Homilias JOÃO PAULO II 1688

VISITA DE SUA BEATITUDE TEOCTISTO


PATRIARCA DA IGREJA ORTODOXA DA ROMÉNIA


HOMILIA DE JOÃO PAULO II


Domingo, 13 de Outubro de 2002




Caríssimos Irmãos e Irmãs

A nossa assembleia litúrgica de hoje tem a alegria de acolher o amado Irmão, Sua Beatitude Teoctisto, Patriarca da Igreja ortodoxa romena. A sua visita dá-nos uma grande esperança; ele está aqui para elevar, como nós, ao nosso único Senhor Jesus Cristo, a fervorosa oração em favor da plena unidade de todos os cristãos.

1. "Ao nosso Deus e Pai seja dada a glória para sempre" (Ph 4,20).

É assim que termina o trecho da Carta aos Filipenses, que acaba de ser proclamado. Este escrito do Apóstolo Paulo está repleto de ardente alegria. Hoje, o mesmo júbilo enche o coração do Bispo de Roma pela grata visita do querido Irmão, Sua Beatitude Teoctisto, Patriarca da Igreja ortodoxa romena, e por ter escutado a Boa Nova juntamente com ele.

Beatitude, é com fraterno afecto que o saúdo, bem como os seus colaboradores. O meu pensamento cordial dirige-se espiritualmente ao Santo Sínodo, ao clero e aos fiéis da Igreja ortodoxa romena, que me abriram os braços em Bucareste há três anos, na primavera de 1999.

1689 2. Foi com muita atenção que escutei as suas inspiradas reflexões, vibrantes de ardente aspiração à plena comunhão das nossas Igrejas. Senti nelas uma encorajadora sintonia de sentimentos e de vontades, destinados a realizar o mandato que Cristo confiou aos seus discípulos durante a última Ceia: "Ut omnes unum sint para que todos sejam um só" (Jn 17,21).

É-me grato poder celebrar na sua presença esta sagrada Liturgia, mistério da nossa fé e, juntamente com Vossa Beatitude, invocar o Senhor pela unidade e pela paz na nossa Igreja e no mundo inteiro. Reunidos neste lugar, somos testemunhas do caminho conjunto, empreendido em ordem à aproximação da Igreja católica e da Igreja ortodoxa romena. Dou glória ao Senhor por quanto nos concedeu durante esta nossa peregrinação de comunhão. Invoco a sua graça, a fim de que nos conceda cumprir aquilo que Ele suscitou no meio de nós, em benefício do compromisso em prol da plena comunhão.

3. "Eis que tudo está pronto. Que venham para a festa!" (cf. Mt Mt 22,4).

Na página evangélica, que acaba de ser proclamada em língua latina e romena, fazendo-nos respirar, por assim dizer, "com os dois pulmões", ressoou o convite para as núpcias reais. Todos nós somos convidados. O chamamento do Pai misericordioso e fiel constitui o próprio núcleo da Revelação divina e, em particular, do Evangelho. Todos nós somos chamados, e chamados pelo nome.

"Vinde!". O Senhor chamou-nos para fazer parte da sua Igreja, una, santa, católica e apostólica. Por meio do único Baptismo, fomos inseridos no único Corpo de Cristo. Todavia, a resposta foi sempre um sim incondicionado? Infelizmente, às vezes não rejeitamos porventura o convite? Não dilacerámos, acaso, a túnica inconsútil do Senhor, afastando-nos uns dos outros? Sim! Esta nossa divisão recíproca é contrária à sua vontade.

Que não se aplique também a nós, este juízo duro: "A festa nupcial está pronta, mas os convidados não a mereceram" (Mt 22,8). Um dia, ser-nos-á perguntado quanto fizemos pela unidade dos cristãos.

4. Na sua graça para nós, pecadores, nestes últimos tempos Deus concedeu-nos a bênção de nos aproximarmos mais uns aos outros através da oração, da palavra e das obras, para a plenitude da unidade desejada por Jesus para os seus discípulos (cf. Unitatis redintegratio, UR 1). Aumentou em nós a consciência de que somos convidados em conjunto para as núpcias reais. Cristo deixou-nos em herança, na vigília da sua Paixão, o memorial vivo da sua morte e ressurreição em que, sob as espécies do pão e do vinho, nos entrega o seu Corpo e o seu Sangue. Como afirmou o Concílio Vaticano II, a Eucaristia é fonte e ápice de toda a vida cristã, o centro irradiante da Comunidade eclesial (cf. Constituição Sacrosanctum concilium, SC 10 cf. também Decreto Christus Dominus, CD 30).

