Homilias JOÃO PAULO II 1716


HOMILIA DO PAPA JOÃO PAULO II

NA MISSA CRISMAL DE QUINTA-FEIRA SANTA

17 de Abril de 2003


1717
1. "Com a unção do Espírito Santo constituiste a Cristo, teu Filho, Pontífice da nova e eterna aliança".


Estas palavras, que escutaremos daqui a pouco no Prefácio, constituem uma adequada catequese sobre o Sacerdócio de Cristo. Ele é o Sumo Pontífice dos bens futuros, que quis perpetuar o seu Sacerdócio na Igreja através do serviço dos ministros ordenados, aos quais confiou o dever de pregar o Evangelho e de celebrar os Sacramentos da salvação.

Esta sugestiva celebração, que na manhã de Quinta-Feira Santa vê reunidos à volta do altar os Presbíteros com o seu Bispo, em certo sentido, constitui uma "introdução" ao sagrado Tríduo Pascal. Nela são benzidos os Óleos e o Crisma, que servirão para a unção dos catecúmenos, para o conforto dos doentes e para a administração do Crisma e das Ordens Sacras.

Os Óleos e o Crisma, intimamente ligados com o Mistério Pascal, contribuem eficazmente para a renovação da vida da Igreja, através dos Sacramentos. O Espírito Santo, mediante estes sinais sacramentais, não cessa de santificar o povo cristão.

2. "Cumpriu-se hoje esta passagem da Escritura, que acabais de ouvir" (
Lc 4,21). A página evangélica há pouco proclamada na nossa assembleia reconduz-nos à sinagoga de Nazaré, onde Jesus, aberto o livro de Isaías, começou a ler: "O Espírito do Senhor está sobre Mim, porque Me ungiu" (Lc 4,18). Ele aplica a si o oráculo do Profeta, concluindo: "Cumpriu-se hoje esta passagem da Escritura" (v. 21).

Todas as vezes que a assembleia litúrgica se reúne para celebrar a Eucaristia actualiza-se este "hoje". Torna-se presente e eficaz o mistério de Cristo, único e eterno Sacerdote da nova e eterna Aliança.

A esta luz, compreendemos melhor que valor tem o nosso ministério sacerdotal. O Apóstolo convida-nos a reavivar incessantemente o dom de Deus recebido com a imposição das mãos (cf. Tm 1, 6), sustentados pela consoladora certeza de que Quem iniciou em nós esta obra a levará ao seu pleno cumprimento até ao dia de Cristo Jesus (cf. Fil Ph 1,6).

Senhores Cardeais, Veneráveis Irmãos no Episcopado, caríssimos Sacerdotes, saúdo-vos com afecto. Hoje, com a Santa Missa do Crisma, fazemos memória desta grande verdade que directamente nos diz respeito. Cristo chamou-nos a título especial, para particpar do seu Sacerdócio. Toda a vocação para o ministério sacerdotal é um dom extraordinário do amor de Deus e, ao mesmo tempo, um mistério profundo, que se refere aos imperscrutáveis desígnios divinos e ao mais profundo da consciência humana.

3. "Cantarei para sempre o amor do Senhor" (Salmo responsorial). Com o espírito cheio de gratidão, renovaremos daqui a pouco as promessas sacerdotais. Este rito leva-nos, com a mente e o coração, ao dia inesquecível em que assumimos o compromisso de nos unirmos intimamente a Cristo, modelo do nosso sacerdócio, e de ser fiéis dispensadores dos mistérios de Deus, não nos deixando guiar por interesses humanos, mas somente pelo amor de Deus e do próximo.
Caros Irmãos no Sacerdócio, permanecemos fiéis a estas promessas? Não se extinga em nós o entusiasmo espiritual da Ordenação presbiteral. E vós, caríssimos fiéis, rezai pelos sacerdotes para que sejam dispensadores atentos dos dons da graça divina, de modo particular da misericórdia de Deus no sacramento da Confissão e do Pão de vida na Eucaristia, vivo memorial da morte e ressurreição de Cristo.

4. "De geração em geração anunciarei a sua verdade" (Antífona para a Comunhão). Cada vez que na assembleia litúrgica se celebra o sacrifício eucarístico, renova-se a "verdade" da morte e ressurreição de Cristo. É o que faremos com particular emoção esta tarde, revivendo a Última Ceia do Senhor. Para sublinhar a actualidade do grande memorial da redenção, na Missa in Cena Domini, assinarei a Encíclica com o título: Ecclesia de Eucharistia, que vos quis dirigir de modo especial a vós, caros Sacerdotes, em lugar da habitual Carta de Quinta-Feira Santa. Acolhei-a como um dom particular na ocasião do 25º aniversário do meu ministério petrino e fazei-a conhecer às almas confiadas aos vossos cuidados pastorais.

