Homilias JOÃO PAULO II 1491


HOMILIA DO PAPA JOÃO PAULO II

DURANTE A MISSA PARA O INÍCIO DO

ANO ACADÉMICO DAS UNIVERSIDADES ECLESIÁSTICAS


Sexta-feira, 20 de Outubro de 2000








1. "... para o louvor da Sua glória" (Ep 1,11 Ep 1,14).

Esta expressão de São Paulo, ressoada há pouco, oferece-nos a perspectiva e o sentido desta celebração, com a qual inauguramos o Ano Académico das Universidades eclesiásticas romanas. Desde o início, queremos oferecer tudo a Deus e orientá-lo para a Sua glória: o ensino, o estudo, a vida colegial, o tempo do trabalho e o do entretenimento; e, antes ainda, a vida pessoal, a oração, a ascese, a amizade. Nesta tarde, queremos colocar sobre o altar do Senhor todo o nosso ser e o nosso agir, para o oferecer como sacrifício espiritual "para o louvor da Sua glória".
A todos vós, caríssimos Irmãos e Irmãs, aqui reunidos para este tradicional encontro, dirijo a minha cordial saudação, a começar por D. Zenon Grocholewski, Prefeito da Congregação para a Educação Católica, que preside a esta Eucaristia. Com ele saúdo os Reitores das Universidades, os Membros do Corpo Académico, os Responsáveis dos Seminários e dos Colégios, nos quais vós, estudantes, encontrais hospitalidade e ajuda no vosso caminho de formação.

Dirijo especiais boas-vindas aos "novos alunos", que empreendem neste ano os seus estudos nas Pontifícias Universidades e Institutos de Roma. Quereria que cada um tomasse consciência do dom constituído pela possibilidade de aperfeiçoar os próprios estudos em Roma, e se desse conta, ao mesmo tempo, da responsabilidade conexa com este privilégio: de facto, sois chamados a aprofundar a formação em vista de um qualificado serviço eclesial. Por isto a Roma cristã acolhe-vos com as suas instituições culturais, bem consciente da sua vocação universal, fundada sobre o testemunho dos Apóstolos e dos Mártires.

2. "Ditosa a nação cujo Deus é o Senhor, / o povo que Ele escolheu para Sua herança" (Ps 32,12). Como não ver a Igreja nesta "nação" singular, cujo Deus é o Senhor? Ela é o Povo "congregado pela unidade do Pai e do Filho e do Espírito Santo", segundo a célebre expressão de São Cipriano (De Orat. Dom. 23: PL 4, 553).

Vós, caríssimos, provindes de diversas nações da terra. Os vossos rostos formam nesta Basílica um maravilhoso "mosaico", no qual as diferenças são chamadas a harmonizar-se para delinear um conjunto, que recebe a sua forma do único Espírito de Cristo. "Foi n'Ele que vós também disse-nos São Paulo depois de terdes ouvido a Palavra da verdade, o Evangelho da vossa salvação, no qual acreditastes, fostes marcados com o selo do Espírito Santo" (Ep 1,13).

1492 No início de um novo ano de estudos, é importante que cada um de vós volte às próprias raízes e, através delas, suba de novo a Cristo, no Qual estas diversidades se compõem levando-vos a ser uma só coisa. É bonito reconhecer e professar o nosso ser Igreja, "nação cujo Deus é o Senhor", povo que Ele escolheu de todas as nações, para que seja no mundo como que um "sacramento" da unidade do género humano. Nunca percais este profundo sentido do mistério da Igreja, à qual pertenceis! Com efeito, ela constitui o ambiente vital da autêntica formação cristã: em comunhão com ela quereis corresponder ao vosso empenho de estudo.

3. "Acautelai-vos do fermento dos fariseus, que é a hipocrisia" (
Lc 12,1). Na página evangélica há pouco proclamada, Jesus põe de sobreaviso os discípulos para que não assumam atitudes hipócritas, iludindo-se de poder dissimular coisas não boas sob uma honesta aparência. O Senhor recorda-nos que tudo está destinado a vir à luz, também as coisas escondidas e secretas.

Ele, além disso, exorta os seus, a quem chama "amigos", a não terem medo de nada nem de ninguém, mas a temerem unicamente a Deus, em cujas mãos está a nossa vida. Se o convite a temer "Aquele que, depois de matar, tem o poder de lançar no Geena" (Lc 12,5) incute um temor salutar, entretanto imediatamente depois é confortadora a descrição de Deus que cuida de toda a criatura e, com maior razão, dos homens, preciosíssimos aos seus olhos.

