Homilias JOÃO PAULO II 1374

1374 Saúdo o Senhor Presidente da Câmara Municipal, as Autoridades e os representantes da Administração pública, que quiseram estar aqui presentes. Saúdo os romanos, os peregrinos e quantos, através da televisão, se unem a nós para este evento de grande relevância histórica e espiritual.

2. Depois de ter aberto nesta noite a Porta Santa na Basílica do Vaticano, acabei de abrir a Porta Santa desta Basílica lateranense, "omnium Ecclesiarum Urbis et Orbis Mater et Caput", Mãe e Cabeça de todas as Igrejas de Roma e do mundo, e Catedral do Bispo de Roma. Aqui, em 1300 o Papa Bonifácio VIII deu solene início ao primeiro Ano Santo da história. Aqui, no Jubileu de 1423, o Papa Martinho V abriu pela primeira vez a Porta Santa. Este é o âmago daquela especial dimensão da história da salvação, vinculada à graça dos Jubileus, e aqui reside a memória histórica da Igreja de Roma.

Entrámos por esta Porta, que representa Cristo mesmo: com efeito, só Ele é o Salvador enviado por Deus Pai, que nos faz passar do pecado à graça, introduzindo-nos na plena comunhão que O une ao Pai no Espírito Santo.

Damos graças a Deus, rico de misericórdia, que entregou o seu Filho único como Redentor do homem.

3. Poderíamos dizer que o rito desta tarde adquire uma dimensão mais familiar. Efectivamente, é a família diocesana que empreende o seu caminho jubilar, em especial unidade com as Igrejas espalhadas pelo mundo inteiro. Ela preparou-se desde há muito tempo para este grandioso evento, primeiro através do Sínodo e depois mediante a Missão da Cidade. A devota participação da Cidade e de toda a Diocese testemunha que Roma está consciente da missão de solicitude universal e de exemplaridade na fé e no amor que a Providência de Deus lhe confiou. Roma sabe bem que se trata de um serviço cuja raiz está no martírio dos Apóstolos Pedro e Paulo, e encontrou sempre um renovado alimento no testemunho da plêiade de mártires, Santos e Santas que caracterizaram a história desta nossa Igreja.

Caríssimos Irmãos e Irmãs! O Ano Santo que hoje tem início chama também nós a percorrer esta vereda. Exorta-nos a responder com alegria e generosidade ao apelo à santidade, para sermos cada vez mais sinal de esperança na sociedade hodierna, encaminhada rumo ao terceiro milénio.
4. No decurso do Ano Santo, não poucas serão as ocasiões que hão-de permitir aos fiéis aprofundar melhor este compromisso religioso, intimamente ligado ao itinerário jubilar.
Em primeiro lugar o Jubileu diocesano, que se realizará no domingo 28 de Maio, na Praça de São Pedro.

Outro evento, confiado de modo peculiar à Diocese de Roma, é o Congresso Eucarístico Internacional que, se Deus quiser, se há-de realizar de 18 a 25 de Junho.

5. O terceiro encontro de grande relevo é a XV Jornada Mundial da Juventude.
Ao lado dos jovens encontram-se as famílias. O meu pensamento dirige-se ao Encontro Mundial das Famílias, que terá lugar nos dias 14-15 de Outubro de 2000.

1375 Portanto, os encontros que nos esperam são numerosos e significativos! Confiemos todos à materna intercessão de Maria, Saúde do Povo Romano. Oxalá Ela nos acompanhe e guie os nossos passos para que este ano seja um tempo de extraordinária graça espiritual e de renovação social.

6. Igreja de Roma, hoje o Senhor visita-te para abrir diante de ti este ano de graça e de misericórdia! Cruzando em humilde peregrinação a soleira da Porta Santa, acolhe as dádivas do perdão e do amor. Cresce na fé e no impulso missionário: esta é a primeira herança dos Apóstolos Pedro e Paulo. Quantas vezes ao longo da tua história bimilenária experimentaste as maravilhas do advento de Cristo, que te fez mãe na fé e farol de civilização para muitos povos! O grande Jubileu, mediante o qual te preparas para dar início ao novo milénio te confirme, Roma, na alegria de seguir fielmente o teu Senhor e te conceda um desejo sempre ardente de anunciar o seu Evangelho. Este é o peculiar contributo que deves oferecer à construção de uma era de justiça, paz e santidade.

Amém!



PRIMEIRAS VÉSPERAS DA SOLENIDADE

DE MARIA SANTÍSSIMA MÃE DE DEUS

E RECITAÇÃO DO "TE DEUM"


Basílica de São Pedro

31 de Dezembro de 1999

1. "Ao chegar a plenitude dos tempos, Deus enviou o Seu Filho, nascido de mulher" (Ga 4,4).


