Homilias JOÃO PAULO II 1339


NA MISSA CELEBRADA PELA SOLENIDADE


DA ASSUNÇÃO DA BEM-AVENTURADA VIRGEM MARIA


15 de Agosto de 1999




1. «Magnificat anima mea Dominum» (Lc 1,46)!

A Igreja peregrina na história une-se hoje ao cântico de exultação da Bem-aventurada Virgem Maria; exprime a sua alegria e louva a Deus porque a Mãe do Senhor entra triunfante na glória do céu. No mistério da sua Assunção, aparece o significado completo e definitivo das palavras que ela mesma pronunciou em Ain-Karin, ao responder à saudação de Isabel: «Porque me fez grandes coisas o Omnipotente» (Lc 1,49).

1340 Graças à vitória pascal de Cristo sobre a morte, a Virgem de Nazaré, unida profundamente ao mistério do Filho de Deus, compartilhou de modo singular os seus efeitos salvíficos. Correspondeu plenamente com o seu «Sim» à vontade divina, participou intimamente na missão de Cristo e foi a primeira, depois d'Ele, a entrar na glória, em corpo e alma, na integridade do seu ser humano.

O «Sim» de Maria é alegria para quantos estavam nas trevas e na sombra da morte. Com efeito, através d'Ela veio ao mundo o Senhor da vida. Os crentes exultam e veneram-n'A como Mãe dos filhos remidos por Cristo. Em particular neste dia, contemplam-n'A como «sinal de consolação e de segura esperança» (Prefácio) para todo o homem e cada povo a caminho rumo à Pátria eterna.

Caríssimos Irmãos e Irmãs, volvemos o nosso olhar para a Virgem que a Liturgia nos faz invocar como Aquela que rompe os vínculos dos oprimidos, resti- tui a luz aos cegos, afasta de nós todos os males e nos obtém todo o bem (cf. Hino das II Vésperas).

2. «Magnificat anima mea Dominum»!

A Comunidade eclesial renova na solenidade hodierna o cântico de agradecimento de Maria: fá-lo como Povo de Deus e pede a cada crente que se una ao coro de louvor ao Senhor. A isto, já desde os primeiros séculos, exortava Santo Ambrósio: «Seja em cada um a alma de Maria a magnificar o Senhor, seja em cada um o espírito de Maria a exultar em Deus» (S. Ambrósio, Exp. Ev. Luc., II, 26). As palavras do Magnificat são como que o testamento espiritual da Virgem Mãe. Com razão, portanto, elas constituem a herança de quantos, ao reconhecerem-se seus filhos, decidem acolhê-la na própria casa, como fez o apóstolo João, que a recebeu como Mãe directamente de Jesus, aos pés da cruz (cf. Jo
Jn 19,27).

3. «Signum magnum paruit in caelo» (Ap 12,1). A página do Apocalipse, que há pouco foi proclamada, ao apresentar o «sinal grandioso» da «mulher vestida de sol» (Ap 12,1), afirma que ela «estava grávida, com dores de parto, e gritava com ânsias de dar à luz» (Ap 12,2). Também Maria, como escutámos no Evangelho, quando vai ajudar a prima Isabel leva no seu seio o Salvador, concebido por obra do Espírito Santo.

Ambas as figuras de Maria, aquela histórica descrita no Evangelho e a velada no Livro do Apocalipse, simbolizam a Igreja. O facto de a condição de gravidez, como depois o parto, as insídias do dragão e o arrebatamento do recém-nascido «para junto de Deus e do Seu trono» (Ap 12,4-5) pertencerem também à Igreja «celeste», contemplada em visão pelo apóstolo João, é bastante eloquente e, na solenidade hodierna, é motivo de profunda reflexão.

Assim como Cristo, que ressuscitou e subiu ao céu, traz para sempre em Si, no seu corpo glorioso e no seu coração misericordioso, as feridas da morte redentora, assim também a sua Mãe tem na eternidade «as dores de parto e as ânsias de dar à luz» (Ap 12,2). E assim como o Filho, mediante a sua morte, não cessa de remir todos os que por Deus são gerados como filhos adoptivos, de igual modo a nova Eva continua, de geração em geração, a dar à luz o homem novo, «criado segundo Deus, na justiça e na santidade verdadeiras» (Ep 4,24). Trata-se da maternidade escatológica da Igreja, presente e operante na Virgem.