O tema da absoluta transparência de tudo e de todos diante de Deus unifica as duas partes da hodierna perícope evangélica. Trata-se de um elemento essencial daquela relação filial com Deus, que Cristo pregou, completando a revelação da Antiga Aliança.

Assim como para Jesus, também para vós, queridos professores e prezados estudantes das Universidades eclesiásticas, isto representa, considerando bem, a tarefa prioritária: conhecer e fazer conhecer a autêntica imagem de Deus. "Que Te conheçam a Ti, por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a Quem enviaste" (Jn 17,3): nisto consiste para os homens a vida eterna, e foi por isso que o Filho de Deus veio ao mundo, para que eles "tenham vida e a tenham em abundância" (ibid., 10, 10).

No início de um novo ano de estudos teológicos ou em todo o caso eclesiásticos, esta página do Evangelho de Lucas ajuda-nos a tornar explícita a referência fundamental à missão de Cristo e ao sentido da sua Encarnação: dali recebe luz e força também a missão de cada um de vós, na diversidade dos carismas e dos ministérios.

4. Caríssimos Irmãos e Irmãs! Quereria neste dia repetir as palavras do Concílio Ecuménico Vaticano II na Delcaração Gravissimum educationis: "A Igreja espera muitíssimo do trabalho das Faculdades de ciências sagradas" (n. 11). É verdade, ela conta muito com a obra que se realiza em cada uma das Universidades Pontifícias. Em particular, como Bispo de Roma, desejo exprimir o meu apreço e a minha gratidão pelo trabalho dos Superiores, dos Professores, dos Responsáveis das Instituições eclesiásticas de Roma. O vosso espírito empreendedor, caríssimos, unido ao alto nível científico e à segura fidelidade ao Magistério, manifesta o vosso amor a Cristo e à Igreja e, diria, o autêntico espírito missionário com que servis a Verdade.

Na vigília do Dia Missionário Mundial, é-me grato ressaltar que o trabalho de quantos ensinam e estudam nas Faculdades eclesiásticas não está separado nem tão-pouco em contraste com o daquele que trabalha, por assim dizer, "na primeira fila". Todos estamos ao serviço da Verdade, que é o Evangelho de Cristo Senhor. O Evangelho pede, por sua natureza, para ser anunciado, mas o anúncio pressupõe um sólido e aprofundado conhecimento da mensagem, para que a evangelização seja eficaz serviço a Deus, à Verdade e ao homem.

Caríssimos, a Mãe do Redentor, Sede da Sabedoria, vele sobre vós e sobre os empenhos deste ano académico que inicia. Maria é imagem e modelo da Igreja que acolhe a Palavra divina, a conserva com amor, a põe em prática e a leva ao mundo. A sua materna assistência seja para cada um de vós fonte de renovada motivação e de contínuo apoio na fadiga, para que toda a vossa actividade encontre sempre em Deus a sua origem e a sua plena realização, "para o louvor da Sua glória".

Amém!



HOMILIA NA MISSA PARA O


DIA MISSIONÁRIO MUNDIAL E O


XXII ANIVERSÁRIO DO PONTIFICADO DO


PAPA JOÃO PAULO II


Domingo, 22 de Outubro de 2000

1493
1. "O Filho do Homem não veio para ser servido. Ele veio para servir e dar a sua vida como resgate em favor de muitos" (Mc 10,45).


Caríssimos Irmãos e Irmãs, estas palavras do Senhor ressoam hoje, Dia Missionário Mundial, como feliz notícia para toda a humanidade e como programa de vida para a Igreja e para cada cristão. Foi o que recordou no início desta celebração o Cardeal Jozef Tomko, Prefeito da Congregação para a Evangelização dos Povos, informando-me que hoje de manhã nesta Praça estão presentes os Delegados de 127 Nações, participantes no Congresso Missionário Mundial, e os estudiosos de várias Confissões vindos para o Congresso Missiológico Internacional. Agradeço ao Cardeal Tomko o discurso de homenagem que me dirigiu e todo o trabalho que, juntamente com os Membros da Congregação por ele presidida, desempenha ao serviço do anúncio do Evangelho no mundo.

