Homilias JOÃO PAULO II 1708

1708 Com o Baptismo, cada cristão O encontra de modo pessoal: é inserido no mistério da sua morte e da sua ressurreição, e recebe uma vida nova, que é a mesma vida de Deus. Que grande dom e que grande responsabilidade!

2. A liturgia convida-nos hoje a tirar "com alegria água das fontes da salvação" (
Is 12,3); exorta-nos a reviver o nosso Baptismo, dando graças por todos os dons recebidos.

Com estes sentimentos, preparo-me, como já é tradição, para administrar o sacramento do Baptismo a alguns recém-nascidos, nesta maravilhosa Capela Sistina, onde o pincel de grandes artistas representou momentos fundamentais da nossa fé. São vinte e duas as crianças provenientes na maioria da Itália, mas também da Polónia e do Líbano.

Saúdo-vos a todos vós, queridos Irmãos e Irmãs, que quisestes participar nesta sugestiva celebração. Saúdo-vos com grande afecto, de modo particular a vós, queridos pais, padrinhos e madrinhas, chamados a ser para estes pequeninos as primeiras testemunhas do dom fundamental da fé. O Senhor confia-vos, como guardas responsáveis, a sua vida que é tão preciosa aos Seus olhos. Comprometei-vos amorosamente para que cresçam "em sabedoria, estatura e graça"; ajudai-os a ser fiéis à sua vocação.

Daqui a pouco, também em seu nome, renovareis a promessa de lutar contra o mal e de aderir plenamente a Cristo. Que a vossa existência se distinga sempre por este compromisso generoso!
3. Estai também conscientes de que o Senhor vos pede uma nova e mais profunda colaboração: isto é, confia-vos a tarefa quotidiana de os acompanhar no caminho da santidade. Esforçai-vos por ser vós mesmos santos para orientar os vossos filhos para esta meta nobre da vida cristã. Não vos esqueçais de que, para ser santos, "temos necessidade de um cristianismo que se distinga, em primeiro lugar, pela arte da oração" (Carta Apostólica Novo millennio ineunte, 32).

Maria, a Santa Mãe do Redentor, que aceitou com total disponibilidade o projecto de Deus, vos ampare, alimentando a vossa esperança e o vosso desejo de servir fielmente Cristo e a sua Igreja. Oxalá Nossa Senhora ajude de maneira especial estes meninos, para que realizem totalmente o projecto que Deus tem para cada um deles. Ajude as famílias cristãs de todo o mundo a serem autênticas "escolas de oração", nas quais rezar unidos constitua cada vez mais o centro e a fonte de qualquer actividade!





NO ENCERRAMENTO DA SEMANA DE ORAÇÃO


PELA UNIDADE DOS CRISTÃOS


NA BASÍLICA DE SÃO PAULO FORA DOS MUROS


Sábado, 25 de Janeiro de 2003




1. "Nós trazemos este tesouro em vasos de barro" (2Co 4,7).

Estas palavras, tiradas da segunda Carta aos Coríntios, foram o tema-guia da "Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos", que hoje se conclui. Elas iluminam a nossa meditação nesta liturgia vespertina da Festa da Conversão de São Paulo. O Apóstolo recorda-nos que trazemos o "tesouro", que Cristo nos confiou, em vasos de barro. Portanto, todos os cristãos são exortados a continuar a peregrinação terrestre, sem se deixar vencer pelas dificuldades e aflições (cf. Lumen gentium, LG 8), com a certeza de poder superar todos os obstáculos graças à ajuda e ao poder que vêm do alto.

Com esta consciência, estou feliz por rezar nesta tarde juntamente convosco, queridos Irmãos e Irmãs das Igrejas e Comunidades eclesiais presentes em Roma, unidos pelo único Baptismo no Senhor Jesus Cristo. Saúdo-vos a todos com especial cordialidade.

1709 O meu profundo desejo é de que a Igreja de Roma, a quem a Providência confiou uma singular "presidência na caridade" (Inácio de Antioquia, Ad Rom., Proem.), se torne cada vez mais um modelo de relações ecuménicas fraternais.

2. Como cristãos, estamos conscientes de que somos chamados a dar ao mundo o testemunho do "Evangelho glorioso" que Cristo nos entregou (cf.
2Co 4,4). Em seu nome, unamos os nossos esforços para servir a paz e a reconciliação, a justiça e a solidariedade, especialmente ao lado dos pobres e dos últimos da terra.