A Igreja católica e as Igrejas ortodoxas, celebrando a verdadeira Eucaristia segundo as suas respectivas tradições, vivem desde já numa comunhão profunda, embora ainda não plena. Possa chegar quanto antes o dia abençoado em que poderemos viver verdadeiramente na sua plenitude a nossa comunhão perfeita. Hoje, o convite do Evangelho dirige-se-nos de maneira particular a nós. Deus nos livre de fazer como aqueles que "um foi para o seu campo, outro foi fazer os seus negócios" (Mt 22,5).

5. Na parábola evangélica, o rei perguntou a um dos seus comensais: "Amigo, como foi que entraste aqui sem o traje de festa?" (Ibid., v. 12). Estas palavras interpelam-nos. Recordam-nos que devemos preparar-nos para as núpcias reais, revestindo-nos do Senhor Jesus Cristo (cf. Rm 13,14 Ga 3,27).

A participação na Eucaristia pressupõe a conversão a uma vida nova. E também a participação comum, a plena comunhão, pressupõe a conversão. Não há ecumenismo verdadeiro sem a conversão interior e a renovação da mente (cf. Unitatis redintegratio, UR 6-7), sem a superação dos preconceitos e das desconfianças; sem a eliminação das palavras, das opiniões e dos actos que não reflectem com equidade e verdade a condição dos irmãos separados; sem a vontade de chegar a amar o outro, a instaurar uma amizade recíproca e a alimentar o amor fraterno.

Para alcançarmos a plena comunhão, devemos ultrapassar com coragem as nossas ociosidades e os nossos limites de coração (cf. Novo millennio ineunte, 48). Devemos cultivar a espiritualidade da comunhão, que é a capacidade "de sentir o irmão de fé... como "alguém que faz parte de mim", para saber compartilhar as suas alegrias e os seus sofrimentos, para intuir os seus anseios e dar remédio às suas necessidades, para lhe oferecer uma verdadeira e profunda amizade" (Novo millennio ineunte, 43). Devemos alimentar incessantemente a paixão pela Unidade.

1690 Sua Beatitude realçou de maneira oportuna o facto de que na Europa e no mundo, vastamente secularizados, nasce uma preocupante crise espiritual. Por conseguinte, o testemunho conjunto dos cristãos torna-se ainda mais urgente.

6. Caríssimos Irmãos e Irmãs, confio ao Senhor estas reflexões, que hoje adquirem um relevo singular. Com efeito, nesta Liturgia participam juntos o Sucessor de Pedro, Bispo de Roma, e o Patriarca ortodoxo da Roménia. Ambos somos testemunhas da crescente vontade de unidade e de comunhão das nossas Igrejas. Embora conheçamos a subsistência das dificuldades, ambos formulamos votos a fim de que o nosso exemplo encontre um profundo eco em cada lugar onde os católicos e os ortodoxos vivem lado a lado. Deste nosso testemunho possa haurir o seu alimento o desejo de reconhecer no outro o irmão e e de nos reconciliarmos com ele. Esta é a primeira condição indispensável para, juntos, nos aproximarmos da única Mesa do Senhor.
Por isso, invoquemos o Espírito de unidade e de amor, assim como a intercessão de Maria Santíssima, Mãe da Igreja.

7. Por fim, gostaria de transmitir uma afectuosa saudação ao povo romeno e a todos os seus componentes. Nunca poderei esquecer a histórica visita que, há três anos, a Providência divina me concedeu realizar a Bucareste. A hospitalidade, as expectativas da população, especialmente dos jovens, e as palavras de esperança: tudo isto permanece impresso na minha alma. Unitate! Unitate! No final da sua visita, estas palavras são indeléveis: Unitate! Unitate! Dou graças a Deus porque hoje, de certa maneira, me concede retribuir as atenções que me foram reservadas nessa ocasião.

Beatitude, ao regressar à sua Pátria, assegure [a todos] que a Roménia que a tradição qualifica com o formoso título de "Jardim da Mãe de Deus" permanece no coração do Bispo de Roma, que reza todos os dias pelo querido povo romeno.