1718 A Virgem Maria, mulher "eucarística", que trouxe no seu seio o Verbo encarnado e fez de si uma oferta incessante ao Senhor, nos conduza a todos a uma compreensão cada vez mais profunda do imenso dom e mistério que é o Sacerdócio. E torne-nos dignos do seu Filho Jesus, sumo e eterno Sacerdote. Amen!



HOMILIA DO PAPA JOÃO PAULO II

NA SANTA MISSA "IN COENA DOMINI"

DE QUINTA-FEIRA SANTA


17 de Abril de 2003

1. "Amou-os até ao fim" (Jn 13,1)


Na vigília da sua Paixão e morte, o Senhor Jesus quis reunir à sua volta mais uma vez os seus Apóstolos para lhes confiar as últimas recomendações e dar-lhes o testemunho supremo do seu amor.

Entremos nós também na "grande sala do andar de cima, mobilada e já pronta" (Mc 14,15) e disponhamo-nos a ouvir os pensamentos mais íntimos que Ele nos quer confiar; disponhamo-nos, sobretudo, a acolher o gesto e o dom que Ele predispôs para este encontro extremo.

2. Eis que, durante a ceia, Jesus se levanta da mesa e começa a lavar os pés aos discípulos.

Inicialmente, Pedro opõe-se, depois compreende e aceita. Também nós somos convidados a compreender: a primeira coisa que o discípulo deve fazer é pôr-se à escuta do seu Senhor, abrindo o coração para aceitar a iniciativa do seu amor. Só depois será convidado a fazer, por sua vez, o que o Mestre fez. Também ele se deverá comprometer em "lavar os pés" aos irmãos, tranduzindo em gestos de serviço mútuo aquele amor que constitui a síntese de todo o Evangelho (cf. Jo Jn 13,1-20). Ainda durante a Ceia, sabendo que já chegara a sua "hora", Jesus abençoa e parte o pão, depois distribui-o aos Apóstolos dizendo: "Este é o Meu corpo"; e faz o mesmo com o cálice: "Este é o Meu sangue". Depois diz-lhes: "fazei isto em memória de Mim" (1Co 11,24 1Co 11,25). Nisto, verdadeiramente, está o testemunho de um amor levado "até ao extremo" (Jn 13,1). Jesus oferece-se em alimento aos discípulos para se tornar uma só coisa com eles. Mais uma vez é realçada a "lição" que é necessário aprender: a primeira coisa que deve ser feita é abrir o coração ao acolhimento do amor de Cristo. A iniciativa é sua: é o seu amor que nos torna capazes de amar, por nossa vez, os irmãos.

Eis, pois: o rito do lava-pés e o sacramento da Eucaristia: duas manifestações de um só mistério de amor confiado aos discípulos "para que diz Jesus como Eu vos fiz, façais vós também" (Jn 13,15).

3. "Fazei isto em memória de Mim" (1Co 11,24). A "memória", que o Senhor nos deixou naquela noite, coincide com o momento culminante da sua existência terrena, o momento da sua oferenda sacrificial ao Pai por amor da humanidade. É uma "memória" que se insere no contexto de uma ceia, a ceia pascal, na qual Jesus se oferece aos seus Apóstolos sob as espécies do pão e do vinho, como seu alimento no caminho para a pátria do Céu.

Mysterium fidei! Assim proclama o celebrante depois de ter pronunciado as palavras da consagração. E a assembleia litúrgica responde exprimindo com alegria a sua fé e a sua adesão repleta de esperança. Que mistério grandioso, a Eucaristia! Mistério "incompreensível" para a mente humana, mas tão luminoso aos olhos da fé! A Mesa do Senhor na simplicidade dos símbolos eucarísticos o pão e o vinho partilhados revela-se também como mesa da irmandade concreta. A mensagem que provém dela é demasiado clara, e portanto não é possível ignorá-la: todos os que participam na Celebração eucarística não podem permanecer insensíveis face às expectativas dos pobres e dos necessitados.