Nesta perspectiva, é de bom grado que recordo a Jornada de Oração pela Paz no Mundo, realizada no dia 24 de Janeiro do ano passado em Assis. Aquele acontecimento de carácter inter-religioso lançou uma forte mensagem ao mundo: cada pessoa autenticamente religiosa está comprometida a implorar de Deus o dom da paz, renovando a vontade de a promover e construir, juntamente com os outros fiéis. O tema da paz é mais urgente do que nunca, interpela de maneira particular os discípulos de Cristo, Príncipe da Paz, e constitui um desafio e um compromisso para o movimento ecuménico.

3. Respondendo ao único Espírito que orienta a Igreja, nesta tarde queremos dar graças a Deus pelos inúmeros e abundantes frutos que Ele, dispensador de todos os dons, distribuiu no caminho do ecumenismo. Como deixar de recordar, além do mencionado encontro de Assis, que contou com a participação de altos representantes de quase todas as Igrejas e Comunidades eclesiais do Oriente e do Ocidente, a visita a Roma, no mês de Março, de uma Delegação do Santo Sínodo da Igreja ortodoxa da Grécia? Em Junho foi assinada, com o Patriarca Ecuménico Bartolomeu I, a Declaração conjunta sobre a salvaguarda da criação; em Maio, tive a alegria visitar o Patriarca Máximo, da Bulgária; em Outubro, recebi a visita do Patriarca Teoctisto, da Roménia, com quem também assinei uma Declaração conjunta. Além disso, não posso esquecer a visita do Arcebispo de Cantuária, Dr. Carey, já no termo do seu mandato, nem os encontros com Delegações ecuménicas de Comunidades eclesiais do Ocidente, assim como os progressos alcançados pelas várias Comissões mistas de diálogo.

Ao mesmo tempo, não podemos deixar de reconhecer com realismo as dificuldades, os problemas e as decepções que ainda hoje estamos a encontrar. Assim, às vezes podemos sentir um certo cansaço e uma carência de fervor, enquanto permanece viva a dor por não podermos ainda partilhar em comum a Mesa eucarística. Porém, o Espírito não cessa de nos surpreender e continua a realizar prodígios extraordinários.

4. Na actual situação do ecumenismo, é importante considerar que somente o Espírito de Deus é capaz de nos dar a plena unidade visível; só o Espírito de Deus pode infundir novos ardor e coragem. É por isso que devemos realçar a importância do ecumenismo espiritual, que constitui a alma de todo o movimento ecuménico (cf. Unitatis redintegratio, UR 6-8).

Isto não significa, de modo algum, diminuir ou mesmo descuidar o diálogo teológico, que produziu frutos abundantes nas últimas décadas. Como sempre, ele permanece irrenunciável. Com efeito, a unidade entre os discípulos de Cristo não pode ser senão a unidade na verdade (cf. Carta Apostólica Ut unum sint, UUS 18-19). E para esta meta, o Espírito orienta-nos também através dos diálogos teológicos, que constituem uma indubitável ocasião de enriquecimento recíproco.

Todavia, somente no Espírito Santo é possível compreender a verdade do Evangelho que, na sua profundidade, é exigente para com todos. O ecumenismo espiritual abre os olhos e os corações para a compreensão da verdade revelada, tornando-nos capazes de a reconhecer e acolher, também graças às argumentações dos outros cristãos.

5. O ecumenismo espiritual realiza-se, em primeiro lugar, mediante a oração elevada a Deus, na medida do possível em conjunto. Como Maria e os discípulos depois da Ascensão do Senhor, é importante que continuemos a reunir-nos e a ser assíduos na invocação do Espírito Santo (cf. Act Ac 1,12-14). À oração, acrescenta-se a escuta da Palavra de Deus na Sagrada Escritura, fundamento e alimento da nossa fé (cf. Dei Verbum, DV 21-25). De resto, não existe aproximação ecuménica sem conversão do coração, sem santificação pessoal e sem renovação da vida eclesial.