Deus abençoe sempre a Roménia!


Homilia do Patriarca Teoctisto






NA BEATIFICAÇÃO DE SEIS SERVOS DE DEUS


NO DOMINGO DEDICADO


AO DIA MISSIONÁRIO MUNDIAL


Domingo, 20 de outubro de 2002



1. "Portanto, ide e fazei com que todos os povos se tornem meus discípulos, baptizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo" (Mt 28,19).

Jesus ressuscitado despede-se dos Apóstolos com estas palavras, antes de voltar para o Pai: "Ide!". A sua última palavra é um convite à missão e, ao mesmo tempo, uma promessa, um testamento e um compromisso. Cristo confia aos discípulos a sua mensagem de salvação e pede-lhes que a difundam e dêem testemunho da mesma até aos extremos confins da terra.

Eis o significado deste Dia Missionário Mundial! Por uma providencial coincidência, precisamente neste dia são proclamados alguns novos Beatos, que realizaram de maneira exemplar o mandato de anunciar e de dar testemunho do Evangelho. Eis os seus nomes: David Okelo e Jildo Irwa, André Jacinto Longhin, Marcos António Durando, Maria da Paixão e Liduína Meneguzzi.

1691 A sua beatificação, no contexto do Dia Missionário Mundial, recorda-nos que o primeiro serviço a prestar à missão é a procura sincera e constante da santidade. Não podemos testemunhar o Evangelho de maneira coerente, se antes não o vivermos com fidelidade.

David Okelo e Jildo Irwa

2. O meu pensamento volta-se, em primeiro lugar, para os dois jovens catequistas de Uganda, David Okelo e Jildo Irwa. Estas duas testemunhas corajosas eram ainda muito novos quando, com simplicidade e fé, derramaram o seu sangue por Cristo e pela sua Igreja. Com o entusiasmo juvenil pela sua missão de transmissão da fé aos seus compatriotas, em 1918 decidiram partir para o Norte de Uganda. Foi ali que, quando a evangelização ainda começava a espalhar-se nessa região, eles decidiram abraçar a morte em vez de abandonar essa área e renunciar aos seus deveres de catequistas. Verdadeiramente, nas suas vidas e nos seus testemunhos, podemos ver que eram "amados por Deus, e por Ele foram escolhidos" (cf.
1Th 1,4).

Hoje, David Okelo e Jildo Irwa são elevados às honras dos altares. São entregues a toda a comunidade cristã como exemplos de santidade e de virtude, e como modelos e intercessores pelos catequistas no mundo inteiro, especialmente naqueles lugares em que os catequistas ainda sofrem pela fé, às vezes enfrentando a marginalização social e até mesmo o perigo pessoal. Que a vida e o testemunho destes dois servos do Evangelho inspirem muitos homens e mulheres em Uganda, na África e noutras partes a responderem com generosidade à vocação de serem catequistas, levando o conhecimento de Cristo aos outros e revigorando a fé daquelas comunidades que só recentemente receberam o Evangelho da salvação.

André Jacinto Longhin

3. "Chamei-te pelo nome" (Is 45,4). As palavras com que o profeta Isaías indica a missão confiada por Deus aos seus próprios eleitos exprimem bem a vocação de André Jacinto Longhin, humilde capuchinho que, durante 32 anos, foi Bispo da Diocese de Treviso, no alvorecer no século passado, do século XX. Ele foi um Pastor simples e pobre, humilde e generoso, sempre disponível para com o próximo, segundo a mais autêntica tradição capuchinha.

Chamavam-lhe o Bispo das coisas essenciais. Numa época assinalada por acontecimentos dramáticos e dolorosos, mostrou-se como um pai para os sacerdotes e como um pastor zeloso pelas pessoas, pondo-se sempre ao lado dos seus fiéis, especialmente nos momentos de dificuldade e de perigo. Assim, antecipou aquilo que o Concílio Vaticano II havia de realçar, indicando na evangelização "um dos principais deveres dos Bispos" (Christus Dominus CD 12 cf. também Redemptoris missio, RMi 63).