O que é "a plenitude dos tempos" de que fala o Apóstolo? A experiência faz-nos constatar que o tempo passa inexorável. Ao correr do tempo estão submetidas todas as criaturas; somente o homem, porém, se dá conta do próprio passar no tempo. Ele percebe que ao fluir dos dias está ligada a sua história pessoal.

Consciente do próprio "passar", a humanidade escreve a sua história: a história dos indivíduos, dos Estados e dos continentes, das culturas e das religiões. Nesta tarde perguntamo-nos: o que sobretudo caracterizou o milénio que agora caminha para o final? Como se apresentava, há mil anos, a geografia dos países, a situação dos povos e das nações? Quem sabia então da existência de outro grande continente a Oeste do Oceano Atlântico? O descobrimento da América, que deu início a uma nova era na história da humanidade, constitui sem dúvida um elemento qualificante na avaliação do milénio que termina.

Também este último século foi caracterizado por profundas e às vezes rápidas transformações, que incidiram na cultura e nas relações entre os povos. Basta pensar nas duas oprimentes ideologias, responsáveis por inúmeras vítimas, que nelas se consumiram. Quantos sofrimentos, quantos dramas! Mas também quantas conquistas exaltantes! Estes anos, confiados pelo Criador à humanidade, trazem consigo os sinais dos esforços do homem, das suas derrotas e vitórias (cf. Gaudium et spes GS 2).

O perigo maior, nesta viragem de época, talvez seja que "muitíssimos dos nossos contemporâneos são incapazes de discernir os valores verdadeiramente perenes e de os harmonizar com os novamente descobertos" (Gaudium et spes GS 4). Eis um grande desafio para nós, homens e mulheres que nos preparamos para entrar no Ano 2000.

2. "Ao chegar a plenitude dos tempos!". A liturgia fala-nos da "plenitude dos tempos" e ilumina-nos sobre o conteúdo dessa "plenitude". Na história da grande família humana, Deus quis introduzir o seu Verbo eterno, fazendo com que Ele assumisse uma humanidade como a nossa. Foi mediante o evento sublime da Encarnação que o tempo humano e cósmico atingiu a própria plenitude: "Ao chegar a plenitude dos tempos, Deus enviou o Seu Filho, nascido de mulher... para que recebêssemos a adopção de filhos" (Ga 4,4-5). Eis o grande mistério: a Palavra eterna de Deus, Verbum Patris, tornou-se presente nos eventos de que se compõe a história terrena do homem. Com a encarnação do Filho de Deus, a eternidade entrou no tempo, a história do homem abriu-se a uma transcendente realização no absoluto de Deus.

1376 Assim é oferecida ao homem uma perspectiva impensável: ele pode aspirar a ser filho no Filho, herdeiro com Ele do mesmo destino de glória. A peregrinação da vida terrena é, portanto, um caminho que acontece no tempo de Deus. A meta é o próprio Deus, plenitude do tempo na eternidade.

3. Aos olhos da fé, o tempo reveste-se assim de um significado religioso, e isto mais ainda no decurso do Ano jubilar há pouco iniciado. Cristo é o Senhor do tempo. Cada instante do tempo humano está sob o sinal da redenção do Senhor que entrou, uma vez para sempre, na "plenitude dos tempos" (cf. Tertio millennio adveniente, 10). Nesta perspectiva, damos graças a Deus por aquilo que aconteceu no decurso deste ano, deste século e deste milénio. De modo especial, queremos agradecer os constantes progressos no mundo do espírito. Damos graças pelos santos deste milénio: os que foram elevados às honras dos altares e aqueles, ainda mais numerosos, a nós desconhecidos, que tornaram santo o tempo com a sua fiel adesão à vontade de Deus. Damos graças também por todas as conquistas e os sucessos conseguidos pela humanidade, nos campos científico e técnico, artístico e cultural.

No que se refere à Diocese de Roma, queremos dar graças pelo itinerário espiritual percorrido nos anos passados e pela realização da Missão da Cidade em vista do Grande Jubileu. Volto a pensar na noite de 22 de Maio, vigília do Pentecostes, para que esta singular experiência pastoral se torne, no novo milénio, forma e modelo da vida e da pastoral da Igreja, em Roma e em tantas outras cidades e regiões do mundo, ao serviço da nova evangelização.

Ao elevarmos a nossa gratidão a Deus, sentimos ao mesmo tempo a necessidade de implorar a misericórdia sobre o milénio que termina. Pedimos perdão porque não raro, infelizmente, as conquistas da técnica e da ciência, tão importantes para o autêntico progresso humano, foram usadas contra o homem: Miserere nostri, Domine, miserere nostri!

