Homilias JOÃO PAULO II 1506

JUBILEU DO APOSTOLADO DOS LEIGOS




Domingo, 26 de Novembro de 2000






1. "Tu o dizes: sou rei" (Jn 18,37).

Assim respondeu Jesus a Pilatos num diálogo dramático, que o Evangelho nos faz ouvir novamente na hodierna solenidade de Cristo, Rei do universo. Nessa ocorrência, colocada na conclusão do ano litúrgico, Jesus, Verbo eterno do Pai, é apresentado como princípio e fim de toda a criação, como Redentor do homem e Senhor da história. Na primeira leitura, o profeta Daniel afirma: "O seu poder é um poder eterno, que nunca lhe será tirado. E o seu Reino é tal que jamais será destruído" (7, 14).

Sim, ó Cristo, Vós sois Rei! Paradoxalmente, a vossa realeza manifesta-se na cruz, na obediência ao desígnio do Pai "que como escreve o Apóstolo Paulo nos arrancou do poder das trevas e nos transferiu para o Reino do seu Filho amado, no Qual temos a redenção, a remissão dos pecados" (Col 1,13-14). Primogénito daqueles que ressuscitaram dos mortos, Vós, Jesus, sois o Rei da nova humanidade, restituída à sua dignidade primitiva.

Vós sois Rei! Porém, o vosso reino não é deste mundo (cf. Jo Jn 18,36); não é o fruto de conquistas bélicas, de dominações políticas, de impérios económicos, de hegemonias culturais. O vosso é um "reino de verdade e de vida, de santidade e de graça, de justiça, de amor e de paz" (cf. Prefácio da solenidade de Cristo Rei), que se manifestará na sua plenitude no fim dos tempos, quando Deus será tudo em todos (cf. 1Co 15,28). A Igreja, que já pode saborear na terra as primícias que se hão-de realizar no futuro, não cessa de repetir: "Venha o vosso reino", "Adveniat regnum tuum" (Mt 6,10).

1507 2. Venha o vosso reino! Rezam assim, em toda a parte do mundo, os fiéis que se reúnem hoje à volta dos seus Pastores para o Jubileu do Apostolado dos Leigos. Uno-me a eles com alegria neste coro universal de louvor e súplica, celebrando juntamente convosco, caros fiéis, a Santa Missa junto do Túmulo do Apóstolo Pedro.

Agradeço ao Cardeal James Francis Stafford, Presidente do Pontifício Conselho para os Leigos e aos vossos dois representantes, que no início da Santa Missa se fizeram intérpretes dos comuns sentimentos. Saúdo os venerados Irmãos no Episcopado, assim como os sacerdotes, religiosos e religiosas presentes. Estendo a minha saudação em especial a vós, irmãos e irmãs leigos, christifideles laici, activamente dedicados à causa do Evangelho: olhando para vós, penso também em todos os membros de comunidades, associações e movimentos de acção apostólica; penso nos pais e mães que, com generosidade e espírito de sacrifício, se consagram à educação dos seus filhos na prática das virtudes humanas e cristãs; penso em quantos oferecem à evangelização o contributo dos seus próprios sofrimentos, aceites e vividos em união com Cristo.

3. Saúdo-vos de modo particular, caros participantes no Congresso do Laicado católico, que bem se insere no contexto do Jubileu do Apostolado dos Leigos. O vosso encontro tem como tema "Testemunhas de Cristo no novo Milénio". Ele retoma a tradição dos congressos mundiais do Apostolado dos leigos, iniciada há 50 anos sob o impulso fecundo de uma consciência mais profunda que a Igreja tinha adquirido, quer da própria natureza do mistério de comunhão quer da sua intrínseca responsabilidade missionária no mundo.

No amadurecimento desta consciência, o Concílio Ecuménico Vaticano II assinalou uma mudança decisiva. Com o Concílio, na Igreja chegou verdadeiramente a hora do laicado e tantos fiéis leigos, homens e mulheres, compreenderam com maior clareza a própria vocação cristã que, por sua própria natureza, é vocação ao apostolado (cf. Apostolicam actuositatem,
AA 2). A 35 anos da sua conclusão, digo: é preciso voltar ao Concílio. É preciso retomar nas mãos os documentos do Vaticano II para redescobrir a grande riqueza dos estímulos doutrinais e pastorais.

Deveis retomar nas mãos aqueles documentos, em particular vós, leigos, a quem o Concílio abriu extraordinárias perspectivas de envolvimento e de compromissso na missão da Igreja. O Concílio não recordou acaso a vossa participação na função sacerdotal, profética e real de Cristo? Os Padres conciliares confiaram-vos, de modo especial, a missão de "procurar o reino de Deus, tratando das realidades temporais e ordenando-as segundo Deus" (Lumen gentium LG 31).