Marcos António Durando

4. "Lembramo-nos de vós... da fé activa, do amor capaz de sacrifícios e da firme esperança" (1Th 1,2-3). As palavras do Apóstolos delineiam o retrato espiritual do Padre Marcos António Durando, da Congregação da Missão, digno filho da terra do Piemonte. Ele viveu da fé e de um ardente impulso espiritual, desprezando qualquer forma de compromisso ou de tibieza interior.
Na escola de São Vicente de Paulo, ele soube reconhecer na humanidade de Cristo a maior e, ao mesmo tempo, a mais acessível e desarmante expressão do amor de Deus por todos os homens. Ele indica-nos ainda hoje o mistério da Cruz, como o momento culminante em que é revelado o mistério imperscrutável do amor de Deus.

Maria da Paixão

1692 5. "Irmãos amados por Deus, fostes escolhidos por Ele" (1Th 1,4). Maria da Paixão deixou-se arrebatar por Deus, capaz de saciar a sede de verdade que a impregnava. Fundando as Irmãs Franciscanas Missionárias de Maria, ela apaixonava-se pela vontade de comunicar os jorros de amor que nela gorgolhavam e que queriam espalhar-se pelo mundo inteiro. No centro do compromisso missionário, colocava a oração e a Eucaristia, dado que para ela a adoração e a missão se fundiam numa única iniciativa. Alimentada pela Escritura e pelos Padres da Igreja, mística e activa, apaixonada e intrépida, consagrou-se com uma disponibilidade intuitiva e audaciosa à missão universal da Igreja. Queridas Religiosas, na escola da vossa fundadora e em profunda comunhão com a Igreja, acolhei o convite a viver com renovada fidelidade as intuições do vosso carisma fundador, para que sejam numerosas as pessoas capazes de descobrir Jesus, Aquele que nos faz entrar no mistério de amor existente em Deus.

Liduína Meneguzzi

6. "Famílias dos povos, aclamai ao Senhor! Aclamai a glória e o poder do Senhor!" (Ps 96 [95] 7). As palavras do Salmo responsorial exprimem muito bem a aspiração missionária, que invadia a Irmã Liduína Meneguzzi, das Religiosas de São Francisco de Sales. No breve mas intenso período da sua existência, a Irmã Liduína dedicou-se aos irmãos mais pobres e vítimas do sofrimento, em particular no hospital da missão de Dire-Dawa, na Etiópia.

Com ardente zelo apostólico, procurava fazer com que todos conhecessem o nosso único Salvador, Jesus Cristo. Na escola daquele que era "manso e humilde de coração" (cf. Mt Mt 11,29), ela aprendeu a defender a caridade, que brota de um coração puro, ultrapassando toda a mediocridade e a inércia interiores.

7. "Eis que Eu estarei sempre convosco, até ao fim do mundo" (Mt 28,20). Esta é a promessa que Cristo fez aos seus discípulos, ao preparar-se para deixar o mundo e voltar para o Pai.

Estarei sempre convosco! Estarei contigo, diz Jesus, Igreja peregrina no mundo. Estarei convosco, jovens comunidades eclesiais em terras de missão. Não tenhais medo de entrar em diálogo com todos. Levai a mensagem da salvação a cada um! Tende coragem!

Maria, Estrela da Evangelização, juntamente com os novos Beatos, proteja e acompanhe os vossos passos pelos caminhos do mundo. Amen!


Agradeço cordialmente ao venerado Irmão, Cardeal Bernardin Gantin, Decano do Colégio Cardinalício, que me quis renovar os bons votos pela passagem do aniversário da minha eleição ao Sólio de Pedro, fazendo-se assim intérprete também das numerosas pessoas e comunidades que, nos últimos dias e de várias maneiras, me quiseram enviar as suas mensagens.

As vossas orações e a vossa proximidade são um apoio e uma ajuda no meu serviço a Cristo e à Igreja, como Sucessor de Pedro.

Por isso, agradeço-vos e continuo a confiar na vossa recordação junto do Senhor, enquanto asseguro a todos e a cada um a minha oração a Cristo, Senhor do universo e da história.





DURANTE A CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA


PARA O INÍCIO DO ANO ACADÊMICO


DAS UNIVERSIDADES ECLESIÁSTICAS


Sexta-feira, 25 de Outubro de 2002




1693 1. "Esta é a geração daqueles que procuram a presença do Senhor" (cf. Ps 23,6).

As palavras que cantamos como refrão do Salmo responsorial assumem hoje, nesta Basílica, um significado particular. De facto, ela vê reunidos Reitores, Professores e estudantes das Universidades eclesiásticas romanas, para a tradicional celebração do início do novo Ano Académico.

