Homilias JOÃO PAULO II 1476


DURANTE O RITO DAS EXÉQUIAS DO


CARDEAL RIGHI-LAMBERTINI


Sexta-feira, 6 de outubro de 2000



1. "Bem-aventurados os pobres em espírito... Bem-aventurados os mansos... Bem-aventurados os pacificadores" (cf. Mt Mt 5,3-9). As palavras de Cristo ressoadas nesta celebração triste, repropõem à nossa reflexão a grande mensagem das Bem-aventuranças e convidam-nos a viver na luz da fé a extrema despedida que estamos para dar ao nosso venerado Irmão, o querido Cardeal Egano Righi-Lambertini. Quantas vezes ele escutou estas palavras do Evangelho e meditou no seu profundo conteúdo espiritual! Precisamente com este espírito das Bem-aventuranças ele procurou conformar o seu ministério pastoral e o seu longo e apreciado serviço diplomático à Santa Sé.

Sabemos que Deus nos criou para a felicidade. Seguindo a Palavra de Jesus, é possível transformar em fonte de paz e em nascente de uma maior alegria também as provações e os sofrimentos, que inevitavelmente fazem parte da nossa existência terrena. Enquanto celebramos a Liturgia Eucarística em sufrágio da alma eleita do saudoso Cardeal, peçamos ao Senhor que o torne partícipe daquela bem-aventurança eterna, cujas primícias ele pôde pregustar já aqui sobre a terra, na comunhão eclesial e na construção de laços de paz e de concórdia entre os povos e as nações, para os quais ele foi enviado como Representante pontifício.

2. O próprio sobrenome - Righi-Lambertini - indicava a sua pertença a uma ilustre família bolonhesa, que em épocas diversas deu à Igreja grandes personagens, como o Papa Bento XIV e a Beata Imelda Lambertini. Depois de alguns anos de ministério pastoral e dos estudos em Direito Canónico na Universidade Gregoriana, o jovem Righi-Lambertini começou a fazer parte da Secretaria de Estado, prestando o próprio serviço em primeiro lugar na Nunciatura da Itália e em seguida na da França, ao lado do então Núncio Apostólico, D. Ângelo Roncalli. Depois, trabalhou nas Representações Pontifícias da Costa Rica, Inglaterra e Coreia.

Eleito Arcebispo Titular de Docleia em 1960, exerceu a missão de Núncio Apostólico no Líbano, no Chile, na Itália e na França, trabalhando com alegria pelo crescimento da comunidade cristã e o progresso da sociedade civil e recolhendo em toda a parte atestados de estima, apreço e reconhecimento.

A obra pastoral e diplomática do Cardeal Righi-Lambertini foi realizada habitualmente no silêncio e sem clamores mas, precisamente por isso, resultou ainda mais eficaz e rica de frutos, sempre inspirada naquela confiança na divina Providência e naquele optimismo na visão das coisas humanas que aprendera na escola do Beato João XXIII.

3. Devido à sabedoria no seu serviço eclesial e aos grandes dotes humanos e espirituais que enriqueceram a sua personalidade, o nosso venerado Irmão foi chamado a fazer parte do Colégio Cardinalício. Ao tornar-se de modo mais profundo e directo partícipe na vida da Igreja de Roma, ele continuou a oferecer de vários modos a sua válida colaboração ao Papa, ajudando-o, em cordial sintonia com os outros membros do Sacro Colégio, na solicitude pastoral para com o inteiro Povo de Deus espalhado por todo o mundo.

Pelo imenso bem que, com a ajuda da graça de Deus, ele pôde realizar nos vários âmbitos em que desempenhou a sua preciosa actividade pastoral e diplomática, damos graças ao Senhor. Temos confiança de que o nosso venerado Irmão, pelo bem realizado durante a sua vida terrena, pode agora contemplar face a face o Senhor Jesus, a quem tanto amou e serviu nos irmãos (cf. 1Jn 3,2).

4. "As almas dos justos estão nas mãos de Deus" (Sg 3,1). As palavras da Escritura reavivam no nosso espírito a luz da fé e a esperança no Deus da vida. Enquanto nos preparamos para dar a última saudação ao nosso venerado Irmão, abramos o coração à esperança que, como nos recordou a primeira Leitura, "está repleta de imortalidade" (cf. Sb Sg 3,4). Aquela esperança que iluminou a vida sacerdotal e apostólica do Cardeal Righi-Lambertini encontra agora a sua plena e definitiva realização na chamada divina a participar no banquete do céu.

