Homilias JOÃO PAULO II 1458

MISSA CELEBRADA PARA OS PARTICIPANTES


NO VII FÓRUM INTERNACIONAL DA JUVENTUDE




Castel Gandolfo, 17 de Agosto de 2000


1. "Antes que fosses formado no ventre de tua mãe, Eu já te conhecia; antes que saísses do seio materno, Eu te consagrei" (Jr 1,5). A Palavra dirigida por Deus ao profeta Jeremias toca-nos pessoalmente. Ela evoca o desígnio que Deus tem sobre cada um de nós. Ele conhece-nos individualmente, porque desde a eternidade nos escolheu e amou, confiando a todos uma específica vocação dentro do plano geral da salvação.

Queridos jovens do Fórum Internacional, é-me grato acolher-vos juntamente com o Senhor Cardeal James Francis Stafford, Presidente do Pontifício Conselho para os Leigos, e os seus Colaboradores. Saúdo-vos com afecto.

Senti-vos justamente interpelados, em primeira pessoa, pelas palavras do Profeta. Com efeito, muitos de vós já assumiram responsabilidades na própria Igreja local, e muitos serão chamados a assumir uma delas. Portanto, é importante que leveis convosco a riqueza da experiência humana, espiritual e eclesial deste Fórum. Sois enviados a anunciar ao próximo as palavras de vida que recebestes: quanto mais as compartilhardes com os outros, tanto mais elas agirão e aprofundarão as raízes em vós.

Queridos jovens, não duvideis do amor de Deus por vós! Ele reserva-vos um lugar no seu coração e uma missão no mundo. A primeira reacção pode ser o temor, a dúvida. São sentimentos que, antes de vós, o próprio Jeremias experimentou: "Ah! Senhor Javé, não sou um orador, porque sou ainda muito novo!" (Jr 1,6). A tarefa parece imensa, porque assume as dimensões da sociedade e do mundo. Mas não esqueçais que, quando chama, o Senhor dá também a força e a graça necessárias para responder ao chamamento.

Não tenhais medo de assumir as vossas responsabilidades: a Igreja tem necessidade de vós, precisa do vosso empenho e da vossa generosidade; o Papa tem necessidade de vós e, no início deste novo milénio, pede-vos que leveis o Evangelho pelas estradas do mundo.

2. No Salmo responsorial escutámos uma pergunta que no mundo poluído de hoje ressoa com uma particular actualidade: "Como poderá o jovem manter puro o seu coração?" (Ps 119 [118], 9). Escutámos também a resposta, simples e incisiva: "Guardando a Vossa palavra" (ibid.). Portanto, é preciso suplicar o gosto pela Palavra de Deus e a alegria de poder testemunhar algo que é maior do que nós: "Alegro-me em seguir os Vossos desígnios..." (ibid., v. 14).

A alegria nasce também da consciência de que inúmeras outras pessoas no mundo acolhem, como nós, as "ordens do Senhor" e as tornam substância da sua vida. Quanta riqueza na universalidade da Igreja, na sua "catolicidade"! Quanta diversidade segundo os países, os ritos, as espiritualidades, as associações, movimentos e comunidades, quanta beleza e, ao mesmo tempo, que profunda comunhão nos valores e adesão comuns à pessoa de Jesus, o Senhor!

Percebestes, vivendo e orando juntos, que a diversidade dos vossos modos de acolher e de exprimir a fé não vos separa uns dos outros nem vos põe em concorrência. Ela é apenas uma manifestação da riqueza daquele único e extraordinário dom que é a Revelação, do qual o mundo tanto precisa.

1459 3. No Evangelho que há pouco escutámos, o Ressuscitado faz a Pedro a pergunta que determinará toda a sua existência: "Simão, filho de João, tu amas-Me?" (Jn 21,16). Jesus não lhe pergunta quais são os seus talentos, os seus dons, as suas competências. Nem sequer pergunta àquele que pouco antes O tinha traído, se de agora em diante Lhe será fiel, se já não vai vacilar. Pergunta-lhe a única coisa que conta, a única que pode dar fundamento a um chamamento: tu amas-Me?
Hoje, Cristo dirige a mesma pergunta a cada um de vós: tu amas-Me? Não vos pergunta se sabeis falar às multidões, se sabeis dirigir uma organização, se sabeis administrar um património.

Pede-vos que O ameis bem. O resto virá como consequência. Com efeito, caminhar nas pegadas de Jesus não se traduz imediatamente em coisas a fazer ou a dizer, mas antes de tudo no facto de O amar, de permanecer com Ele, de O acolher completamente na própria vida.