Além disso, um papel muito singular é desempenhado pelas comunidades de vida consagrada e os movimentos espirituais fundados recentemente, na promoção do encontro com as antigas e veneráveis Igrejas do Oriente, caracterizadas pelo seu espírito monástico. Sinais encorajadores de uma promissora retomada da vida espiritual estão presentes também no âmbito das Comunidades eclesiais do Ocidente, e fico feliz pelos intercâmbios recíprocos que se estão a realizar entre todas estas diversas realidades cristãs.

Também não se podem esquecer os casos em que certos eclesiásticos de outras Igrejas frequentam as Universidades católicas: hóspedes dos nossos seminários, eles participam na vida dos estudantes em conformidade com a disciplina eclesial em vigor. A experiência mostra que isto leva a uma enriquecimento mútuo.

1710 6. Os bons votos que hoje exprimimos em conjunto são para que a espiritualidade da comunhão cresça cada vez mais! Possa confirmar-se em cada um de nós como escrevi na Carta Apostólica Novo millennio ineunte a capacidade de ver no irmão de fé, na unidade do Corpo místico, "como "um que faz parte de mim", para saber partilhar as suas alegrias e os seus sofrimentos" (NMI, n. 43).

Que nos seja concedido ver "o que há de positivo no outro, para o acolher e valorizar como dom de Deus: um "dom para mim", como o é para o irmão que directamente o recebeu" (Ibidem). Ninguém se iluda! Sem uma autêntica espiritualidade da comunhão, os instrumentos exteriores da comnhão "revelar-se-iam mais como estruturas sem alma, máscaras de comunhão, do que como vias para a sua expressão e crescimento" (Ibidem).

Por conseguinte, continuemos com coragem e paciência ao longo deste caminho, confiando no poder do Espírito! Não nos cabe a nós, fixar os tempos e os prazos; para nós, é suficiente a promessa do Senhor!

Fortalecidos pela palavra de Cristo, não cederemos ao cansaço mas, pelo contrário, intensificaremos os esforços e a oração pela unidade. Nesta tarde, ressoe confortador no nosso coração o seu convite: "Duc in altum!". Caminhemos em frente, confiando sempre nele. Amen!







NA FESTIVIDADE DA APRESENTAÇÃO


DO SENHOR NO TEMPLO E RECORDANDO


A "JORNADA MUNDIAL DA VIDA CONSAGRADA"


1 de fevereiro de 2003




1. "Quando se cumpriu o tempo da sua purificação, segundo a lei de Moisés, levaram-no a Jerusalém para O apresentarem ao Senhor" (Lc 2,22). O Menino Jesus entra no Templo de Jerusalém nos braços da Virgem Mãe.

"Nascido de mulher, nascido sujeito à Lei" (Ga 4,4), Ele segue o destino de cada primogénito varão do seu povo: segundo a Lei do Senhor, deve ser "resgatado" com um sacrifício, quarenta dias depois do nascimento (cf. Êx Ex 13,2 Êx Ex 13,12 Lv 12,1-8).

Aquele recém-nascido, aparentemente em tudo semelhante aos outros, não passa despercebido: o Espírito Santo abre os olhos da fé ao velho Simeão, que se aproxima e, tomando o Menino nos braços, reconhece nele o Messias e louva a Deus (cf. Lc Lc 2,25-32). Este Menino profetiza ele será luz das gentes e glória de Israel (cf. ibid.,v. 32), mas também "sinal de contradição" (Ibid., v. 34) porque, segundo as Escrituras, realizará o juízo de Deus. E à Mãe admirada, o piedoso ancião prediz que isto acontecerá através de um sofrimento, em que também Ela há-de participar (cf. ibid., v. 35).

2. Quarenta dias depois do Natal, a Igreja celebra este sugestivo mistério gozoso que, de certa forma, antecipa o sofrimento da Sexta-Feira Santa e a alegria da Páscoa. A tradição oriental denomina esta solenidade como a "festa do encontro" porque, no espaço sagrado do Templo de Jerusalém, tem lugar o abraço entre a bondade de Deus e a expectativa do povo eleito.

E tudo isto adquire significado e valor escatológico em Cristo: Ele é o Esposo que vem cumprir a aliança nupcial com Israel. Muitas pessoas são chamadas, mas quantas estão efectivamente prontas a recebê-lo, com a mente e o coração vigilantes (cf. Mt Mt 22,14)? Na liturgia do dia de hoje contemplamos Maria, modelo daqueles que esperam e abrem com docilidade o coração para o encontro com o Senhor.

