar os seminaristas do Seminário Maior da Arquidiocese de Cracóvia, o Seminário do qual também eu saí, ainda que de modo não muito habitual. Refiro-me ao período da ocupação e àquele sucessivo. O período do Seminário clandestino. Depois houve uma gradual normalização e começou a minha actividade científica, ligada à Faculdade teológica da Universidade Jagelónica. Alegro-me pelas vocações.

Estou feliz pela vossa presença e dou graças a Deus pelo dom da vocação, que vos foi concedido. Durante esta Santa Missa quero recomendar a Deus cada um de vós e suplicar todos os dons do Espírito Santo, de que tendes necessidade para conservar a vossa vocação, para a cumprir com sabedoria e amor no sacerdócio, e fazer dela uma luz para o mundo no terceiro milénio. Peço-vos que transmitais a minha cordial saudação e a minha bênção aos vossos irmãos em todos os Seminários maiores, diocesanos e religiosos, da Polónia.

Saúdo com afecto todas as pessoas aqui reunidas - aquelas às quais, desde há muitos anos, me unem cordiais laços de amizade, e aquelas que talvez não conheço pessoalmente, mas que me oferecem a sua benevolência. Agradeço-lhes de todo o coração a presença, a comunidade que nós, reunidos, constituímos em torno deste sarcófago, a Confissão de Santo Estanislau, o primeiro Padroeiro da Polónia.

Louvado seja Jesus Cristo!





NA FESTA DOS SANTOS APÓSTOLOS PEDRO E PAULO


E MISSA COM A IMPOSIÇÃO DO "PÁLIO"


29 de Junho de 1999




1. «Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo»! (Mt 16,16).

1336 Pedro, ao fazer-se porta-voz do grupo dos Apóstolos, proclama a própria fé em Jesus de Nazaré, o esperado Messias Salvador do mundo. Em resposta à sua proclamação de fé, Cristo confia-lhe a missão de ser o fundamento visível sobre o qual se apoiará o inteiro edifício da comunidade dos crentes: «Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a Minha Igreja» (Mt 16,18).

É esta a fé que, ao longo dos séculos, se difundiu no mundo inteiro através do ministério e do testemunho dos Apóstolos e dos seus sucessores. É esta a fé que hoje nós proclamamos, fazendo solene memória dos Príncipes dos Apóstolos, Pedro e Paulo. Seguindo uma antiga e venerável tradição, a Comunidade cristã de Roma, que tem a honra de conservar os túmulos destes dois Apóstolos, «colunas» da Igreja, presta-lhes culto numa única festa litúrgica e ao mesmo tempo venera-os como seus Padroeiros celestes.

2. Pedro, o pescador da Galileia, foi chamado por Jesus juntamente com o irmão André no início da actividade pública, para se tornar «pescador de homens» (cf. Mt Mt 4,18-20). Testemunha dos principais momentos da actividade pública de Jesus, como a Transfiguração (cf. Mt Mt 17,1) e a oração no horto das oliveiras na iminência da Paixão (cf. Mt Mt 26,36-37), depois dos acontecimentos pascais recebeu de Cristo a missão de apascentar o rebanho de Deus (cf. Jo Jn 21,15-17) em Seu nome.

Desde o dia do Pentecostes, Pedro governa a Igreja, vigiando sobre a sua fidelidade ao Evangelho e guiando-lhe os primeiros contactos com o mundo dos gentios. Este seu ministério manifesta-se, de modo particular, nos momentos que marcam o ritmo do crescimento da Igreja apostólica. Com efeito, é ele que acolhe na comunidade dos fiéis o primeiro convertido do paganismo (cf. Act Ac 10,1-48), e é ainda ele que intervém com autoridade na assembleia de Jerusalém sobre o problema da liberdade das obrigações derivantes da lei judaica (cf. Act Ac 15,7-11).

Os misteriosos desígnios da Providência divina conduzirão o apóstolo Pedro até Roma, onde derramará o próprio sangue como supremo testemunho de fé e de amor pelo divino Mestre (cf. Jo Jn 21,18-19). Levará assim à plena realização a missão de ser sinal da fidelidade a Cristo e da unidade de todo o povo de Deus.

3. Paulo, o antigo perseguidor da Igreja nascente, tocado pela graça de Deus na estrada de Damasco, tornou-se o incansável apóstolo das nações. Durante as suas viagens missionárias, não cessará de anunciar Cristo e de atrair à causa do Evangelho grupos de fiéis em várias cidades da Ásia e da Europa.