"O Filho do Homem não veio para ser servido. Ele veio para servir e dar a sua vida como resgate em favor de muitos". Estas palavras constituem a autoapresentação do Mestre divino. Jesus define-Se a Si mesmo como Aquele que veio para servir, e que precisamente no serviço e do dom total de Si até à cruz revela o amor do Pai. O seu rosto de "servo" não diminui a sua grandeza divina; ao contrário, ilumina-a com uma luz renovada.

Jesus é o "sumo sacerdote eminente" (He 4,14), é a Palavra que "no princípio... estava voltada para Deus. Tudo foi feito por meio d'Ela e, de tudo o que existe, nada foi feito sem Ela" (Jn 1,2). Jesus é o Senhor que "tinha a condição divina, mas não Se apegou à sua igualdade com Deus. Pelo contrário, esvaziou-Se a Si mesmo, assumindo a condição de servo" (Ph 2,6-7); Jesus é o Salvador, de quem "nos podemos aproximar com plena confiança". Jesus é o Caminho, a Verdade e a Vida (cf. Jo Jn 14,6), o pastor que deu a vida pelas ovelhas (cf. Jo Jn 10,11), o Autor da vida (cf. Act Ac 3,15).

2. O compromisso missionário brota como fogo de amor da contemplação de Jesus e do fascínio que Ele emana. O cristão que contemplou Jesus Cristo não pode deixar de sentir-se arrebatado pelo Seu fulgor (cf. Vita consecrata, VC 14) e de testemunhar a sua fé em Cristo, único Salvador do homem. Que grande graça é esta fé que recebemos como dádiva do alto, sem qualquer mérito da nossa parte (cf. Redemptoris missio RMi 11)!

Por sua vez, esta graça torna-se fonte de responsabilidade. É uma graça que faz de nós anunciadores e apóstolos: eis por que motivo na Encíclica Redemptoris missio eu dizia que "a missão é um problema de fé, é a medida exacta da nossa fé em Cristo e no seu amor por nós" (n. 11). Depois, acrescentava: "Se o missionário não é contemplativo, não pode anunciar Cristo de modo credível" (n. 91).

É fixando o olhar em Jesus, missionário do Pai e Sumo Sacerdote, autor e consumador da fé (cf. Hb He 3,1 He 12,2), que aprendemos o sentido e o estilo da missão.

3. Ele não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida como resgate em favor de todos. Na sequela de Cristo, o dom de si a todos os homens constitui um imperativo fundamental para a Igreja e, ao mesmo tempo, a indicação de um método para a sua missão.

Dar-se significa em primeiro lugar reconhecer o outro no seu valor e nas suas necessidades. "A atitude missionária começa sempre com um sentimento de profunda estima pelo que há no homem, por aquilo que ele mesmo, no íntimo do seu espírito, elaborou em relação aos problemas mais profundos e importantes; trata-se de respeitar tudo o que nele actuou o Espírito, que sopra onde quer" (Redemptor hominis, RH 12).

Assim como Jesus revelou a solidariedade de Deus pela pessoa humana, assumindo totalmente a sua condição, excepto o pecado, também a Igreja deseja ser solidária com "as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens do nosso tempo, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem" (Gaudium et spes, GS 1). Ela aproxima-se da pessoa humana com a discrição e o respeito de quem tem uma obra a realizar e acredita que o primeiro e maior serviço consiste em anunciar o Evangelho de Jesus, em fazer conhecer o Salvador, Aquele que revelou o Pai e, ao mesmo tempo, em desvelar o homem ao próprio homem.

4. A Igreja quer anunciar Jesus Cristo, Filho de Maria, seguindo o caminho que o próprio Cristo percorreu: o serviço, a pobreza, a humildade e a cruz. Portanto, ela há-de resistir com vigor às tentações que o Evangelho hodierno nos deixa entrever no comportamento dos dois irmãos, que desejavam sentar-se "um à direita e o outro à esquerda" do Mestre, mas inclusivamente dos outros discípulos que não se mostraram insensíveis ao espírito de rivalidade e de competição. A palavra de Cristo traça uma evidente linha de divisão entre o espírito do domínio e o espírito do serviço. Para o discípulo de Cristo, ser o primeiro significa ser "servo de todos".

1494 Trata-se de uma inversão de valores que só se compreende voltando o olhar para o Filho do homem, "desprezado e rejeitado pelos homens, homem do sofrimento experimentado na dor" (Is 53,3). São estas as palavras que o Espírito Santo fará com que a sua Igreja compreenda, no que se refere ao mistério de Cristo. Somente no Pentecostes os Apóstolos receberão a capacidade de crer na "força da debilidade", que se manifesta na Cruz.