Hoje respondeis com sinceridade à pergunta de Jesus. Alguns poderão dizer com Pedro: "Sim, Senhor, Tu sabes que Te amo!" (Jn 21,16). Outros dirão: "Senhor, Tu sabes como eu desejaria amar-Te bem, ensina-me a amar-Te, para poder seguir-Te". O importante é permanecer na via justa, continuar o caminho sem perder de vista a meta, até ao dia em que podereis dizer com todo o coração: "Tu sabes que Te amo!".

4. Queridos jovens, amai Cristo e amai a Igreja! Amai Cristo como Ele vos ama. Amai a Igreja como Cristo a ama.

E não esqueçais que o amor verdadeiro não põe condições, não calcula nem recrimina, mas simplesmente ama. Como podereis, de facto, ser responsáveis de uma herança que aceitais apenas em parte? Como participar na construção de algo que não se ama de todo o coração?
A comunhão do corpo e do sangue do Senhor ajude cada um a crescer no amor por Jesus e pelo seu Corpo que é a Igreja.



MISSA DE ENCERRAMENTO


DA XV JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE




Tor Vergata, Domingo - 20 de Agosto de 2000


1. «Senhor, para quem havemos nós de ir? Tu tens palavras de vida eterna» (Jn 6,68).

Queridos jovens e queridas jovens da décima quinta Jornada Mundial da Juventude, estas palavras de Pedro, no diálogo com Cristo no fim do discurso do «pão da vida», tocam-nos pessoalmente. Nestes dias, meditámos sobre a afirmação de João: «O Verbo fez-Se carne e habitou entre nós» (Jn 1,14). O evangelista conduziu-nos até ao grande mistério da encarnação do Filho de Deus, o Filho que nos foi dado por meio de Maria, «ao chegar a plenitude dos tempos» (Ga 4,4).

Em nome de Cristo, vos saúdo uma vez mais a todos com grande afecto. Saúdo e agradeço ao Cardeal Camillo Ruini, meu Vigário Geral na diocese de Roma e Presidente da Conferência Episcopal Italiana, as palavras que houve por bem dirigir-me no início desta Santa Missa; saúdo também o Cardeal James Francis Stafford, Presidente do Pontifício Conselho para os Leigos, e os numerosos Cardeais, Bispos e sacerdotes aqui reunidos; saúdo, igualmente, com deferente gratidão o Senhor Presidente da República e o Chefe do Governo italiano, bem como as demais Autoridades civis e religiosas que nos honram com a sua presença.

1460 2. Chegamos ao ponto culminante da Jornada Mundial da Juventude. Ontem à noite, queridos jovens, reafirmámos a nossa fé em Jesus Cristo, o Filho de Deus que o Pai enviou, como no-lo recordou a primeira leitura de hoje, «a levar a boa nova aos pobres, a curar os de coração despedaçado, a anunciar a amnistia aos cativos, e a liberdade aos prisioneiros, (...) a consolar os tristes» (Is 61,1-3 Is 61,4).

Com esta Celebração Eucarística, Jesus introduz-nos no conhecimento de um aspecto particular do seu mistério. No Evangelho, escutámos uma parte do discurso que Ele fez na sinagoga de Cafarnaum, depois do milagre da multiplicação dos pães. Cristo revela-Se como o verdadeiro pão da vida, o pão descido do céu para dar a vida ao mundo (cf. Jo Jn 6,51). É um discurso que os ouvintes não entendem. A perspectiva em que se movem é demasiado materialista para poderem captar o verdadeiro sentido das palavras de Cristo. Raciocinam segundo uma óptica da carne, que «não serve para nada» (Jn 6,63). Jesus, ao contrário, abre o discurso para os horizontes ilimitados do espírito: «As palavras que Eu vos disse - sublinha Ele - são espírito e vida» (Jn 6,63).

Mas o auditório está refractário: «Duras são estas palavras! Quem pode escutá-las?» (Jn 6,60). Consideram-se pessoas de bom senso, com os pés na terra. Por isso abanam a cabeça e, resmungando, lá se vão embora um após outro. A multidão inicial vai-se reduzindo aos poucos. No fim, resta apenas o exíguo grupinho dos discípulos mais fiéis. Mas, sobre o «pão da vida», Jesus não está disposto a ceder. Antes, está pronto a enfrentar inclusive a separação dos mais íntimos: «Também vós quereis retirar-vos?» (Jn 6,67).

3. «Também vós... ?» A pergunta de Cristo transpõe os séculos e chega até nós, interpela-nos pessoalmente e pede uma decisão. Qual é a nossa resposta? Queridos jovens, se hoje estamos aqui, é porque nos reconhecemos na afirmação do apóstolo Pedro: «Senhor, para quem havemos nós de ir? Tu tens palavras de vida eterna» (Jn 6,68).