A sua intensa actividade não impediu ao «Apóstolo das nações» realizar uma ampla difusão sobre a mensagem evangélica, confrontando-a com as diversas situações com as quais entrava em contacto na sua pregação.

O livro dos Actos dos Apóstolos descreve o longo itinerário que de Jerusalém o conduz antes à Síria e à Ásia Menor, depois à Grécia e por fim a Roma. É precisamente aqui, no coração do mundo então conhecido, que ele coroa com o martírio o próprio testemunho por Cristo. Como ele mesmo afirma na segunda Leitura há pouco proclamada, a missão que lhe foi confiada pelo Senhor é levar a mensagem evangélica aos pagãos: «O Senhor assistiu-me e deu-me forças a fim de que a palavra fosse anunciada por mim, e os gentios a ouvissem» (2Tm 4,17).

4. Segundo um costume já confirmado, neste dia dedicado à memória dos Apóstolos Pedro e Paulo, o Papa impõe aos Arcebispos Metropolitanos, nomeados durante o último ano, o «Pálio», como sinal de comunhão com a Sé de Pedro.

É, pois, para mim uma grande alegria acolher-vos, amados Irmãos no Episcopado, vindos a Roma de várias partes do mundo para esta feliz circunstância. Juntamente convosco, desejo saudar as Comunidades cristãs confiadas aos vossos cuidados pastorais: elas são chamadas a oferecer, sob a vossa sábia orientação, um corajoso testemunho de fidelidade a Cristo e ao seu Evangelho. Os dons e os carismas de cada Comunidade são riqueza para todos e confluem num único cântico de louvor a Deus, fonte de todo o bem. Entre estes dons, um dos principais é certamente o da unidade, bem simbolizada pela hodierna imposição do «Pálio».

5. O ardente desejo da unidade entre os cristãos é, além disso, ressaltado pela presença de delegados do Patriarca Ecuménico de Constantinopla, que vieram para compartilhar a alegria da liturgia deste dia e venerar os Apóstolos, Padroeiros da Igreja que está em Roma. A eles dirijo o meu deferente pensamento e, através deles, saúdo o Patriarca Ecuménico Bartolomeu I. Os Apóstolos Pedro, Paulo e André, que foram instrumentos de comunhão entre as primeiras comunidades cristãs, sustentem com o seu exemplo e a sua intercessão o caminho de todos os discípulos de Cristo rumo à plena unidade.

1337 O aproximar-se do Jubileu do Ano 2000 convida-nos a fazer nossa a oração pela unidade (cf. Jo Jn 17,20-23), dirigida por Jesus ao Pai na vigília da sua Paixão. Somos chamados a acompanhar esta nossa súplica com sinais concretos que favoreçam o caminho dos cristãos para a plena comunhão. Por este motivo, pedi que no calendário do Ano 2000 fosse introduzida na vigília da festa da Transfiguração, segundo a proposta de Sua Santidade Bartolomeu I, uma jornada de oração e de jejum jubilar. Essa iniciativa constituirá um expressão concreta da nossa vontade de nos unirmos às iniciativas dos irmãos das Igrejas ortodoxas e, ao mesmo tempo, do desejo que eles participem nas nossas.

Queira o Senhor, por intercessão dos Apóstolos Pedro e Paulo, fazer com que se intensifique no coração dos fiéis o empenho ecuménico, a fim de que, esquecendo os erros cometidos no passado, todos cheguem à plena unidade querida por Jesus.

6. «Bendito o Senhor que liberta os seus amigos» (Refrão do Salmo responsorial). Na sua missão apostólica, os Santos Pedro e Paulo tiveram de enfrentar dificuldades de todo o tipo. Estas, entretanto, longe de enfraquecer a sua acção missionária, revigoraram o seu zelo em benefício da Igreja e para a salvação dos homens. Eles puderam superar todas as provações, pois a sua confiança estava não nos recursos humanos, mas na graça do Senhor, o qual, como recordam as Leituras da hodierna Solenidade, liberta os seus amigos de todo o mal e os salva para o seu Reino (cf. Act Ac 12,11 1Tm 4,18).