4. Transcorreram dois mil anos desde que "o Verbo Se fez homem e habitou entre nós, e nós vimos a Sua glória, glória que Lhe vem do Pai, como Filho único cheio de graça e de verdade" (
Jn 1,14). Por isto, eleva-se em coro o cântico do nosso louvor reconhecido: Te Deum laudamus.
Nós Vos louvamos, Deus da vida e da esperança.

Nós Vos louvamos, Cristo, Rei da glória, Filho eterno do Pai.
Vós, nascido da Virgem Mãe, sois o nosso Redentor, tornastes-Vos nosso irmão para a salvação do homem e vireis na glória para julgar o mundo no final dos tempos.

Vós, Cristo, fim da história humana, sois o ponto focal das expectativas de todo o ser humano.
A Vós pertencem os anos e os séculos. Vosso é o tempo, ó Cristo, que sois o mesmo ontem, hoje e sempre.

Amém!





1377

                                                         Giubileo 2000



SOLENIDADE DA SANTÍSSIMA MARIA MÃE DE DEUS

DIA MUNDIAL DA PAZ



NA ABERTURA DA PORTA SANTA


DA BASÍLICA DE SANTA MARIA MAIOR


Sábado, 1° de Janeiro de 2000




1. "Quando chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho. Ele nasceu de uma mulher" (Ga 4,4).

Ontem à tarde detivemo-nos para meditar sobre o significado destas palavras de Paulo, tiradas da Carta aos Gálatas, e perguntámo-nos em que consiste a "plenitude dos tempos" de que ele fala, em relação aos processos que assinalam o caminho do homem ao longo da história. O momento que estamos a viver é mais denso de significado do que nunca: à meia-noite o ano de 1999 entrou no passado, cedeu o caminho a um novo ano. Eis-nos agora, desde há poucas horas, no ano 2000!

O que isto significa para nós? Começa-se a escrever outra página da história. Ontem à tarde dirigimos o nosso olhar para o passado, para o modo como era o mundo quando iniciava o segundo milénio. Hoje, dando início ao ano 2000, não podemos deixar de nos interrogar acerca do futuro: que direcção tomará a grande família humana nesta nova etapa da própria história?

2. Tendo em conta um novo ano que começa, a hodierna liturgia formula a todos os homens de boa vontade os votos com as seguintes palavras: "Javé te mostre o seu rosto e te conceda a paz!" (Nb 6,26).

O Senhor te conceda a paz! Eis os bons votos que a Igreja apresenta à inteira humanidade, no primeiro dia do ano novo, consagrado à celebração do Dia Mundial da Paz. Na Mensagem para essa Jornada recordei algumas condições e urgências, em vista de consolidar o caminho da paz a nível internacional. Um caminho infelizmente sempre ameaçado, como no-lo recordam os dolorosos eventos que várias vezes assinalaram a história do século XX. Por isso devemos, hoje mais do que nunca, desejar a paz em nome de Deus: o Senhor te conceda a paz!

Neste momento, penso no encontro de oração pela paz que, em Outubro de 1986, viu reunidos em Assis os representantes das principais religiões do mundo. Estávamos ainda no período da chamada "guerra fria": reunidos, rezámos para esconjurar a grave ameaça de um conflito que parecia incumbir sobre a humanidade. Num certo sentido, demos voz à prece de todos e Deus acolheu a súplica dos seus filhos. Embora tenhamos testemunhado o início de perigosos conflitos locais e regionais, foi-nos contudo poupado o grande conflito mundial que se anunciava no horizonte. Eis por que, ao cruzarmos o limiar do novo milénio, nos apresentamos reciprocamente com maior consciência os bons votos de paz: Javé te mostre o seu rosto. Ano 2000 que vens ao nosso encontro, Cristo te conceda a paz!

3. "A plenitude dos tempos!". São Paulo afirma que esta "plenitude" se realizou quando Deus "enviou o seu Filho. Ele nasceu de uma mulher" (Ga 4,4). Hoje, oito dias depois da Natividade, primeiro dia do ano novo, evocamos de maneira especial a "Mulher" de que o Apóstolo fala, a Mãe de Deus. Ao dar à luz o Filho eterno do Pai, Maria contribuiu para a obtenção da plenitude dos tempos; contribuiu de forma singular para fazer com que o tempo humano alcançasse a medida da sua plenitude na Encarnação do Verbo.

Neste dia tão significativo, tive a alegria de abrir a Porta Santa nesta veneranda Basílica Liberiana, a primeira no Ocidente dedicada à Virgem Mãe de Cristo. A uma semana do solene rito realizado na Basílica de São Pedro, hoje é como se as comunidades eclesiais de todas as nações e continentes se reunissem idealmente aqui, sob o olhar da Mãe, para cruzar a soleira da Porta Santa que é Cristo.