Palavras, ao nosso redor ressoam tantas, mas só Cristo tem palavras que resistem à erosão do tempo e duram por toda a eternidade. Esta fase da vida em que vos encontrais, impõe-vos algumas opções decisivas: a especialização nos estudos, a orientação no trabalho, o próprio compromisso que se tem de assumir na sociedade e na Igreja. É importante tomar consciência que, dentre as muitas questões que emergem no vosso espírito, as decisivas não dizem respeito a «que coisa». A pergunta fundamental é «quem»: ir para «quem», «quem» seguir, «a quem» entregar a própria vida.

Pensai na vossa escolha afectiva, e imagino que estais de acordo comigo: o que verdadeiramente conta na vida é a pessoa com quem se decide partilhá-la. Mas, cuidado! Toda a pessoa humana é inevitavelmente limitada: mesmo no matrimónio mais feliz, não deixa de registar-se uma certa medida de desilusão. Pois bem, meus caros amigos! Não serve isto para confirmar o que acabamos de ouvir o apóstolo Pedro dizer? Todo o ser humano, mais cedo ou mais tarde, termina exclamando como ele: «Para quem havemos nós de ir? Tu tens palavras de vida eterna». Só Jesus de Nazaré, o Filho de Deus e de Maria, o Verbo eterno do Pai, nascido há dois mil anos em Belém da Judeia, só Ele é capaz de satisfazer as aspirações mais profundas do coração humano.

Na pergunta de Pedro «para quem havemos nós de ir?», está já a resposta relativa ao caminho a percorrer. É o caminho que leva a Cristo. E o Mestre divino é acessível pessoalmente: de facto, está realmente presente com o seu corpo e o seu sangue no altar. No Sacrifício Eucarístico, podemos entrar em contacto, de modo misterioso mas real, com a sua pessoa, saciando-nos na fonte inexaurível da sua vida de Ressuscitado.

4. Esta é uma verdade estupenda, queridos amigos: o Verbo, que Se fez carne há dois mil anos, está hoje presente na Eucaristia. Por isso, o ano do Grande Jubileu, em que comemoramos o mistério da Encarnação, não podia deixar de ser também um ano «intensamente eucarístico» (cf. Tertio millennio adveniente, 55).

A Eucaristia é o sacramento da presença de Cristo que Se dá a nós porque nos ama. Ele ama a cada um de nós, de maneira pessoal e única, na vida concreta de cada dia: na família, com os amigos, no estudo e no trabalho, no repouso e na diversão. Ama-nos quando enche de frescor as jornadas da nossa existência, e também quando permite, na hora da dor, que a prova se abata sobre nós: de facto, mesmo no meio das provas mais duras, Ele faz-nos ouvir a sua voz.

Sim, queridos amigos, Cristo ama-nos, sempre nos ama! Ama-nos mesmo quando O desiludimos, quando não correspondemos às suas expectativas a nosso respeito. Jamais nos fecha os braços da sua misericórdia. Como podemos não ser gratos a este Deus que nos redimiu, deixando-Se ir até à loucura da Cruz? A este Deus que Se colocou da nossa parte e aqui ficou até ao fim?

5. Celebrar a Eucaristia, «comendo a sua carne e bebendo o seu sangue», significa aceitar a lógica da cruz e do serviço, isto é, significa testemunhar a própria disponibilidade para se sacrificar pelos outros, como Ele fez.

1461 De um testemunho assim, tem extrema necessidade a nossa sociedade; dele têm necessidade hoje mais do que nunca os jovens, frequentemente tentados pelas miragens duma vida fácil e cómoda, pela droga e pelo hedonismo, acabando depois nas malhas do desespero, da falta de sentido, da violência. É urgente mudar de direcção tomando o rumo de Cristo, que é também o rumo da justiça, da solidariedade, do empenho por uma sociedade e um futuro dignos do homem.

Esta é a nossa Eucaristia, esta é a resposta que Cristo espera de nós, de vós, jovens, na conclusão deste vosso Jubileu. Jesus não gosta de meias medidas e não hesita a instar-nos com a pergunta: «Também vós quereis retirar-vos?» Com Pedro, diante de Cristo, Pão de vida, também nós hoje queremos repetir: «Senhor, para quem havemos nós de ir? Tu tens palavras de vida eterna» (
Jn 6,68).