Dirijo a todos a minha cordial saudação. Dirijo um pensamento de particular gratidão ao Cardeal Zenon Grocholewski, que preside à Celebração eucarística, e aos seus colaboradores, pelo trabalho quotidiano que desempenham na Congregação para a Educação Católica.

2. Ao olhar para vós, caríssimos Irmãos e Irmãs, penso com reconhecimento: eis, Senhor, "esta é a geração daqueles que te procuram". Com efeito, o que é, o estudo da teologia, senão uma forma particular de procurar o rosto de Deus? E de igual modo, o que é o empenho nas outras ciências, que são ensinadas nos vossos Ateneus, além da introdução às realidades do homem, da Igreja, da história, em que Deus se revela a si mesmo e ao seu imperscrutável mistério de Salvação?

"Do Senhor é a terra e a sua plenitude: o mundo inteiro e todos os que nela habitam" (Ps 23,1): seja qual for a perspectiva da qual o crente vê a realidade, sabe que se move, por assim dizer, "numa terra santa" (cf. Êx Ex 3,5), porque nada existe de positivo, dentro ou fora do homem, que não reflicta de alguma forma a sabedoria divina. "Ó Senhor, nosso Deus, como é grande o vosso nome em toda a terra" (Ps 8,2 Ps 8,10).

3. A perícope evangélica há pouco proclamada fala-nos de dois níveis de "sabedoria": um primeiro nível consiste na capacidade de "interpretar o aspecto da terra e do céu" (Lc 12,56), ou seja, de compreender os nexos causa-efeito nos fenómenos naturais. Ao contrário, situa-se noutro nível, mais profundo, a capacidade de julgar o "tempo" no qual se desenvolve a história da salvação, o tempo no qual Deus actua e espera a colaboração do homem.

Na "plenitude dos tempos", recorda São Paulo (Ga 4,4), Deus enviou o Seu Filho unigénito. Todavia, o evangelista João observa que ele "veio ao que era Seu e os Seus não O receberam" (Jn 1,11). A presença do Verbo encarnado preenche o tempo com uma singular qualidade: torna-o "decisivo", no sentido de que nele é decidido o destino eterno de cada um dos homens e de toda a humanidade. Ao extremo dom de Deus corresponde a extrema responsabilidade do homem.

4. A observação severa feita por Cristo às multidões adapta-se muito bem à nossa época, na qual a humanidade desenvolveu uma elevadíssima capacidade de analisar e ler os fenómenos, por assim dizer, "em superfície", mas tendencialmente evita as perguntas mais profundas sobre os significados últimos, sobre o sentido da vida e da morte, do bem sobre o mal na história. A grave acusação: "Hipócritas!" (Lc 12,56), proferida por Jesus, diz claramente que não se trata apenas de um não saber julgar o que é justo (cf. Lc Lc 12,57), mas também de um não querer aceitá-lo. A hipocrisia consiste numa falsa sabedoria, que se alegra com tantos conhecimentos, mas está bem atenta para não se comprometer com questões empenhativas a nível religioso ou moral.

5. A primeira Leitura de hoje, tirada do Carta de São Paulo aos Efésios, apresenta uma síntese admirável entre fé e vida, entre teologia e sabedoria evangélica: é a perspectiva da unidade. Ela alimenta-se de algumas virtudes que o Apóstolo apresenta: humildade, mansidão, paciência, suportação recíproca no amor (cf. Ef Ep 4,2). A exortação moral de Paulo baseia-se totalmente na contemplação do mistério e na sua tradução no comportamento concreto dos membros da comunidade.

Por conseguinte, o antídoto contra a hipocrisia é uma constante relação entre o que se sabe e o que se vive, entre a mensagem de verdade recebida como dádiva com a vocação cristã e as atitudes pessoais e comunitárias concretas. Por outras palavras, entre o saber da fé e a santidade da vida.

6. Estas reflexões, inspiradas pela Palavra de Deus, interpelam sobretudo todos os que estão comprometidos nas Universidades eclesiásticas. Professores e estudantes estão chamados a exercer uma atenção constante para interpretar os sinais dos tempos em relação ao Sinal central da Revelação divina, Cristo Snhor. Eles estão chamados, de modo particular, a pôr-se sempre de maneira renovada ao serviço da unidade da Igreja. Esta unidade, aberta por sua natureza à dimensão católica, encontra aqui em Roma o ambiente ideal para ser acreditada, estudada e servida.