A partir de então, floresceu uma vivaz época agregativa, em que ao lado do associativismo tradicional surgiram novos movimentos, sodalícios e comunidades (cf. Christifideles laici CL 29). Hoje, mais do que nunca, caríssimos Irmãos e Irmãs, o vosso apostolado é indispensável para que o Evangelho seja luz, sal e fermento de uma nova humanidade.

4. Mas o que comporta esta missão? Que significa ser cristão hoje, aqui e agora?

Ser cristão nunca foi fácil e tão-pouco o é hoje. Seguir Cristo exige a coragem de opções radicais, frequentemente contra a corrente. "Nós somos Cristo!", exclamava Santo Agostinho. Os mártires e as testemunhas da fé de ontem e de hoje, entre os quais tantos fiéis leigos, demonstram que, se for necessário, por Jesus Cristo não se deve hesitar nem sequer em dar a própria vida.

A este propósito, o Jubileu convida todos a um sério exame de consciência e a uma duradoura renovação espiritual, para uma acção missionária cada vez mais activa. Agora quero retomar aquilo que, há 25 anos, quase no encerramento do Ano Santo de 1975, o meu venerado predecessor Papa Paulo VI escrevia na Exortação Apostólica Evangelii nuntiandi: "O homem contemporâneo escuta com melhor boa vontade as testemunhas do que os mestres... ou então, se escuta os mestres, é porque eles são testemunhas" (n. 41).

São palavras válidas ainda nestes dias, diante de uma humanidade rica de potencialidades e de expectativas, porém ameaçada por múltiplas insídias e perigos. Basta pensar, entre outras coisas, nas conquistas sociais e na revolução no campo genético; no progresso económico e no subdesenvolvimento existente em vastas áreas do planeta; no drama da fome no mundo e nas dificuldades existentes para assegurar a paz; nas minuciosas redes das comunicações e nos dramas da solidão e da violência difundidos pela crónica diária. Caríssimos Irmãos e Irmãs, como testemunhas de Cristo, sois chamados especialmente vós a levar a luz do Evangelho aos centros vitais da sociedade. Sois interpelados a ser profetas da esperança cristã e apóstolos "d'Aquele que é, que era e que vem, o Omnipotente!" (Ap 1,4).

5. "A santidade é o adorno da tua casa!" (Ps 92,5). No Salmo responsorial, voltamo-nos para Deus com estas palavras. A santidade continua a ser o maior desafio para os fiéis. Devemos estar gratos ao Concílio Vaticano II que nos recordou que todos os cristãos são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade.

1508 Caríssimos, não tenhais medo de enfrentar este desafio: ser homens e mulheres santos! Não esqueçais que os frutos do apostolado dependem da profundidade da vida espiritual, da intensidade da oração, de uma formação constante e de uma adesão sincera às directrizes da Igreja. Repito-vos hoje, como fiz aos jovens durante a recente Jornada Mundial da Juventude, que se fordes o que deveis ser isto é, se viverdes o cristianismo sem comprometimentos podereis incendiar o mundo.

Esperam-vos deveres e metas que podem parecer desproporcionados às forças humanas. Não percais a coragem! "Aquele que em vós iniciou esse bom trabalho, vai continuá-lo até que seja concluído" (
Ph 1,6). Conservai sempre fixo o olhar em Jesus. Fazei d'Ele o coração do mundo.

E Tu, Maria, Mãe do Redentor, sua primeira e perfeita discípula, ajuda-nos a ser as suas testemunhas no novo milénio. Faz que o teu Filho, Rei do universo e da história, reine na nossa vida, nas nossas comunidades e no mundo inteiro!

"Louvor e honra a Vós, ó Cristo!". Com a vossa Cruz redimistes o mundo. A Vós confiamos, no início do novo milénio, o nosso compromisso ao serviço deste mundo que Vós e nós amamos. Sustentai-nos com a força da vossa graça! Amém.





JUBILEU DAS COMUNIDADES COM DEFICIENTES




DURANTE A MISSA NA


BASÍLICA DE SÃO PAULO FORA DOS MUROS


Domingo, 3 de Dezembro de 2000


1. "Levantai-vos e erguei a cabeça, porque a vossa libertação está próxima" (Lc 21,28).
São Lucas, no texto evangélico oferecido à nossa meditação neste primeiro domingo do Advento, sublinha o receio que atemoriza os homens perante as perturbações finais. Mas, por contraste, o evangelista apresenta com relevo muito maior a pespectiva jubilosa da expectativa cristã:

"Então diz verão o Filho do Homem vir sobre uma nuvem, com grande poder e glória" (Lc 21,27).Eis o anúncio que dá esperança ao coração do crente: o Senhor virá "com grande poder e glória". Por isso os discípulos são convidados a não terem receio, mas a levantar-se e a erguer a cabeça, "porque a vossa libertação está próxima" (Lc 21,28).