6. Meus amigos, ao regressardes às vossas terras, ponde a Eucaristia no centro da vossa vida pessoal e comunitária: amai-a, adorai-a, celebrai-a, sobretudo ao Domingo, o dia do Senhor. Vivei a Eucaristia, testemunhando o amor de Deus pelos homens.

A vós, queridos amigos, entrego o dom maior que Deus nos deixou a nós, peregrinos pelas estradas do tempo mas trazendo no coração uma sede de eternidade. Oxalá haja sempre, em cada comunidade, um sacerdote que celebre a Eucaristia! Por isso peço ao Senhor que faça florescer entre vós numerosas e santas vocações ao sacerdócio. A Igreja precisa de quem celebre hoje também, com coração puro, o Sacrifício Eucarístico. O mundo tem necessidade de não ficar privado da doce e libertadora presença de Jesus vivo na Eucaristia!

Sede vós mesmos testemunhas fervorosas da presença de Cristo nos nossos altares. Que a Eucaristia plasme a vossa vida, a vida das família que haveis de formar. Que ela oriente todas as vossas opções de vida. Que a Eucaristia, presença viva e real do amor trinitário de Deus, vos inspire ideais de solidariedade e vos faça viver em comunhão com os vossos irmãos dispersos pelos quatro cantos da terra.

De modo particular, brote da participação na Eucaristia um novo florescimento de vocações para a vida religiosa, que assegure a presença na Igreja de forças novas e generosas para a grande tarefa da nova evangelização. Se algum ou alguma de vós, jovens amigos, sente dentro de si o chamamento do Senhor para se entregar totalmente a Ele e amá-Lo «com coração indiviso» (cf. 1Co 7,34), não se deixe retrair pela dúvida ou pelo medo. Mas, com coragem, diga o seu «sim» sem reservas, confiando n'Ele que é fiel em todas as suas promessas. Porventura não assegurou Jesus, a quem deixar tudo por amor d'Ele, o cêntuplo aqui na terra e depois a vida eterna (cf. Mc Mc 10,29-30)?

7. No termo desta Jornada Mundial, olhando para vós, para os vossos rostos jovens, para o vosso entusiasmo sincero, quero dizer, do fundo do coração, um obrigado a Deus pelo dom da juventude, que, graças a vós, perdura na Igreja e no mundo.

Quero dizer a Deus obrigado pelo caminho das Jornadas Mundiais da juventude. Obrigado pelas multidões de jovens que elas atingiram ao longo destes dezasseis anos! São jovens que agora, já adultos, continuam a viver a fé onde residem e trabalham. Tenho a certeza que vós, queridos amigos, estareis à altura de quantos vos precederam. Vós levareis o anúncio de Cristo ao novo milénio. Voltando a casa, não vos isoleis. Confirmai e aprofundai a vossa adesão à comunidade cristã a que pertenceis. Daqui de Roma, da Cidade de Pedro e Paulo, o Papa acompanha-vos com afecto e, parafraseando uma afirmação de Santa Catarina de Sena, diz-vos: «Se fordes aquilo que deveis ser, pegareis fogo ao mundo inteiro!» (cf. Carta 368).

Com confiança, olho esta nova humanidade que se está preparando devido também à vossa contribuição, vejo esta Igreja perenemente rejuvenescida pelo Espírito de Cristo e que hoje rejubila com os vossos propósitos e o vosso compromisso. Estendo o olhar para o futuro e faço minhas as palavras duma antiga oração, que canta simultaneamente o dom de Jesus, da Eucaristia e da Igreja:

«Graças Vos damos, Pai nosso,
pela vida e pela ciência
1462 que nos revelastes por Jesus, vosso servo.
Glória a Vós pelos séculos!

Assim como este pão repartido
estava disperso pelos montes
e, depois de recolhido, se tornou um só,
assim se reúna a vossa Igreja
dos confins da terra no vosso reino (...).

Senhor omnipotente,
Vós criastes o universo,
para glória do vosso nome;
e destes aos homens comida
1463 e bebida para seu alento,
para que Vos dessem graças;
mas a nós concedestes-nos um alimento
e uma bebida espirituais
e a vida eterna por meio do vosso Filho (...).
Glória a Vós pelos séculos» (Didaké 9, 3-4; 10, 3-4).

Amen.



HOMILIA DE JOÃO PAULO II

RITO DE BEATIFICAÇÃO SOLENE DE 5 SERVOS DE DEUS

3 de Setembro de 2000




1. No contexto do Ano Jubilar, é com profundo júbilo que declaro beatos os Pontífices Pio IX e João XXIII, e outros três servidores do Evangelho no ministério e na vida consagrada: o Arcebispo de Génova Tomás Reggio, o sacerdote diocesano Guilherme José Chaminade, e o monge beneditino Columba Marmion.