4. No presente momento histórico, ao termo de um milénio e na vigília de um novo horizonte de época, esta dimensão do mistério de Maria parece mais do que nunca significativa. Nossa Senhora, elevada entre os Santos à glória de Deus, é sinal seguro de esperança para a Igreja e para a humanidade inteira. A glória da Mãe é motivo de alegria imensa para todos os seus filhos, uma alegria que conhece as amplas ressonâncias do sentimento, típicas da piedade popular, ainda que a elas não se reduza. É uma alegria, por assim dizer, teologal, firmemente fundada no mistério pascal. Neste sentido, a Virgem é «causa nostrae laetitiae – causa da nossa alegria».

Elevada ao céu, Maria indica a via de Deus, a estrada do Céu, o caminho da Vida. Mostra-a aos seus filhos baptizados em Cristo e a todos os homens de boa vontade. Abre-a sobretudo aos pequeninos e aos pobres, predilectos da misericórdia divina. Aos indivíduos e às nações, a Rainha do mundo manifesta o poder de amor de Deus, cujos desígnios dispersam os dos soberbos, derrubam os poderosos e exultam os humildes, cumulando de bens os famintos e despedindo os ricos com as mãos vazias (cf. Lc Lc 1,51-53).

5. «Magnificat anima mea Dominum»! Nesta perspectiva, a Virgem do Magnificat ajuda-nos a compreender melhor o valor e o sentido do Grande Jubileu já iminente, tempo propício em que a Igreja universal se unirá ao seu cântico para louvar a admirável obra da Encarnação. O espírito do Magnificat é o espírito do Jubileu: de facto, no cântico profético Maria dá voz ao júbilo que enche o seu coração, porque Deus, seu Salvador, olhou para a humildade da sua serva (cf. Lc Lc 1,47-48).

1341 Seja este também o espírito da Igreja e de cada cristão. Oremos para que o Grande Jubileu seja todo um Magnificat, que una a terra e o céu num cântico de louvor e de acção de graças.

Amém!



VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II À ESLOVÉNIA



NA SANTA MISSA DE BEATIFICAÇÃO


DE ANTON MARTIN SLOMSEK


Maribor, 19 de Setembro 1999



1. "Louvemos os homens ilustres... e o seu nome vive de geração em geração. Proclamam os povos a sua sabedoria, e canta a assembleia os seus louvores" (Si 44,1 Si 44,14-15).
Estas palavras do Sirácide ressoaram hoje na nossa assembleia. Escutando-as, pensámos espontaneamente nas pessoas que neste povo esloveno se distinguiram pelas suas virtudes: pensámos, por exemplo, nos Bispos Frederico Baraga, Janez Gnidovec e Anton Vovk, no padre Vendelin Vosnjak e no jovem Lojze Grozde.

Pensámos, em particular, naquele que a Igreja hoje proclama Beato: o Bispo de Maribor Anton Martin Slomsek, primeiro filho desta Nação eslovena a ser elevado à glória dos altares. A três anos da minha primeira visita retorno hoje ao meio de vós, para vos propor nele um modelo daquela santidade, na qual então vos indiquei a única força que vence o mundo. Portanto, sinto-me feliz por me encontrar convosco e presidir a esta solene Santa Missa.

Saúdo D. Franc Kramberger, Pastor desta Igreja, e agradeço-lhe as palavras que me dirigiu. Saúdo, além disso, os Senhores Cardeais, os Bispos eslovenos e os outros Prelados, que concelebram esta solene Eucaristia. A minha saudação estende-se depois ao clero, aos religiosos, às religiosas e a todos vós, caríssimos fiéis desta ilustre Igreja e das Igrejas vizinhas, vindos aqui para prestar homenagem ao novo Beato.

Dirijo uma deferente saudação ao Presidente da República e às Autoridades civis que nos quiseram honrar com a sua presença, tornando assim mais solene esta celebração.

2. O Evangelho hodierno, que fala da videira e dos ramos, recorda-nos que só permanecendo unidos a Cristo é que podemos produzir frutos. Jesus indica-nos assim o segredo da santidade de D. Anton Martin Slomsek, que hoje tenho a alegria de proclamar Beato. Ele foi um ramo que produziu abundantes frutos de santidade cristã, de singular riqueza cultural e de elevado amor pátrio. Por isto está hoje diante de nós como esplêndido exemplo de concreta actuação do Evangelho.

No novo Beato refulgem, antes de tudo, os valores da santidade cristã. Ao seguir as pegadas de Cristo, ele fez-se bom Samaritano do povo esloveno. Atento às exigências da formação do clero e dos fiéis, com zelo apostólico que ainda hoje serve de exemplo para nós, não cessou de evangelizar animando as missões populares, suscitando numerosas confrarias, pregando exercícios espirituais e difundindo cânticos populares e escritos religiosos. Ele foi, no sentido mais genuíno da expressão, um pastor católico, ao qual os Superiores eclesiásticos confiaram importantes tarefas pastorais, também noutras regiões do Estado de então.

