Homilias JOÃO PAULO II 1525


NA FESTA DE APRESENTAÇÃO DO SENHOR


Basílica de S. Pedro, 2 de Fevereiro de 2001






1526 1. "Vinde Senhor, ao Vosso templo sagrado" (Salmo responsorial).

Com esta invocação, que cantámos no Salmo responsorial, a Igreja, no dia em que se comemora a Apresentação de Jesus no templo de Jerusalém, exprime o desejo de poder acolhê-lo ainda no presente da sua história. A Apresentação é uma festa litúrgica sugestiva, fixada desde a antiguidade quarenta dias depois do Natal, baseando-se no que prescrevia a Lei hebraica para o nascimento de cada primogénito (cf. Êx
Ex 13,2). Maria e José, como é narrado na passagem evangélica, foram seus fiéis cumpridores.

Tradições cristãs do Oriente e do Ocidente entrelaçaram-se, enriquecendo a liturgia desta festa com uma especial procissão, na qual a luz dos círios e das velas é símbolo de Cristo, Luz verdadeira que veio iluminar o seu povo e todas as nações. Desta forma, a data de hoje relaciona-se com o Natal e com a Epifania do Senhor. Mas contemporaneamente ela é uma ponte para a Páscoa, reevocando a profecia do velho Simeão, que naquela circunstância preanunciou o dramático destino do Messias e de sua Mãe.

O evangelista recordou este acontecimento pormenorizadamente: quem recebeu Jesus no santuário de Jerusalém foram duas pessoas idosas cheias de fé e de Espírito Santo, Simeão e Ana. Elas personificavam o "resto de Israel", vigilante na expectativa e preparado para ir ao encontro do Senhor, como já haviam feito os pastores na noite do seu nascimento em Belém.

2. Na Colecta da liturgia de hoje pedimos para podermos também nós ser apresentados ao Senhor "plenamente renovados no espírito", segundo o modelo de Jesus, primogénito de muitos irmãos. De modo particular vós, religiosos, religiosas e leigos consagrados, sois chamados a participar neste mistério do Salvador. É um mistério de oblação, no qual se fundam indissoluvelmente a glória e a cruz, segundo o carácter pascal próprio da existência cristã. É mistério de luz e de sofrimento; mistério mariano, no qual à Mãe, abençoada juntamente com o Filho, é preanunciado o martírio da alma.

Poderíamos dizer que se celebra hoje em toda a Igreja um singular "ofertório", no qual os homens e as mulheres consagradas renovam espiritualmente o dom de si. Agindo desta forma, ajudam as Comunidades eclesiais a crescer na dimensão oblativa que as constitui intimamente, as edifica e as estimula pelos caminhos do mundo.

Saúdo-vos com grande afecto, caríssimos Irmãos e Irmãs pertencentes a numerosas Famílias de vida consagrada, que alegrais com a vossa presença a Basílica de São Pedro. Saúdo, em particular, o Senhor Cardeal Eduardo Martínez Somalo, Prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, que preside à celebração eucarística de hoje.

3. Celebramos esta festa com o coração ainda repleto de emoções vividas no tempo jubilar que há pouco terminou. Retomámos o caminho deixando-nos guiar pelas palavras que Cristo dirigiu a Simeão: "Duc in altum - faz-te ao largo" (Lc 5,4). A Igreja espera também o vosso contributo, caríssimos Irmãos e Irmãs consagrados, para percorrer este novo trecho de estrada de acordo com as orientações que delineei na Carta Apostólica Novo millennio ineunte: contemplar o rosto de Cristo, voltar a partir d'Ele, testemunhar o seu amor.

Este é um contributo que vós estais chamados a dar quotidianamente, em primeiro lugar, com a fidelidade à vossa vocação de pessoas totalmente consagradas a Cristo. Por conseguinte, o vosso empenho primário não pode deixar de estar em sintonia com a contemplação. Cada realidade de vida consagrada nasce e regenera-se todos os dias na incessante contemplação do rosto de Cristo. A própria Igreja haure o seu impulso do confronto quotidiano com a inexaurível beleza do rosto de Cristo seu Esposo.