A Maria Santíssima, Rainha dos Apóstolos e Mãe da Igreja, que o querido Cardeal Egano Righi-Lambertini amava e invocava de maneira tão terna muitos são os que o viram passear pelos Jardins do Vaticano recitando o Rosário! queremos agora confiar o seu espírito com intensa e confiante oração. Maria, a Virgem da escuta e do acolhimento, o receba entre os seus braços maternos e lhe abra de par em par as portas do paraíso.

Amém!



JUBILEU DOS BISPOS

JOÃO PAULO II
1477
Domingo, 8 de outubro de 2000

1. "Dá-nos, ó Deus, a sabedoria do coração" (Sal. resp.).


Hoje a Praça de São Pedro assemelha-se a um grande cenáculo: de facto, nela encontram-se Bispos de todas as partes do mundo, vindos a Roma para celebrar o seu Jubileu. A memória do Apóstolo Pedro, evocada pelo seu túmulo sob o altar da grande Basílica do Vaticano, convida-nos a regressar espiritualmente à primeira sede do Colégio apostólico, àquele Cenáculo de Jerusalém, onde recentemente tive a alegria de celebrar a Eucaristia, durante a minha peregrinação na Terra Santa.

Uma ponte ideal, que ultrapassa séculos e continentes, une hoje o Cenáculo a esta Praça, na qual marcaram encontro aqueles que, no Ano Santo 2000, são os sucessores dos primeiros Apóstolos de Cristo. Caríssimos e venerados Irmãos, chegue a todos vós o meu abraço cordial que faço extensivo com afecto a quantos não puderam vir mas, das suas Sedes, estão espiritualmente unidos a nós.

Juntos façamos nossa a invocação do Salmo: "Dá-nos, ó Deus, a sabedoria do coração". Nesta "sapientia cordis", que é dom de Deus, podemos resumir o fruto da nossa convocação jubilar. Ela consiste na conformação interior a Cristo, Sabedoria do Pai, mediante a acção do Espírito Santo. Para obtermos este dom, indispensável para o bom governo da Igreja, nós Pastores devemos ser os primeiros a entrar por Ele, "porta das ovelhas" (
Jn 10,7). Devemos imitá-l'O, o "Bom Pastor" (Jn 10,11 Jn 10,14), porque se ouvimos os fiéis é a Ele que ouvimos, e ao seguirem-nos seguem a Ele, que é o único Salvador ontem, hoje e sempre.

2. Deus dá a sabedoria do coração através da sua Palavra, viva, eficaz, capaz de descobrir o coração do homem como nos disse o Autor da Carta aos Hebreus (cf. Hb He 4,12), no trecho que acabamos de proclamar. A Palavra divina, depois de ter sido dirigida "nos tempos antigos, muitas vezes e de muitos modos... aos antepassados por meio dos profetas" (He 1,1), nos últimos tempos foi enviada aos homens na pessoa do Filho (cf. Hb He 1,2).

Nós pastores, em virtude do munus docendi, fomos chamados a ser anunciadores qualificados desta Palavra. "Quem vos ouve, a Mim ouve" (Lc 10,16). Tarefa exaltante, mas também grande responsabilidade! Foi-nos confiada uma palavra viva: por conseguinte, devemos anunciá-la em primeiro lugar com o exemplo e depois com as palavras. É palavra que coincide com a pessoa do próprio Cristo, o "Verbo que se fez homem" (Jn 1,14): é, por conseguinte, o rosto de Cristo que devemos mostrar aos homens; a sua cruz que devemos anunciar, fazendo-o com o vigor de Paulo: "Entre vós, eu não quis saber outra coisa a não ser Jesus Cristo, e Jesus Cristo Crucificado" (1Co 2,2).

3. "Eis que nós deixamos tudo e Te seguimos" (Mc 10,28). Esta afirmação de Pedro exprime a radicalidade da opção que é pedida ao apóstolo. Uma radicalidade que se esclarece à luz do diálogo exigente, entre Jesus e o jovem rico. Como condição para alcançar a vida eterna, o Mestre indicara-lhe o cumprimento dos mandamentos. Perante o seu desejo de maior perfeição, respondera com um olhar de amor e uma proposta total: "Vai, vende tudo, dá o dinheiro aos pobres e terás um tesouro nos céus. Depois vem e segue-Me" (Mc 10,21). Estas palavras de Cristo provocaram, como um obscurecer-se repentino do céu, a tristeza da recusa. Foi então que Jesus pronunciou uma das suas sentenças mais severas: "Meus filhos, como é difícil entrar no Reino de Deus!" (Mc 10,24). Sentença que ele próprio atenuou, perante o medo dos apóstolos, apelando ao poder de Deus: "A Deus tudo é possível" (Mc 10,27).