3. Nesta perspectiva, a festividade da Apresentação de Jesus no Templo revela-se particularmente adequada para acolher o louvor reconhecido das pessoas consagradas e, com razão, é desde há alguns anos, que se celebra precisamente nesta data a "Jornada Mundial da Vida Consagrada". A imagem de Maria que, no Templo, oferece a Deus o Filho, fala com eloquência ao coração dos homens e das mulheres que fizeram total oblação de si mesmos ao Senhor, mediante os votos de pobreza, castidade e obediência pelo Reino dos Céus.

1711 O tema da oferenda espiritual mistura-se com o tema da luz, intoduzido pelas palavras de Simeão. Assim, a Virgem manifesta-se como um candelabro que apresenta Jesus, "Luz do mundo". Juntamente com Maria, milhares de religiosos, religiosas e leigos consagrados estão reunidos no dia de hoje, no mundo inteiro, para renovar a sua consagração, tendo nas mãos os círios acesos, expressão da sua ardente existência de fé e de amor.

4. Também aqui, na Basílica de São Pedro, se eleva nesta tarde uma solene acção de graças a Deus pelo dom da vida consagrada, tanto na Diocese de Roma como na Igreja universal. Saúdo com profunda cordialidade o Senhor Cardeal Eduardo Martínez Somalo, Prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, assim como os seus colaboradores. Saúdo-vos com afecto também a todos vós, Irmãos e Irmãs, religiosos, religiosas e leigos consagrados! Com a vossa numerosa, devota e alegre esperança, vós assumis nesta assembleia litúrgica o rosto da Igreja-Esposa que, como Maria, está totalmente orientada para a plena conformação com a Palavra divina.

Do alto dos seus nichos, ao longo das paredes desta Basílica, os Fundadores e as Fundadoras de muitos dos vossos Institutos velam sobre vós. Eles recordam o mistério da comunhão dos Santos, em virtude da qual, na Igreja peregrina, se renova de geração em geração a escolha de seguir Cristo com uma especial consagração, segundo os múltiplos carismas suscitados pelo Espírito. Ao mesmo tempo, estas veneráveis figuras convidam-nos a dirigir o olhar para a Pátria celestial onde, na assembleia dos Santos, muitas almas consagradas louvam em plena bem-aventurança o Deus Uno e Trino a quem, na terra, amaram e serviram com o coração livre e indivisível.

5. Pobreza, castidade e obediência são as características distintivas do homem redimido, interiormente resgatado da escravidão do egoísmo. Livres para amar, livres para servir: assim são os homens e as mulheres que renunciam a si mesmos pelo Reino dos Céus. Seguindo Cristo, crucificado e ressuscitado, eles vivem esta liberdade como solidariedade, assumindo os pesos espirituais e materiais dos seus irmãos.

Trata-se do multiforme "servitium caritatis", que se exerce no claustro e nos hospitais, nas paróquias e nas escolas, no meio dos pobres e dos migrantes, e também nos novos areópagos da missão. De numerosas formas, a vida consagrada é epifania do amor de Deus no mundo (cf. Exortação Apostólica Vita consecrata, cap. III).

Com a alma reconhecida, no dia de hoje damos graças a Deus por cada um deles. Por intercessão da Virgem Maria, o Senhor enriqueça cada vez mais a sua Igreja com este grandioso dom. Para o louvor e a glória do seu amor, e para a difusão do seu Reino. Amen!







POR OCASIÃO DA QUARTA-FEIRA DE CINZAS


NA BASÍLICA DE SANTA SABINA


5 de Março de 2003

1. "Tocai a trombeta em Sião, ordenai um jejum. Convocai a assembleia, reuni o povo. Determinai uma santa assembleia" (Jl 2,15-16).


Estas palavras do profeta Joel esclarecem a dimensão comunitária da penitência. Sem dúvida, o arrependimento não pode partir senão do coração que, segundo a antropologia bíblica, é a sede das profundas intenções do homem. Porém, os actos penitenciais devem ser vividos também juntamente com os membros da comunidade.

Especialmente nos momentos difíceis, a seguir a uma desventura ou a um perigo, a Palavra de Deus, pela boca dos profetas, costumava convocar os fiéis para uma mobilização penitencial: todos estão convocados, sem qualquer excepção, desde os idosos até às crianças; todos unidos, para implorar de Deus a misericórdia e o perdão (cf. Jl Jl 2,16-18).