Efectivamente é a Ela, Mãe de Cristo e da Igreja, que desejamos confiar o Ano Santo há pouco iniciado, a fim de que proteja e encorage o caminho de quantos se fazem peregrinos neste tempo de graça e de misericórdia (cf. Incarnationis mysterium, 14).

1378 4. A Liturgia da hodierna solenidade possui um carácter profundamente mariano, não obstante nos textos bíblicos isto se manifeste de forma bastante sóbria. O trecho do evangelista Lucas como que resume aquilo que escutámos na noite de Natal. Ali narra-se que os pastores foram a Belém e encontraram Maria e José, e o Menino na manjedoura. Depois de O terem visto, referiram aquilo que lhes tinha sido dito acerca d'Ele. E todos se admiraram ao ouvirem a narração dos pastores. "Maria, porém, conservava todos estes factos e meditava sobre eles no seu coração" (Lc 2,19).

Vale a pena deter-se nesta frase que exprime um aspecto admirável da maternidade de Maria. Num certo sentido, o inteiro ano litúrgico segue as pegadas desta maternidade, a começar pela Solenidade da Anunciação, a 25 de Março, precisamente nove meses antes da Natividade. No dia da Anunciação, Maria ouviu as palavras do anjo: "Eis que vais ficar grávida, terás um Filho e dar-lhe-ás o nome de Jesus... O Espírito Santo virá sobre ti e o poder do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra. Por isso, o Santo que vai nascer de ti será chamado Filho de Deus" (Lc 1,31 Lc 1,35). E respondeu: "Faça-se em mim segundo a tua palavra" (Ibid., v. 38).

Maria concebeu por obra do Espírito Santo. Como todas as mães, trouxe no próprio seio Aquele que só Ela sabia que se tratava do Filho unigénito de Deus. Deu-O à luz na noite de Belém. Assim tiveram início a vida terrena do Filho de Deus e a sua missão de salvação na história do mundo.


5. "Maria... conservava todos estes factos e meditava sobre eles no seu coração".Como se surpreender que a Mãe de Deus se recordasse de tudo isto de modo singular, ou melhor, único?

Cada mãe possui uma análoga consciência do início de uma nova vida nela. A história de cada homem está inscrita em primeiro lugar no coração da própria mãe. Não admira que a mesma coisa se tenha verificado em relação à vicissitude terrena do Filho de Deus.

"Maria... conservava todos estes factos e meditava sobre eles no seu coração".

Hoje, primeiro dia do ano novo, no início de um novo ano deste novo milénio, a Igreja evoca esta experiência interior da Mãe de Deus. Fá-lo não só meditando os eventos de Belém, de Nazaré e de Jerusalém, ou seja, as várias etapas da existência terrena do Redentor, mas também considerando tudo aquilo que a sua vida, morte e ressurreição suscitaram na história do homem.
Maria esteve presente com os Apóstolos no dia do Pentecostes, participando directamente no nascimento da Igreja. Desde então, a sua maternidade acompanha a história da humanidade redimida, o caminho da grande família humana, destinatária da obra da Redenção.

No início do ano 2000, enquanto progredimos no tempo jubilar, confiamos nesta tua "recordação" materna, ó Maria! Colocamo-nos neste singular itinerário da história da salvação, que se conserva vivo no teu coração de Mãe de Deus. Confiamos a ti os dias do novo ano, o futuro da Igreja, da humanidade e do universo inteiro.

Maria, Mãe de Deus, Rainha da Paz, vigia sobre nós!

Maria, Salus Populi Romani, roga por nós!

Amém.





CAPELA PAPAL PARA A ORDENAÇÃO DOS BISPOS

NA SOLENIDADE DA EPIFANIA DO SENHOR




1379
6 de Janeiro de 2000

1. "Levanta-te, [Jerusalém], e resplandece, chegou a tua luz; a glória do Senhor levanta-se sobre ti" (Is 60,1).


O profeta Isaías dirige o olhar para o futuro. Ele não contempla o futuro profano. Iluminado pelo Espírito, volta o seu olhar para a plenitude dos tempos, para a realização do desígnio de Deus no tempo messiânico.

O oráculo que o profeta pronuncia refere-se à Cidade santa, que ele vê resplandecente de luz: "Olha: a noite cobre a terra e a escuridão os povos; mas sobre ti levantar-se-á o Senhor, a sua glória te iluminará" (Ibid., v. 2). Foi precisamente isto que aconteceu com a Encarnação do Verbo de Deus. Com Ele, "a luz vinda ao mundo a todo o homem ilumina" (Jn 1,9). Afinal, o destino de cada um é decidido tendo como base a aceitação ou a rejeição desta luz: com efeito, nela reside a vida dos homens (cf. Jo Jn 1,4).