É a mesma confiança em Deus que nos deve sustentar também a nós. Sim, o «Senhor liberta os seus amigos». Esta consciência deve tornar-nos corajosos diante das dificuldades que se encontram ao anunciarmos o Evangelho na vida quotidiana. Sustentem-nos os Santos Padroeiros, Pedro e Paulo, e anime-nos aquele ardor missionário que os tornou testemunhas de Cristo até aos confins do mundo então conhecido.

Orai por nós, Santos Apóstolos Pedro e Paulo, «colunas» da Igreja de Deus! E Tu, Rainha dos Apóstolos, que Roma venera com o esplêndido título de «Salus populi romani», acolhe sob a tua protecção o povo cristão que se encaminha para o terceiro milénio. Sustenta todo o sincero esforço que tem em vista promover a unidade dos cristãos e vele sobre o caminho dos discípulos do teu Filho Jesus.

Amém!





NO SANTUÁRIO DO DIVINO AMOR


Roma, 4 de Julho de 1999



1. «Este é um dia grande, consagrado ao Senhor» (Ne 8,10).

As palavras que acabámos de escutar na primeira Leitura aplicam-se bem ao momento que estamos a viver neste Santuário do Divino Amor, tão querido aos habitantes de Roma e do Lácio. Sim, este dia é consagrado a Deus, e por isso é dia singularmente denso de festa e de alegria. O Senhor reuniu-nos na sua casa para fazer com que experimentássemos de modo mais intenso o dom da sua presença. Como o povo hebreu, assim também nós, seguindo quanto é narrado por Neemias, acolhemos a sua palavra com a aclamação «Amém, amém» e nos prostramos com o coração diante d'Ele, manifestando profunda adesão à sua vontade.

Também nós repetimos com o Salmo responsorial: «As tuas palavras, Senhor, são espírito e vida»!

A palavra de Deus ilumina o rito de dedicação deste novo templo mariano onde os fiéis, que aqui se recolherem em oração sobretudo durante o Grande Jubileu, serão ajudados a abrir-se à acção renovadora do Espírito.

1338 Tudo, portanto, neste lugar deve predispor ao encontro com o Senhor; tudo deve encorajar os fiéis a proclamar a sua fé em Cristo ontem, hoje e sempre.

2. «Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo» (
Mt 16,16).

É esta a profissão de fé do apóstolo Pedro, que escutámos na página evangélica deste dia. A Pedro replica Jesus, confiando-lhe a missão de sustentar o inteiro edifício espiritual da sua Igreja: «Tu és Pedro, e sobre esta Pedra edificarei a Minha Igreja» (Mt 16,18).

O templo, no qual nos encontramos e que agora é consagrado ao culto, é sinal desta outra Igreja, feita de pedras vivas, que são os crentes em Cristo, admiravelmente unidos pelo «cimento» espiritual da caridade. Mediante a acção do Espírito Santo, dons e carismas de cada membro da comunidade eclesial não contradizem mas, antes, enriquecem a harmonia da única construção espiritual do Corpo de Cristo. Desse modo, o templo material exprime a comunhão interior de quantos aqui se recolhem para se deixarem apreender pela Palavra de Deus, como nos foi recordado na primeira Leitura: «Todo o povo escuta, com atenção, a leitura do livro da lei» (Ne 8,3). Aqui, os fiéis receberão os Sacramentos - especialmente o Sacramento da Reconciliação e da Eucaristia - e poderão exprimir com maior intensidade a sua devoção a Nossa Senhora do Divino Amor.

3. «A alegria do Senhor será a vossa força» (Ne 8,10).

Deste modo Neemias saudava a assembleia dos israelitas reunidos num só lugar para renovar a Aliança com Deus. Com estas mesmas palavras hoje desejo saudar todos vós, que estais reunidos neste Santuário mariano.

Agradeço-vos, caríssimos Irmãos e Irmãs, a vossa presença tão numerosa. Saúdo com afecto o Cardeal Vigário, a quem se dirige o meu reconhecimento pelos sentimentos expressos no início da celebração. Juntamente com ele, saúdo os Bispos, os sacerdotes e os Reitores de outros Santuários marianos aqui presentes. Saúdo o Reitor-Pároco do Santuário, Padre Pasquale Silla, que tanto fez para chegarmos a este dia, e todos os filhos e filhas de Nossa Senhora do Divino Amor, que conservam estes lugares com solícito cuidado. Eles prosseguem a obra meritória do seu fundador, Padre Umberto Terenzi, que com tenacidade quis aqui uma nova casa para a Virgem Santa, a que precisamente hoje nós dedicamos. Um pensamento especial aos paroquianos deste Santuário-Paróquia, testemunhas directas do modo como o povo romano ama Nossa Senhora do Divino Amor e com frequência vem visitá-la em peregrinação, confiando na sua intercessão.