A Liturgia faz-nos ouvir todos os anos, no início do Advento, esta "boa nova", que ecoa com extraordinária eloquência na Igreja. É a boa nova da nossa salvação: é o anúncio de que o Senhor está próximo. Ou melhor, que Ele já está connosco.

2. Caríssimos Irmãos e Irmãs! Sinto vibrar no espíriro este convite à serenidade e à esperança sobretudo hoje, ao celebrar juntamente convosco o Jubileu das pessoas deficientes.

Celebramo-lo no dia que vos é dedicado pelas Nações Unidas, que há precisamente 25 anos publicaram a "Declaração sobre os Direitos das pessoas deficientes".

1509 Saúdo-vos com afecto, queridos amigos, que sofreis de uma ou de mais formas de deficiência, e que desejastes vir a Roma para este encontro de fé e de fraternidade. Agradeço aos vossos representantes e ao Director da Caritas Italiana as palavras que me dirigiram no início da Santa Missa. Faço extensivo o meu cordial pensamento a todos os portadores de deficiência, aos seus familiares e aos voluntários, que neste mesmo dia celebram o seu Jubileu com os seus Pastores, nas várias Igrejas locais.

Caríssimos Irmãos e Irmãs, no vosso corpo e na vossa vida, sois portadores de uma intensa esperança de libertação. Não encerra porventura isso uma intrínseca expectativa da "libertação" que Cristo nos obteve com a sua morte e ressurreição? Com efeito, cada pessoa marcada por uma dificuldade física ou psíquica vive uma espécie de "advento" existencial, a expectativa de uma "libertação" que se manifestará plenamente, tanto para ela como para todos, unicamente no final dos tempos. Sem a fé, esta expectativa pode assumir os tons da desilusão e do desconforto; amparada pela Palavra de Cristo, ela transforma-se em esperança viva e laboriosa.

3. "Ficai atentos e rezai continuamente, a fim de terdes força para escapar de tudo o que deve acontecer e para ficardes de pé diante do Filho do Homem" (
Lc 21,36). A Liturgia de hoje fala-nos da "segunda vinda" do Senhor; ou seja, fala da vinda gloriosa de Cristo que coincidirá com aquilo que, em palavras simples, se chama "o fim do mundo". Trata-se de um acontecimento misterioso que, na linguagem apocalíptica, apresenta sobretudo o aspecto de um imenso cataclismo. Assim como o fim do indivíduo, isto é, a morte, também o fim do universo suscita a angústia perante o que é desconhecido, o medo do sofrimento, juntamente com perguntas repletas de trepidação acerca do "além-mundo".

O tempo do Advento, que precisamente hoje tem início, estimula-nos a preparar-nos para acolher o Senhor que há-de vir. Como nos devemos preparar? A significativa celebração que estamos a fazer põe em ressalto que uma forma concreta de nos dispormos para aquele encontro é a proximidade e a partilha com quem, por qualquer motivo, se encontra em dificuldade. Ao reconhecer Cristo no irmão, predispomo-nos para sermos reconhecidos por Ele quando vier definitivamente. É assim que a Comunidade cristã se prepara para a segunda vinda do Senhor: dando prioridade a todos os que o próprio Jesus privilegiou, àquelas pessoas que muitas vezes a sociedade marginaliza e não considera.

4. Foi o que fizemos hoje, reunindo-nos nesta Basílica para viver a graça e a alegria do Jubileu juntamente convosco, que vos encontrais em condições de deficiência, e com as vossas famílias. Desejamos, com este gesto, fazer nossos os vossos anseios e expectativas, os vossos dons e problemas.

Em nome de Cristo, a Igreja empenha-se em tornar-se para vós, cada vez mais, uma "casa acolhedora". Sabemos que o deficiente pessoa única e irrepetível na sua igual e inviolável dignidade requer não só curas, mas antes de mais um amor que se torne reconhecimento, respeito e integração: do nascimento à adolescência, à idade adulta e ao momento delicado, vivido com trepidação por tantos pais, da separação dos próprios filhos, o momento do "depois de nós". Caríssimos, desejamos sentir-nos partícipes das vossas fadigas e dos inevitáveis momentos de desânimo, para os iluminar com a luz da fé e com a esperança da solidariedade e do amor.

5. Com a vossa presença, caríssimos Irmãos e Irmãs, reconfirmais que a deficiência não é apenas necessidade, é também e sobretudo estímulo e solicitação. Sem dúvida, ela é pedido de ajuda, mas, ainda antes, é provocação em relação aos egoísmos individuais e colectivos; é convite a formas sempre novas de fraternidade. Com a vossa realidade, pondes em crise as concepções da vida ligadas unicamente à satisfação, ao parecer, à pressa e à eficiência.