A intervenção de Pedro torna-se expressão da graça com que Deus transforma o homem e o torna capaz de se doar totalmente: "Eis que nós deixamos tudo e Te seguimos" (Mc 10,28). É desta forma que nos tornamos apóstolos. É igualmente desta maneira que se vive a realização da promessa de Cristo a respeito do "cêntuplo": o apóstolo que deixa tudo para seguir Cristo já vive nesta terra, apesar das provações inevitáveis, uma existência realizada e jubilosa.
Estimados Irmãos, como deixar de exprimir, neste momento, o nosso reconhecimento ao Senhor pelo dom da vocação, primeiro ao sacerdócio e depois à sua plenitude no Episcopado? Olhando para as vicissitudes passadas da nossa vida, a comoção invade o nosso coração ao verificarmos de quantas formas o Senhor nos demonstrou o seu amor e a sua misericórdia. Deveras, "misericordias Domini in aeternum cantabo!" (Ps 89 [88], 2).

4. O Bispo, sucessor dos Apóstolos, é uma pessoa para quem Cristo é tudo. Ele pode repetir com Paulo todos os dias: "Para mim, viver é Cristo..." (Ph 1,21). Eis o que deve testemunhar com todo o seu comportamento. O Concílio Vaticano II ensina: "Os Bispos devem dedicar-se à sua missão apostólica como testemunhas de Cristo diante de todos os homens" (Christus Dominus, CD 11).

1478 Ao falar dos Bispos como testemunhas, não posso deixar de recordar, nesta solene celebração jubilar, os numerosos Bispos que, ao longo de dois milénios, deram a Cristo o supremo testemunho do martírio, conformando-se com o modelo apostólico e fecundando a Igreja com a efusão do seu sangue.

O século XX foi, de modo particular, rico destas testemunhas, algumas das quais eu próprio tive a alegria de elevar às honras dos altares. Há uma semana inscrevi no Álbum dos Santos quatro Bispos mártires na China: Gregório Grassi, Antonino Fantosati, Francisco Fagolla e Luís Versiglia. Entre os Beatos, veneramos Miguel Kozal, António Julian Nowowiejski, Leão Wetmanski e Ladislau Goral, mortos nos campos de concentração nazistas. A eles unem-se Diego Ventaja Milán, Manuel Medina Olmos, Anselmo Polanco e Florentino Asencio Barroso, mortos durante a guerra civil espanhola. Depois, no prolongado inverno do totalitarismo comunista floresceram, na Europa Oriental, os Beatos mártires Guilherme Apor, húngaro; Vicente Eugénio Bossilkov, búlgaro; e Aloísio Stepinac, croata.

Ao mesmo tempo, é bonito e imperioso que agradeçamos a Deus todos os Pastores sábios e generosos que, ao longo dos séculos, enriqueceram a Igreja com os seus ensinamentos e exemplos. Quantos Santos e Beatos Confessores há entre os Bispos! Penso, por exemplo, nas luminosas figuras de Carlos Borromeu e de Francisco de Sales; penso também nos Papas Pio IX e João XXIII, que recentemente tive a alegria de proclamar Beatos.

Caríssimos Irmãos no Episcopado, "rodeados dessa grande nuvem de testemunhas" (
He 12,1), renovemos a nossa resposta ao dom de Deus, recebido com a Ordenação episcopal. "Deixemos de lado tudo o que nos embaraça e o pecado que se agrarra a nós. Corramos com perseverança a corrida, mantendo os olhos fixos em Jesus" (He 12,1-2), Pastor dos pastores.

5. Considerando o mistério da Igreja e a sua missão no mundo contemporâneo, o Concílio Ecuménico Vaticano II sentiu a necessidade de dedicar uma atenção especial ao múnus pastoral dos Bispos. Hoje, no limiar do terceiro milénio, o desafio da nova evangelização ressalta ulteriormente o ministério episcopal: o Pastor é o primeiro responsável e animador da comunidade eclesial, quer na exigência de comunhão quer na projecção missionária. Perante o relativismo e o subjectivismo que debilitam muitos sectores da cultura contemporânea, os Bispos são chamados a defender e promover a unidade doutrinal dos seus fiéis. Solícitos em todas as situações nas quais a fé não existe ou é ignorada, eles empenhem-se com todas as forças em favor da evangelização, preparando para esta finalidade sacerdotes, religiosos e leigos e pondo à disposição os recursos necessários (cf. Christus Dominus, CD 6).