1694 Queridos Irmãos e Irmãs, conserva-se e edifica-se a unidade do Corpo eclesial através do vínculo da paz, na verdade e na caridade (cf. Ef Ep 4,3). Por conseguinte, é necessário que as vossas Universidades sejam, antes de tudo, lugares de autêntica sabedoria cristã, onde cada um se empenha na primeira pessoa, por realizar uma síntese entre a fé e a vida, entre os conteúdos estudados e o modo de se comportar.

Sejam nisto mestres, para vós, os Santos, especialmente os Doutores da Igreja e os que dedicaram a sua vida ao estudo e ao ensino. Eles são, no sentido mais nobre, a "geração daqueles que procuram a presença do Senhor" (Ps 23,6) e, precisamente por terem sido apaixonados contempladores do rosto de Deus, souberam transmitir ao próximo os reflexos luminosos de verdade, de beleza e de bondade que deles derivam.

Maria Santíssima, Sede da Sabedoria, vigie sempre sobre as vossas academias e sobre cada um de vós. Ela vos obtenha do Espírito Santo abundância de sabedoria, ciência, e entendimento, para que, como diz São Paulo na Carta aos Efésios, possais "compreender, com todos os santos, qual seja a largura, o comprimento, a altura e a profundidade do amor de Cristo, e conhecer a sua caridade, que excede toda a ciência, para que sejais cheios de toda a plenitude de Deus" (Ep 3,18-19).

Amen!







NA CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA


EM SUFRÁGIO PELOS CARDEAIS, ARCEBISPOS


E BISPOS DEFUNTOS


Terça-feira, 5 de Novembro de 2002







1. "O Senhor é bom para quem nele espera / e O procura" (Lm 3,25).

A Solenidade de Todos os Santos e a Comemoração de Todos os Fiéis Defuntos suscitam todos os anos, na Comunidade eclesial, um intenso e difundido clima de oração. Uma atmosfera triste e ao mesmo tempo suave, em que a consoladora certeza da comunhão dos Santos cura a dor, jamais totalmente abrandada, pelas pessoas mortas.

Rodeados por esta singular atmosfera espiritual, encontramo-nos à volta do altar do Senhor, unidos em oração pelos Cardeais e Bispos que, durante os últimos doze meses, terminaram a sua peregrinação terrestre. Enquanto, através de Cristo, oferecemos os nossos sufrágios por eles, estamos-lhes gratos pelos exemplos que nos deixaram para amparo no nosso caminho.

2. Neste momento, os Prelados defuntos estão vivamente presentes no nosso espírito. A alguns deles nós estávamos ligados através de laços de profunda amizade e, falando assim, sei que interpreto também os sentimentos de muitos de vós. É-me grato mencionar, de maneira particular, os veneráveis Cardeais que nos deixaram: Paolo Bertoli, Franjo Kuharic, Louis-Marie Billé, Alexandru Todea, Johannes Joachim Degenhardt, Lucas Moreira Neves, François-Xavier Nguyên Van Thuân e John Baptist Wu Cheng-Chung. À sua recordação une-se a lembrança dos Arcebispos e dos Bispos que, nas diversas partes do mundo, chegaram ao termo do seu caminho terrestre.

Estes nossos Irmãos alcançaram a meta. Houve um dia em que cada um deles, ainda repleto de energias, pronunciou o seu "eis-me!", no momento de ser ordenado Sacerdote. Primeiro no coração e em seguida em voz alta, disseram: "Eis-me!".Todos eles viveram unidos de maneira particular a Cristo, associados ao seu Sacerdócio.

E na hora da morte, pronunciaram o último "eis-me", unido ao de Jesus, que morreu entregando o seu espírito nas mãos do Pai (cf. Lc Lc 23,46). Durante a vida inteira, especialmente depois de a ter consagrado a Deus, eles "procuraram as coisas do alto" (Col 3,1). E, com a palavra e o exemplo, exortaram os fiéis a fazer a mesma coisa.

1695 3. Eles foram Pastores, Pastores do rebanho de Cristo. Quantas vezes, com o Povo santo de Deus, recitaram o Salmo "De profundis"! Nas exéquias, nos cemitérios, nas casas em que entrou a morte: "De profundis clamavi ad te, Domine ...quia apud te propitiatio est / ...speravit anima mea in Domino / ...quia apud Dominum misericordia / et copiosa apud eum redemptio" (Ps 129,1 Ps 129,4-5 Ps 129,7).