Cinco personalidades diferentes, tendo cada uma delas uma fisionomia e missão, mas todas com uma característica comum, o anseio pela santidade. É precisamente a sua santidade que hoje reconhecemos: santidade que é relação profunda e transformadora com Deus, construída e vivida no empenho quotidiano de adesão à sua vontade. A santidade vive na história e nenhum santo é subtraído aos limites e condicionamentos próprios da nossa humanidade. Ao beatificar um filho seu a Igreja não celebra particulares opções históricas por ele realizadas, mas indica-o para que seja imitado e venerado pelas suas virtudes, em louvor da graça divina que nele resplandece.

Dirijo a minha deferente saudação às Delegações oficiais da Itália, França, Irlanda, Bélgica e Bulgária, que vieram aqui para esta solene circunstância. Saúdo também os familiares dos novos Beatos, juntamente com os Cardeais, os Bispos, as personalidades civis e religiosas que desejaram participar nesta celebração. Por fim, saúdo todos vós, queridos Irmãos e Irmãs, que viestes em grande número para prestar homenagem aos Servos de Deus que a Igreja hoje inscreve no Álbum dos Beatos.

1464 2. Ao ouvir as palavras da aclamação ao Evangelho: "Senhor, guia-nos pela recta via", o pensamento dirige-se espontaneamente para as vicissitudes humana e religiosa do Papa Pio IX, João Maria Mastai Ferretti. Perante os acontecimentos turbulentos do seu tempo, ele foi exemplo de incondicionada adesão ao depósito imutável das verdades reveladas. Fiel em qualquer circunstância aos empenhos do seu ministério, soube dar sempre a primazia absoluta a Deus e aos valores espirituais. O seu longuíssimo pontificado não foi deveras fácil e teve que sofrer muito no cumprimento da sua missão ao serviço do Evangelho. Foi muito amado, mas também muito odiado e caluniado.

Mas precisamente no meio destes contrastes brilhou mais resplandecente a luz das suas virtudes: as prolongadas tribulações mitigaram a sua confiança na divina Providência, de cujo soberano domínio sobre as vicissitudes humanas ele jamais duvidou. Nascia aqui a profunda serenidade de Pio IX, mesmo no meio das incompreensões e dos ataques de tantas pessoas hostis. Gostava de dizer a quem lhe estava próximo: "nas coisas humanas é necessário contentar-se em fazer o melhor que se pode e no resto abandonar-se à Providência, que curará os defeitos e as insuficiências do homem".

Sustentado por esta convicção interior, ele convocou o Concílio Ecuménico Vaticano I, o qual esclareceu com magisterial autoridade algumas questões que naquele tempo eram debatidas, confirmando a harmonia entre fé e razão. Nos momentos de provações, Pio IX encontrou apoio em Maria, da qual era muito devoto. Ao proclamar o dogma da Imaculada Conceição, recordou a todos que nas tempestades da existência humana brilha na Virgem a luz de Cristo, mais forte que o pecado e a morte.

3. "Tu és bom e generoso no perdão" (Ant. de entrada). Contemplamos hoje na glória do Senhor outro Pontífice, João XXIII, o Papa que conquistou o mundo pela afabilidade dos seus modos, dos quais transparecia a singular bondade de ânimo. Os desígnios divinos quiseram que a beatificação unisse dois Papas que viveram em contextos históricos muito diferentes, mas relacionados, além das aparências, por não poucas semelhanças a nível humano e espiritual. É conhecida a profunda veneração que o Papa João tinha pelo Papa Pio IX, do qual desejava a beatificação. Durante um retiro espiritual, em 1959, escrevia no seu Diário: "Penso sempre em Pio IX de santa e gloriosa memória, e imitando-o nos seus sacrifícios, desejaria ser digno de celebrar a sua canonização" (Jornal da Alma, Ed. S. Paulo, 2000, p. 560).

Do Papa João permanece na memória de todos a imagem de um rosto sorridente e de dois braços abertos num abraço ao mundo inteiro. Quantas pessoas foram conquistadas pela simplicidade do seu ânimo, conjugada com uma ampla experiência de homens e de coisas! A rajada de novidade dada por ele não se referia decerto à doutrina, mas ao modo de a expor; era novo o estilo de falar e de agir, era nova a carga de simpatia com que se dirigia às pessoas comuns e aos poderosos da terra. Foi com este espírito que proclamou o Concílio Vaticano II, com o qual iniciou uma nova página na história da Igreja: os cristãos sentiram-se chamados a anunciar o Evangelho com renovada coragem e com uma atenção mais vigilante aos "sinais" dos tempos. O Concílio foi deveras uma intuição profética deste idoso Pontífice que inaugurou, no meio de não poucas dificuldades, uma nova era de esperança para os cristãos e para a humanidade.