E aqui, o meu pensamento dirige-se aos inúmeros missionários que, dia após dia, no silêncio e sem a assistência de qualquer poder humano, anunciam e antes ainda testificam o seu amor a Jesus, muitas vezes até ao dom da própria vida, como aconteceu ainda recentemente. Que espectáculo se apresenta aos olhos do coração! Quantos irmãos e irmãs despendem com generosidade as próprias energias nas linhas de fronteira do Reino de Deus! São Bispos, sacerdotes, religiosos, religiosas e leigos que nos representam Cristo vivo, mostrando-O concretamente como o Senhor que veio não para ser servido, mas para servir e dar a sua vida por amor ao Pai e aos irmãos. Dirijo a todos o meu grato reconhecimento, juntamente com um caloroso encorajamento a perseverarem com confiança. Coragem, irmãos e irmãs! Cristo está convosco.

Contudo, cada qual com a própria contribuição, todo o povo de Deus deve estar ao lado daqueles que se prodigalizam na vanguarda da missão "ad gentes", como bem intuíram e evidenciaram os fundadores das Pontifícias Obras Missionárias: todos podem e devem participar na evangelização, mesmo os pequeninos, os enfermos e os pobres com o seu óbolo, precisamente como o da viúva, que Jesus indica como exemplo (cf. Lc Lc 21,1-4). A missão é obra de todo o povo de Deus, cada um na vocação a que a Providência o chamou.

5. As palavras de Jesus acerca do serviço constituem também uma profecia de um novo estilo de relações a promover não só na comunidade cristã, mas também na sociedade em geral. Jamais devemos perder a esperança de fazer nascer um mundo mais fraterno. A competição desregrada, o desejo de dominar os outros a qualquer custo, a discriminação fomentada por aqueles que se julgam superiores aos outros e a desenfreada busca da riqueza encontram-se na origem de injustiças, violências e guerras.

Assim, as palavras de Jesus tornam-se uma exortação a invocar a paz. A missão é o anúncio de Deus que é Pai, de Jesus que é nosso Irmão maior, do Espírito que é amor. A missão é colaboração, humilde mas apaixonada, no desígnio de Deus que deseja uma humanidade salva e reconciliada. No ápice da história do homem, segundo Deus, há um projecto de comunhão e a missão deve conduzir a Ele.

À Rainha da Paz, Rainha das Missões e Estrela da Evangelização peçamos o dom da paz. Invoquemos a sua protecção materna sobre todos aqueles que, com generosidade, colaboram na difusão do nome e da mensagem de Jesus. Ela nos obtenha uma fé tão viva e ardente que faça ressoar com força renovada aos homens do nosso tempo a proclamação da verdade de Cristo, único Salvador do mundo.

Enfim, desejo recordar as palavras que pronunciei há vinte e dois anos nesta Praça: "Não tenhais medo! Abri as portas a Cristo!".





JUBILEU DOS DESPORTISTAS


DURANTE A MISSA NO ESTÁDIO OLÍMPICO DE ROMA
Domingo, 29 de Outubro de 2000




1. "Não sabeis que no no estádio todos os atletas correm, mas só um ganha o prémio? Portanto, correi para conseguir o prémio" (1Co 9,24).

Em Corinto, onde Paulo transmitira o anúncio do Evangelho, havia um estádio muito importante em que se disputavam os "jogos ístmicos". Portanto, oportunamente, para estimular os cristãos daquela cidade a comprometerem-se de maneira profunda na "corrida" da vida, o Apóstolo faz referência às competições atléticas. Nas corridas no estádio diz ele todos correm, embora um só seja o vencedor: portanto, correi também vós... Através da metáfora da sadia competição desportiva, ele põe em evidência o valor da vida, comparando-a a uma corrida rumo a uma meta não só terrestre e passageira, mas eterna. Uma corrida em que não só um, mas todos podem ser vencedores.

Hoje escutamos estas palavras do Apóstolo, reunidos neste Estádio Olímpico de Roma, que uma vez mais se transforma em um templo ao ar livre, como por ocasião do Jubileu Internacional dos Desportistas de 1984, Ano Santo da Redenção. Tanto nessa ocasião como hoje é Cristo, único Redentor do homem, que nos congrega e, com a sua palavra de salvação, ilumina o nosso caminho.