2. A luz que apareceu no Natal alarga hoje a amplitude do seu raio: é a luz da Epifania de Deus. Já não são apenas os pastores de Belém que a vêem e a seguem, mas também os Reis Magos que, tendo partido do Oriente, chegaram a Jerusalém para adorar o Rei que tinha nascido (cf. Mt Mt 2,1-2). Com os Magos estão as nações, que iniciam o seu caminho em direcção à Luz divina.

Hoje, ao escutar a sua descrição contida no Evangelho de Mateus, a Igreja celebra esta Epifania salvífica. A célebre narração dos Magos, vindos do Oriente em busca d'Aquele que devia nascer, inspirou desde sempre também a piedade popular, tornando-se um elemento tradicional do presépio.

A Epifania é um evento e, ao mesmo tempo, um símbolo. O evento é descrito de maneira pormenorizada pelo Evangelista. O significado simbólico, ao contrário, foi descoberto de modo gradual, à medida que o acontecimento se tornava objecto de meditação e de celebração litúrgica por parte da Igreja.

3. Após dois mil anos, onde quer que se celebre a Epifania, a Comunidade eclesial haure desta preciosa tradição litúrgica e espiritual elementos de reflexão sempre novos.

Aqui em Roma, segundo um costume ao qual quis permanecer fiel desde o início do meu Pontificado, celebramos este mistério consagrando alguns Bispos. Esta tradição possui a sua intrínseca eloquência teológica e pastoral, e é com alegria que hoje a introduzimos no terceiro milénio.

Caríssimos Irmãos que daqui a pouco sereis consagrados, vós provindes de diversas nações e representais a universalidade da Igreja que adora o Verbo encarnado para a nossa salvação. Cumprem-se assim as palavras do Salmo responsorial: adorar-Vos-ão, Senhor, todos os povos da terra.

A nossa Assembleia litúrgica exprime de modo singular esta índole católica da Igreja, graças também a vós, estimados Bispos eleitos. De facto, em torno de vós reúnem-se idealmente os fiéis das várias partes do mundo, para as quais sois enviados como sucessores dos Apóstolos.

1380 4. Alguns de vós exercerão a missão de Núncios Apostólicos:

tu, Mons. Józef Wesolowski, na Bolívia; tu, Mons. Giacomo Guido Ottonello, no Panamá; tu, Mons. George Panikulam, em Honduras; e tu, Mons. Alberto Bottari De Castello, no Gâmbia, Guiné, Libéria e Serra Leoa. Nesses Países sereis os Representantes pontifícios ao serviço das Igrejas locais e do autêntico progresso humano dos respectivos povos.

Tu, Mons. Ivo Baldi, guiarás a Diocese de Huaraz, no Peru. Tu, Mons. Gabriel Mbilingi, foste escolhido como Bispo Coadjutor de Lwena, em Angola; e tu, Mons. David Laurin Ricken, como Bispo Coadjutor de Cheyenne, nos Estados Unidos da América.

A Ordenação episcopal confirma e revigora-te, Mons. Anton Cosa, no serviço de Administrador Apostólico da Moldova, e tu, Mons. Giuseppe Pasotto, como Administrador Apostólico do Cáucaso.

Tu, Mons. András Veres, serás Auxiliar do Arcebispo de Eger, na Hungria; e tu, Mons. Péter Erdö, Auxiliar do Pastor de Székesfehérvár, também na Hungria.

Quanto a ti, Mons. Franco Croci, darás continuidade à tarefa de Secretário da Prefeitura dos Assuntos Económicos da Santa Sé.

Recordai-vos constantemente da graça deste dia da Epifania! A luz de Cristo brilhe sempre nos vossos corações e no vosso ministério pastoral.

5. A Liturgia hodierna exorta-nos à alegria. Há motivo para isto: a luz, que brilhou com a estrela do Natal para guiar os Magos do Oriente até Belém, continua a orientar pelo mesmo caminho os povos e as nações do mundo inteiro.

Damos graças pelos homens e mulheres que percorreram este caminho de fé ao longo dos últimos dois mil anos. Louvamos a Cristo, Lumen gentium, que os guiou e continua a orientar os Povos que caminham na história!

A Ele, Senhor do tempo, Deus de Deus, Luz da Luz, dirijamos com confiança a nossa súplica. O seu astro, a estrela da Epifania, não cesse de brilhar nos nossos corações, indicando aos homens e povos do terceiro milénio o caminho da verdade, do amor e da paz. Amém!