Se cada cristão é um crente que contempla o rosto de Deus em Jesus Cristo, vós soi-lo de maneira especial. Por isso, é necessário que não vos canseis de vos deter a meditar as Sagradas Escrituras e, sobretudo, os sagrados Evangelhos, para que se impregnem em vós as características do Verbo encarnado.

4. Voltar a partir de Cristo, centro de todos os projectos pessoais e comunitários: eis o empenho! Caríssimos, encontrai-o e contemplai-o de maneira totalmente especial na Eucaristia, celebrada e adorada todos os dias, como fonte e ápice da existência e da acção apostólica.

1527 E caminhai com Cristo: eis o caminho da perfeição evangélica, a santidade a que está chamado cada baptizado. É precisamente a santidade um dos pontos essenciais - aliás, o primeiro - do programa que delineei para o início do novo milénio (cf. Novo millennio ineunte, 30-31).

Ouvimos há pouco as palavras do velho Simeão: "este Menino está aqui para queda e ressurgimento de muitos em Israel e para ser sinal de contradição... a fim de se revelarem os pensamentos de muitos corações" (
Lc 2,34). Como Ele, e na medida da conformação com Ele, também a pessoa consagrada se torna "sinal de contradição; isto é, torna-se, para os outros, estímulo saudável para tomar uma posição perante Jesus, o qual, - graças à mediação envolvedora da "testemunha" - não permanece simplesmente uma personagem histórica ou um ideal abstracto, mas apresenta-se como pessoa viva à qual devemos aderir sem hesitações.

Não vos parece ser este um serviço indispensável que a Igreja espera de vós nesta época marcada por profundas mudanças sociais e culturais? Só se perseverardes no seguimento fielmente Cristo, sereis testemunhas credíveis do seu amor.

5. "Luz para iluminar as nações e glória de Israel" (Lc 2,32). A vida consagrada está chamada a reflectir de maneira particular a luz de Cristo. Olhando para vós, caríssimos Irmãos e Irmãs, penso na multidão de homens e mulheres de todas as nações, línguas e culturas, consagrados a Cristo com os votos de pobreza, virgindade e obediência. Este pensamento enche-me de conforto, porque vós sois como o "fermento" de esperança para a humanidade. Sois "sal" e "luz" para os homens e as mulheres de hoje, que no vosso testemunho podem entrever o reino de Deus e o estilo das "Bem-aventuranças" evangélicas.

Como Simeão e Ana, tomai Jesus dos braços da sua Mãe Santíssima, repletos de alegria pelo dom da vocação, levai-o a todos. Cristo é a salvação e a esperança para cada homem! Anunciai-o com a vossa existência dedicada totalmente ao reino de Deus e à salvação do mundo. Proclamai-o com a fidelidade sem hesitações que, mesmo recentemente, levou ao martírio alguns irmãos e irmãs vossos em várias partes do mundo.

Sede luz e conforto para cada pessoa que encontrais. Como velas acesas, ardei com o próprio amor de Cristo. Consumi-vos por Ele, difundindo em toda a parte o Evangelho do seu amor. Graças ao vosso testemunho também os olhos de tantos homens e mulheres do nosso tempo poderão ver a salvação preparada por Deus "para todos os povos / luz para iluminar as nações / e glória do teu povo, Israel". Amen.



NA PARÓQUIA ROMANA DE SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO


Domingo, 4 de Fevereiro de 2001


1. "Duc in altum! Faz-te ao largo!" (Lc 5,4). Este convite que Jesus dirigiu ao Apóstolo Pedro constitui o motivo predominante da liturgia deste quinto domingo do tempo comum.

Usei estas mesmas palavras na Carta Apostólica Novo millennio ineunte, que assinei durante a celebração de conclusão do Ano Santo. Depois de ter abordado os elementos fundamentais, que caracterizaram a experiência jubilar, nesta Carta tracei as linhas-guias para a vida da Igreja e a sua missão evangelizadora no terceiro milénio.