1495 Dirijo a todos vós a minha calorosa saudação, caríssimos atletas e desportistas de todas as partes do mundo, que celebrais o vosso Jubileu! Exprimo o meu "obrigado" mais cordial aos Responsáveis das Instituições desportivas internacionais e italianas, assim como a todos aqueles que colaboraram para organizar este singular encontro com o mundo do desporto e com as suas diversificadas articulações.

Agradeço as palavras que me foram dirigidas pelo Presidente do Comité Olímpico Internacional, Senhor Juan Antonio Samaranch; pelo Presidente do Comité Olímpico Nacional Italiano (CONI), Senhor Giovanni Petrucci; e Senhor Antonio Rossi, vencedor da medalha de ouro em Sidney e em Atlanta, que interpretou os sentimentos de todos vós, dilectos atletas. Enquanto vos contemplo reunidos e bem ordenados neste estádio, voltam-me à mente muitas recordações da minha vida, ligadas a experiências desportivas. Queridos amigos, obrigado pela vossa presença e sobretudo pelo entusiasmo com que estais a viver este encontro jubilar.

2. Com esta celebração, o mundo do desporto une-se como um grandioso coro, para expressar através da oração, do canto, do jogo e do movimento um hino de louvor e de agradecimento ao Senhor. Esta é a ocasião propícia para dar graças a Deus pelo dom do desporto, em que o homem exercita o próprio corpo, inteligência e vontade, reconhecendo nestas suas capacidades outras tantas dádivas do seu Criador.

Hoje a prática desportiva adquire uma importância notável, porque pode favorecer nos jovens a confirmação de valores relevantes como a lealdade, a perseverança, a amizade, a partilha e a solidariedade. E precisamente por este motivo, nos últimos anos ela desenvolveu-se cada vez mais como um dos fenómenos típicos da modernidade, como um "sinal dos tempos" capaz de interpretar as novas exigências e as renovadas expectativas da humanidade. O desporto difundiu-se em todos os quadrantes do mundo, ultrapassando diversidades de culturas e de nações.

Em virtude do perfil planetário adquirido por esta actividade, é grande a responsabilidade dos desportistas do mundo. Eles são chamados a fazer do desporto uma ocasião de encontro e de diálogo, para além de toda a barreira de língua, raça e cultura. Com efeito, o desporto pode oferecer uma contribuição válida para o entendimento pacífico entre os povos e colaborar para a confirmação da nova civilização do amor no mundo.

3. O Grande Jubileu do Ano 2000 convida cada um e todos a um sério caminho de reflexão e conversão. Pode acaso o mundo do desporto eximir-se deste providencial dinamismo espiritual? Não! Pelo contrário, precisamente a importância que hoje o desporto reveste convida quantos nele participam a aproveitar esta oportunidade para um exame de consciência. É importante relevar e promover os inúmeros aspectos positivos do desporto, mas é imperioso compreender também as várias situações transgressivas às quais ele pode ceder.

As potencialidades educativas e espirituais do desporto hão-de tornar os fiéis e os homens de boa vontade unidos e decididos a contrastarem todos os aspectos deturpantes que podem insinuar-se, reconhecendo nele um fenómeno contrário ao desenvolvimento integral da pessoa e à sua alegria de viver. São necessários todos os cuidados que visam a salvaguarda do corpo humano contra qualquer atentado à sua integridade, e contra todas as formas de exploração e de idolatria.

É preciso estar disposto a pedir perdão por quanto se fez ou se omitiu no mundo do desporto, em contraste com os compromissos assumidos no precedente Jubileu. Estes serão reiterados no "Manifesto do Desporto", que daqui a pouco será apresentado. Possa esta confirmação oferecer a todos dirigentes, técnicos e atletas a ocasião para encontrar um novo impulso criativo e propulsor, de tal forma que o desporto corresponda, sem se desnaturar, às exigências dos nossos tempos: um desporto que tutele os mais frágeis, não exclua ninguém e liberte os jovens das insídias da apatia e da indiferença, suscitando neles uma sadia competição; um desporto que seja factor de emancipação dos países mais pobres e ajude a cancelar a intolerência e a construir um mundo mais fraterno e solidário; um desporto que contribua para fazer amar a vida, eduque para o sacrifício, o respeito e a responsabilidade, levando à plena valorização de cada pessoa humana.