SANTA MISSA E ADMINISTRAÇÃO DO SACRAMENTO DO BAPTISMO




Domingo, 9 de Janeiro de 2000




1381 1. "Tu és o meu Filho amado; em Ti encontro o meu agrado" (Mc 1,11).

Estas palavras, recordadas pelo evangelista Marcos, levam-nos directamente ao centro da hodierna festa do Baptismo do Senhor, que encerra o tempo do Natal. Comemoramos hoje a manifestação do mistério do amor trinitário, que se verificou precisamente no início da actividade pública do Messias.

Em Belém, na noite santa, Jesus nasceu entre nós na pobreza duma gruta; no dia da Epifania, os Reis Magos reconheceram-n'O como o esperado Messias dos povos; hoje, toda a atenção se concentra na sua pessoa e missão. O Pai fala-lhe directamente: "Tu és o meu Filho amado", e ao mesmo tempo o céu abre-se e o Espírito desce sobre Ele em forma de pomba (cf. Mc Mc 1,10-11). Por conseguinte, a cena nas margens do Jordão apresenta a solene proclamação de Jesus como Filho de Deus. Desta forma tem início publicamente a sua missão salvífica.

2. O Baptismo, recebido pelo Senhor, realiza-se no contexto da pregação penitencial de João Baptista. O gesto ritual de se imergir na água, proposto pelo Precursor, era um sinal exterior do arrependimento dos pecados cometidos e do desejo duma renovação espiritual.

Tudo isto remete para o sacramento cristão do Baptismo, que daqui a pouco terei a alegria de administrar a estas crianças, e que já recebemos há tanto tempo. O Baptismo inseriu-nos na própria vida de Deus, fazendo-nos seus filhos adoptivos, no seu unigénito "Filho predilecto".

Como não agradecer ao Senhor, que hoje chama estas 18 crianças a tornarem-se suas filhas em Cristo? Circundemo-las com a nossa oração e o nosso afecto. Elas provêm da Itália, Brasil, Espanha, Estados Unidos e Suíça. Acolhamo-las com grande alegria na Comunidade cristã, que a partir de hoje é realmente a sua família. Com elas, é-me grato dirigir a mais cordial saudação aos pais, padrinhos e madrinhas que apresentam estes meninos diante do altar. Agradeçamos ao Senhor o dom da sua vida e ainda mais a dádiva do seu renascimento espiritual.

3. É mais sugestivo do que nunca administrar o sacramento do Baptismo nesta Capela Sistina, na qual maravilhosas obras de arte nos repropõem os prodígios da história da salvação, desde as origens do homem até ao juízo final. É ainda mais significativo contemplar estes sinais da açcão de Deus na nossa vida ao longo do Ano jubilar, completamente centrado no mistério de Cristo, nascido, morto e ressuscitado para nós.

Faço votos por que estas crianças cresçam na fé que hoje recebem, de forma a poderem depressa participar activamente na vida da Igreja.

A vós, queridos pais, que viveis este importante momento com intensa emoção, peço que renoveis os empenhos da vocação baptismal. Desta forma, estareis mais preparados para enfrentar a tarefa de primeiros educadores na fé dos vossos filhos. Estas crianças deverão encontrar em vós, bem como nos padrinhos e nas madrinhas, um apoio e uma orientação no caminho da fidelidade a Cristo e ao Evangelho. Sede para eles exemplos de fé sólida, de oração profunda e de empenho activo na vida eclesial.

Maria, Mãe de Deus e da Igreja, acompanhe os primeiros passos dos recém-baptizados. Que Ela os proteja sempre juntamente com os seus pais, padrinhos e madrinhas. Ajude cada um deles a crescer no amor a Deus e na alegria de servir o Evangelho, para desta forma dar pleno sentido à própria vida.





JUBILEU DA VIDA CONSAGRADA


Terça-feira, 2 de Fevereiro de 2000

1382
Caríssimos Irmãos e Irmãs!


1. "Residia em Jerusalém um homem chamado Simeão; era justo e piedoso, esperava a consolação de Israel e o Espírito Santo estava nele... Havia também uma profetiza, Ana" (
Lc 2,25-26 Lc 2,36).

Estas duas figuras, Simeão e Ana, acompanhavam a apresentação de Jesus no templo de Jerusalém. O evangelista ressalta que cada um deles, a seu modo, precede o evento. Num e noutra se exprime a expectativa da vinda do Messias. Ambos trazem de algum modo em si o mistério do templo de Jerusalém. Por isso, ambos estão presentes nele - de maneira que se pode dizer providencial - no momento em que os Pais trazem ali Jesus, quarenta dias depois do nascimento, para O oferecer ao Senhor.