"Mestre... porque Tu o dizes, lançarei as redes" (Lc 5,5). É assim que Simão Pedro responde ao convite de Cristo. Ele não esconde a desilusão pelo trabalho infecundo levado a cabo durante toda a noite, e todavia obedece ao Mestre: abandona as suas convicções de pescador, que conhece bem a sua profissão, e confia n'Ele. Sabemos como continua este episódio. Quando vê as redes repletas de peixes, Pedro toma consciência da distância que existe entre ele, "pecador" e Aquele que agora reconhece como o "Senhor". Sente-se iteriormente transformado e, ao convite do Mestre, deixa as redes e segue-O. Desta forma, o pescador da Galileia torna-se o Apóstolo de Cristo, a rocha sobre a qual Cristo fundamenta a sua Igreja.

2. Hoje, tenho a alegria de realizar a primeira visita pastoral a uma Paróquia romana, depois do extraordinário evento de graça do grande Jubileu. A vossa igreja situa-se pouco distante do lugar chamado "Saxa Rubra", onde no ano 312, como narra a tradição, apareceu misteriosamente a Cruz. "In hoc signo vinces": estas palavras, que vós bem conheceis, ligam-se de forma ideal àquelas que hoje escutamos: "Duc in altum Faz-te ao largo!". Confiar em Cristo leva a percorrer com Ele o caminho do sofrimento e da morte. Mas aquilo que, sob o ponto de vista humano, parece uma derrota, significativamente expressa no mistério da Cruz, torna-se garantia de vitória segura e definitiva.

1528 Estas considerações fazem vir à minha mente a figura do Padre Eulógio Carballido Diaz, Pastor generoso e amado, que guiou esta Comunidade durante vinte e cinco anos. Ele gostava de ir em peregrinação todos os anos a "Saxa Rubra", acompanhado de muitos de vós, para venerar a imagem da Virgem Imaculada, Mãe de Deus, que eu mesmo tive a alegria de coroar. O Senhor, que há um ano o chamou imprevistamente para junto de Si, lhe conceda o prémio celeste, reservado aos seus servos bons e fiéis.

3. Caríssimos Irmãos e Irmãs da Paróquia de Santo Afonso Maria de Ligório, saúdo todos vós com afecto! Dirijo um pensamento especial ao Cardeal Vigário, ao Bispo Auxiliar do Sector Norte, ao vosso Pároco, Pe. Stefano Alberici, aos sacerdotes colaboradores e aos representantes das crianças e dos jovens, aos quais transmito o meu agradecimento pelas amáveis palavras de boas-vindas, proferidas no início da celebração. Faço extensivo um pensamento particular às Religiosas das duas Comunidades femininas presentes nesta Paróquia: as Irmãs Franciscanas de Susa e as Pequenas Filhas dos Sagrados Corações de Jesus e Maria.

Transmito uma saudação especial a vós, caríssimos paroquianos da Paróquia de Santo Afonso, reunidos em tão grande número nesta Missa dominical, assim como aos habitantes deste bairro, que durantes os últimos anos viu nascer, ao lado dos primeiros povoamentos rurais e daqueles que foram construídos depois da terrível aluvião de 1965, novos e modernos centros residenciais.

4. "Duc in altum! Faz-te ao largo!". O que significa para vós, caríssimos Irmãos e Irmãs desta Paróquia, "fazer-vos ao largo", no início do novo milénio? Os primeiros habitantes desta periferia romana, imigrados da Itália central e meridional, trouxeram consigo uma fé simples e sincera, com tradições religiosas bem consolidadas. Assim, sob a orientação de um pároco zeloso, foi-se construindo uma comunidade activa e vigilante a níveis da fidelidade a Cristo e da solidariedade para com as pessoas que se encontram em condições de necessidade.

Sem dúvida, também aqui como alhures, não faltaram e ainda hoje não faltam dificuldades e provações. Todavia, juntamente com São Paulo, hoje podeis confirmar que a graça de Deus em vós não foi em vão (cf.
1Co 15,10). Os inúmeros germes de bem semeados ao longo dos anos estão a dar frutos abundantes. Graças ao novo complexo paroquial, inaugurado no dia 1 de Outubro do ano passado, a vossa Paróquia dispõe agora de um lugar adequado para acolher e formar os habitantes deste bairro, com especial atenção às crianças e aos jovens.

Por conseguinte, considerando todo o bem que já se realizou no meio de vós, digo-vos:

"Fazei-vos ao largo!". Quer como indivíduos, quer como comunidade, tornai-vos missionários do amor do Senhor. Dedicai a vossa atenção a cada homem e a cada mulher que vive e trabalha neste território, seguindo o exemplo do vosso Padroeiro celestial, Santo Afonso, que sentia constantemente a ansiedade da evangelização.