4. "Os que semeiam com lágrimas ceifam no meio de canções" (
Ps 126 [125], 5). O Salmo responsorial recordou-nos que para se obter bom êxito na vida é necessário perseverar no cansaço. Quem pratica o desporto sabe-o muito bem: é somente à custa de cansativos treinos que se alcançam resultados significativos. Por isso, o desportista está de acordo com o Salmista quando afirma que o esforço despendido na sementeira recebe a recompensa no júbilo da colheita: "Vão andando e chorando ao levarem a semente. Ao regressarem, voltam cantando, trazendo os seus feixes" (Ibid., v. 6).

Nos recentes Jogos Olímpicos de Sidney admirámos os empreendimentos de grandes atletas, que para alcançarem aqueles resultados se sacrificaram todos os dias, durante anos. Esta é a lógica do desporto, especialmente do desporto olímpico; e é inclusive a lógica da vida: sem sacrifícios não se obtêm resultados importantes e nem sequer satisfações genuínas.

Foi o que nos recordou uma vez mais o Apóstolo Paulo: "Os atletas abstêm-se de tudo; eles, para ganharem uma coroa perecível; nós, para ganharmos uma coroa imperecível" (1Co 9,25). Cada cristão é chamado a tornar-se um válido atleta de Cristo, ou seja, uma fiel e impávida testemunha do seu Evangelho. Mas para o conseguir, é necessário que ele persevere na oração, se exercite na virtude e siga o Mestre divino em tudo.

1496 Efectivamente, Ele é o verdadeiro atleta de Deus; Cristo é o Homem "mais forte" (Mc 1,7) que por nós enfrentou e derrotou o "adversário", Satanás, com o poder do Espírito Santo, inaugurando o Reino de Deus. Ele ensina-nos que para entrarmos na glória temos necessidade de passar através da paixão (cf. Lc Lc 24,26 Lc Lc 24,46), e precedeu-nos nesta vereda a fim de seguirmos as suas pegadas.

O grande Jubileu nos ajude a fortalecer-nos e a robustecer-nos, para enfrentarmos os desafios que se nos apresentam neste alvorecer do terceiro milénio.

5. "Jesus, filho de David, tem piedade de mim!" (Mc 10,47).

São as palavras do cego de Jericó no episódio narrado pela página evangélica que acaba de ser proclamada. Elas podem tornar-se também nossas: "Jesus, filho de David, tem piedade de mim!".
Ó Cristo, fixamos o nosso olhar em Ti, que ofereces a plenitude da vida a cada homem. Senhor, Tu curas e revigoras aqueles que, confiando em Ti, cumprem a tua vontade.

Hoje, no âmbito do Grande Jubileu do Ano 2000, estão aqui congregados idealmente os desportistas do mundo inteiro, antes de mais nada para renovarem a própria fé em Ti, único Salvador do homem.

Também aquele que, como o atleta, está em plena posse das suas forças, reconhece que sem Ti, ó Cristo, é interiormente como um cego, ou seja, incapaz de conhecer a verdade integral e de captar o profundo sentido da vida, de forma especial perante as trevas do mal e da morte. Diante das exigências fundamentais da existência, inclusivamente o maior de todos os campeões compreende que é indefeso e tem necessidade da tua luz para vencer os desafios comprometedores que o ser humano é chamado a enfrentar.

Senhor Jesus Cristo, ajuda estes atletas a serem teus amigos e testemunhas do teu amor. Assiste-os a dedicarem à ascese pessoal o mesmo esforço com que se aplicam no desporto; ajuda-os a realizarem uma harmónica e coerente unidade de corpo e de alma.

Para quantos os admiram, eles possam ser válidos modelos a imitar. Assiste-os a serem sempre atletas do espírito, para obterem o teu prémio inestimável: uma coroa imarcescível que dura eternamente. Amém!



HOMILIA DO PAPA JOÃO PAULO II

NA SOLENIDADE DE TODOS OS SANTOS

NO 50° ANIVERSÁRIO DA DEFINIÇÃO


DOGMÁTICA DA ASSUNÇÃO


1° de Novembro de 2000







1. "O louvor, a glória, a sabedoria, a acção de graças, a honra, o poder e a força pertencem ao nosso Deus, para sempre" (Ap 7,12).

1497 Em atitude de profunda adoração da Santíssima Trindade, unimo-nos a todos os Santos que celebram perenemente a liturgia celeste para reiterarmos com eles a acção de graças ao nosso Deus pelas grandes obras por Ele realizadas na história da salvação.