Para anunciar este perdão de Cristo, a misericórdia de Cristo, a redenção de Cristo, cada um deles entregou a sua própria vida, até chegar a hora de cada um, a última hora. Agora, encontramo-nos aqui para rezar por eles, para oferecer o Sacrifício divino em sufrágio das suas almas eleitas: Domine, exaudi vocem meam (Ps 129,2)!

4. Eles foram Pastores! Com o serviço da pregação, infundiram no coração dos fiéis a extasiante e consoladora verdade do amor de Deus: "Deus amou de tal forma o mundo, que entregou o seu Filho único, para que todo aquele que nele acredita não morra, mas tenha a vida eterna" (Jn 3,16). Em nome do Deus de amor, as suas mãos abençoaram, as suas palavras confortaram, a sua presença mesmo silenciosa testemunhou de modo eloquente o facto de que a misericórdia de Deus não tem fim, que a sua compaixão é inesgotável (cf. Lm Lm 3,22).

Alguns deles tiveram a graça de oferecer este testemunho de maneira heróica, enfrentando duras provas e perseguições desumanas. Nesta Eucaristia, damos graças a Deus por tudo isto, implorando que possamos honrar dignamente a sua memória e o seu vínculo imorredouro de amizade fraterna, na expectativa de os poder abraçar na casa do Pai.

5. "Quando Cristo se manifestar, Ele que é a nossa vida, então também vós vos manifestareis com Ele na glória" (Col 3,4).

Estas palavras de São Paulo, que ressoaram na segunda Leitura, convidam-nos a olhar para a vida eterna, rumo à qual os nosso veneráveis Irmãos deram o derradeiro passo. À luz do Mistério pascal de Cristo a sua morte é, na realidade, o ingresso na plenitude da vida. Com efeito, o cristão como diz o Apóstolo já está "morto" pelo Baptismo e a sua existência se encontra misteriosamente "escondida com Cristo em Deus" (Col 3,3).

Por conseguinte, a esta luz de fé sentimo-nos ainda mais próximos dos nossos Irmãos defuntos: aparentemente, a morte separou-nos, mas o poder de Cristo e do seu Espírito une-nos de maneira ainda mais profunda. Alimentados com o Pão da vida, também nós, juntamente com quantos nos precederam, esperamos com esperança firme a nossa plena manifestação.

Sobre eles e também sobre nós mesmos, vele com amor materno a Virgem Maria, permitindo-nos que todos nós alcancemos aquele "lugar" na casa do Pai que Cristo, nossa vida, nos preparou (cf. Jo Jn 14,2-3).
"Salve, Rainha!".





NA MISSA AOS MEMBROS


DA COMUNIDADE FILIPINA


1 de Dezembro de 2002







Mabuhay ang Filipinas!
1696 Longa vida às Filipinas!

1. "Vós, ó Senhor, sois o nosso Pai, o Vosso nome, desde sempre, é nosso redentor" (
Is 63,16). No início do Advento, a Liturgia convida-nos a saborear de novo a consoladora mensagem da parternidade de Deus. As palavras tiradas do Livro do profeta Isaías, há pouco escutadas, introduzem-nos no núcleo central da pregação de Jesus. Ao pedido expresso dos discípulos: "Senhor, ensina-nos a rezar", Ele responde encorajando-os a dirigir-se a Deus com o doce nome de "Pai" (cf. Lc Lc 11,1-4).

Sim, Deus é nosso Pai! Ele cuida de nós, porque somos obra das suas mãos. Está sempre pronto a perdoar aos pecadores arrependidos e a acolher com ternura todos os que confiam na sua infinita misericórdia (cf. Is Is 64,4).

Caríssimos Irmãos e Irmãs da Capelania católica filipina em Roma! Sinto-me contente por partilhar convosco este anúncio consolador, enquanto iniciamos o caminho do Advento. Quis visitar-vos no dia 24 de Fevereiro passado e celebrar a Eucaristia na Basílica de Santa Pudenciana, no Viminal. Não foi possível e é por isso que hoje vos recebo com grande cordialidade aqui, no Vaticano, retomando os meus habituais encontros com as paróquias e as comunidades da nossa Diocese.