Saúdo, enfim, os projectistas e os realizadores desta obra: o Padre Constantino Ruggeri e o arquitecto Luigi Leoni, juntamente com todos os benfeitores, as empresas e os operários.

4. Com a dedicação deste novo Santuário cumpre-se hoje, parcialmente, um voto que os romanos, convidados pelo Papa Pio XII, fizeram a Nossa Senhora do Divino Amor em 1944, quando as tropas aliadas estavam para lançar o ataque decisivo contra Roma, ocupada pelos alemães. Diante da imagem de Nossa Senhora do Divino Amor, no dia 4 de Junho daquele ano, os romanos invocaram a salvação de Roma, prometendo a Maria corrigir a própria conduta moral, construir o novo Santuário do Divino Amor e realizar uma obra de caridade em Castel di Leva. Naquele mesmo dia, depois de pouco mais de uma hora após a leitura do voto, o exército alemão abandonou Roma sem opor resistência, enquanto as forças aliadas entravam pela Porta de São João e pela Porta Maior, acolhidas pelo povo romano com manifestações de alegria.

Hoje o Santuário é uma realidade e está para ser completada também a obra de caridade: uma casa para anciãos não distante daqui. Mas o voto dos romanos abrangia uma promessa a Maria Santíssima, que não termina e é muito mais difícil de realizar: a correcção da conduta moral, isto é, o constante empenho em renovar a vida e em torná-la sempre mais conforme à de Cristo. Caríssimos Irmãos e Irmãs, é esta a tarefa evocada pelo edifício sagrado hoje dedicado a Deus.

Estas paredes que circunscrevem o espaço sagrado em que estamos reunidos e, mais ainda, o altar, os grandes vitrais policromos e os outros símbolos religiosos apresentam-se como sinais da presença de Deus no meio do seu povo. Uma presença que se torna manifesta de maneira real na Eucaristia, celebrada cada dia e conservada no Tabernáculo; uma presença que se revela viva e vivificante na administração dos Sacramentos; uma presença que se poderá continuamente experimentar na oração e no recolhimento. Que essa presença seja para todos um constante apelo à conversão e à reconciliação fraterna!

1339 5. «Vem e mostrar-te-ei a noiva, a esposa do Cordeiro... resplandecente da glória de Deus» (Ap 21,9-10).

A grande visão da Jerusalém celeste, com que se conclui o livro do Apocalipse, convida-nos a elevar o olhar da beleza e harmonia arquitectónica deste novo templo ao esplendor da Igreja celeste, plenitude do amor e da comunhão com a Santíssima Trindade, para a qual tende desde o princípio a inteira história da salvação.

Como afirma o Concílio Vaticano II, Maria é imagem e início da Jerusalém celeste, para a qual estamos a caminhar. «A Mãe de Jesus, assim como, glorificada já em corpo e alma, é imagem e início da Igreja que se há-de consumar no século futuro, assim também, na terra, brilha como sinal de esperança segura e de consolação, para o Povo de Deus ainda peregrinante, até que chegue o dia do Senhor» (Lumen gentium LG 68).

A Maria dirijamos confiantes os nossos corações e sobre todos invoquemos a sua materna protecção.

A Ti, Mãe do Divino Amor, confiamos a comunidade diocesana, o prosseguimento da Missão da cidade, há poucas semanas terminada, assim como esta amada Cidade de Roma com os seus problemas e recursos, anseios e esperanças.

A Ti confiamos as famílias, os doentes, os idosos, as pessoas sozinhas. Nas tuas mãos depositamos os frutos do Ano Santo e, de modo especial, as expectativas e esperanças dos jovens que, durante o Jubileu, vierem a Roma para a XV Jornada Mundial da Juventude.

A Ti confiamos, por fim, o pedido que já Te dirigi por ocasião da minha primeira visita a este Santuário: que, por tua intercessão, se multiplique o número dos trabalhadores na messe do Senhor e que a juventude saiba apreciar, em toda a sua beleza, o dom da chamada ao sacerdócio e à vida religiosa, do qual hoje o mundo tem grande necessidade.

Amém!





Homilias JOÃO PAULO II 1331