Louvor e acção de graças a Deus por ter suscitado na Igreja uma imensa plêiade de Santos, que ninguém pode enumerar (cf. Ap
Ap 7,9). Uma imensa plêiade: não só os Santos e os Beatos que festejamos durante o ano litúrgico, mas também os Santos anónimos, que só Ele conhece. Mães e pais de família que, na dedicação diária aos filhos, contribuiram eficazmente para o crescimento da Igreja e a edificação da sociedade; sacerdotes, religiosas e leigos que, como candeias acesas diante do altar do Senhor, se consumaram no serviço ao próximo necessitado de assistência material e espiritual; missionários e missionárias, que deixaram tudo para levar o anúncio evangélico a todas as partes do mundo. E a lista poderia continuar.

2. Louvor e acção de graças a Deus, de maneira particular pela mais santa de todas as criaturas, Maria, amada pelo Pai, abençoada por causa de Jesus, fruto do seu seio, santificada e renovada como criatura pelo Espírito Santo. Modelo de santidade por ter colocado a própria vida à disposição do Altíssimo, Ela "brilha como sinal de esperança segura e de consolação aos olhos do Povo de Deus peregrino" (Lumen gentium, LG 68).

Precisamente hoje celebramos o cinquentenário do solene acto mediante o qual, nesta mesma Praça, o meu venerado predecessor Papa Pio XII definiu o dogma da Assunção de Maria ao céu em corpo e alma. Louvemos o Senhor por ter glorificado a sua Mãe, associando-a à Sua vitória sobre o pecado e a morte.

Ao nosso louvor quiseram unir-se hoje, de maneira especial, os fiéis de Pompeia, que em grande número vieram em peregrinação, guiados pelo Arcebispo-Prelado do Santuário, D. Francesco Saverio Toppi, e acompanhados pelo Presidente da Câmara Municipal da Cidade. A sua presença recorda que foi precisamente o Beato Bartolo Longo, fundador da nova Pompeia, quem deu início em 1900 ao movimento promotor da definição do dogma da Assunção.

3. A hodierna liturgia fala unicamente de santidade. Porém, para sabermos qual é o caminho da santidade, devemos subir com os Apóstolos ao monte das Bem-Aventuranças, aproximar-nos de Jesus e colocar-nos à escuta das palavras de vida que saem dos seus lábios. Também hoje Ele nos repete:

Bem-aventurados os pobres em espírito, porque possuirão o reino dos céus! O Mestre divino proclama "beatos" e, porderíamos dizer, "canoniza" em primeiro lugar os pobres em espírito, ou seja, aqueles que têm o coração livre de preconceitos e condicionamentos e por isso são totalmente disponíveis à vontade divina. A adesão integral e confiante a Deus supõe o despojamento e o desapego coerente de si mesmo.

Bem-aventurados os aflitos! É a bem-aventurança não só daqueles que sofrem pelas inumeráveis misérias inerentes à condição humana mortal, mas também de quantos aceitam com coragem os sofrimentos derivantes da profissão sincera da moral evangélica.
Bem-aventurados os puros de coração! São proclamados ditosos aqueles que não se contentam com a pureza exterior ou ritual, mas procuram a absoluta rectidão interior que exclui qualquer mentira e ambiguidade.

Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça! A justiça humana já é uma meta excelsa, que enobrece o ânimo de quem a procura, mas o pensamento de Jesus tem em vista a justiça mais elevada, que consiste na busca da vontade salvífica de Deus: feliz é sobretudo quem tem fome e sede desta justiça. Com efeito, Jesus diz: "Só entrará [no Reino do Céu] aquele que põe em prática a vontade do meu Pai que está no Céu" (Mt 7,21).

Bem-aventurados os misericordiosos! Ditosos são aqueles que vencem a dureza de coração e a indiferença, para reconhecerem de forma concreta a primazia do amor compassivo a exemplo do Bom Samaritano e, em última análise, do Pai "rico em misericórdia" (Ep 2,4).

1498 Bem-aventurados os pacificadores! A paz, síntese dos bens messiânicos, constitui uma tarefa exigente. Num mundo que apresenta tremendos antagonismos e obstáculos, é necessário promover uma convivência fraterna inspirada no amor e na partilha, superando inimizades e contrastes. Felizes aqueles que se comprometem neste nobilíssimo empreendimento.