Também a comunidade eclesial se coloca em respeitosa escuta; ela sente a necessidade de se deixar interrogar pelo cansaço de muitas das vossas existências marcadas misteriosamente pelo sofrimento e pelas dificuldades devido a acontecimento lesivos, congénitos ou adquiridos. Deseja tornar-se mais próxima de vós e das vossas famílias, consciente de que a falta de atenção provoca sofrimento e solidão, enquanto a fé testemunhada no amor e na gratuidade dá força e sentido à vida.

A todos os que têm responsabilidades políticas a qualquer nível, desejaria pedir, nesta solene circunstância, que se empenhem a fim de que sejam garantidas condições de vida e oportunidades que consintam que a vossa dignidade, queridos Irmãos e Irmãs, seja efectivamente reconhecida e tutelada. Numa sociedade rica de conhecimentos científicos e técnicos, é possível e também é um dever fazer mais, dos vários modos que a convivência civil requer: desde a pesquisa biomédica para prevenir a deficiência, até à cura, à assistência, à reabilitação e à nova integração social.
Se os vossos direitos civis, sociais e espirituais devem ser tutelados, é ainda mais importante salvaguardar as relações humanas: relações de ajuda, de amizade e de partilha. Eis o motivo pelo qual devem ser promovidas formas de cura e de reabilitação que tenham em conta a visão integral da pessoa humana.

6. "Que o Senhor vos faça crescer e aumentar no amor mútuo" (1Th 3,12).

1510 São Paulo indica-nos hoje o caminho da caridade como via-mestra para ir ao encontro do Senhor que há-de vir. Ele ressalta que só amando de maneira sincera e desinteressada poderemos estar preparados "por ocasião da vinda de nosso Senhor Jesus com todos os Seus santos" (1Th 3,13). Mais uma vez o amor é o critério decisivo, hoje e sempre.

Na cruz, ao oferecer-Se a Si mesmo em resgate por nós, Jesus realizou o juízo da salvação, revelando o desígnio de misericórdia do Pai. Ele anticipa este juízo ao presente: identificando-se com "o mais pequenino dos irmãos", Jesus pede-nos que o acolhamos e sirvamos com amor. No último dia dir-nos-á: tive fome, e destes-Me de comer... (cf. Mt Mt 25,35), e perguntar-nos-á se anunciámos, vivemos e testemunhámos o Evangelho da caridade e da vida.

7. Como são eloquentes para nós hoje estas Vossas palavras, Senhor da vida e da esperança! Em Vós qualquer limite humano é resgatado e redimido. Graças a Vós, a deficiência não é a última palavra da vida. É o amor a última palavra, é o Vosso amor que dá sentido à vida.

Ajudai-nos a orientar o coração para Vós; ajudai-nos a reconhecer o Vosso rosto que resplandece em cada criatura humana por muito que seja provada pela fadiga, pelas dificuldades e pelo sofrimento.

Fazei com que compreendamos que "a glória de Deus é o homem vivo" (Ireneu de Leão, Adv. haer., 4, 20, 7), e fazei com que um dia possamos pregustar, na visão divina, juntamente com Maria, Mãe da humanidade, a plenitude da vida por Vós redimida. Amém!





CELEBRAÇÃO DO HINO


DE "AKATHISTOS" NA


BASÍLICA DE SANTA MARIA MAIOR


8 de Dezembro de 2000


1. Maria é "ícone da Igreja, símbolo e antecipação da humanidade transfigurada pela graça, modelo e esperança segura para todos aqueles que dirigem os seus passos para a Jerusalém do Céu" (Carta apostólica Orientale lumen, n. 6).

Caríssimos Irmãos e Irmãs! Eis-nos recolhidos na basílica que o povo romano, após o Concílio de Éfeso, dedicou com devoto fervor à santa Virgem Maria. Nesta tarde, a tradição litúrgica bizantina celebra as primeiras Vésperas da Conceição de Santa Ana, enquanto a lirturgia latina presta o seu louvor à Imaculada Conceição da Mãe de Deus.

Exprimo o meu vivo agrado pela participação de uma coroa de irmãos e irmãs, que estão aqui connosco, nesta tarde, em representação das Igrejas orientais católicas. Dirijo a minha cordial saudação a todos os Bispos de rito bizantino presentes nesta basílica, juntamente com os seus fiéis.