2. A Comunidade cristã escuta este forte convite à conversão, no momento em que se prepara para empreender o itinerário quaresmal, que começa com o antigo rito da imposição das cinzas.

1712 Sem dúvida este gesto, que alguns poderiam considerar de outros tempos, está em contraste com a mentalidade do homem moderno, mas isto leva-nos a aprofundar o seu sentido, descobrindo a sua singular força de impacto.

Impondo as cinzas sobre a cabeça dos fiéis, o celebrante repete: "Recorda-te que tu és pó, e em pó te hás-de tornar". Voltar a ser pó é a sorte que, aparentemente, irmana homens e animais. Porém, o ser humano não é apenas carne, mas também espírito; se a carne tem como destino o pó, o espírito é feito para a imortalidade. Além disso, o crente sabe que Cristo ressuscitou, derrotando a morte também no seu corpo. Ele caminha na esperança, rumo a esta perspectiva.

3. Portanto, receber as cinzas sobre a cabeça significa reconhecer-se como criatura, feita de terra e destinada para a terra (cf. Gn
Gn 3,19); significa, ao mesmo tempo, proclamar-se pecador, necessitado do perdão de Deus, para poder dar nova vida à esperança do encontro definitivo com Cristo, na glória e na paz do Céu.

Esta perspectiva de alegria compromete os cristãos a fazer todo o possível para antecipar no tempo presente um pouco da paz futura. Isto pressupõe a purificação do coração e o fortalecimento da comunhão com Deus e os irmãos. Esta é a finalidade da oração e do jejum para os quais, diante das ameaças da guerra que incumbem sobre o mundo, convidei os fiéis. Com a oração, pomo-nos totalmente nas mãos de Deus e somente dele esperamos a paz autêntica. Com o jejum, preparamos o coração para receber do Senhor a paz, dom por excelência e sinal privilegiado da vinda do seu Reino.

4. Porém, a oração e o jejum devem ser acompanhados de obras de justiça; a conversão deve traduzir-se em acolhimento e solidariedade. A este propósito, o antigo Profeta admoesta: "O jejum que aprecio é este (...): abrir as prisões injustas, desatar os nós do jugo, deixar ir livres os oprimidos, quebrar toda a espécie de jugo" (Is 58,6).

Não haverá paz na terra, enquanto perdurarem as opressões dos povos, as injustiças sociais e os desequilíbrios económicos ainda hoje existentes. Mas para as grandes e desejáveis mudanças estruturais, não são suficientes iniciativas e intervenções exteriores; exige-se sobretudo a conversão do coração de todos ao amor.

5. "Convertei-vos a mim de todo o vosso coração" (Jl 2,12). Poderíamos dizer que a mensagem da celebração de hoje se concentra nesta profunda exortação de Deus à conversão do coração.

Este convite é repetido pelo apóstolo Paulo, na segunda Leitura: "Suplicamos-vos, pois, em nome de Cristo: reconciliai-vos com Deus... Este é o tempo favorável; este é o dia da salvação" (2Co 5,20 2Co 6,2).

Caros Irmãos e Irmãs, eis o momento favorável para revermos a nossa atitude em relação a Deus e aos irmãos.

Eis o dia da salvação, em que devemos examinar profundamente os critérios que nos orientam na nossa conduta quotidiana.

Senhor, ajudai-nos a voltar com todo o nosso coração para Vós, Caminho que conduz para a salvação, Verdade que liberta e Vida que não conhece a morte.





NA SANTA MISSA PARA A BEATIFICAÇÃO


DE CINCO SERVOS DE DEUS


1713
Domingo, 23 de Março de 2003

1. "Deus amou de tal modo o mundo, que lhe deu o seu único Filho; quem nele crer, terá a vida eterna" (Aclamação ao Evangelho, cf. Jo Jn 3,16). Estas palavras da Liturgia de hoje, terceiro domingo da Quaresma, convidam-nos a contemplar, com os olhos da fé, o grande Mistério que celebraremos na Páscoa. É o dom pleno e definitivo de Deus, realizado na morte e na ressurreição de Jesus.