Fiel e dócil à Igreja, Slomsek demonstrou-se profundamente aberto ao ecumenismo e foi um dos primeiros na Europa central a empenhar-se pela unidade dos cristãos. Possa o seu ardente desejo da unidade estimular o empenho ecuménico, a fim de que os cristãos desta Europa, que lhe foi querida, cheguem a cruzar o limiar do terceiro milénio "se não totalmente unidos, pelo menos muito mais perto de superar as divisões do segundo milénio" (Tertio millennio adveniente, 34).

1342 3. Grande foi depois a atenção que o novo Beato reservou à cultura. Tendo vivido na metade do século passado, estava perfeitamente cônscio da importância que tinha, para o futuro da Nação, a formação intelectual dos habitantes, em especial dos jovens. Por este motivo, uniu à acção pastoral o empenho na promoção da cultura, que é riqueza de uma nação e património de todos. A cultura constitui o húmus, do qual um povo pode haurir os elementos necessários para o próprio crescimento e desenvolvimento.

Convicto disto, Slomsek esforçou-se para abrir várias escolas a favor da juventude, e tornou possível a publicação de livros úteis para a formação humana e espiritual. Afirmava que se os jovens se corrompem, com frequência a culpa deve ser procurada na falta de uma adequada formação. A família, a escola e a Igreja ensinava devem unir os seus esforços num sério programa educativo, cada uma conservando a própria esfera de autonomia, mas todas tendo em conta os comuns valores.

Só com uma sólida formação é que se preparam mulheres e homens, capazes de construir um mundo aberto aos valores perenes da verdade e do amor.

4. O novo Beato foi animado também por profundos sentimentos de amor pátrio. Tutelou a língua eslovena, solicitou oportunas reformas sociais, promoveu a elevação cultural da Nação, empenhou-se de todos os modos para que o seu povo pudesse ocupar um lugar de honra no consenso das outras Nações europeias. E fê-lo sem jamais ceder a sentimentos de nacionalismos míopes ou de contraposição egoísta em relação às aspirações dos povos vizinhos.

O novo Beato é-vos proposto como modelo de patriotismo autêntico. As suas iniciativas marcaram de modo determinante o futuro do vosso povo e deram um importante contributo à obtenção da vossa independência. Ao dirigir o olhar para a querida região dos Balcãs, nestes anos infelizmente marcada por lutas e violências, por nacionalismos extremos, por atrozes purificações étnicas e por guerras entre povos e culturas, quereria indicar a todos o testemunho do novo Beato. Ele demonstra que é possível ser patriota sincero e, com igual sinceridade, viver juntamente com os demais e colaborar com pessoas de outras nacionalidades, de outras cultura se religiões. Possa o seu exemplo, e sobretudo a sua intercessão, obter solidariedade e paz autêntica para todos os povos desta vasta zona da Europa.

5. Caríssimos Irmãos e Irmãs da querida Eslovénia! Segui as pegadas deste vosso compatriota íntegro e generoso, que desejava conhecer a vontade de Deus e cumpri-la a qualquer preço. A sua firmeza interior e o seu optimismo evangélico estavam arraigados numa inabalável fé na vitória de Cristo sobre o pecado e o mal.

Imitai-o especialmente vós, caros jovens eslovenos, e como ele não hesiteis em dedicar as vossas jovens energias ao serviço do Reino de Deus e dos vossos irmãos. Para vós sacerdotes, ele seja modelo de zelosa operosidade e de espírito de sacrifício. Para vós, leigos responsáveis, de modo especial para vós que trabalhais nas instituições públicas, seja exemplo de honestidade, de serviço abnegado, de corajosa busca da justiça e do bem comum.

Sede construtores de paz também no interior da Europa! O processo de unificação, no qual o Continente está empenhado, não pode ser baseado somente em interesses económicos, mas deve haurir inspiração naqueles valores cristãos, nos quais aprofundam as suas mais antigas e autênticas raízes. Uma Europa atenta ao homem e ao pleno respeito pelos seus direitos, eis a meta para a qual dirigir os esforços! Possa a antiga Europa transmitir às novas gerações a chama da civilização humana e cristã, que iluminou os passos dos antepassados durante o milénio que está para terminar.

6. Nesta perspectiva, convido todos a orar pela próxima Assembleia do Sínodo dos Bispos, que se reunirá dentro de poucos dias para reflectir sobre Cristo, vivo na Igreja, fonte de esperança para a Europa. É uma ocasião importante para aprofundar a peculiar missão dos povos europeus no contexto das relações mundiais. Uma Europa, mestra de civilização, que sabe valorizar os recursos que lhe provêm do Ocidente e do Oriente.