4. Precisamente nesta perspectiva desejo que as ofertas reunidas durante esta Celebração sejam destinadas às urgentes necessidades de todos os que sofrem no Iraque devido às consequências da guerra. Um coração que experimentou o amor do Senhor abre-se espontaneamente à caridade para com os irmãos.

1719 "O sacrum convivium, in quo Christus sumitur".

Todos somos convidados, esta noite, a celebrar e a adorar pela noite fora o Senhor que se fez alimento para nós, peregrinos no tempo, oferecendo-nos o seu corpo e o seu sangue.

A Eucaristia é um grande dom para a Igreja e para o mundo. Precisamente para que seja dedicada uma atenção cada vez mais profunda ao sacramento da Eucaristia, quis oferecer a toda a Comunidade dos crentes uma Encíclica, cujo tema focal é o Mistério eucarístico: Ecclesia de Eucharistia. Daqui a pouco terei a alegria de a assinar durante esta Celebração que recorda a Última Ceia, quando Jesus se nos deixou a Si mesmo no testamento de amor supremo. Entrego-a agora e em primeiro lugar aos sacerdotes, para que, por sua vez, a difundam em benefício de todo o povo cristão.

5. Adoro te devote, latens Deitas! Nós Vos adoramos, ó admirável Sacramento da presença d'Aquele que amou os seus "até ao fim". Nós Vos agradecemos, ó Senhor, que na Eucaristia edificais, reunis e vivificais a Igreja.

Ó divina Eucaristia, chama do amor de Cristo que ardes no altar do mundo, faz com que a Igreja, por Vós confortada, seja sempre solícita em enxugar as lágrimas de quem sofre e em amparar os esforços dos que aspiram pela justiça e pela paz.

E tu, Maria, Mulher "eucarística", que ofereceste o teu seio virginal para a encarnação do Verbo de Deus, ajuda-nos a viver o Mistério eucarístico no espírito do Magnificat. Que a nossa vida seja um louvor sem fim ao Omnipotente, que se escondeu na humildade dos sinais eucarísticos.
Adoro te devote, latens Deitas...

Adoro te... adiuva me!





VIGÍLIA PASCAL

JOÃO PAULO II
Sábado Santo, 19 de abril de 2003



1. «Não vos assusteis. Buscais a Jesus de Nazaré, o crucificado? Ressuscitou, não está aqui» (Mc 16,6).

Na manhã do primeiro dia depois do sábado, como narra o Evangelho, algumas mulheres vão ao sepulcro para venerar o corpo de Jesus, que, tendo sido crucificado na Sexta-feira, foi envolvido às pressas num lençol e lá depositado. Procuram-no, mas não o encontram: não está mais no lugar onde foi sepultado. D'Ele restam somente os sinais do enterro: o túmulo vazio, as ligaduras, o lençol. As mulheres, no entanto, ficam assustadas à vista de um «jovem trajado com uma veste branca», que lhes anuncia: «Ressuscitou, não está aqui».

1720 Desde então, esta notícia desconcertante, destinada a mudar a sorte da história, continua a repercutir de geração em geração: um anúncio antigo e sempre novo. Mais uma vez ressoou durante esta Vigília pascal, mãe de todas as vigílias, e vai-se difundindo nestas horas por toda a Terra.

2. Ó sublime mistério desta Noite Santa! Noite na qual revivemos o extraordinário evento da Ressurreição! Se Cristo tivesse permanecido prisioneiro do sepulcro, a humanidade e toda a criação, de certo modo, teriam perdido o próprio sentido. Mas Vós, Cristo, realmente ressuscitastes!

Então cumprem-se as Escrituras que faz pouco acabamos novamente de ouvir na liturgia da Palavra, percorrendo outra vez as etapas de todo o plano salvífico. Ao início da criação «Deus, vendo toda a Sua obra, considerou-a muito boa» (
Gn 1,31). A Abraão prometera: «Todas as nações da terra serão abençoadas na tua descendência» (Gn 22,18). Foi-nos proposto novamente um dos mais antigos cantos da tradição hebraica, que revela o significado do antigo êxodo quando «o Senhor livrou Israel das mãos dos egípcios» (Ex 14,30). Ainda hoje continuam verificando-se as promessas dos Profetas: «Dentro de vós porei o meu espírito, fazendo com que sigais as minhas leis...» (Ez 36,27).

3. Nesta noite de Ressurreição inicia-se tudo novamente desde o «princípio»; a criação recupera o seu autêntico significado no plano da salvação. É como um novo início da história e do cosmo, porque Cristo ressuscitou dos mortos «como primícias dos que morreram» (1Co 15,20). Ele, «o último Adão», tornou-se «espírito vivificante» (1Co 15,45).