O Mistério da redenção, em que todos os fiéis são chamados a participar, foi vivido de maneira singular pelos novos Beatos que, hoje, tenho a alegria de elevar à glória dos altares: Pedro Bonhomme, presbítero, fundador da Congregação das Irmãs de Nossa Senhora do Calvário; Maria Dolores Rodríguez Sopeña, virgem, fundadora do Instituto Catequético "Dolores Sopeña"; Maria Caridade Brader, virgem, fundadora da Congregação das Irmãs Franciscanas de Maria Imaculada; Joana Maria Condesa Lluch, fundadora da Congregação das Servas de Maria Imaculada; e Ladislau Batthyány-Strattmann, leigo, pai de família.

Pedro Bonhomme

2. "O mandamento do Senhor é transparente, é luz para os olhos" (Ps 19 [18], 9). Naturalmente, isto aplica-se ao padre Pedro Bonhomme, que encontrou na escuta da Palavra de Deus, de maneira especial nas Bem-Aventuranças e nas narrações da Paixão do Senhor, a orientação para viver na intimidade com Cristo e para O imitar, guiado por Maria. A meditação da Escritura foi a fonte incomparável da sua actividade pastoral, em particular da sua atenção aos pobres, aos doentes, aos surdos-mudos e às pessoas portadoras de deficiência, para os quais ele fundou o Instituto das "Irmãs de Nossa Senhora do Calvário". A exemplo do novo Beato, nós podemos repetir: "O meu modelo será Jesus Cristo; é agradável assemelhar-se àquele que se ama". Possa o padre Pedro Bonhomme encorajar-nos a ter familiaridade com a Escritura, para amarmos o Salvador e sermos as suas testemunhas incansáveis, com a palavra e a vida!

Maria Dolores Rodríguez Sopeña

3. "Eu sou o Senhor, teu Deus, que te fez sair da terra do Egipto, da casa da escravidão" (Ex 20,1). A grande revelação do Sinai mostra-nos Deus que resgata e liberta de toda a escravidão, levando depois à plenitude este desígnio no mistério redentor do seu único Filho, Jesus Cristo. Como deixar de fazer chegar esta sublime mensagem, sobretudo aos que não O sentem no seu coração, porque não conhecem o Evangelho?

Maria Dolores Rodríguez Sopeña sentiu esta necessidade e quis enfrentar o desafio de tornar presente a redenção de Cristo no mundo do trabalho. Por isso, propôs-se como meta "fazer de todos os homens uma só família em Jesus Cristo" (Constituições de 1907).

Este espírito cristalizou-se nas três entidades fundadas pela nova Beata: o Movimento dos Leigos Sopeña, o Instituto de Damas Catequistas, hoje chamadas Catequistas Sopeña, e a Obra Social e Cultural Sopeña. Através delas, na Espanha e na América Latina, tem continuidade uma espiritualidade que fomenta a construção de um mundo mais justo, anunciando a mensagem salvífica de Jesus Cristo.

Joana Maria Condesa Lluch

4. "Trabalha durante seis dias e faz todas as tuas tarefas. Porém, o sétimo dia é o sábado dedicado ao Senhor, teu Deus" (Ex 20,9-10). A leitura do Êxodo, que acábamos de escutar, recorda-nos o dever de trabalhar, para colaborar com o nosso esforço na obra do Criador e, assim, construir um mundo melhor e mais humano. Contudo, no século XIX a inserção da mulher no trabalho assalariado, fora do lar, aumentou os perigos para a sua vida de fé e a sua dignidade humana. Deu-se conta disto a Beata Joana Maria Condesa Lluch, impelida pela sua extraordinária sensibilidade religiosa. Ela teve uma juventude profundamente cristã: participava na missa todos os dias, na igreja do Patriarca, revigorando a sua fé com a oração assídua. Assim, preparava-se para se entregar totalmente ao amor de Deus, fundando a Congregação das Servas de Maria Imaculada que, fiel ao seu carisma, continua a comprometer-se na promoção da mulher trabalhadora.