5. De resto, alargando o olhar, torna-se espontâneo perguntar: o que significa "fazer-se ao largo" para a Comunidade diocesana? Não significa por acaso recomeçar a partir de Cristo, para levar o anúncio da salvação aos outros?

A este propósito, sei que toda a Diocese se está a preparar com empenhamento para o Congresso que terá lugar no próximo mês de Junho. Eu mesmo desejei que ele se realizasse como um grande encontro útil para delinear, com base na experiência da Missão da Cidade, as linhas fundamentais de uma "mobilização" constante ao serviço do Evangelho.

Este importante momento de reflexão e de partilha não deixará de conferir uma característica missionária estável à pastoral diocesana. Além disso, servirá para aumentar a sensibilidade em relação ao tempo presente, durante o qual é possível e urgente viver de maneira coerente, como cristãos em todos os ambientes de vida, de actividade e de serviço.

6. "Tenho trabalhado mais do que todos eles; não eu, mas a graça de Deus que está comigo" (1Co 15,10). As palavras do Apóstolo Paulo, que escutámos na segunda Leitura, orientam-nos para a correcta compreensão do valor dos nossos esforços: a realização de quanto nos propomos fazer depende certamente da nossa boa vontade, mas sobretudo da graça de Deus. Por conseguinte, o caminho pastoral da vossa Paróquia, assim como da Diocese e de toda a Igreja, deve ser essencialmente um caminho de santidade, na adesão cada vez mais profunda Àquele que, por excelência, é três vezes Santo (cf. Is Is 6,3).

1529 Neste itinerário de fé, de esperança e de caridade, acompanha-nos a Virgem Maria, Aurora luminosa e Guia segura da nossa peregrinação ao longo das sendas do mundo e da história.

Imitemo-la na contemplação, meditando no coração o mistério de Cristo (cf. Lc
Lc 2,51). Sigamo-la na oração perseverante e concorde, em comunhão com os Apóstolos e toda a Comunidade eclesial (cf. Act Ac 1,14). Acolhamos o seu convite a ter confiança no Filho: "Fazei o que Ele vos disser" (Jn 2,5).

E tu, Maria, Estrela do novo milénio, intercede por nós. Amen!



DURANTE A SAGRADA LITURGIA EM SUFRÁGIO PELO ETERNO DESCANSO DO CARDEAL GIUSEPPE CASORIA


Segunda-feira, 10 de Fevereiro de 2001

1. "Abyssus abyssum invocat" (Ps 42 [41], 8).


O abismo da morte chama outro abismo, infinitamente maior: o de Deus e do seu amor. Dele fala o Evangelho que há pouco escutámos: "Deus amou de tal modo o mundo..." eis o abismo que abraça todas as coisas: também a morte "amou de tal modo o mundo, que lhe deu o seu Filho único, para que todo o que que n'Ele crer não pereça, mas tenha a vida eterna" (Jn 3,16).

Para a salvação dos homens, o Pai quis dar o Filho, que lhe é consubstancial: que mistério de amor ilimitado! É neste abismo de graça e de misericórdia que se cumpre para nós a profecia que escutámos na página do profeta Isaías. Verdadeiramente, podemos exclamar: "Eis o nosso Deus / de quem esperávamos a salvação. / Ele é o Senhor em quem esperámos / Congratulemo-nos, rejubilemos com a sua salvação" (Is 25,9).

Eis a fonte e o segredo do júbilo cristão, de que ninguém pode privar os amigos do Senhor, segundo a sua própria promessa (cf. Jo Jn 16,23). Isaías ofereceu-nos uma imagem eloquente desta profunda e definitiva alegria no símbolo do banquete: nele reflecte-se o anúncio do Reino messiânico, que o Filho de Deus veio inaugurar. Então, a morte será aniquilada para sempre e enxugar-se-ão as lágrimas de todas as faces (cf. Is Is 25,6-8).