2. Esta tarde estamos todos repletos de profunda alegria: a alegria de louvar Maria com o Hino "Akathistos", tão querido à tradição oriental. É um cântico todo centrado em Cristo, contemplado à luz da sua Virgem Mãe. Por 144 vezes ele convida-nos a renovar a Maria a saudação do Arcanjo Gabriel: Ave Maria! Repercorremos as etapas da sua existência e louvamos os prodígios realizados nela pelo Omnipotente: desde a concepção virginal, início e princípio da nova criação, até à sua maternidade divina, à partilha da missão do seu Filho, sobretudo nos momentos da sua paixão, morte e ressurreição. Mãe do Senhor ressuscitado e Mãe da Igreja, Maria precede-nos e guia-nos ao conhecimento autêntico de Deus e ao encontro com o Redentor. Ela indica-nos o caminho e mostra-nos o seu Filho. Ao celebrá-la com alegria e gratidão, honramos a santidade de Deus, cuja misericórdia fez maravilhas na sua humilde serva. Saudámo-la com o título de Cheia de graça e imploramos a sua intercessão por todos os filhos da Igreja que, com este Hino Akathistos, celebra a sua glória.

Que ela nos guie à contemplação, no próximo Natal, do mistério de Deus feito homem para nossa salvação!



JUBILEU DOS CATEQUISTAS


1511
10 de Dezembro de 2000




1. "Preparai o caminho do Senhor, endireitai as Suas estradas!" (
Lc 3,4). João Baptista dirige-se a nós, hoje, com estas palavras. A sua ascética figura encarna, num certo sentido, o significado deste tempo de expectativa e de preparação da vinda do Senhor. No deserto de Judá, ele proclama que já se estão a cumprir as promessas e o Reino de Deus está próximo: eis por que é preciso deixar com urgência os caminhos do pecado e crer no Evangelho (cf. Mc Mc 1,15).

Que figura poderia ser mais adequada do que a de João Baptista para este vosso Jubileu, caríssimos catequistas e professores de religião católica? A todos vós, aqui reunidos de diversos Países, em representação de numerosas Igrejas particulares, dirijo a minha afectuosa saudação. Agradeço ao Senhor Cardeal Darío Castrillón Hoyos, Prefeito da Congregação para o Clero, e aos vossos dois representantes, as gentis palavras que, no início desta celebração, me dirigiram em nome de todos vós.

2. Em João Baptista encontrais hoje as características fundamentais do vosso serviço eclesial. Confrontando-vos com ele, sois encorajados a fazer uma averiguação da missão que a Igreja vos confia. Quem é João Baptista? Em primeiro lugar, é um crente empenhado em primeira pessoa num exigente caminho espiritual, feito de escuta atenta e constante da Palavra de salvação.

Além disso, ele testemunha um estilo de vida desapegado e pobre; demonstra grande coragem ao proclamar a todos a vontade de Deus, até às extremas consequências. Não cede à fácil tentação de assumir um papel fundamental, mas com submissão humilha-se a si próprio para exaltar Jesus. Como João Baptista, também o catequista é chamado a indicar em Jesus o Messias esperado, o Cristo. A sua tarefa consiste em convidar a fixar o olhar em Jesus e a segui-l'O, porque só Ele é o Mestre, o Senhor, o Salvador. Como o Precursor, o catequista não deve exaltar-se a si próprio, mas a Cristo. Tudo deve ser orientado para Ele: para a sua vinda, presença e mistério.

O catequista deve ser a voz que transmite a Palavra, amigo que conduz ao Esposo. E contudo, como João, também ele é, num certo sentido, indispensável, porque a experiência da fé tem sempre necessidade de um mediador, que seja simultaneamente testemunha. Quem de nós não agradece ao Senhor o dom de um válido catequista sacerdote, religioso, religiosa, leigo ao qual se sente devedor da primeira exposição orgânica e envolvente do mistério cristão?

3. Queridos catequistas e professores de religião, o vosso trabalho é necessário como nunca e requer, da vossa parte, uma constante fidelidade a Cristo e à Igreja. Com efeito, todos os fiéis têm direito a receber de quantos, por dever ou mandato, são responsáveis pela catequese e pela pregação, respostas não subjectivas, mas correspondentes ao Magistério constante da Igreja, à fé desde sempre ensinada autorizadamente por quantos são constituídos Mestres e vivida de modo exemplar pelos Santos.

A respeito disto, desejaria recordar a importante Exortação Apostólica Quinque iam anni, que o Servo de Deus o Papa Paulo VI escreveu ao Episcopado católico cinco anos depois do Concílio Vaticano II, ou seja há trinta anos, exactamente no dia 8 de Dezembro de 1970. Ele, o Papa, denunciava a tendência perigosa a reconstruir, sobre bases psicológicas e sociológicas, um cristianismo desligado da Tradição ininterrupta que se relaciona com a fé dos Apóstolos (cf. Insegnamenti de Paolo VI, VIII [1970], 1420). Caríssimos, compete-vos também a vós colaborar com os Bispos para que o esforço necessário para fazer compreender a mensagem aos homens e às mulheres do nosso tempo jamais atraiçoe a verdade e a continuidade da doutrina da fé (cf. ibid., 1422).