1714 Maria Caridade Brader

5. "Nós, porém, anunciamos Cristo crucificado... poder de Deus e sabedoria de Deus" (
1Co 1,23-24). Na segunda leitura de hoje, São Paulo narra como anunciava Jesus Cristo, inclusivamente àqueles que esperavam sobretudo o poder ou a sabedoria humana. O cristão deve anunciar sempre o seu Senhor, sem se deter perante as dificuldades, por maiores que elas sejam.
Ao longo da história, muitos homens e mulheres anunciaram o Reino de Deus no mundo inteiro. Entre eles, é necessário mencionar a Madre Maria Caridade Brader, fundadora da Congregação das Irmãs Franciscanas de Maria Imaculada.

Da intensa vida religiosa no convento de "Maria Hilf", na sua pátria suíça, um dia a nova Beata partiu para se dedicar, primeiro no Equador e depois na Colômbia, inteiramente à missão ad gentes. Com confiança incondicional na Providência Divina, fundou escolas e institutos, sobretudo nos bairros pobres, difundindo assim uma profunda devoção eucarística.

Quando estava prestes a morrer, disse às suas Irmãs: "Não abandoneis as boas obras da Congregação, as esmolas e muita caridade aos pobres e entre as irmãs, bem como a adesão aos bispos e sacerdotes". Que bonita lição de vida missionária, ao serviço de Deus e dos homens!

Ladislau Batthyány-Strattmann

6. "A fraqueza de Deus é mais forte do que os homens" (1Co 1,25). Estas palavras do Santo Apóstolo Paulo reflectem a devoção e o estilo de vida do Beato Ladislau Batthyány-Strattmann, pai de família e médico. Ele utilizou a rica herança dos seus nobres antepassados, para curar gratuitamente os pobres e para construir dois hospitais. O seu maior interesse não eram os bens materiais, e tão-pouco o sucesso e a carreira foram os objectivos da sua vida. Ele ensinou e viveu tudo isto na sua família, tornando-se desta maneira a melhor testemunha da fé para os seus filhos. Tirando a sua força espiritual da Eucaristia, mostrou a quantos a Providência Divina lhe enviava, a fonte da sua vida e da sua missão.

O Beato Ladislau Batthyány-Strattmann nunca antepôs as riquezas da terra ao verdadeiro bem que está nos céus. O seu exemplo de vida familiar e de generosa solidariedade cristã seja um encorajamento para todos seguirem fielmente o Evangelho.

7. A santidade dos novos Beatos estimula-nos a tender, também nós, para a perfeição evangélica, pondo em prática todas as palavras de Jesus. Sem dúvida, trata-se de um itinerário ascético comprometedor, mas possível para todos.

A Virgem Maria, Rainha de todos os Santos, nos ajude com a sua intercessão maternal.
Estes novos Beatos sejam os nossos guias seguros rumo à santidade. Amen!



NA CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA NO DOMINGO DE RAMOS


1715
13 de Abril de 2003



1. "Bendito seja o que vem em nome do Senhor! (Mc 11,9).


A liturgia do Domingo de Ramos é como que um Pórtico de ingresso solene na Semana Santa.

Associa dois momentos entre si contrastantes: o acolhimento de Jesus em Jerusalém e o drama da Paixão; o "Hosana!" de festa e o grito repetido várias vezes: "Crucificai-O"; a entrada triunfal e a derrota aparente da morte na Cruz. Assim, antecipa o "momento" em que o Messias deverá sofrer muito, será morto e ressuscitará no terceiro dia (cf. Mt Mt 16,21), e prepara-nos para viver em plenitude o mistério pascal.

2. "Solta gritos de júbilo, filha de Jerusalém! Eis que o teu rei vem a ti" (Za 9,9). A Cidade em que vive a memória de David rejubila ao receber Jesus; a Cidade dos profetas, muitos dos quais nela sofreram o martírio por causa da verdade; a Cidade da paz, que ao longo dos séculos conheceu a violência, a guerra e a deportação.

De certa forma, Jerusalém pode ser considerada a Cidade-símbolo da humanidade, sobretudo no dramático começo do terceiro milénio que estamos a viver. Por isso, os ritos do Domingo de Ramos adquirem uma particular eloquência. Ressoam confortadoras as palavras de Zacarias:

"Exulta de alegria, filha de Sião! Solta gritos de júbilo, filha de Jerusalém! Eis que o teu rei vem a ti: ele é justo e vitorioso, humilde, montado num jumento... o arco de guerra será quebrado. Proclamará a paz para as nações" (9, 9-10). Hoje estamos em festa, porque Jesus, o Rei da paz, entra em Jerusalém.