Para o nossos saudoso Irmão, o querido Cardeal Giuseppe Casoria, chegou a hora de entrar definitivamente nesse Reino. Depois de um longo caminho na terra, durante o qual trabalhou com alegria como Sacerdote, Bispo e Cardeal, agora o Senhor chamou-o para junto de Si, a fim de compartilhar a sorte prometida aos seus servos fiéis.

2. Natural de Acerra, Giuseppe Casoria foi ordenado Sacerdote quando ainda era muito jovem. Enquanto desempenhava as actividades ministeriais, às quais se dedicou imediatamente com entusiasmo, ele continuou a cultivar os estudos, obtendo a licenciatura em Teologia, em Filosofia, em Utroque Iure e em Ciências Políticas. Foi ao campo jurídico que mais se dedicou, mediante vários aprofundamentos e especializações e através do exercício de diversos ofícios no Tribunal da Signatura Apostólica e da Rota, assim como nalgumas Congregações da Cúria Romana. Em particular, trabalhou por um longo período na Congregação para os Sacramentos, da qual foi eleito primeiro Subsecretário e mais tarde Secretário.

O Papa Paulo VI nomeou-o Bispo no início de 1972 e, um ano depois, Secretário da Congregação para as Causas dos Santos. Por mais de oito anos, desempenhou este cargo com zelo, até que lhe confiei o governo da Congregação que ele melhor conhecia, para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos. No Consistório de 2 de Fevereiro de 1983, desejei criá-lo Cardeal, atribuindo-lhe o Título de São José na "Via Trionfale".

1530 No dia 21 do passado mês de Dezembro, o dilecto Purpurado celebrou o 70º aniversário de Ordenação sacerdotal. Nessa ocasião, foi oportunamente evidenciado aquilo que ele foi sobretudo na sua longa vida: uma alma apaixonada por Cristo que, como sacerdote, sempre procurou imitar, servindo-o com total dedicação no trabalho quotidiano em benefício da Igreja. No seu testamento espiritual, ele escreveu: "Confesso abertamente que sempre acreditei e quero continuar a acreditar, com alegria e convicção, com firmeza e sem dificuldade, em todas as verdades da religião católica, que me foram ensinadas pelo Magistério da Santa Mãe Igreja, em cujo regaço, como tive a graça de nascer, assim espero viver e morrer".

Sustendado por estas convicções, o Cardeal Casória foi ao encontro da morte com plena resignação à vontade de Deus. Quem esteve próximo dele nos últimos dias ouviu dos seus lábios expressões como esta: "Cada dia de vida, também na doença e no sofrimento, é um dom especial do Senhor, pelo qual dou graças". E ainda: "É com profundo amor que ofereço todos os meus sofrimentos pela Igreja, pelo Santo Padre e pelo mundo inteiro".

3. "Se morrermos em Cristo, também com Ele havemos de viver" (
Rm 6,8).

A página da Carta aos Romanos, da qual é tirada a segunda Leitura desta celebração, constitui um dos textos fundamentais do Leccionário litúrgico. Com efeito, ela é-nos proposta todos os anos durante a Vigília pascal. Pensemos nestas palavras iluminadas de Paulo, enquanto prestamos a derradeira e comovida homenagem ao nosso Irmão. Quantas vezes ele mesmo as leu, meditou e comentou! Aquilo que o Apóstolo escreve a propósito da mística união do baptizado com Cristo morto e ressuscitado, está ele a vivê-lo, agora, na realidade ultraterrena, desligado dos condicionamentos que o pecado impõe à natureza humana. "Na verdade como Paulo afirma nesse mesmo trecho aquele que morreu está absolvido do pecado" (Ibid., 6, 7).

A união sacramental, mas real, com o mistério pascal de Cristo abre ao baptizado a perspectiva de participação na sua própria Glória. E isto já tem uma consequência para a vida terrena porque se, em virtude do Baptismo, participamos na ressurreição de Cristo, já agora podemos "caminhar, nós também, numa vida nova" (Ibid., 6, 4). Eis por que razão a piedosa morte de um irmão em Cristo, ainda mais quando é assinalado pelo carácter sacerdotal, é sempre motivo de uma íntima e reconhecida surpresa pelo desígnio da paternidade divina, que "nos livrou do poder das trevas / e nos transferiu / para o Reino de seu Filho muito amado, / em Quem temos a redenção / e a remissão dos pecados" (Col 1,13-14).