Simeão e Ana representam a expectativa de todo o Israel. A eles é dado encontrar-se com Aquele que os profetas desde há séculos haviam prenunciado. Iluminados pelo Espírito Santo, os dois anciãos reconhecem no Menino o Messias esperado, que Maria e José, em cumprimento das prescrições da Lei do Senhor, tinham levado ao templo.

As palavras de Simeão têm tons proféticos: o ancião olha para o passado e prenuncia o futuro. Ele diz: "Agora, Senhor, podes deixar o Teu servo partir em paz, segundo a Tua palavra, porque os meus olhos viram a Salvação, que preparaste em favor de todos os povos: Luz para iluminar as nações e glória de Israel, Teu povo" (Lc 2,29-32). Simeão exprime o cumprimento da expectativa, que constituía a sua razão de vida. A mesma coisa acontece para a profetiza Ana, que se alegra ao ver o Menino e fala dele a "todos os que esperavam a libertação de Jerusalém" (Ibid., v. 38).

2. Todos os anos a hodierna festa litúrgica reúne junto do Túmulo de Pedro uma grande plêiade de pessoas consagradas. Hoje, esse número tornou-se multidão, porque estão presentes pessoas consagradas de todas as partes do mundo. Caríssimos Irmãos e Irmãs, vós celebrais hoje o vosso Jubileu, o Jubileu da vida consagrada. Acolho-vos com o evangélico abraço de paz!

Saúdo os Superiores e as Superioras das diversas Congregações e Institutos, e saúdo todos vós, caros Irmãos e Irmãs, que quisestes viver a experiência jubilar ao cruzar o limiar da Porta Santa da Patriarcal Basílica Vaticana. Em vós o meu pensamento chega a todos os vossos Coirmãos e Coirmãs espalhados pelo mundo: também a eles se dirige a minha saudação afectuosa.

Reunidos junto do Túmulo do Príncipe dos Apóstolos neste Ano jubilar, quereis exprimir com particular evidência o vínculo profundo que liga a vida consagrada ao Sucessor de Pedro. Estais aqui para depor sobre o altar do Senhor esperanças e problemas dos vossos respectivos Institutos. No espírito do Jubileu dais graças a Deus pelo bem realizado e, ao mesmo tempo, pedis perdão pelas eventuais faltas que marcaram a vida das vossas Famílias religiosas. Interrogais-vos, no início de um novo Milénio, acerca dos modos mais eficazes para contribuir, no respeito do carisma originário, para a nova evangelização, alcançando as numerosas pessoas que ainda ignoram Cristo. Nesta perspectiva, eleva-se ardente a vossa invocação ao Senhor da messe, para que suscite no coração de tantos jovens e moças o desejo de se doarem totalmente à causa de Cristo e do Evangelho.

Uno-me de bom grado à vossa oração. Tendo sido peregrino em tantas partes do mundo, pude dar-me conta do valor da vossa presença profética para o inteiro povo cristão. Os homens e as mulheres da presente geração têm grande necessidade de encontrar o Senhor e a sua mensagem de salvação que liberta. E de bom grado reconheço, também nesta circunstância, o exemplo de generosa dedicação evangélica, oferecido por inúmeros dos vossos Coirmãos e Coirmãs, que muitas vezes trabalham em situações desfavoráveis. Eles despendem-se sem limites, no nome de Cristo, ao serviço dos pobres, dos marginalizados, dos últimos.

Não poucos deles pagaram, também nestes anos, com o supremo testemunho do sangue a sua opção de fidelidade a Cristo e ao homem, sem condescendências e sem compromissos. Seja-lhes dado o tributo da nossa admiração e do nosso reconhecimento.

3. A apresentação de Jesus no Templo projecta uma luz particular sobre a vossa opção, amados Irmãos e Irmãs. Porventura, também vós, não viveis o mistério da expectativa da vinda de Cristo, manifestada e como que personificada por Simeão e Ana? Os vossos votos não exprimem talvez, com peculiar intensidade, aquela expectativa do encontro com o Messias que os dois anciãos israelitas traziam no coração? Figuras do Antigo Testamento postas no limiar do Novo, eles manifestam uma atitude interior que não caiu em prescrição. Fizeste-la vossa, projectados como estais para a espera do retorno do Esposo.

1383 O testemunho escatológico pertence à essência da vossa vocação: os votos de pobreza, obediência e castidade por causa do Reino de Deus constituem uma mensagem que deixais ao mundo acerca do definitivo destino do homem. É uma mensagem preciosa: "aquele que espera, vigilante, o cumprimento das promessas de Cristo, é capaz de infundir também esperança nos seus irmãos e irmãs, frequentemente desanimados e pessimistas relativamente ao futuro" (Vita consecrata VC 27).