Nos últimos momentos da sua existência terrena, ele confiou à Igreja o seu testamento: "O que tem mais valor na vida é Jesus Cristo bendito, a sua Santa Igreja, o seu Evangelho, a verdade e a bondade". Também nós hoje queremos receber este testamento, enquanto damos graças a Deus por no-lo ter dado como Pastor.

4. "Sede praticantes da Palavra, e não apenas ouvintes" (
Jc 1,22). Estas palavras do apóstolo Tiago fazem pensar na existência e no apostolado de Tomás Reggio, sacerdote e jornalista, que depois foi Bispo de Ventimiglia e por fim Arcebispo de Génova. Homem de fé e de cultura que, como Pastor, soube ser guia atenta dos fiéis em todas as circunstâncias. Sensível aos numerosos sofrimentos e pobrezas do seu povo, empenhou-se numa ajuda imediata em todas as situações de necessidade. Precisamente nesta perspectiva deu início à Família religiosa das Irmãs de Santa Marta, confiando-lhes a tarefa de prestar assistência aos Pastores da Igreja, sobretudo no âmbito caritativo e educativo.

A sua mensagem sintetiza-se em duas palavras: verdade e caridade. Em primeiro lugar a verdade, que significa escuta atenta da palavra de Deus e ímpeto corajoso na defesa e difusão dos ensinamentos do Evangelho. E depois a caridade, que leva a amar a Deus e, por amor dele, a abraçar a todos, porque são irmãos em Cristo. Se houve uma preferência nas opções de Tomás Reggio, foi por quantos se encontravam em dificuldade ou no sofrimento. Eis por que hoje ele é proposto como modelo a Bispos, sacerdotes, leigos, e a todos os que fazem parte da sua Família espiritual.

5. A beatificação, durante o ano jubilar, de Guilherme José Chaminade, fundador dos marianistas, recorda aos fiéis que é sua tarefa inventar continuamente novas formas de testemunhar a fé, sobretudo para alcançar quantos vivem afastados da Igreja e que não dispõem dos meios habituais para conhecer Cristo. Guilherme José Chaminade convida cada cristão a enraizar-se no seu baptismo, que o identifica com o Senhor Jesus e lhe comunica o Espírito Santo.

O amor do Padre Chaminade por Cristo, que se inscreve na espiritualidade da Escola francesa, estimula-o a prosseguir incansavelmente a sua obra mediante fundações de famílias espirituais, numa época perturbada da história religiosa de França. A sua dedicação filial a Maria permitiu-lhe conhecer a paz interior em qualquer circunstância, ajudando-o a fazer a vontade de Cristo. A sua preocupação pela educação humana, moral e religiosa é para toda a Igreja uma chamada a uma solicitude renovada pela juventude, que tem necessidade quer de educadores quer de testemunhas, a fim de dirigirem o seu olhar para o Senhor e assumirem a sua responsabilidade na missão da Igreja.

6. Hoje, a Ordem beneditina rejubila com a beatificação de um dos seus ilustres filhos, Dom Columba Marmion, monge e Abade de Maredsous. Dom Marmion deixou-nos um autêntico tesouro de ensino espiritual para a Igreja do nosso tempo. Nos seus escritos, ele ensina um caminho de santidade, simples e portanto exigente, para todos os fiéis que Deus, por amor, destinou para serem seus filhos adoptivos em Jesus Cristo (cf. Ef Ep 1,5). Jesus Cristo, nosso Redentor, fonte de toda a graça, está no centro da nossa vida espiritual, é o nosso modelo de santidade.

1465 Antes de entrar na Ordem Beneditina, Columba Marmion passou alguns anos na solicitude pastoral das almas como sacerdote da sua Arquidiocese de Dublin, sua cidade natal. Ao longo da sua vida, o beato Columba foi um director espiritual excepcional e prestou muita atenção à vida interior dos sacerdotes e dos leigos. Escreveu a um jovem que se preparava para a Ordenação: "A melhor preparação para a vida sacerdotal é viver todos os dias com amor onde a Providência e a Obediência nos colocam" (Carta, 27 de Dezembro 1915). Uma vasta redescoberta dos escritos espirituais do beato Columba Marmion ajude os sacerdotes, os religiosos e os leigos a crescer em união com Cristo e a dar um testemunho fecundo através do amor ardente de Deus e o serviço generoso aos próprios irmãos e irmãs.