4. Congregados em redor do altar, damos graças a Deus pela luz que, através da sua palavra, projecta sobre as vicissitudes da nossa existência e o mistério da morte. A Ele dirigimos confiantes a oração por este nosso amigo e irmão.

O Cardeal Casoria que, em virtude do seu ministério, muitas vezes teve que discernir e julgar, agora é chamado como acontecerá com cada um de nós a comparecer perante o tribunal de Cristo (cf. 2Co 5,10). Todavia, para o nosso conforto, o Evangelho recordou-nos que "Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo mas, para que o mundo seja salvo por Ele" (Jn 3,17).

É consolador saber que seremos julgados por Quem nos amou e se deu a Si mesmo por nós (cf. Gl Ga 2,20). Que alegria ir ao encontro do Bom Pastor, cuja única e soberana vontade é que cada um tenha vida e a tenha em abundância (cf. Jo Jn 10,10)! Assim seja para ti, querido irmão em Cristo, que hoje entregamos às mãos misericordiosas do Pai celeste.

Ao lado de Cristo Senhor está certamente presente a sua e nossa Mãe, Maria, que cada dia invocamos para que nos assista "in hora mortis nostrae". "Recomendo-me à Santíssima Senhora escrevia o Cardeal Casoria no mencionado testamento para que me ajude a compreender bem o meu caminho na terra e me apresente amorosamente ao seu único Filho, Jesus Cristo".

Façamos nossa esta invocação: neste momento, Maria o introduza na Pátria celeste, a fim de que possa participar na alegria do convívio eterno, que Deus preparou para os seus servos fiéis.

Amen.





NA CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA


PELOS 1700 ANOS DO BAPTISMO DO


POVO ARMÉNIO


1531
Domingo, 18 de Fevereiro de 2001



1. "O espírito é que dá vida, a carne não serve para nada. As palavras que Eu vos disse são espírito e vida" (
Jn 6,63).

Há pouco escutámos estas palavras, pronunciadas por Jesus na sinagoga de Carfarnaum depois da multiplicação dos pães, que teve lugar junto do lago de Tiberíades. Elas fazem parte do grande discurso sobre "o pão de vida" e levam-nos a meditar acerca da imensa dádiva da Eucaristia: "Se alguém comer deste pão, viverá eternamente" (Jn 6,51). Jesus é a Palavra eterna de salvação, pão que desceu do céu e que se transforma em dom supremo para a salvação de toda a humanidade, dádiva selada com o sacrifício da Cruz.

Tomando parte no banquete da Palavra e do Pão de vida eterna, entramos em intimidade com o grandioso mistério da Fé. Subimos misticamente ao Gólgota, onde tem lugar o triunfo da Verdade que liberta e do Amor que transforma o mundo. Cristo crucificado e ressuscitado acolhe-nos hoje à sua mesa e dá-nos de novo o seu Espírito.

2. "O espírito é que dá vida, a carne não serve para nada". Voltamos a escutar estas palavras, enquanto comemoramos os mil e setecentos anos do Baptismo do Povo arménio. Há 17 séculos ressoou na Arménia a Palavra de Cristo, quando a pregação de São Gregório o Iluminador e a vontade do rei Tiridates III, convertido à fé, fizeram dessa terra um lugar abençoado e consagrado pelo Espírito. Nessa época, Deus construiu a sua morada no meio dos Arménios, e eles, como entoa o hino litúrgico, tornaram-se dignos "de entrar nos tabernáculos do céu e de herdar o Reino".
As suas pessoas foram interiormente transformadas pelo Espírito. E também o povo foi transformado: graças ao selo do Espírito, uma Nação inteira pôde começar a invocar, bendizer e louvar o nome do Salvador.

Foi uma aliança que não conheceu hesitações, mesmo quando a fidelidade custou sangue e o exílio foi o preço da rejeição a negá-la. Exemplo disto é São Vardan, herói não só da fidelidade a Cristo diante da violência dos Sassanidas, mas também do direito de qualquer consciência a seguir os próprios ditames interiores.