4. "Tinha-lhe sido revelado pelo Espírito Santo..." (Lc 2,26). O que o evangelista diz a respeito de Simeão pode ser atribuído também a vós, que o Espírito conduz para uma especial experiência de Cristo. Com a força renovadora do seu amor, Ele quer fazer de vós testemunhas eficazes de conversão, de penitência, de vida nova.

Ter o coração, os afectos, os interesses, os sentimentos polarizados em Jesus constitui o maior aspecto do dom que o Espírito opera em vós. Conforma-vos a Ele casto, pobre e obediente. E os conselhos evangélicos, longe de serem uma renúncia que empobrece, constituem uma escolha que liberta a pessoa para uma actuação mais plena das suas potencialidades.

A respeito da profetiza Ana, o evangelista anota que "não se afastava do Templo" (Lc 2,37). A primeira vocação de quem se põe no seguimento de Jesus com coração indiviso, é a de "estar com Ele" (Mc 3,14), de fazer comunhão com Ele, escutando a sua palavra no constante louvor a Deus (cf. Lc Lc 2,38). Neste momento, penso na oração, de modo particular na litúrgica, que se eleva de tantos mosteiros e comunidades de vida consagrada espalhados em toda a parte da terra. Estimados Irmãos e Irmãs, fazei ressoar na Igreja o vosso louvor, com humildade e constância, e o cântico da vossa vida encontrará ecos profundos no coração do mundo.

5. A alegre experiência do encontro com Jesus, a exultação e o louvor que brotam do coração não podem permanecer escondidos. O serviço ao Evangelho prestado pelos Institutos de Vida Consagrada e pelas Sociedades de Vida Apostólica, na variedade de formas que o Espírito Santo suscitou na Igreja, nasce sempre duma experiência de amor e dum encontro vivo com Cristo. Nasce da partilha da sua fadiga e da sua incessante oferta ao Pai.

Convidados a deixar tudo para seguir Cristo, vós, consagrados e consagradas, renunciais a definir a vossa existência a partir da família, da profissão e dos interesses terrenos, e escolheis o Senhor como único critério de identificação. Adquiris assim uma nova identidade familiar. Para vós valem de modo particular as palavras do divino Mestre: "Este é o meu irmão, irmã e mãe" (cf. Mc Mc 3,35). O convite à renúncia, bem o sabeis, não é para vos deixar "sem família", mas para vos tornar os primeiros e qualificados membros da "nova família", testemunho e profecia para todos aqueles que Deus quer chamar e introduzir na sua casa.

6. Caríssimos, em todos os momentos da vossa vida esteja ao vosso lado, como exemplo e sustento, a Virgem Maria. A Ela Simeão revelou o mistério do Filho e da espada que "haveria de trespassar-lhe a alma" (Lc 2,35). A Ela vos confio hoje, a vós aqui presentes, e todas as pessoas de vida consagrada que celebram o Jubileu.

Virgem Maria,
Mãe de Cristo e da Igreja,
volve o olhar
para os homens e as mulheres
que o teu Filho
1384 chamou a seguirem-n'O
na total consagração ao seu amor:
que eles se deixem sempre
guiar pelo Espírito,
sejam incansáveis no dom de si
e no serviço ao Senhor,
a fim de serem fiéis testemunhas
da alegria que brota do Evangelho
e anunciadores da Verdade
que guia o homem
para as fontes da Vida imortal.

Amém!

1385 Saudações aos peregrinos:

Saúdo as pessoas consagradas presentes neste dia jubilar. Dirijo também as minhas saudações cordiais aos peregrinos de língua francesa.

Que todos rendam graças pelo dom da vida consagrada! Abençoo todos vós.

Acolho com muito afecto os consagrados e as consagradas, os peregrinos e visitantes de países de língua inglesa.

Invoco as bênçãos e graças do Deus Todo-poderoso sobre vós, a fim de poderdes crescer na amizade com Deus, o único que satisfaz plenamente as mais profundas aspirações do coração humano.

Saúdo cordialmente as pessoas consagradas, assim como os peregrinos de língua espanhola que participaram nesta celebração. Oxalá, com a graça do Jubileu, anuncieis Cristo no testemunho de vida e no ardor apostólico.

Saúdo com afecto todas as Ordens, Congregações, Sociedades de Vida Apostólica e Institutos, cujos membros quiseram estar presentes em Roma para o Jubileu da Vida Consagrada.

Juntamente convosco dou graças a Deus pelo dom da vocação à vida consagrada, que produz abundantes frutos de santidade e de zelo apostólico na nossa Pátria, assim como em todas as partes do mundo.

Saúdo também todos os peregrinos que se encontram na Cidade Eterna.



Homilias JOÃO PAULO II 1374