7. Aos novos beatos Pio IX, João XXIII, Tomás Reggio, Guilherme José Chaminade e Columba Marmion pedimos confiantes que nos ajudem a viver de maneira cada vez mais conforme com o Espírito de Cristo. O seu amor a Deus e aos irmãos seja luz para os nossos passos neste alvorecer do Terceiro Milénio!



HOMILIA DE JOÃO PAULO II

JUBILEU DOS PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS

Domingo, 10 de setembro de 2000




1. "Jesus faz bem todas as coisas. Faz os surdos ouvir e os mudos falar" (Mc 7,37).

No clima jubilar desta celebração, somos convidados em primeiro lugar a unir-nos à admiração e ao louvor de quantos assistiram ao milagre há pouco narrado pelo texto evangélico. Como muitos outros episódios de cura, ele testifica a vinda do Reino de Deus na pessoa de Jesus. Em Cristo realizam-se as promessas messiânicas enunciadas pelo profeta Isaías: "Abrir-se-ão [...] os ouvidos dos surdos [...] e a língua do mudo dará gritos de alegria" (35, 5-6). Com Ele inaugurou-se o ano de graça do Senhor para toda a humanidade (cf. Lc Lc 4,17-21).

Este ano de graça atravessa os tempos, já assinala a história inteira, é princípio de ressurreição e de vida que compromete não só a humanidade, mas também a criação (cf. Rm Rm 8,19-22).

Encontramo-nos aqui para fazer uma renovada experiência deste ano de graça, neste Jubileu das Universidades que vos vê reunidos, ilustres Reitores, Professores, Administradores e Capelães, oriundos de vários países, e vós caríssimos estudantes, provenientes do mundo inteiro.
Dirijo a todos vós a minha cordial saudação. Agradeço aos Senhores Cardeais e aos Bispos concelebrantes a sua presença. Saúdo também o Senhor Ministro das Universidades e as outras Autoridades aqui congregadas.

2. "Efatá!" [...] "Abre-te!" (Mc 7,34). Esta palavra, pronunciada por Jesus na cura do surdo-mudo, ressoa hoje para nós; é uma palavra sugestiva, de grande intensidade simbólica, que nos exorta a abrir-nos à escuta e ao testemunho.

O surdo-mudo, de que fala o Evangelho, não evoca porventura a situação de quem não consegue instaurar uma comunicação que dê verdadeiro sentido à existência? De qualquer forma, faz pensar no homem que se fecha numa presumível autonomia, na qual acaba por se encontrar isolado em relação a Deus e com frequência também no que diz respeito ao próximo. Jesus dirige-se a este homem para lhe restituir a capacidade de se abrir ao Outro e os outros, em atitude de confiança e de amor gratuito. Oferece-lhe a extraordinária oportunidade de encontrar Deus, que é amor e se deixa conhecer por quem ama. Oferece-lhe a salvação.

Sim, Cristo abre o homem ao conhecimento de Deus e de si mesmo. Ele que é a verdade (cf. Jo Jn 14,6) abre-o à verdade, sensibilizando-o interiormente e curando assim todas as suas faculdades "a partir de dentro".

1466 Caríssimos Irmãos e Irmãs comprometidos no âmbito da investigação e do estudo, para vós esta palavra constitui um apelo a abrir o espírito à verdade que liberta! Ao mesmo tempo, a palavra de Cristo chama-vos a fazerdes-vos intermediários, junto de inumeráveis plêiades de jovens, deste "Efatá" que abre o espírito à aceitação de um ou de outro aspecto da verdade nos vários campos do saber. Considerado a esta luz, o vosso compromisso diário torna-se um seguimento de Cristo ao longo do caminho do serviço aos irmãos, na verdade do amor.

Cristo é Aquele que "faz bem todas as coisas" (
Mc 7,37). Ele é o modelo para o qual se deve olhar constantemente, a fim de fazer da própria actividade académica um serviço eficaz à aspiração humana por um conhecimento da verdade cada vez mais íntegro.

3. "Dizei aos corações desanimados: "Sede fortes! Não tenhais medo! Olhai para o vosso Deus: Ele [...] vem para salvar"" (Is 35,4).

Caríssimos professores universitários, também a vossa missão se inscreve nestas palavras de Isaías. Todos os dias estais empenhados em anunciar, salvaguardar e difundir a verdade. Trata-se com frequência de verdades concernentes às mais diversificadas realidades do cosmos e da história. Assim como nos âmbitos da teologia e da filosofia, nem sempre o debate diz directamente respeito ao problema do sentido último da vida e à relação com Deus. Mas de qualquer forma este é o horizonte mais vasto de cada pensamento. Mesmo nas investigações acerca de aspectos da vida que parecem totalmente afastados da fé se esconde um desejo de verdade e de sentido que vai para além do particular e do contingente.