3. Caríssimos Irmãos e Irmãs do Povo arménio, hoje estamos aqui para vos dizer obrigado. Obrigado não só por aquele início glorioso, mas também por toda a história repleta de cristianismo e como que identificada com ele. O Bispo de Roma faz-se intérprete desta celebração e exprime-vo-la como a dádiva mais bela e sincera. Por ocasião deste acontecimento, além de celebrar convosco e por vós a Eucaristia, compêndio de todo a acção de graças, foi de bom grado que desejei dirigir uma Carta Apostólica aos Arménios para salientar o valor que este aniversário reveste não só para vós, mas para toda a Igreja.

Obrigado, Beatitude, por esta celebração eucarística, que vê a nossa participação conjunta no Corpo e no Sangue do Salvador, e pelas sentidas palavras de saudação que Vossa Eminência quis dirigir-me. Dou-lhe graças por ter trazido consigo sacerdotes, religiosos, religiosas e leigos arménios católicos do mundo inteiro. Quero transmitir-lhes a minha saudação e a minha bênção, assim como a quantos não puderam estar aqui presentes e estão espiritualmente unidos a nós.

Além disso, enviamos o nosso ósculo de paz e os nossos bons votos fraternos aos irmãos da Igreja arménia apostólica, que celebra com grande solenidade este ano de santas memórias.

4. A celebração deste dia convida-nos a reflectir sobre as nossas raízes. A história não é a soma de momentos, mas um fluir de acontecimentos ligados entre si. Todos nós trazemos dentro os reflexos também remotos da fé, da cultura, e da sensibilidade de gerações e gerações do passado. Todos nós somos chamados a transmitir algo às gerações que hão-de vir.

1532 Olhando para os Arménios, assim como para outros povos cristãos, não podemos deixar de observar que a fé cristã caracterizou as fibras mais íntimas do seu sentido comum. O próprio alfabeto arménio nasceu também para dar voz e difundir o Evangelho, para traduzir a Bíblia, a liturgia e os escritos dos Padres na Fé. A arte, a vida social e familiar, bem como as próprias instituições públicas encontraram na fé em Cristo um seguro ponto de referência.

No mundo contemporâneo, quando o influxo da secularização se torna cada vez mais vigoroso, às vezes é difícil continuar a manter firme este património espiritual que fez da vossa pátria uma Nação "cristã".

Às vezes a fé é comunicada como dom e investigação pessoal, e não tanto como pertença conjunta a um determinado povo. Como fazer com que as conquistas sociais da modernidade não levem à perda da continuidade de um povo e da sua fé? Eis o compromisso que a celebração deste dia nos impele a aprofundar.

5. O anúncio do Evangelho chama-se "Iluminação", enquanto Gregório, o grande Santo que fez dos Arménios um povo cristão, era denominado o "Iluminador". Elevemos a Deus um agradecimento conjunto por esta iluminação através de Cristo, Luz do mundo. Luz que as trevas não puderam sufocar nem sequer nos anos obscuros do ateísmo militante.

Nesta mesma Basílica, coração da cristandade, não há muito tempo tive a alegria de confiar às mãos fraternas de Sua Santidade Karekin II, Catholicos de todos os Arménios, uma insigne relíquia do Santo Iluminador. Hoje, realizarei este mesmo gesto em relação ao Patriarca Nerses Pedro XIX. Presentes no meio dos católicos e dos apostólicos, as relíquias do mesmo Santo constituem o símbolo de uma íntima unidade de fé, e é delas que provém um vigoroso impulso à unidade em Cristo. Estou persuadido de que elas, veneradas pelo Povo arménio sem distinção, farão aumentar aquela comunhão que Cristo deseja para a sua Igreja. Desta forma, a fraternidade refortalecer-se-á na caridade. Não dividimos as relíquias, mas actuamos e rezamos para que se unam aqueles que as recebem. As próprias raízes e a continuidade de uma história de santos e de mártires possam preparar para o vosso Povo um futuro de participação integral e de partilha visível da fé no mesmo Senhor.

Trata-se de um compromisso a que vós, caríssimos Irmãos e Irmãs, não vos cansareis de corresponder fiel e corajosamente. Sirva-vos de assistência a celeste intercessão de muitos dos vossos compatriotas que, nos períodos obscuros da perseguição, pagaram com o sangue a sua fidelidade ao Senhor. Penso sobretudo em inúmeras mães e avós que, quando a Igreja era constrangida a calar-se, "iluminavam" os seus entes queridos com a Palavra que salva e com exemplos de vida cristã.