Mas não é suficiente o conhecimento intelectual de Cristo e do seu Evangelho. De facto, crer n'Ele significa segui-l'O.Eis por que devemos frequentar a escola dos Apóstolos, dos Confessores da fé, dos Santos e das Santas de todos os tempos, que contribuíram para difundir e fazer amar o nome de Cristo, através do testemunho de uma vida gasta generosa e jubilosamente por Ele e pelos irmãos.

4. A este propósito, a página do evangelho de hoje convida-nos a fazer um cuidadoso exame de consciência. São Lucas fala de "caminhos para endireitar", de "vales aterrados", de "montanhas e colinas aplanadas", para que cada homem possa ver a salvação de Deus (cf. Lc Lc 3,4-6). Estes "vales aterrados" fazem pensar na separação, que se verifica em alguns, entre a que professam e a vida quotidiana que levam: o Concílio indicou esta separação como um dos "erros mais graves do nosso tempo" (Gaudium et spes, GS 43).

Além disso, os "caminhos para endireitar" recordam a condição daqueles crentes que, do património integral e imutável da fé, tiram elementos subjectivamente escolhidos, talvez à luz da mentalidade dominante, e se afastam do caminho direito da espiritualidade evangélica, fazendo referência a valores espirituais vagos e a um moralismo convencional e irenista. Na realidade, apesar de viver numa sociedade pluriétnica e multi-religiosa, o cristão não pode deixar de sentir a urgência do mandato missionário que levava São Paulo a exclamar: "Ai de mim, se eu não anunciar o Evangelho!" (1Co 9,16). Em qualquer circunstância ou ambiente, favorável ou não, deve ser proposto com coragem o Evangelho de Cristo, anúncio de felicidade para todas as pessoas de qualquer idade, categoria, cultura e nação.

1512 5. Consciente disto, a Igreja dedicou, nos últimos decénios, um empenho ainda maior na renovação da catequese de acordo com os ensinamentos e com o espírito do Concílio Vaticano II. É suficiente mencionar algumas importantes iniciativas eclesiais, entre as quais as Assembleias do Sínodo dos Bispos, sobretudo a de 1974 dedicada à evangelização; e também os vários documentos da Santa Sé e dos Episcopados, publicados nos últimos decénios. Naturalmente, ocupa um lugar especial o Catecismo da Igreja Católica, publicado em 1992, ao qual se seguiu, há três anos, uma nova redacção do Directório Geral para a Catequese. Esta abundância de acontecimentos e de documentos testemunha a solicitude da Igreja que, ao entrar no terceiro milénio, se sente estimulada pelo Senhor a empenhar-se com renovado impulso no anúncio da mensagem evangélica.

6. A missão catequética da Igreja tem diante de si metas importantes. Os Episcopados estão a preparar os catecismos nacionais, que, sob a orientação do Catecismo da Igreja Católica, apresentarão a síntese orgânica da fé de maneira adequada às "diferenças de culturas, idades, espiritualidades, situações sociais e eclesiais daqueles a quem a catequese se dirige" (
CIC 24). Liberta-se do coração um desejo que se torna oração: oxalá a mensagem cristã, integral e universal, possa impregnar todos os ambientes e níveis de cultura e de responsabilidade social! E sobretudo, segundo uma gloriosa tradução, oxalá ela possa traduzir-se na linguagem da arte e da comunicação social, de modo que alcance os mais diferentes ambientes humanos!

Neste solene momento, encorajo-vos com grande afecto a todos vós, que estais empenhados nas diversas modalidades catequéticas: da catequese paroquial, que duma certa forma é fermento das restantes, à catequese familiar, nas escolas católicas, nas associações, nos movimentos, nas novas comunidades eclesiais. A experiência ensina que a qualidade da acção catequética depende em grande medida da presença pastoral solícita e afectuosa dos sacerdotes. Queridos presbíteros, sobretudo vós, estimados párocos, não deixeis faltar a vossa diligente laboriosidade nos itinerários de iniciação cristã e na formação dos catequistas. Estai próximos deles e acompanhai-os. É um serviço importante que a Igreja vos pede.

7. "E sempre, nas minhas orações, rezo por todos com alegria, porque cooperastes no anúncio do Evangelho" (Ph 1,4-5). Caríssimos Irmãos e Irmãs, faço de bom grado minhas as palavras do apóstolo Paulo, repropostas na liturgia de hoje, e digo-vos: vós, catequistas de qualquer idade e condição, estais sempre presentes nas minhas orações, e a solicitude por vós, empenhados em difundir o Evangelho em todas as partes do mundo e em qualquer situação social, é para mim motivo de conforto e de esperança. Convosco, desejo hoje prestar homenagem aos vossos numerosos colegas que pagaram com todo o género de sofrimentos, e muitas vezes até com a vida, a sua fidelidade ao Evangelho e às comunidades para as quais foram enviados. O seu exemplo seja estímulo e encorajamento para cada um de vós.