4. Os Santos levaram a sério estas palavras de Jesus. Acreditaram que a "felicidade" haveria de lhes advir se a traduzissem concretamente na sua própria existência. E experimentaram a sua verdade no confronto quotidiano com a experiência: não obstante as provações, as obscuridades e as adversidades, saborearam já aqui na terra a profunda alegria da comunhão com Cristo. N'Ele descobriram, presente no tempo, o gérmen inicial da futura glória do Reino de Deus.

Foi o que descobriu, em particular, Maria Santíssima, que com o Verbo encarnado viveu uma comunhão singular, confiando-se incondicionalmente ao Seu desígnio salvífico. Por isso, foi-lhe dado escutar, antes do "sermão da montanha", a bem-aventurança que resume todas as outras: "Bem-aventurada aquela que acreditou, porque vai acontecer o que o Senhor lhe prometeu" (
Lc 1,45).

5. A profundidade da fé da Virgem na palavra de Deus transparece com clarividência no cântico do Magnificat: "A minha alma proclama a grandeza do Senhor / e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador / porque olhou para a humilhação da sua Serva" (Ibid., vv. 46-48).

Com este cântico, Maria mostra o que constituiu o fundamento da sua santidade: a profunda humildade. Podemo-nos perguntar em que consistia esta sua humildade. A este respeito, é muito eloquente a "preocupação" que a saudação do anjo lhe suscitou: "Alegra-te, cheia de graça! O Senhor está contigo!" (Ibid., v. 28). Diante do mistério da graça, da experiência de uma especial presença de Deus, que lhe dirigiu o Seu olhar, Maria sente um natural impulso de humildade (literalmente, de "submissão"). É a reacção da pessoa que tem plena consciência da própria pequenez diante da grandeza de Deus. Na verdade, Maria contempla-se a si mesma, os outros e o mundo.

Não foi por acaso sinal de humildade a pergunta: "Como vai acontecer isto, se não vivo com nenhum homem?" (Ibid., v. 34)? Ela acabara de ouvir que devia conceber e dar à luz uma Criança, que haveria de reinar no trono de David como Filho do Altíssimo. Sem dúvida, ela não compreendeu plenamente o mistério daquela disposição divina, mas entendeu que significava uma transformação total na realidade da sua vida. Todavia, não perguntou: será verdadeiramente assim? Deve acontecer isto? Mas disse com simplicidade: Como vai acontecer? Sem dúvidas e de forma incondicional, aceitou a intervenção divina que mudava a sua existência. A sua pergunta exprimia a humildade da fé, a disponibilidade para pôr a própria vida ao serviço do mistério divino, apesar da incapacidade de compreender o modo da sua realização.

Esta humildade do espírito, esta completa submissão na fé, expressou-se de maneira particular no seu "fiat". "Eis a escrava do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra" (Ibid., v. 38). Graças à humildade de Maria, pôde realizar-se aquilo que em seguida Ela teria entoado no Magnificat": "Doravante todas as gerações me felicitarão / porque o Todo-Poderoso realizou grandes obras em meu favor / o seu Nome é santo" (Ibid., vv. 48-49).

É à profundidade da humildade que corresponde a grandeza do dom. O Omnipotente realizou "grandes obras" em seu favor (cf. Ibid., v. 49) e Ela soube aceitá-las com gratidão e transmiti-las a todas as gerações dos fiéis. Eis o caminho rumo ao céu percorrido por Maria, Mãe do Salvador, precedendo neste caminho todos os Santos e Beatos da Igreja.

6. Bem-aventurada és tu, ó Maria, assunta ao céu em alma e corpo! Pio XII definiu esta verdade "para a glória de Deus Omnipotente... em honra do seu Filho, Rei imortal dos séculos e vencedor do pecado e da morte, para a maior glória da sua Mãe, para alegria e exultação de toda a Igreja" (Constituição Apostólica Munificentissimus Deus, AAS 42 [1950], pág. 770).

E nós exultamos, Maria Assunta, na contemplação da tua pessoa glorificada e, em Cristo ressuscitado, tornada colaboradora do Espírito para a comunicação da vida divina aos homens. Em ti vemos a meta da santidade para a qual Deus chama todos os membros da Igreja. Na tua vida de fé vemos a clara indicação do caminho rumo à maturidade espiritual e à santidade cristã.
Contigo e com todos os Santos, glorificamos a Deus Trindade, que ampara a nossa peregrinação terrestre e vive e reina nos séculos dos séculos!

Amém!




Homilias JOÃO PAULO II 1491