3. Então, ao longo da descida do monte das Oliveiras, accorreram ao encontro de Cristo os jovens e as moças de Jerusalém, aclamando e agitando ramos de oliveira e de palmeira.
Hoje, quem o acolhe são os jovens de todo o mundo, que em cada Comunidade diocesana celebram a décima oitava Jornada Mundial da Juventude.

Saúdo-vos com grande afecto, queridos jovens de Roma, e também a vós, que viestes em peregrinação de vários Países. Saúdo os numerosos responsáveis da pastoral juvenil, que participam no Congresso sobre os Dias Mundiais da Juventude, organizado pelo Pontifício Conselho para os Leigos. E como não exprimir a solidariedade fraterna aos vossos coetâneos provados pela guerra e pela violência no Iraque, na Terra Santa e em diversas outras regiões do mundo?

Acolhamos hoje com fé e alegria Cristo, que é o nosso "rei": rei de verdade, de liberdade, de justiça e de amor. São estes os quatro "pilares" sobre os quais é possível construir o edifício da verdadeira paz, como escreveu há quarenta anos na Encíclica Pacem in terris o beato Papa João XXIII. Entrego-vos espiritualmente a vós, jovens de todo o mundo, este Documento histórico, actual como nunca: lede-o, meditai-o, esforçai-vos por pô-lo em prática. Sereis então "bem-aventurados", porque filhos autênticos do Deus da paz (cf. Mt Mt 5,9).

1716 4. A paz é dom de Cristo, que ele nos obteve com o sacrifício da Cruz. Para a obter de modo eficaz é preciso subir com o Mestre divino até ao Calvário. E quem nos pode guiar melhor, nesta subida, do que Maria, que precisamente aos pés da Cruz nos foi dada como Mãe no apóstolo fiel, São João? Para ajudar os jovens a descobrir esta maravilhosa realidade espiritual, escolhi como tema da Mensagem para o Dia Mundial da Juventude deste ano as palavras de Cristo na Cruz: Eis aí a tua mãe! (Jn 19,27). Ao aceitar este testamento de amor, João recebeu Maria em sua casa (cf. Jo Jn 19,27), isto é, recebeu-a na sua vida, partilhando com ela uma proximidade espiritual completamente nova. O vínculo profundo com a Mãe do Senhor levará o "discípulo amado" a tornar-se o apóstolo daquele Amor que ele tinha obtido do Coração de Cristo através do Coração imaculado de Maria.

5. "Eis aí a tua mãe!". Queridos amigos, Jesus dirige estas palavras a cada um de vós. Pede-vos também que recebais Maria como mãe "na vossa casa", que a acolhais "entre os vossos bens", porque "é ela quem, ao desempenhar o seu ministério materno, vos educa e vos modela até que Cristo esteja plenamente formado em vós" (Mensagem, 3). Maria faça com que respondais generosamente à chamada do Senhor, e persevereis com alegria e fidelidade na missão cristã!
Ao longo dos séculos, quantos jovens ouviram este convite e quantos continuam a ouvi-lo também nos nossos dias.

Jovens do terceiro milénio, não receeis oferecer a vossa vida como resposta total a Cristo! Ele, só Ele muda a vida e a história do mundo.

6. "Verdadeiramente este homem era o Filho de Deus!" (Mc 15,39). Ouvimos de novo a clara profissão de fé, pronunciada pelo centurião, que "O viu expirar daquela maneira" (Ibid.). Daquilo que viu, surge o testemunho surpreendente do soldado romano, o primeiro que proclamou que aquele homem crucificado "era o Filho de Deus".

Senhor Jesus, também nós vimos como sofrestes e como morrestes por nós. Fiel até ao extremo, tu nos libertaste da morte com a tua morte. Com a tua Cruz nos redimiste.
Tus és, Maria, Mãe das dores, a testemunha silenciosa daqueles momentos decisivos para a história da salvação.

Doa-nos os teus olhos para que reconheçamos no rosto do Crucificado, desfigurado pelo sofrimento, a imagem do Ressuscitado glorioso.

Ajuda-nos a abraçá-l'O e a confiar n'Ele, para que sejamos dignos das suas promessas.
Ajuda-nos a ser-Lhe fiéis hoje e em toda a nossa vida. Amen!



Homilias JOÃO PAULO II 1708