"E todo o homem verá a salvação de Deus!" (Lc 3,6), dizia no deserto João Baptista, prenunciando a plenitude dos tempos. Façamos nosso este brado de esperança, celebrando o Jubileu bimilenar da Encarnação. Oxalá cada homem possa, em Cristo, ver a salvação de Deus! Por isso ele deve encontrá-Lo, conhecê-Lo e segui-Lo. Caríssimos, eis a missão da Igreja; eis a vossa missão! O Papa diz-vos: ide! Como João Baptista, preparai o caminho ao Senhor que vem.

Maria Santíssima, a Virgem do Advento, a Estrela da nova evangelização vos guie e vos assista. Sede dóceis como ela à Palavra divina e o seu Magnificat vos estimule ao louvor e à coragem profética. Desta forma, também graças a vós, realizar-se-ão as palavras do Evangelho: todos os homens verão a salvação de Deus!

Louvado seja Jesus Cristo!



JUBILEU DO MUNDO DO ESPETÁCULO

JOÃO PAULO II
Domingo, 17 de dezembro de 2000


1. "Alegrai-vos... o Senhor está próximo!" (Ph 4,4 Ph 4,5)

O terceiro domingo do Advento que hoje celebramos é caracterizado pela alegria: alegria de quem espera Aquele que "está próximo", ele o Deus connosco, preanunciado pelos profetas. É a "grande alegria" do Natal que hoje gozamos antecipadamente; uma alegria que "será para todo o povo", porque o Salvador veio e virá de novo a visitar-nos do alto, como o sol que se levanta (cf. Lc Lc 1,78).

É a alegria dos cristãos, peregrinos no mundo, que esperam ansiosamente a volta gloriosa d'Aquele que, para vir em nosso auxílio, se despojou da sua glória divina. É a alegria deste Ano Santo, que comemora os dois mil anos desde quando o Filho de Deus, Luz da Luz, iluminou com o fulgor da sua presença a história da humanidade.

1513 Assumem, portanto, singular eloquência, em tal perspectiva, as palavras do profeta Sofonias, que escutámos na primeira Leitura: "Grita de contentamento, filha de Sião! Alegra-te, Israel!

Alegra-te e rejubila de todo o coração, filha de Jerusalém! Javé mudou a sentença que tinha pronunciado contra ti, eliminou o teu inimigo" (
So 3,14-15). Eis o "ano da graça do Senhor", que nos cura do pecado e das suas feridas!

2. Ressoa com forte intensidade na nossa assembleia este consolador anúncio profético: o Senhor, o valente libertador, está no meio de ti. Por tua causa, Ele está contente e alegre e renova o Seu amor por ti" (Ibid., 3, 17).

É Ele que veio e é Ele que esperamos. O Ano jubilar convida-nos a ter o olhar fixo sobre Ele, sobretudo nesta chegada de 2000. O "Salvador poderoso" vem hoje, indicado também para vós, caríssimos Irmãos e Irmãs, que de vários modos trabalhais no mundo do espectáculo. Em seu nome eu vos acolho e saúdo cordialmente. Agradeço com afecto as palavras gentis que me foram dirigidas por D. John Patrick Foley, Presidente do Pontifício Conselho das Comunicações Sociais, e pelos vossos dois representantes. Estendo a minha saudação aos vossos colegas e amigos que não puderam estar presentes.

3. O Evangelho de Lucas, no domingo passado, apresentou-nos João Baptista, que nas margens do Jordão proclamava a eminente vinda do Messias. Hoje, a liturgia faz-nos escutar a continuação daquele texto evangélico: o Baptista indica às multidões como preparar concretamente o caminho do Senhor.Às diversas categorias de pessoas, que lhe perguntavam: "E nós, o que devemos fazer?" (Lc 3,10), ele indica o que é necessário fazer para se prepararem para acolher o Messias.

Esta págima evangélica faz pensar, num certo sentido, nos encontros jubilares para as variadas categorias sociais ou profissionais. Faz pensar também em vós, caros Irmãos e Irmãs: com a vossa peregrinação jubilar é como se tivésseis vindo, também vós, para perguntar: "o que devemos fazer?". A primeira resposta que vos oferece a palavra de Deus é um convite a reencontrar a alegria. O Jubileu palavra que se liga com "júbilo" não é porventura a exortação a estar cheios de alegria, porque o Senhor veio habitar no meio de nós e nos deu o seu amor?