Tendo presente o ensinamento conciliar (cf. ibid. 7), queremos hoje exprimir nesta Praça a nossa fraterna solidariedade aos Bispos que são objecto de perseguição, que estão na prisão ou são impedidos de exercer o seu ministério. E em nome do vínculo sacramental, as nossas afectuosas recordação e oração dirigem-se aos irmãos sacerdotes que sofrem as mesmas provações. A Igreja está-lhes grata pelo bem inestimável que oferecem ao Corpo místico de Cristo com a sua oração e sacrifício.

6. "A bondade do Senhor venha sobre nós e confirme a obra das nossas mãos" (Ps 89,17).
Estimados Irmãos no Episcopado, neste nosso Jubileu a bondade do Senhor desceu em abundância sobre nós. A luz e a força que promanam dela não deixarão de fortalecer a "obra das nossas mãos", isto é, o trabalho que nos foi confiado no campo de Deus que é a Igreja.
Nestas jornadas jubilares, quisemos ressaltar a presença entre nós de Maria Santíssima, nossa Mãe, que nos ampara e conforta. Fizemo-lo ontem à noite, com a recitação comunitária do Rosário, fazemo-lo hoje, com o Acto de Consagração, que realizaremos no final da Missa. É um acto que viveremos com espírito colegial, sentindo próximos de nós os numerosos Bispos que, das respectivas Sedes se unem à nossa celebração, realizando este mesmo Acto juntamente com os seus fiéis. A venerada imagem de Nossa Senhora de Fátima, que com alegria temos entre nós, ajuda-nos a reviver a experiência do primeiro Colégio apostólico, reunido em oração no Cenáculo com Maria, Mãe de Jesus.

Rainha dos Apóstolos, reza connosco e por nós, para que o Espírito Santo desça com abundância sobre a Igreja, e ela resplandeça no mundo cada vez mais una, santa, católica e apostólica. Amém.



ATO DE CONSAGRAÇÃO A MARIA

8 de Outubro de 2000

1479
1. "Mulher, eis aí o teu filho!" (Jn 19,26)

Quando já se aproxima o termo deste Ano Jubilar,
no qual Tu, ó Mãe, nos deste novamente Jesus,
o fruto bendito do teu ventre puríssimo,
o Verbo encarnado, o Redentor do mundo,
é-nos particularmente doce ouvir esta palavra
com que Ele nos entrega a Ti, tornando-Te nossa Mãe:
"Mulher, eis aí o teu filho!"
Confiando-Te o apóstolo João,
e com ele os filhos da Igreja, e mesmo todos os homens,
Cristo, longe de atenuar, reiterava
1480 o seu papel exclusivo de Salvador do mundo.
Tu és esplendor que nada tira à luz de Cristo,
porque existes n'Ele e por Ele.
Em Ti, tudo é um "fiat", "faça-se": Tu és a Imaculada,
és transparência e plenitude de graça.
Assim, eis aqui os teus filhos, congregados ao teu redor,
ao alvorecer do novo Milénio.
A Igreja, hoje, pela voz do Sucessor de Pedro,
à qual se junta a de tantos Pastores
aqui reunidos das várias partes do mundo,
procura refúgio sob a tua materna protecção
1481 e implora confiadamente a tua intercessão
perante os desafios que o futuro encerra.

2. Muitos, neste ano de graça,
viveram e continuam a viver
a alegria superabundante da misericórdia
que o Pai nos concedeu em Cristo.
Nas Igrejas particulares espalhadas pelo mundo,
e ainda mais neste centro da cristandade,
acolheram este dom
as mais variadas categorias de pessoas.
Aqui vibrou o entusiasmo dos jovens,
1482 daqui se elevou a súplica dos doentes.
Por aqui passaram sacerdotes e religiosos,
artistas e jornalistas,
os homens do trabalho e da ciência,
crianças e adultos,
e todos reconheceram, no teu amado Filho,
o Verbo de Deus, feito carne no teu seio.
Com a tua intercessão, ó Mãe, faz
que não se percam os frutos deste Ano,
e que as sementes de graça se desenvolvam
até à medida plena da santidade
1483 à qual todos somos chamados.