2. É com imenso afecto que vos saúdo a vós e, através das vossas pessoas, os milhares de homens e mulheres naturais das Filipinas, residentes em Roma e noutras cidades de toda a Itália. Saúdo o Cardeal Vigário e o Bispo Auxiliar para a área central, que se demonstram constantemente solícitos, no que se refere ao vosso cuidado pastoral. Saúdo também o vosso compatriota, Cardeal José Sanchez, Prefeito Emérito da Congregação para o Clero, que nos honra com a sua presença aqui.

Reconheço também respeitosamente a presença dos Senhores Embaixadores das Filipinas junto da Santa Sé e da República da Itália, juntamente com outros Representantes da Comunidade filipina.

Dirijo a minha cordial saudação também aos sacerdotes, aos religiosos, às religiosas e aos leigos que, de diversas maneiras, servem a vossa numerosa e animada comunidade. De modo especial, saúdo o vosso diligente Capelão, Pe. Alberto Mena Guevara. E agradeço-lhe as suas amáveis de saudação, proferidas no início desta celebração, e a sua apresentação das numerosas actividades que estão a ser realizadas na Basílica de Santa Pudenciana, que em 1991 foi confiada ao Sentro Filipino (Sede Central dos pontos de encontro filipinos). Há poucos meses, o Pe. Alberto Mena Guevara assumiu o rico legado do cuidado pastoral que foi deixado pelo querido Pe. Remo Bati, depois de dez anos de serviço generoso e fiel à comunidade. Agradeço também ao Senhor Exequiel Garcia e ao jovem Mark Angelo, que falaram em nome de todos vós.

A solicitude da Igreja pelos fiéis filipinos pode também ser testemunhada em trinta e nove centros pastorais, localizados de lés a lés na Cidade, onde podeis promover as vossas nobres tradições cristãs e conferir-lhes uma nova vida, graças aos serviços litúrgicos e apostólicos que ali são oferecidos.

3. Queridos Irmãos e Irmãs, permanecei firmes na rica herança cultural e religiosa, que constitui uma parte integrante da vossa identidade. Muitos de vós tiveram a oportunidade de encontrar um emprego aqui na Itália, alcançando um nível de vida que vos torna capazes de ajudar os membros das vossas famílias que ficaram em casa. Porém, para outros de vós e faço votos por que sejam poucos a condição de imigrantes causou graves problemas, inclusivamente a solidão, a separação das famílias de origem, a perda dos valores transmitidos do passado e, por vezes, até mesmo a perda da fé.

Gostaria de renovar a todos vós, e de maneira particular às numerosas mulheres aqui presentes, as palavras de encorajamento que ouvimos na Liturgia deste dia: Não desanimeis! Não podemos permitir que a nossa fé esmoreça, porque o Senhor está próximo de nós. O facto de serdes imigrantes faz de vós pessoas ainda mais queridas a Jesus que, como recordamos durante o período do Advento, veio ao mundo para nos salvar.

Então, continuai com confiança e determinação, ao longo do caminho da fé e da solidariedade, tão oportunamente expresso no lema mencionado pelo vosso Capelão, que vos chama para a "comunhão", o "testemunho" e a "proclamação do Evangelho". O testemunho de uma vida autenticamente cristã vai conservar-vos unidos entre vós mesmos e continuará a granjear-vos o respeito e a ajuda dos outros. Peço a todas as pessoas que vos dão trabalho que vos recebam e vos amem como queridos irmãos e irmãs em Cristo. Todos nós devemos trabalhar em conjunto, em ordem a edificar a civilização do amor.

1697 4. "Tomai cuidado... vigiai". Esta exortação, que Jesus nos dirige no Evangelho (cf. Mc Mc 13,33 Mc Mc 13,35), é o chamamento fundamental do tempo de Advento: Vigiai, esperando o Messias. Permaneçamos despertos, caríssimos Irmãos e Irmãs, para estarmos prontos a encontrar o Salvador, que vem revelar-nos o rosto do Pai celeste.

Maria, a humilde Virgem de Nazaré, escolhida pr Deus para ser a Mãe do Redentor, torne frutuosa a nossa orante e vigilante a nossa espera do Redentor.
Mabuhay ang Filipinas!

Longa vida às Filipinas!



Homilias JOÃO PAULO II 1688