Quando o homem não é espiritualmente "surdo-mudo", cada percurso do pensamento, da ciência e da experiência lhe oferece também um reflexo do Criador e lhe suscita um desejo d'Ele, com frequência escondido e talvez também reprimido, mas insuprimível. Santo Agostinho compreendia bem isto, e exclamava: "Criastes-nos para Vós [ó Senhor], e o nosso coração está inquieto, enquanto não descansar em Vós" (Confissões, 1, 1).

A vossa vocação de estudiosos e professores que abriram o coração a Cristo consiste em viver e testemunhar com eficácia esta relação entre todas as ciências singularmente e aquele "saber" supremo que concerne a Deus e num certo sentido concide com Ele, com o seu Verbo que se fez homem e com o Espírito de verdade por Ele dado. Assim, através da vossa contribuição, a Universidade torna-se o lugar do Efatá em que Cristo, servindo-se de vós, continua a realizar o milagre de abrir os ouvidos e os lábios, suscitando uma renovada escuta e uma verdadeira comunicação.

A liberdade da investigação nada tem a temer deste encontro com Cristo. Ele não prejudica nem sequer o diálogo e o respeito às pessoas, uma vez que a verdade cristã por sua natureza deve ser proposta e jamais imposta, e tem como ponto de referência o profundo respeito pelo "sacrário da consciência" (Redemptoris missio, RMi 39 cf. Redemptor hominis, RH 12 Concílio Ecuménico Vaticano II, Dignitatis humanae, DH 3).

4. No nosso tempo verificam-se grandes transformações, que abarcam também o mundo universitário. O carácter humanista da cultura às vezes parece ser secundário, enquanto se acentua a tendência a reduzir o horizonte do saber àquilo que se pode medir, e a descuidar todos os temas que dizem respeito ao significado último da realidade. Pode perguntar-se que homem a Universidade prepara hoje.

Diante do desafio de um novo Humanismo que seja autêntico e integral, a Universidade tem necessidade de pessoas atentas à Palavra do único Mestre; precisa de profissionais qualificados e de credíveis testemunhas de Cristo. Trata-se de uma missão decerto não fácil, que exige um compromisso constante, se nutre de oração e de estudo, e se exprime na normalidade da vida quotidiana.

Em auxílio desta missão apresenta-se a pastoral universitária, que é ao mesmo tempo cuidado espiritual das pessoas e eficaz acção de animação cultural, na qual a luz do Evangelho orienta e humaniza os percursos da investigação, do estudo e da didáctica.

Centro de semelhante acção pastoral são as Capelas universitárias, onde os professores, estudantes e funcionários encontram apoio e ajuda para a sua vida cristã. Inseridas como lugares significativos no contexto da Universidade, elas alimentam o compromisso de cada um nas formas e nos modos que o ambiente universitário sugere: são lugares do espírito, palestras de virtudes cristãs, casas de acolhimento abertas, vivos e propulsores centros de animação cristã da cultura, no diálogo respeitoso e franco, na proposta clara e motivada (cf. 1P 3,15), no testemunho que interroga e convence.

1467 5. Caríssimos, para mim é uma alegria celebrar hoje juntamente convosco o Jubileu das Universidades. A vossa presença numerosa e qualificada constitui um sinal eloquente da fecundidade cultural da fé.

Fixando o olhar no mistério do Verbo encarnado (cf. Bula Incarnationis mysterium, 1), o homem encontra-se a si mesmo (cf. Gaudium et spes,
GS 22). Ele experimenta também um íntimo júbilo, que se exprime no mesmo estilo interior do estudo e do ensino. Assim, a ciência ultrapassa os limites que a reduzem a um mero processo funcional e pragmático, para reencontrar a sua dignidade de investigação ao serviço do homem na sua verdade total, iluminada e orientada pelo Evangelho.

Caríssimos Professores e Estudantes, esta é a vossa vocação: fazer da Universidade o ambiente em que se cultiva o saber, o lugar onde a pessoa encontra projectos, sabedoria e impulso ao serviço qualificado da sociedade.

Confio este vosso caminho a Maria, Sedes Sapientiae, cuja imagem vos entrego hoje para que seja recebida como mestra e peregrina, nas cidades universitárias do mundo. Ela, que com a sua oração sustentou os Apóstolos nos alvores da evangelização, vos ajude também a vós a animar de espírito cristão o mundo universitário.





Homilias JOÃO PAULO II 1458