3. Queremos, hoje, consagrar-Te o futuro que nos espera,
pedindo-Te que nos acompanhes no nosso caminho.
Somos homens e mulheres dum período extraordinário,
tão cheio de triunfos como de contradições.
A humanidade possui, hoje, instrumentos de força inaudita:
pode fazer deste mundo um jardim,
ou reduzi-lo a um amontoado de ruínas.
Conseguiu uma capacidade extraordinária de intervenção
sobre as próprias fontes da vida:
pode usá-la para o bem, dentro das margens da lei moral,
1484 ou ceder ao orgulho míope
duma ciência que não aceita confins,
até espezinhar o respeito devido a todo o ser humano.
Hoje, como nunca no passado,
a humanidade encontra-se numa encruzilhada.
E, uma vez mais, a salvação está total e unicamente,
ó Virgem Santa, no teu Filho Jesus.

4. Por isso, Mãe, tal como o Apóstolo João,
queremos receber-Te na nossa casa (cf. Jo
Jn 19,27),
para aprendermos de Ti a conformar-nos com o teu Filho.
"Mulher, eis aqui os teus filhos!"
1485 Viemos à tua presença
para consagrar à tua solicitude materna
nós mesmos, a Igreja, o mundo inteiro.
Intercede por nós junto do teu amado Filho
para que nos dê o Espírito Santo em abundância,
o Espírito de verdade que é fonte de vida.
Acolhe-O por nós e connosco,
como na primeira comunidade de Jerusalém,
aconchegada ao teu redor no dia de Pentecostes (cf. Act
Ac 1,14).
O Espírito abra os corações à justiça e ao amor,
incite os indivíduos e as nações à mútua compreensão
1486 e a uma vontade firme de paz.
Nós Te consagramos todos os homens, a começar pelos mais débeis:
as crianças que ainda não foram dadas à luz
e as nascidas em condições de pobreza e de sofrimento,
os jovens à procura de um sentido,
as pessoas carecidas de emprego
e atribuladas pela fome e pela doença.
Consagramos-Te as famílias em crise,
os anciãos sem assistência
e quantos vivem sozinhos e sem esperança.

5. Ó Mãe que conheces os sofrimentos
1487 e as esperanças da Igreja e do mundo,
assiste os teus filhos nas provas quotidianas
que a vida reserva a cada um
e faz com que, graças ao esforço de todos,
as trevas não prevaleçam sobre a luz.
A Ti, aurora da salvação, entregamos
o nosso caminho no novo Milénio,
para que, sob a tua guia,
todos os homens descubram Cristo,
luz do mundo e único Salvador,
que reina com o Pai e o Espírito Santo
1488 pelos séculos dos séculos. Amen.





DURANTE O RITO FÚNEBRE DE HOMENAGEM AO


CARDEAL PIETRO PALAZZINI


Sexta-feira, 13 de outubro de 2000


1. "[Jesus]... subiu à montanha e... começou a ensiná-los, dizendo: felizes..." (Mt 5,1-2).
Assim como outrora naquele monte da Galileia, também hoje o Senhor Jesus não cessa de ensinar aos discípulos com o sermão fundamental das "Bem-aventuranças". Sobre este texto evangélico certamente se deteve muitas vezes a reflectir o querido e venerado Cardeal Pietro Palazzini, que neste momento acompanhamos na sua passagem deste mundo para a casa do Pai. Com efeito, as Bem-aventuranças constituem o paradigma da santidade cristã e ele, sobretudo nos últimos anos do seu serviço como Prefeito da Congregação para as Causas dos Santos, pôde admirar os prodígios da santidade em tantas figuras de Servos e Servas de Deus, de Beatos e Santos. Agora é chamado a contemplar na plenitude da luz o rosto glorioso de Deus, três vezes Santo.

Com a sua forte dimensão escatológica, as palavras de Jesus sustentam a nossa esperança no Reino dos céus, prometido a todos os que se esforçam por seguir o caminho do Mestre e de conformar-se com Ele. Os vínculos de afecto e de fraternidade sacerdotal, que nos ligam ao saudoso Cardeal Palazzini, ao qual prestamos a derradeira saudação, estimulam-nos a rezar para que nele seja perfeita esta conformação a Cristo. Rezamos para que possa gozar plenamente das bem-aventuranças dos pobres em espírito, dos aflitos, dos mansos, dos que têm fome e sede de justiça, dos misericordiosos, dos puros de coração, dos artífices da paz e dos perseguidos por causa da justiça.