É-me grato repetir as palavras proféticas, que Slomsek pronunciou durante uma missão popular: "Dizem: "O mundo envelheceu, o género humano está sem rumo, a Europa aproxima-se do fim". Pois bem: sim, se abandonarmos a humanidade ao seu caminho natural, à sua orientação fatal. Não, se a força proveniente do alto, que se conserva na religião de Jesus, na sua Igreja, se efundir de novo em todas as categorias do género humano e lhes restituir a vida".

Recolhamos do Beato Slomsek esta importante lição. Ele, corajoso servo de Cristo, nos ajude a ser ramos de vida imortal, que difundem por toda a parte o Evangelho da esperança e do amor.





NA MISSA DE ABERTURA DA


II ASSEMBLEIA ESPECIAL DO SÍNODO


DOS BISPOS PARA A EUROPA


1343
1° de Outubro de 1999



Venerados Irmãos no Episcopado
e no Sacerdócio
Caríssimos Irmãos e Irmãs

1. "Acercou-se deles o próprio Jesus e pôs-se com eles a caminho" (
Lc 24,15).
A narração evangélica dos discípulos de Emaús, que há pouco escutámos, constitui o ícone bíblico que serve de fundamento para esta II Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Europa. Iniciamo-la com esta solene concelebração eucarística, que tem como tema: "Jesus Cristo, vivo na sua Igreja, fonte de esperança para a Europa". Começamo-la confiando ao Senhor as expectativas e as esperanças que estão no coração de todos nós. Estamos congregados à volta do altar, em representação das Nações deste Continente, associados pelo desejo de tornar cada vez mais incisivos e concretos em todos os quadrantes da Europa o anúncio e o testemunho de Cristo vivo ontem, hoje e sempre.

É com grande alegria e afecto que ofereço a cada um de vós o meu fraterno abraço de paz. O Espírito convocou-nos para este importante evento eclesial que, dando continuidade à I Assembleia para a Europa, realizada em 1991, conclui a série dos Sínodos continentais em preparação para o Grande Jubileu do Ano 2000. Nas vossas pessoas, dirijo a minha cordial saudação às Igrejas locais das quais provindes.

2. "Jesus Cristo é o mesmo ontem e hoje, e será sempre o mesmo" (He 13,8). Como se sabe, é este o apelo constante que ressoa na Igreja que se encaminha rumo ao Grande Jubileu do Ano 2000.

Jesus Cristo é vivo na sua Igreja e, de geração em geração, continua a "acercar-se" do homem e a "caminhar" com ele. Especialmente nos momentos de prova, quando as desilusões correm o risco de fazer vacilar a confiança e a esperança, o Ressuscitado cruza as sendas da confusão humana e, mesmo quando não é conhecido, faz-se nosso companheiro de viagem.

Assim, em Cristo e na sua Igreja, Deus não cessa de colocar-se à escuta dos júbilos e das esperanças, das amarguras e das angústias da humanidade (cf. Constituição pastoral Gaudium et spes GS 1), à qual Ele quer fazer chegar também hoje o anúncio da sua amável solicitude. Foi isto que aconteceu no Concílio Vaticano II; este é inclusivamente o sentido das várias Assembleias continentais do Sínodo dos Bispos: Cristo ressuscitado, vivo na sua Igreja, caminha com o homem que vive na África, na América, na Ásia, na Oceânia e na Europa, para suscitar ou despertar de novo na sua alma a fé, a esperança e a caridade.

3. Com a Assembleia sinodal que hoje tem início, o Senhor quer dirigir ao povo cristão, peregrino nas terras compreendidas entre o Atlântico e os Urais, um vigoroso convite à esperança. Trata-se de uma exortação que hoje encontrou uma singular expressão nas palavras do Profeta: "Grita... Alegra-te... Rejubila!" (So 3,14). O Deus da Aliança conhece o coração dos seus filhos; Ele conhece as inumeráveis provações dolorosas que as nações europeias tiveram de padecer no decurso deste árduo e difícil século já próximo do ocaso.

1344 Ele, o Emanuel, o Deus connosco, foi crucificado nos "lagers" e nos "gulags", conheceu o sofrimento debaixo dos bombardeamentos, nas trincheiras, sofreu em toda a parte onde o homem, cada ser humano, foi humilhado, oprimido e violado na sua dignidade irrenunciável. Cristo padeceu a paixão nas inúmeras vítimas inocentes das guerras e dos conflitos que ensanguentaram as regiões da Europa. Ele conhece as graves tentações das gerações, que se preparam para cruzar o limiar do terceiro milénio: infelizmente, os entusiasmos suscitados pela derrocada das barreiras ideológicas e pelas revoluções pacíficas de 1989 parecem ter diminuído rapidamente no impacto com os egoísmos políticos e económicos, enquanto os lábios de muitas pessoas pronunciam as palavras desconsoladas dos dois discípulos no caminho de Emaús: "Esperávamos..." (Lc 24,21).