O mesmo pecado dos nossos primeiros pais vem a ser cantado no Precónio pascal como «felix culpa», «ditosa culpa, que nos mereceu tão grande Redentor!». Onde abundou o pecado, sobreabundou agora a Graça e «a pedra que os construtores rejeitaram tornou-se pedra angular» (Sal resp.) de um edifício espiritual indestrutível.

Nesta Noite Santa nasceu um povo novo com o qual Deus estabeleceu uma eterna aliança no sangue do Verbo encarnado, crucificado e ressuscitado.

4. Entra-se a fazer parte do povo dos redimidos mediante o Baptismo. «Sepultámo-nos com Ele, pelo Baptismo, na morte, - lembrou-nos o apóstolo Paulo na Carta aos Romanos - e assim como Cristo ressuscitou dos mortos, por meio da glória do Pai, também nós caminharemos numa vida nova» (6,4).

Esta exortação é especialmente para vós, caríssimos catecúmenos, aos quais dentro de pouco a Igreja Mãe comunicará o grande dom da vida divina. A Providência divina conduziu-vos aqui de diversos Países, junto ao túmulo de São Pedro, para receber os Sacramentos da iniciação cristã: o Baptismo, a Confirmação e a Eucaristia. Ingressai, assim, na Casa do Senhor, vinde consagrados com óleo de alegria e podei alimentar-vos do Pão do céu.

Amparados pela força do Espírito Santo, perseverai na vossa fidelidade a Cristo, e proclamai com coragem o seu Evangelho.

5. Caríssimos Irmãos e Irmãs aqui presentes! Também nós nos uniremos dentro de pouco aos catecúmenos para renovar as promessas do nosso Baptismo. Renunciaremos novamente a Satanás e às suas obras, para aderir firmemente a Deus e aos seus projectos de salvação. Exprimiremos assim um compromisso mais decidido de vida evangélica.

Maria, testemunha gozosa do evento da Ressurreição, a todos ajude a caminhar «numa vida nova»; torne cada qual consciente de que, tendo sido crucificado com Cristo nosso homem velho, devemos considerar-nos e comportar-nos como homens novos, e «vivos para Deus, em Cristo Jesus» (cf. Rm Rm 6,4 Rm Rm 6,11)


HOMILIA DO PAPA JOÃO PAULO II

NAS SOLENES EXÉQUIAS

DO CARDEAL AURÉLIO SABATTANI


1721
Quinta-feira, 24 de Abril de 2003





1. "Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça... Bem-aventurados os pacificadores" (
Mt 5,6 Mt 5,9).

Há pouco ouvimos de novo, durante esta celebração com a qual nos despedimos do venerado Cardeal Aurélio Sabattani, a página evangélica das Bem-aventuranças. Quantas vezes ele teve a oportunidade de a meditar durante a sua longa existência!

"Bem-aventurados!". Jesus proclama bem-aventurados todos aqueles que o seguiram dia após dia, indo contra a corrente em relação à lógica do mundo. Nesta multidão dos seus discípulos fiéis parece-nos que, mesmo dentro dos limites de qualquer existência humana, se encontra também este nosso irmão, que prestou um múltiplo e generoso serviço à Igreja. Oferecemos esta Liturgia eucarística em sufrágio pela sua alma, pedindo ao Senhor que seja misericordioso com ele e que lhe conceda a bem-aventurança prometida aos pobres em espírito, aos mansos, aos misericordiosos, aos pacificadores, e a quantos têm fome e sede de justiça.

2. "Exultai e alegrai-vos, porque grande será a vossa recompensa nos Céus" (Mt 5,12). A nossa habitação definitiva e a nossa "recompensa", como recorda Jesus no Evangelho, não são nesta terra, mas no Céu. Estava bem consciente disto o saudoso Cardeal que, no testamento espiritual recomenda aos seus queridos que "vivam na fé e na graça de Deus, única coisa que tem valor definitivo". De facto, ele sabia muito bem que, precisamente conformando a própria vontade com a de Cristo, sobretudo nos momentos difíceis e dolorosos da vida, o crente se torna digno das bem-aventuranças evangélicas. Só abandonando-se com confiança nas mãos do Senhor e cultivando em qualquer circunstância uma ininterrupta intimidade com Ele, nos tornamos verdadeiros "filhos de Deus".