2. "A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo" (Ps 41,3), cantámos no Salmo responsorial. O homem é a criatura que deseja Deus; ele é feito para Deus. Aquele "espírito incorruptível", que como recordou a primeira Leitura "está em todas as coisas" (Sg 12,1), alimenta no homem a aspiração a conhecer o Criador e a viver em comunhão com Ele.

Esta dinâmica espiritual manifesta-se de maneira muito especial na existência do crente: ele aguarda e prepara com confiança o encontro com o seu Senhor. Na segunda Leitura, o Apóstolo Paulo está convencido de que Cristo será glorificado no seu corpo, quer na vida, quer na morte (cf. Fl Ph 1,20). Pecisamente por isso, afirma com profunda emoção: "Pois, para mim o viver é Cristo, e o morrer é lucro" (Ph 1,21).

Mas bem sabemos que esta profunda convicção não distraía o Apóstolo do seu ministério ininterrupto; ao contrário, mesmo desejando estar sempre unido a Cristo, ele declarava estar disposto a prosseguir o serviço em benefício dos seus fiéis, para os ajudar a progredir e a ter alegria na fé (cf. Fl Ph 1,23-25).

3. É nesta perspectiva que se situa a nossa recordação do saudoso Cardeal Pietro Palazzini. Ele dedicou toda a sua vida ao serviço assíduo a Deus e à Igreja, sobretudo mediante o estudo, o ensino e a defesa da verdade evangélica. Com efeito, empregou as suas melhores energias, dedicando-se principalmente ao aprofundamento da Teologia e do Direito Canónico.

Depois de ter frequentado os cursos de teologia na Pontifícia Universidade Lateranense, após a ordenação sacerdotal, obteve ainda na mesma Universidade o doutorado em teologia e em utroque iure. Foi Vice-Reitor do Seminário Romano Maior; sucessivamente, tendo sido nomeado professor de teologia moral na Faculdade teológica da mesma Universidade, deu continuidade ao aprofundamento dos aspectos éticos, morais e jurídicos das modernas problemáticas humanas e sociais.

Em 1962 o Papa João XXIII nomeou-o Arcebispo e chamou-o a fazer parte da Comissão preparatória do Concílio Vaticano II. No âmbito da assembleia ecuménica foi membro da Comissão conciliar para a disciplina do clero e do povo cristão. Prosseguiu o seu zeloso serviço na Congregação chamada "para o Concílio" que, com os anos passou a chamar-se "Congregação para o Clero"; em seguida foi chamado a guiar, como Prefeito, a Congregação para as Causas dos Santos.

1489 Publicou numerosas e apreciadas obras de teologia moral e de direito, colaborou noutras, dando a todas um importante contributo de doutrina e de sabedoria pastoral.

4. Hoje demonstra-se mais significativo do que nunca o último compromisso do seu serviço eclesial como responsável da Congregação para as Causas dos Santos. Depois de ter conhecido e estudado tantos perfis de Santos e Beatos, o nosso venerado Irmão é agora chamado a entrar na sua casa, através da porta pela qual passam os justos (cf. Sl
Ps 117,20), aquela porta que é Cristo Senhor, o Santo de Deus.

"Aperite mihi portas iustitiae, et ingressus in eas confitebor Domino" (Ps 117,20). Quantas vezes o nosso Irmão repetiu este verso, orando no Ofício divino! Agora, tendo terminado a sua peregrinação na terra, prepara-se para entrar na Casa do Senhor: "In domo Domini", como recita o seu lema episcopal. Ali ele será incluído na liturgia do Céu.

In domo Domini! Nesta casa de paz e de alegria introduzam-no os Santos, de cujas causas se ocupou; acolha-o a Bem-aventurada Virgem Maria, da qual se declarou sempre filho devoto.
Para nós, que continuamos a nossa peregrinação nesta terra, sirva de conforto o doce vínculo da Comunhão dos Santos e a esperança certa de podermos um dia participar para sempre na solene e eterna liturgia do Amor divino.

Assim seja!



JUBILEU DAS FAMÍLIAS

JOÃO PAULO II
Domingo, 15 de Outubro de 2000

1. "Que o Senhor, fonte de vida, nos abençoe!". A invocação que repetimos no Salmo responsorial, caríssimos Irmãos e Irmãs, sintetiza muito bem a oração quotidiana de cada família cristã, e hoje, nesta celebração eucarística jubilar, exprime de modo muito eficaz o sentido do nosso encontro.