Neste particular contexto social e cultural, a Igreja sente o dever de renovar com vigor a mensagem de esperança que Deus lhe confiou. Com esta Assembleia, ela repete à Igreja: "Javé, teu Deus, o valente libertador, está no meio de ti!" (So 3,17). O seu convite à esperança não se funda numa ideologia utópica, como aquelas que nos últimos dois séculos terminaram por espezinhar os direitos do homem e de forma especial dos mais frágeis. Pelo contrário, trata-se da imorredoura mensagem da salvação proclamada por Cristo: o Reino de Deus está no meio de nós, convertei-vos e crede no Evangelho (cf. Mc Mc 1,15)! Com a autoridade que lhe advém do seu Senhor, a Igreja repete à Europa contemporânea: Europa do terceiro milénio, "não te acovardes!" (So 3,16); não cedas ao desencorajamento, não te resignes a formas de pensar e de viver desprovidas de futuro, porque não se fundamentam na sólida certeza da Palavra de Deus!

Europa do terceiro milénio, a ti e a todos os teus filhos a Igreja repropõe Cristo, único Medianeiro de salvação ontem, hoje e sempre (cf. Hb He 13,8). Propõe-te Cristo, verdadeira esperança do homem e da história. Propõe-no a ti não só e não tanto com as palavras, mas especialmente com o eloquente testemunho da santidade. De facto, com a sua existência assinalada pelas bem-aventuranças evangélicas, os Santos e as Santas constituem a vanguarda mais eficaz e crível da missão da Igreja.

4. Por isso, caríssimos Irmãos e Irmãs, na vigília do ano 2000, enquanto a inteira Igreja que está na Europa se encontra aqui representada da maneira mais digna, hoje tenho a alegria de proclamar três novas co-Padroeiras do continente europeu. Elas são: Santa Edith Stein, Santa Brígida da Suécia e Santa Catarina de Sena.

A Europa já vive sob a salvaguarda celeste de três grandes Santos: Bento de Núrsia, Pai do monaquismo ocidental, e dos dois irmãos Cirilo e Metódio, Apóstolos dos eslavos. A estas insígnes testemunhas de Cristo, quis associar outras três figuras femininas, também para sublinhar o importante papel que as mulheres desempenharam e desempenham na história eclesial e civil deste Continente até nos nossos dias.

Desde os seus alvores a Igreja, embora condicionada pelas culturas em que se inserira, sempre reconheceu a plena dignidade espiritual da mulher, a partir das singulares vocação e missão de Maria, Mãe do Redentor. Já desde o princípio, os cristãos dirigiam-se com fervor não inferior àquele reservado aos Santos a mulheres como Felicidade, Perpétua, Águeda, Lúcia, Inês, Cecília e Anastásia como atesta o Cânone romano.

5. As três Santas, escolhidas como co-Padroeiras da Europa, estão vinculadas de modo especial à história deste Continente. Proveniente de uma família judia, Edith Stein abandonou a brilhante carreira de estudiosa para ser monja carmelita com o nome de Teresa Benedita da Cruz, morreu no campo de extermínio de Auschwitz, e é símbolo dos dramas da Europa deste século. Brígida da Suécia e Catarina de Sena viveram no século XIV, trabalharam de forma indefessa pela Igreja, e tiveram a peito a sorte da Europa. Assim Brígida consagrou-se a Deus depois de ter vivido plenamente a vocação de esposa e mãe, percorreu a Europa do Norte ao Sul, trabalhou sem cessar pela unidade dos cristãos e faleceu em Roma. Humilde e impávida terciária dominicana, Catarina levou a paz à sua Sena, à Itália e à Europa de Trezentos, e prodigalizou-se em benefício da Igreja sem poupar energias, conseguindo obter o regresso do Papa de Avinhão a Roma.

As três Santas exprimem admiravelmente a síntese entre contemplação e acção. A sua vida e as suas obras testemunham com grande eloquência a força de Cristo ressuscitado, vivo na sua Igreja: força de amor generoso a Deus e ao homem, força de autêntica renovação moral e civil. Nestas novas Padroeiras, tão ricas de dádivas sob o ponto de vista quer sobrenatural quer humano, podem encontrar inspiração os cristãos e as comunidades eclesiais de todas as Confissões, assim como os cidadãos e os Estados europeus, sinceramente comprometidos na busca da verdade e do bem comum.