3. "Porque, para mim, o viver é Cristo e o morrer é lucro" (Ph 1,21). Assim podia dizer de si o apóstolo Paulo, no final da sua existência. Sentimentos análogos são expressos pelo saudoso Cardeal no seu testamento espiritual. Ao reconhecer ter recebido de Deus, em abundância, contínuos e singulares benefícios, apresentou-se agora ao seu julgamento, depois de ter ele próprio exercido o cargo de juiz na Igreja. Apresentou-se com confiança serena, como ele declara, consciente de ter agido sempre movido pelo desejo de servir Cristo e a Igreja.
Cristo foi "constituído por Deus, Juiz dos vivos e dos mortos" afirma o apóstolo Pedro na primeira leitura (Ac 10,42), que há pouco foi proposta à nossa atenção. O Cardeal Sabattani procurou viver em união com Ele, esforçando-se por concretizar os seus ensinamentos. Isto é também para nós motivo de conforto no momento da despedida. Quem confia no Senhor, recordou-nos o Salmo responsorial, nada tem a recear mesmo quando deve caminhar por vales tenebrosos (cf. Sl Ps 23 [22]).

4. Parece justo ler de novo, precisamente nesta perspectiva, a longa vicissitude terrena do Cardeal Aurélio Sabattani e especialmente os últimos anos marcados por não poucos sofrimentos. Licenciado em "utroque iure", depois da ordenação sacerdotal trabalhou, primeiro, na Secretaria de Estado e, depois, na sua Diocese de Ímola. Tendo voltado para Roma, foi nomeado Prelado Auditor da Rota Romana.

O meu venerado Predecessor, o Servo de Deus Paulo VI, em 1965 nomeou-o Arcebispo e Prelado da Santa Casa de Loreto, onde permaneceu até 1971.

Voltando para Roma com o cargo de Secretário do Supremo Tribunal da Signatura Apostólica, teve a ocasião de participar em vários Congressos internacionais, fazendo-se apreciar pelas suas capacidades de canonista brilhante e iluminado.

Membro do Colégio Cardinalício a partir de 1983 com o Título de Santo "Apollinare alle Terme", dedicou-se com empenho na administração da justiça na qualidade de Prefeito do Supremo Tribunal da Signatura Apostólica. Em seguida, foi Arcipreste da Patriarcal Basílica Vaticana, Vigário-Geral para a Cidade do Vaticano e Presidente da Fábrica de São Pedro.

1722 5. Agora, tendo terminado a peregrinação terrena, ele chegou àquela pátria celeste, que o Senhor reserva aos seus servos fiéis.

O Mistério pascal, que estamos a celebrar solenemente nesta Oitava, assume hoje para nós um significado eloquente. A vida recebida com o Baptismo não acaba com a morte, porque Cristo, ao morrer na Cruz, venceu o poder da morte. "Na ordem humana recordei durante a Via Crucis no Coliseu a morte é a última palavra. A palavra que vem a seguir, a palavra da ressurreição, pertence unicamente a Deus".

Por isso, no Prefácio nós repetimos com abandono confiante as palavras da esperança cristã: "Aos teus fiéis, Senhor, não lhes é tirada a vida mas transformada e, enquanto se destrói a habitação deste exílio terreno, é preparada uma habitação eterna no céu".

Daqui a pouco daremos a última saudação nesta terra ao querido Cardeal Aurélio Sabattani. Abramos o coração a este anúncio de esperança que nos é dado pela fé. Foi a mesma esperança que iluminou a vida sacerdotal e apostólica do Cardeal Sabattani.

Que a Virgem Santa, ao estreitá-lo entre os seus braços maternos, o introduza naquele Paraíso pelo qual ele viveu, trabalhou, sofreu e rezou. Que os santos o acolham e, com eles, seja bem-aventurado para sempre em Deus. Amen!



HOMILIA DO PAPA JOÃO PAULO II

NA CERIMÓNIA DE BEATIFICAÇÃO

DE SEIS SERVOS DE DEUS


27 de Abril de 2003


1. "Louvai o Senhor porque Ele é bom, porque é eterno o Seu amor" (Ps 117,1). Assim canta hoje a Igreja, neste segundo domingo de Páscoa, Domingo da Misericórdia Divina. Revela-se plenamente no mistério pascal o confortador desígnio salvífico do amor misericordioso de Deus, do qual são testemunhas privilegiadas os Santos e os Beatos do Paraíso.