Reunistes-vos aqui não só como pessoas individuais, mas como famílias. Viestes a Roma de todas as partes do mundo, trazendo convosco a convicção profunda de que a família é um grande dom de Deus, um dom originário, assinalado pela sua bênção.

De facto é assim. Desde o início da criação Deus pousou o seu olhar de bênção sobre a família. Deus criou o homem e a mulher à sua imagem, e confiou-lhes uma tarefa específica para o desenvolvimento da família humana: "... abençoou-os e disse-lhes: "sede fecundos, multiplicai-vos, enchei e submetei a terra"" (Gn 1,28).

Caríssimas famílias, o vosso Jubileu é cântico de louvor por esta bênção originária. Ela desceu sobre vós, casais cristãos, quando, ao celebrar o vosso matrimónio, jurastes reciprocamente amor perene diante de Deus. Recebê-la-ão hoje os oito casais de várias partes do mundo, que vieram celebrar o seu matrimónio no âmbito solene deste rito jubilar.

1490 Sim, que o Senhor, fonte de vida, vos abençoe! Disponde-vos ao fluxo sempre novo desta bênção. Ela traz em si uma força criadora, regeneradora, capaz de aliviar qualquer forma de cansaço e de garantir um vigor perene ao vosso dom.

2. Esta bênção originária está relacionada com um desígnio de Deus, que a sua palavra acaba de nos recordar: "Não é bom que o homem esteja sozinho: vou fazer-lhe uma auxiliar que lhe seja semelhante" (
Gn 2,18). É desta forma que, no Livro do Génesis, o autor sagrado delineia a existência fundamental sobre a qual se baseia a união esponsal de um homem e de uma mulher, e com ela a vida da família que dela tem origem. Trata-se duma existência de comunhão. O ser humano não é feito para a solidão, traz em si uma vocação relacional, radicada na sua própria natureza espiritual. Em virtude desta vocação, ele cresce na medida em que se relaciona com o próximo, encontrando-se plenamente "no dom sincero de si mesmo" (Gaudium et spes, GS 24).

Para o ser humano não são suficientes relações meramente funcionais. Ele precisa de relações interpessoais ricas de interioridade, gratuidade e oblatividade. Entre estas, é fundamental a que se realiza na família: nas relações entre os cônjuges, e na deles com os seus filhos. Toda a grande rede das relações humanas brota e regenera-se continuamente a partir daquela relação com a qual um homem e uma mulher se reconhecem feitos um para o outro, e decidem unir as próprias existências num só projecto de vida: "Por isso, um homem deixa seu pai e sua mãe, e une-se à sua mulher, e os dois tornam-se uma só carne" (Gn 2,24).

3. Uma só carne! Como não captar o vigor desta expressão? A palavra bíblica "carne" não recorda apenas o aspecto físico do homem, mas a sua identidade global de espírito e de corpo. O que os esposos realizam não é só um encontro corpóreo, mas uma verdadeira união das suas pessoas. Uma união tão profunda, que os torna de certa forma um reflexo do "Nós" das Três Pessoas divinas na história (cf. Carta às famílias, LF 8).

Compreende-se então a grande aposta que emerge do debate de Jesus com os fariseus no Evangelho de Marcos, há pouco proclamado. Para os interlocutores de Jesus, tratava-se de um problema de interpretação da lei moisaica, que permitia o repúdio, provocando debates sobre as razões que o podiam legitimar. Jesus ultrapassa totalmente esta visão legalista, indo ao âmago do desígnio de Deus. Na norma moisaica ele vê uma concessão à "esclerocardia", aos "corações duros". Mas é sobretudo com estes corações duros que Jesus não se resigna. E como poderia, Ele que veio precisamente para os dissolver e oferecer ao homem, com a redenção, a força de vencer as oposições devidas ao pecado? Ele não receia indicar de novo o desígnio originário: "Desde o início da criação, Deus fê-los homem e mulher" (Mc 10,6).

4. No início! Só Ele, Jesus, conhece o Pai "desde o início", e conhece também o homem "desde o início". Ele é ao mesmo tempo o revelador do Pai e o revelador do homem ao homem (cf. Gaudium et spes, GS 22). Por isso, seguindo as suas pegadas, a Igreja tem a tarefa de testemunhar na história este desígnio originário, manifestando a sua verdade e praticabilidade.