6. "Não ardia o nosso coração quando... [Ele] nos explicava as Escrituras?" (Lc 24,32).
Formulo cordiais bons votos por que os trabalhos sinodais nos façam reviver a experiência dos discípulos de Emaús que, repletos de esperança e de alegria por terem reconhecido o Senhor "na fracção do pão", regressaram a Jerusalém sem hesitações para narrar aos irmãos aquilo que acontecera ao longo do caminho (cf. Lc Lc 24,33-35).

Jesus Cristo conceda também a nós encontrá-lo e reconhecê-lo ao lado da Mesa eucarística, na comunhão dos corações e da fé. Permita-nos, também a nós, viver estas semanas de reflexão em profunda escuta do Espírito que fala às Igrejas na Europa. Torne-nos humildes e ardentes apóstolos da sua Cruz, como o foram os Santos Bento, Cirilo e Metódio, e as Santas Edith Stein, Brígida e Catarina.

1345 Imploramos a sua ajuda juntamente com a celeste intercessão de Maria, Rainha de todos os Santos e Mãe da Europa. Oxalá desta II Assembleia Especial para a Europa nasçam as directrizes para uma acção evangelizadora, atenta aos desafios e às expectativas das jovens gerações.
E Cristo possa ser um renovado manancial de esperança para os habitantes do "velho" continente, no qual ao longo dos séculos o Evangelho suscitou uma incomparável messe de fé, de amor operoso e de civilização.

Amém!





NO SOLENE RITO DE BEATIFICAÇÃO


3 de Outubro de 1999

1."A vinha do Senhor é o seu povo".


Há pouco, assim repetimos no Salmo responsorial. A hodierna liturgia da Palavra apresenta-nos a imagem da vinha e ressalta o amor que Deus tem pelo seu povo. Esta alegoria, presente tanto na primeira Leitura como no Evangelho, torna-se ainda mais eloquente neste tempo de Outono, quando se começa a vindima e se recolhem os frutos da terra antes do Inverno.

A vinha do Senhor é a casa de Israel, que na parábola evangélica abarca também os pagãos, precisamente aqueles "vinhateiros" a quem o dono confia a sua vinha. É desta forma que se delineia a missão da Igreja, povo da nova Aliança, chamado a dar frutos de verdade e de santidade.

Na celebração de hoje temos a alegria de ver elevados às honras dos altares seis fiéis operários da vinha do Senhor. Eles são: Fernando Maria Baccilieri, Eduardo João Maria Poppe, Arcângelo Tadini, Mariano de Roccacasale, Diego Oddi e Nicolau de Gesturi. Em tempos diversos e com diferentes modalidades, cada um deles empregou generosamente a própria vida ao serviço do Evangelho.

2. O presbítero Fernando Maria Baccilieri foi um zeloso operário na vinha do Senhor através do ministério paroquial, que exerceu com um estilo de vida íntegro. De pobre "pároco de aldeia", como gostava de se definir, orientou as almas através duma pregação vigorosa, na qual exprimia a sua profunda convicção interior. Desta forma, tornou-se ícone vivo do Bom Pastor.

Terciário da Ordem dos Servos de Maria, com uma devoção intensa e filial a Nossa Senhora, sobretudo à Virgem das Dores, quis inserir o nome de Maria no próprio título da família religiosa por ele fundada, as "Irmãs Servas de Maria de Galeazza". Agora o Beato Fernando Maria canta no céu, como escutámos no trecho do profeta Isaías, o seu "cântico de amor" pela vinha do Senhor (cf. Is Is 5,1).

3. "Cantarei para o meu amigo o cântico de amor pela sua vinha". Estas palavras do livro de Isaías, que acabámos de escutar, aplicam-se ao Padre Eduardo Poppe, que consagrou a sua vida a Cristo no ministério sacerdotal. Hoje, ele torna-se um modelo para os sacerdotes, sobretudo para os do seu país, a Bélgica. Convida-os a conformar a sua vida com a de Cristo Pastor, para serem "sacerdotes de fogo" como Ele, apaixonados por Deus e pelos seus irmãos. A acção pastoral só é verdadeiramente fecunda na contemplação. Ela alimenta-se do encontro íntimo com o divino Mestre, que une o ser interior em vista de cumprir a sua vontade. Convido os sacerdotes a fazerem sempre da Eucaristia o centro da sua existência e do seu ministério, como o Beato Poppe. Ao deixarem-se iluminar por Cristo, poderão transmitir a luz.