Devido a uma providencial coincidência, tenho a alegria de elevar hoje às honras dos altares seis novos Beatos, precisamente neste Domingo em que celebramos a "misericórdia Divina". Em cada um deles, de modos diferentes, manifestou-se a terna e surpreendente misericórdia do Senhor: Tiago Alberione, presbítero, fundador da Família Paulina; Marco d'Aviano, presbítero, da Ordem dos Frades Menores Capuchinhos; Maria Cristina Brando, virgem, fundadora da Congregação das Irmãs Vítimas Expiadoras de Jesus Sacramentado; Eugénia Ravasco, virgem, fundadora da Congregação das Filhas dos Sagrados Corações de Jesus e de Maria; Maria Domenica Mantovani, virgem, co-fundadora do Instituto das Pequenas Irmãs da Sagrada Família; Júlia Salzano, virgem, fundadora da Congregação das Irmãs Catequistas do Sagrado Coração.

2. "Estes (sinais) foram escritos... para que, crendo, tenhais a vida em Seu nome" (Jn 20,31).A Boa Nova é uma mensagem universal destinada aos homens de todos os tempos. Ela dirige-se pessoalmente a cada um e pede para ser traduzida em vida vivida. Quando os cristãos se tornam "evangelhos vivos", transformam-se em "sinais" eloquentes da misericórdia do Senhor e o seu testemunho alcança mais facilmente o coração das pessoas. Aqueles dóceis instrumentos nas mãos da Providência divina, incidem profundamente na história. Assim aconteceu com estes seis novos Beatos, que provêm da querida Itália, terra fecunda de santos.

3. O beato Tiago Alberione intuiu a necessidade de dar a conhecer Jesus Cristo, Caminho, Verdade e Vida, "aos homens do nosso tempo com os meios do nosso tempo" como gostava de dizer , e inspirou-se no apóstolo Paulo, que definia "teólogo e arquitecto da Igreja", permanecendo sempre dócil e fiel ao Magistério do Sucessor de Pedro, "farol" de verdade num mundo muitas vezes privado de referências ideais firmes. "Haja um grupo de santos que usa estes meios", gostava de repetir este apóstolo dos tempos novos.

Ele deixa à sua Família religiosa esta formidável herança! Oxalá os seus filhos e as suas filhas espirituais mantenham inalterado o espírito das origens, para corresponder de modo adequado às exigências da evangelização no mundo de hoje.

1723 4. Em épocas e em contextos diferentes resplandeceu em santidade o beato Marco d'Aviano, em cuja alma ardia o desejo de oração, de silêncio e de adoração do mistério de Deus. Este contemplativo itinerante pelas estradas da Europa esteve no centro de uma ampla renovação espiritual graças a uma corajosa pregação acompanhada de numerosos prodígios. Profeta desarmado da misericórdia divina, foi estimulado pelas circunstâncias a empenhar-se activamente para defender a liberdade e a unidade da Europa cristã. No continente europeu, que nesses anos se abriu a novas perspectivas de cooperação, o beato Marco d'Aviano recordou que a sua unidade será tanto mais firme quanto mais estiver baseada nas comuns raízes cristãs.

5. É surpreendente o que Deus realizou através de Maria Cristina Brando. A sua é uma espiritualidade eucarística e expiadora, que se articula em duas linhas como "dois ramos que partem do mesmo tronco": o amor a Deus e o amor ao próximo. O desejo de participar na paixão de Cristo é quase que "derramado" nas obras educativas, orientadas para tornar as pessoas conscientes da sua dignidade e a abrir-se ao amor misericordioso do Senhor.

6. A beata Eugénia Ravasco dedicou-se totalmente à difusão do amor nos Corações de Cristo e de Maria. Contemplando estes dois Corações, ela apaixonou-se pelo serviço ao próximo e dedicou a sua vida com alegria aos jovens e aos pobres. Soube abrir-se com clarividência às urgências missionárias, com uma especial solicitude pelos "afastados" da Igreja.

A expressão: "fazer o bem por amor do Coração de Jesus" e "ansiar pelo desejo do bem dos outros, sobretudo da juventude", sintetiza bem o seu carisma, que confiou ao seu Instituto.