Ao fazer isto, a Igreja não fecha os olhos às dificuldades e aos dramas, que a experiência histórica concreta regista na vida das famílias. Mas ela também sabe que a vontade de Deus, aceite e realizada com todo o coração, não é uma cadeia que torna escravos, mas a condição de uma liberdade verdadeira que tem a sua plenitude no amor. A Igreja também sabe e a experiência quotidiana ensina-lho que quando este desígnio originário se obscurece nas consciências, a sociedade é danificada de modo incalculável.

Sem dúvida, existem dificuldades. Mas Jesus não deixou de fornecer aos esposos os meios da graça adequados para as vencer. Por vontade sua, o matrimónio adquiriu, nos baptizados, o valor e a força de um sinal sacramental, que consolida a sua índole e as prerrogativas. Com efeito, no matrimónio sacramental os cônjuges como farão daqui a pouco os jovens casais dos quais abençoarei o casamento empenham-se a exprimir-se reciprocamente e a testemunhar ao mundo o amor grande e indissolúvel com que Cristo ama a Igreja. É o "grande mistério", como lhe chama o apóstolo Paulo (cf. Ef Ep 5,32).

5. "Que o Senhor, fonte de vida, vos abençoe!". A bênção de Deus está na origem não só da comunhão conjugal, mas também da responsável e generosa abertura à vida. Os filhos são verdadeiramente a "primavera da família e da sociedade", como recita o mote do vosso Jubileu.

Nos filhos o matrimónio encontra o seu florescimento: neles realiza-se o coroamento daquela partilha total de vida ("totius vitae consortium": C.I.C., cân. 1055 1), que faz com que os esposos sejam "uma só carne"; e isto tanto nos filhos que nascem da relação natural entre os esposos, como nos que são adoptivos. Os filhos não são um "acessório" no projecto de uma vida conjugal. Não são um "acessório", mas um "dom preciosíssimo" (Gaudium et spes, GS 50), inscrito na própria estrutura da união conjugal.

Como se sabe, a Igreja ensina a ética do respeito desta estrutura fundamental no seu significado juntamente unitivo e procriativo. Em tudo isto, ela exprime a justa deferência ao desígnio de Deus, delineando um quadro de relações entre os esposos caracterizada pela aceitação recíproca sem hesitações. Além de tudo, isto vai ao encontro do direito que os filhos têm de nascer e crescer num contexto de amor plenamente humano. Conformando-se com a palavra de Deus, a família torna-se desta forma um laboratório de humanização e de verdadeira solidariedade.

1491 6. Para esta tarefa são chamados pais e filhos, mas, como já escrevi em 1994, por ocasião do Ano da Família, "o "nós" dos pais, do marido e da esposa, desenvolve-se, por meio da educação, no "nós" da família, que se enxerta nas gerações precedentes e se abre a um gradual alargamento" (Carta às famílias, LF 16). Quando os papeis são respeitados, de maneira que o relacionamento entre os esposos e destes com os seus filhos se desenvolva de maneira total e serena, é natural que para a família adquiram significado e importância também os outros parentes, tais como os avós, os tios, os primos. Com frequência, nestes relacionamentos assinalados pelo afecto sincero e pela ajuda recíproca, a família desempenha um papel deveras insubstituível, para que as pessoas em dificuldade, as pessoas que não casaram, as viúvas e viúvos, os órfãos, possam encontrar um lugar caloroso e acolhedor. A família não se pode fechar em si mesma. A relação afectuosa com os familiares é o primeiro aspecto daquela abertura necessária, que projecta a família em toda a sociedade.

7. Por conseguinte, queridas famílias cristãs, recebei com confiança a graça jubilar, que é efundida com abundância nesta Eucaristia. Recebei-a tomando como modelo a família de Nazaré que, apesar de lhe ter sido confiada uma missão incomparável, percorreu um caminho igual ao vosso, entre alegrias e tristezas, oração e trabalho, esperança e provações angustiantes, sempre enraizada na adesão à vontade de Deus. Sejam as vossas famílias, cada vez mais, verdadeiras "igrejas domésticas", das quais se eleve todos os dias o louvor a Deus e se irradie sobre a sociedade uma influência benéfica e regeneradora de amor.

"Que o Senhor, fonte de vida, nos abençoe!". Oxalá este Jubileu das famílias constitua, para todos vós que o estais a viver, um grande momento de graça. Que ele seja também para a sociedade um convite a reflectir acerca do significado e do valor deste grande dom que é a família, construída segundo o coração de Deus.

Maria, "Rainha da Família", vos acompanhe sempre com a sua mão materna.



Homilias JOÃO PAULO II 1476