1346 Seguindo o exemplo do novo Beato, oxalá todas as pessoas que têm a missão catequética dediquem o tempo necessário ao encontro com Cristo! Através do seu ensinamento e das suas acções, elas darão testemunho do Evangelho, fá-lo-ão conhecer ao próximo, sobretudo aos jovens, que procuram a verdade e a fonte de vida, as exigências morais que levam ao bem-estar. O Padre Poppe, que conheceu a provação, dirige uma mensagem aos doentes, recordando-lhes que a oração e o amor de Maria são essenciais para o empenho missionário da Igreja. Peçamos ao Senhor que envie para a sua vinha sacerdotes à imagem do Beato Poppe!

4. "Quem permanecer em Mim e Eu nele, esse dará muito fruto" (Aclamação ao Evangelho).
A união a Cristo, o espírito de oração e a grande tensão ascética foram o segredo da extraordinária eficácia pastoral doutro generoso operário da vinha, o sacerdote Arcângelo Tadini, que hoje a Igreja inscreve no álbum dos Beatos. Ele aprendeu, na escola da Eucaristia, a partir o pão da Palavra de Deus, a praticar a caridade, a responder com arrojo pastoral aos desafios sociais e religiosos que assinalaram o final do século passado.

Precisamente porque todos os homens são de Deus, ele pôde ser também sacerdote dedicado de modo total aos homens. Naquela época, os necessitados que provinham do mundo do trabalho estimulavam o seu coração de pastor para a busca de novas modalidades de anúncio e de testemunho evangélico. O seu ideal de vida e a solidariedade por ele exercida em prol das camadas mais frágeis da sociedade continuam ainda hoje no empenho da Congregação religiosa por ele fundada, as Irmãs Operárias da Casa Santa de Nazaré.

5. No que se refere à vida e à espiritualidade do Beato Mariano de Roccacasale, religioso franciscano, pode-se dizer que elas se resumem emblematicamente nos votos do Apóstolo Paulo à comunidade cristã dos Filipenses: "O Deus da paz estará convosco!" (4, 9). A sua vida pobre e humilde, vivida nas pegadas de Francisco e de Clara de Assis, foi constantemente dedicada ao próximo, com o desejo de ouvir e partilhar os sofrimentos de todos, para depois os apresentar ao Senhor nas longas horas transcorridas em adoração diante da Eucaristia.

O Beato Mariano levou a toda a parte a paz, que é dom de Deus. O seu exemplo e a sua intercessão nos ajudem a redescobrir o valor fundamental do amor de Deus e o dever de o testemunhar na solidariedade para com os pobres. Ele é para nós exemplo, sobretudo no exercício da hospitalidade, tão importante no actual contexto histórico e social e principalmente significativo na perspectiva do Grande Jubileu do Ano 2000.

6. A mesma espiritualidade franciscana, centrada numa vida evangelicamente pobre e simples, distingue Frei Diego Oddi, que hoje contemplamos no coro dos Beatos. Na escola de São Francisco, ele aprendeu que nada pertence ao homem a não ser os vícios e os pecados e que tudo o que a pessoa humana possui, na realidade é dom de Deus (cf. Regra não selada XVII, em Fontes Franciscanas, 48). Desta forma aprendeu a não se angustiar inutilmente, mas a expor a Deus "orações, súplicas e agradecimentos" por todas as necessidades, como escutámos do apóstolo Paulo na segunda Leitura (cf. Fl
Ph 4,6).

Durante o seu longo serviço de esmoleiro, foi autêntico anjo de paz e bem para todas as pessoas que o encontravam, sobretudo porque sabia ir ao encontro das necessidades dos mais pobres e provados. Com o seu testemunho jubiloso e sereno, com a sua fé genuína e convicta, com a sua oração e o seu incansável trabalho o Beato Diego indica as virtudes evangélicas, que são a via-mestra para alcançar a paz.

7. "A pedra que os construtores deixaram de lado tornou-se a pedra mais importante" (Mt 21,42).

Estas palavras, que no Evangelho Jesus aplicava a Si próprio, recordam o mistério da submissão e da humilhação do Filho de Deus, fonte da nossa salvação. E o pensamento dirige-se, naturalmente, ao Beato Nicolau de Gesturi, capuchinho, que encarnou de maneira singular na sua existência esta misteriosa realidade. Homem do silêncio, ele irradiava em seu redor uma auréola de espiritualidade e de grande chamada ao absoluto. Denominado pelo povo com o afectuoso apelido de "Frei Silêncio", Nicolau de Gesturi apresentava-se com uma atitude que era mais eloquente do que as palavras: libertado do supérfluo e em busca do essencial, não se deixava distrair pelas coisas inúteis e prejudiciais, querendo ser testemunha da presença do Verbo Encarnado ao lado de cada homem.