7. Na mesma linha situa-se a beata Maria Domenica Mantovani. Esta digna filha da terra de Verona, discípula do beato José Nascimbeni, inspirou-se na Sagrada Família de Nazaré para se fazer "tudo para todos", sempre atenta às necessidades do "pobre povo". Foi extraordinário o seu modo de ser fiel em todas as circunstâncias, até ao último instante, à vontade de Deus, pelo qual se sentia amada e chamada. Que exemplo bonito de santidade para cada crente!

8. E depois, o que dizer, da beata Júlia Salzano? Antecipando os tempos, foi uma apóstola da nova evangelização, na qual uniu a acção apostólica à oração, oferecida ininterruptamente sobretudo para a conversão das pessoas "indiferentes".

Esta nova Beata encoraja-nos a perseverar na fé e a nunca perder a confiança em Deus, que tudo realiza. Chamados a ser os apóstolos dos tempos modernos, oxalá os crentes se inspirem também na beata Júlia Salzano, "para infundir em muitos homens a caridade imensa de Cristo".

9. É eterna a misericórdia de Deus!", que resplandece em cada um dos novos Beatos. Através deles, Deus realizou grandes maravilhas! É verdadeiramente eterna, ó Senhor, a tua misericórdia!

Tu não abandonas quem recorre a ti. Juntamente com estes novos Beatos repetimos com confiança filial: Jesus, confio em Ti!

Ajuda-nos Maria, Mãe da Misericórdia, a proclamar com a nossa existência que "a misericórdia de Deus é eterna". Agora e sempre. Amen! Aleluia!



VIAGEM APOSTÓLICA À ESPANHA



DURANTE A SOLENE CANONIZAÇÃO


DE CINCO FILHOS DA TERRA ESPANHOLA


Domingo, 4 de Maio de 2003






1724 1. "Sede testemunhas da minha ressurreição" (cf. Lc Lc 24,46-48), diz Jesus aos seus Apóstolos na narração do Evangelho há pouco proclamado. Missão difícil e exigente, confiada a homens que, contudo, não se atrevem a mostrar-se em público, porque têm medo de ser reconhecidos como discípulos do Nazareno. Não obstante isso, a primeira leitura apresentou-nos Pedro que, uma vez recebido o Espírito Santo no Pentecostes, tem a coragem de proclamar diante do povo a ressurreição de Jesus e de exortar ao arrependimento e à conversão.

Desde então a Igreja, com a força do Espírito Santo, continua a proclamar esta extraordinária boa nova a todos os homens de todos os tempos. E o Sucessor de Pedro, peregrino em terras espanholas, repete-vos: Espanha, seguindo um passado de valorosa evangelização, sê também hoje testemunha de Jesus Cristo ressuscitado!

2. Saúdo com afecto todo o povo de Deus que veio das diversas regiões do País, e se encontra aqui reunido para participar nesta solene celebração. Dirijo uma respeitosa e deferente saudação a Suas Majestades os Reis da Espanha e à Família Real. Agradeço cordialmente as amáveis palavras do Cardeal António María Rouco Varela, Arcebispo de Madrid. Saúdo os Cardeais e Bispos espanhóis, os sacerdotes e as pessoas consagradas; saúdo também com afecto os membros dos Institutos relacionados com os novos Santos.

Agradeço particularmente pela sua presença aqui ao Presidente do Governo e aos Presidentes das Comunidades autónomas, assim como às Autoridades civis, que ofereceram a sua válida colaboração para a realização dos diversos momentos desta visita.

3. Os novos santos apresentam-se hoje diante de nós como verdadeiros discípulos do Senhor e testemunhas da sua Ressurreição.

São Pedro Poveda, ao compreender a importância da função social da educação, realizou uma importante tarefa humanitária e educativa entre os marginalizados e carentes de recursos. Foi mestre de oração, pedagogo da vida cristã e das relações entre a fé e a ciência, convencido de que os cristãos deviam contribuir com valores e compromissos substanciais para a edificação de um mundo mais justo e solidário. A sua existência culminou com o martírio.

São José María Rubio viveu o seu sacerdócio, primeiro como diocesano e depois como jesuíta, com uma entrega total ao apostolado da Palavra e dos sacramentos, dedicando muitas horas ao confessionário e dirigindo numerosos grupos de exercícios espirituais, nos quais formou muitos cristãos que, em seguida, morreram mártires durante a perseguição religiosa na Espanha. "Fazer o que Deus quer e desejar o que Deus faz" era a sua máxima.