Esta alegria que brota da graça divina, porém, não é uma alegria superficial e efémera. É uma alegria profunda, radicada no coração e capaz de penetrar toda a existência do crente. Uma alegria que pode conviver com as dificuldades, com as provações, verdadeiramente mesmo que isso possa parecer paradoxal com a dor e a morte. É a alegria do Natal e da Páscoa, dom do Filho de Deus incarnado, morto e ressuscitado; uma alegria que ninguém pode tirar a quantos estão unidos a Ele pela fé e pelas obras (cf. Jo Jn 16,22-23).

Muitos de vós, caríssimos, trabalham para divertimento do público, na idealização e realização de espectáculos, que pretendem oferecer ocasião de uma sã distensão e de passatempo. Se a alegria cristã se coloca em sentido próprio sobre um plano mais directamente espiritual, ela abraça também o são divertimento que faz bem ao corpo e ao espírito. A sociedade, portanto, deve estar grata a quem produz e realiza transmissões e programas inteligentes e distensivos, divertidos sem ser alienantes, humorísticos mas não vulgares. Espalhar a autêntica alegria pode ser uma forma genuína de caridade social.

4. A Igreja, pois, como João Baptista, tem hoje uma mensagem específica para vós, caros trabalhadores do mundo do espectáculo. Uma mensagem que se poderia articular com estas palavras: no vosso trabalho, tende sempre presentes as pessoas dos vossos destinatários, os seus direitos e as suas legítimas esperanças, muito mais quando se trata de indivíduos em formação. Não vos deixeis condicionar pelo mero interesse económico ou ideológico. É este o princípio fundamental da ética das comunicações sociais, que cada um de vós é chamado a aplicar no âmbito próprio da vossa actividade. Sobre isto, o Pontifício Conselho das Comunicações Sociais publicou em Junho passado um documento específico: Ética nas Comunicações Sociais, sobre o qual vos convido a reflectir.

Sobretudo aqueles que, de entre vós, são mais conhecidos do público, devem estar constantemente conscientes da sua responsabilidade. As pessoas olham para vós, caros amigos, com interesse e simpatia. Sede sempre para elas modelos positivos e coerentes, capazes de infundir confiança, optimismo e esperança.

Para poder realizar esta vossa missão comprometedora, o Senhor vem em vosso auxílio, e a Ele podeis recorrer mediante a escuta da sua palavra e a oração. Sim, caríssimos, vós que trabalhais com as imagens, os gestos, os sons; por outras palavras, trabalhais com a exterioridade.

1514 Precisamente por isto, vós deveis ser homens e mulheres de forte interioridade, capazes de recolhimento. Deus habita em nós, é mais íntimo de nós do que nós mesmos, como revelava Agostinho. Se souberdes dialogar com Ele, podereis comunicar melhor com o próximo. Se tiverdes uma viva sensibilidade para o bom, o verdadeiro e o belo, os produtos da vossa criatividade, mesmo os mais simples, serão de boa qualidade estética e moral.

5. A Igreja está próxima de vós e conta convosco! Ela espera que no cinema, televisão, rádio, teatro, circo, e em todas as formas de entretenimento transmitais aquele "fermento" evangélico, graças ao qual toda a realidade humana desenvolve ao máximo as suas potencialidades positivas.
Não é pensável uma nova evangelização que não envolva o vosso mundo, o mundo do espectáculo, tão importante para a formação da mentalidade e dos costumes. Penso aqui em tantas iniciativas que propõem de novo a mensagem bíblica e o riquíssimo património da tradição cristã na linguagem das formas, dos sons, das imagens, mediante o teatro, cinema, televisão. Penso ainda naqueles trabalhos e programas não explicitamente religiosos, que são, todavia, capazes de falar ao coração das pessoas, suscitando nelas admiração, interrogações e reflexões.

6. Caríssimos Irmãos e Irmãs! A Providência quis que este vosso Jubileu se celebrasse a poucos dias do Natal, a festa sem dúvida mais representada no vosso campo de trabalho, a todos os níveis, desde os mass-media aos presépios vivos. O encontro de hoje ajuda-vos, assim, a entrar em sintonia com o autêntico espírito natalício, bem diferente do mundano que faz dele uma ocasião de comercio.

Deixai que a guiar-vos no itinerário para esta solenidade esteja Maria, a Mãe do Verbo incarnado. Ela espera em silêncio o cumprimento das promessas divinas e ensina-nos que para levar ao mundo a paz e a alegria é preciso acolher primeiro no coração o Príncipe da Paz e a fonte da alegria, Jesus Cristo. Para que isto aconteça, é necessário converter-se ao seu amor, estar disponível para realizar a sua vontade.

Os meus votos são para que possais também vós, caríssimos amigos do mundo do espectáculo, fazer esta consoladora experiência. Com as linguagens mais diversas, sereis, então, portadores de alegria, daquela alegria que Cristo, neste Natal, dá a toda a humanidade.



Homilias JOÃO PAULO II 1506