Num mundo muitas vezes cheio de palavras e pobre de valores, há necessidade de homens e mulheres que, como o beato Nicolau de Gesturi, ressaltem a urgência de recuperar a capacidade do silêncio e da escuta, para que toda a vida se torne um "cântico" de louvor a Deus e de serviço aos irmãos.

1347 8. "Cantarei em nome do meu amigo o canto do seu amor pela sua vinha" (Is 5,1). Ao contemplar os prodígios que Deus realizou nestes nossos irmãos, o nosso espírito abre-se ao louvor e ao agradecimento. Damos-Vos graças, Senhor, pelo dom destes novos Beatos. Nas suas vidas, inteiramente dedicadas ao serviço do vosso Reino, admiramos os abundantes frutos de bem que realizastes neles e através deles.

Oxalá os seus exemplo e intercessão nos estimulem a imitá-los, para que também nós, com a nossa fidelidade ao Evangelho, glorifiquemos Aquele que é "fonte de todo o bem" (cf. Colecta).

Maria, Rainha de todos os Santos, interceda por nós; nos amparem e encoragem os beatos Fernando Maria Baccilieri, Eduardo João Maria Poppe, Arcângelo Tadini, Mariano de Roccacasale, Diego Oddi e Nicolau de Gesturi, que contemplamos na tua glória celeste.
Amém!





NA VISITA À PARÓQUIA ROMANA


DE SANTA CATARINA DE SENA


Domingo, 10 de Outubro de 1999


1. "O reino dos céus é comparável a um rei que preparou um banquete nupcial" (Mt 22,2).

No Evangelho, que há pouco foi proclamado, Jesus descreve o Reino de Deus como um grande banquete nupcial, com abundância de alimentos e bebidas, num clima de alegria e de festa para todos os convidados. Ao mesmo tempo, Jesus sublinha a necessidade do traje nupcial (cf. ibid., v. 11), isto é, a necessidade de respeitar as condições requeridas pela participação nesta festa solene.

A imagem do banquete está presente também na primeira leitura, tirada do Livro do profeta Isaías, onde são ressaltados a universalidade do convite "para todos os povos" (cf. 25, 6) e o desaparecimento de todo o sofrimento e dor: "O Senhor Deus enxugará as lágrimas de todas as faces" (cf. ibid., v. 8).

Trata-se das grandes promessas de Deus, que se realizaram na redenção operada por Cristo e que a Igreja, na sua missão evangelizadora, anuncia e oferece a todos os homens. A comunhão de vida com Deus e com os irmãos, que por obra do Espírito Santo se actua na existência dos crentes, tem o seu centro no Banquete eucarístico, fonte e ápice de toda a experiência cristã. Isto é-nos recordado pela liturgia todas as vezes que nos preparamos para receber o Corpo de Cristo. Antes da Comunhão o Sacerdote dirige-se aos fiéis com estas palavras: "Felizes os convidados para a Ceia do Senhor". Sim! Somos deveras felizes, porque fomos convidados para o eterno Banquete da salvação, preparado por Deus para o mundo inteiro.

2. Caríssimos Irmãos e Irmãs da Paróquia de Santa Catarina de Sena! Ao vir neste dia entre vós, retomo as minhas habituais visitas pastorais às paróquias de Roma. Agradeço ao Senhor que me oferece a oportunidade de me entreter com a vossa Comunidade paroquial, dedicada a Santa Catarina de Sena. Como bem sabeis, por ocasião da abertura do Sínodo dos Bispos para a Europa, há alguns dias tive a alegria de a proclamar, juntamente com Brígida da Suécia e Edith Stein, co-Padroeiras do Continente europeu. A ela e às outras Santas Padroeiras da Europa, renovo a consagração dos trabalhos da Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos e o empenho da nova evangelização no nosso Continente.

Ao desejar que cresçais sob a constante protecção de Santa Catarina, saúdo a todos com alegria. Saúdo o Cardeal Vigário, o Arcebispo Vice-Gerente, o vosso querido Pároco, Mons. Aldo Zega, e os Sacerdotes colaboradores. Dirijo um cordial pensamento às Comunidades geminadas com a vossa Paróquia e, em particular, à de Trieste, hoje aqui presente com uma significativa delegação. Saúdo os membros dos numerosos grupos paroquiais e todos os que oferecem a sua colaboração às várias actividades formativas, socioculturais e caritativas da Paróquia.


Homilias JOÃO PAULO II 1339