4. Santa Genoveva Torres foi instrumento da ternura de Deus para as pessoas solitárias e necessitadas de amor, de conforto e de cuidados no seu corpo e no seu espírito. A nota característica que estimulava a sua espiritualidade era a adoração reparadora da Eucaristia, fundamento a partir do qual desenvolvia um apostolado cheio de humildade e simplicidade, de abnegação e caridade.

Semelhante amor e sensibilidade para com os pobres levou Santa Ângela da Cruz a fundar a sua "Companhia da Cruz", com uma dimensão caritativa e social em favor dos mais necessitados e com um impacto enorme na Igreja e na sociedade de Sevilha da sua época. A sua característica era a espontaneidade e a simplicidade, procurando a santidade com um espírito de mortificação, ao serviço de Deus nos irmãos.

Santa Maravilhas de Jesus viveu animada por uma fé heróica, plasmada na resposta a uma vocação austera, tendo Deus como centro da sua existência. Superadas as tristes circunstâncias da Guerra Civil espanhola, realizou novas fundações da Ordem do Carmelo presididas pelo espírito característico da reforma teresiana. A sua vida contemplativa e a clausura do mosteiro não a impediram de se dedicar às necessidades das pessoas das quais se ocupava e de promover obras sociais e caritativas ao seu redor.

5. Os novos Santos têm rostos muito concretos e a sua história é bem conhecida. Qual é a sua mensagem? As suas obras, que admiramos e pelas quais damos graças a Deus, não se devem às suas forças ou à sabedoria humana, mas à acção misteriosa do Espírito Santo, que suscitou neles uma adesão inabalável a Cristo crucificado e ressuscitado e o propósito de o imitar. Queridos fiéis católicos da Espanha: deixai-vos interpelar por estes exemplos maravilhosos!

1725 Ao dar graças ao Senhor por tantos dons que derramou na Espanha, convido-vos a pedir comigo para que nesta terra continuem a florescer novos santos. Surgirão outros frutos de santidade se as comunidades eclesiais mantiverem a sua fidelidade ao Evangelho que, segundo uma venerável tradição, foi pregado desde os primeiros tempos do cristianismo e se conservou ao longo dos séculos.

Surgirão novos frutos de santidade se a família souber permanecer unida, como autêntico santuário do amor e da vida. "A fé cristã e católica constitui a identidade do povo espanhol" disse quando fui em peregrinação a Santiago de Compostela (Discurso em Santiago, 9.11.1982).

Conhecer e aprofundar o passado de um povo significa apoiar e enriquecer a sua identidade. Não vos afasteis das vossas raízes cristãs! Só assim sereis capazes de dar ao mundo e à Europa a riqueza cultural da vossa história.

6. "Abriu-lhes o espírito à compreensão das Escrituras" (
Lc 24,45). Cristo ressuscitado ilumina os Apóstolos para que o seu anúncio possa ser compreendido e se transmita na sua integridade a todas as gerações; para que o homem, ouvindo creia, crendo espere, e esperando ame (cf. Santo Agostinho, De catechizandis rudibus, 4, 8). Ao anunciar Jesus Cristo ressuscitado, a Igreja deseja anunciar a todos os homens um caminho de esperança e acompanhá-los ao encontro com Cristo.

Ao celebrar esta Eucaristia, invoco sobre todos vós o grande dom da fidelidade aos vossos compromissos cristãos. Que Deus Pai vo-los conceda por intercessão da Santíssima Virgem venerada na Espanha com tantos títulos e dos novos Santos.





NA CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA


COM A ORDENAÇÃO DE 31 NOVOS PRESBÍTEROS


Domingo, 11 de Maio de 2003


1. "Eu sou o Bom Pastor" (Jn 10,11).

Na página evangélica, que a liturgia de hoje nos propõe, Jesus define-se a si mesmo como o Bom Pastor que oferece a vida pelo seu rebanho.

O mercenário, que não sente as ovelhas como suas, perante as dificuldades e os perigos abandona-as e foge. Ao contrário, o pastor, que conhece as ovelhas uma por uma, estabelece com elas uma relação de familiaridade tão profunda, que está disposto a dar a vida por elas.

Exemplo sublime de dedicação amorosa, Jesus convida os seus discípulos, sobretudo os sacerdotes, a seguir o seu exemplo. Chama cada presbítero a ser bom pastor do rebanho que a Providência lhe confia.

2. Hoje, caríssimos presbíteros ordinandos, também vós sois configurados com o Bom Pastor, tornando-vos colaboradores dos sucessores dos Apóstolos.


Homilias JOÃO PAULO II 1716