6. Queridos Irmãos e Irmãs, tive a oportunidade de conhecer o Povo arménio desde os anos da minha juventude, e alimento o grande desejo de ir à vossa Pátria como peregrino de esperança e de unidade. Já quis realizar esta visita no passado, mesmo que fosse somente para estar presente para a última saudação ao amado Irmão, o Catholicos Karekin I, mas o Senhor decidiu de outra forma. Agora, aguardo com ansiedade o dia em que finalmente me será concedido beijar, se Deus quiser, o vosso amado solo, impregnado do sangue de inúmeros mártires; visitar os mosteiros onde homens e mulheres se imolaram espiritualmente para seguir o Cordeiro pascal; encontrar os Arménios de hoje, que se esforçam por readquirir dignidade, estabilidade e segurança de vida. Juntamente com os irmãos da Igreja arménia apostólica e, de modo particular, com o Catholicos e os Bispos, anunciaremos todos juntos uma vez mais, católicos e apostólicos, que Cristo é o único Salvador. Somente Ele é a Vida; só o seu Evangelho poderá fazer com que o vosso Povo reviva a sua grandeza do passado. Nas vossas veias flui o sangue dos Santos; sobre a vossa história desceu a água da redenção. Nada pode resistir à força renovadora da graça.

7. Povo arménio, conserva fixo o teu olhar em Cristo, Caminho, Verdade e Vida! Ele é a esperança que não desilude, a Luz que afasta as trevas do mal. Cristo orienta os teus passos: não tenhas medo!

A Santa Mãe de Deus protege-te, enquanto interecedem por ti os Santos arménios e, de forma especial, São Gregório o Iluminador, que daqui a pouco invocaremos como "coluna de luz da santa Igreja arménia" e "arca salvífica do Povo arménio".

Estão próximos de ti o Bispo de Roma e toda a Igreja católica. Povo arménio, que hoje abraço com afecto, progride na fé dos teus antepassados e transmite a chama às gerações vindouras.
E Tu, Cristo nosso Deus, concede que todos nós sejamos dignos de um dia entrar na celeste morada de luz e herdar o teu Reino, preparado desde o princípio do mundo para os teus Santos.

1533 Glória a ti, com o Pai e com o Espírito Santo, agora e sempre, nos séculos do séculos.

Amen!



NO CONSISTÓRIO PÚBLICO PARA A CRIAÇÃO DE QUARENTA E QUATRO NOVOS CARDEAIS


Quarta-feira, 21 de Fevereiro de 2001



1. "Quem quiser ser grande entre vós, faça-se Vosso servo" (Mc 10,43).

Uma vez mais ouvimos ressoar nos nossos ouvidos estas desconcertantes palavras de Cristo. Hoje elas ecoaram nesta Praça particularmente para vós, venerados e dilectos Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio, que tive a alegria de incluir entre os membros do Colégio cardinalício. É com profundo afecto que vos apresento a minha cordial saudação, a qual faço extensiva às inúmeras pessoas que estão à vossa volta. Uma especial palavra de agradecimento dirige-se ao querido Cardeal Giovanni Battista Re, pelas amáveis expressões que me dirigiu, interpretando com afecto os sentimentos de todos vós.

Além disso, transmito uma saudação especial a todos os outros Cardeais presentes, assim como aos Arcebispos e Bispos que estão aqui connosco. Depois, saúdo as Delegações oficiais, vindas de vários países para fazer festa aos seus Cardeais: através delas, envio o meu deferente pensamento às Autoridades e também às dilectas populações que elas representam.

Destaco com alegria a presença no Consistório de Delegados fraternos de algumas Igrejas e Comunidades eclesiais, a quem dirijo uma saudação cordial, na certeza de que também este seu gesto de delicadeza não deixará de favorecer uma compreensão recíproca cada vez melhor e o progresso rumo à plena comunhão.

O dia de hoje é uma festa grandiosa para a Igreja universal, que se enriquece de quarenta e quatro Cardeais. E é uma grande solenidade para a Cidade de Roma, Sede do Príncipe dos Apóstolos e do seu Sucessor, não só porque instaura uma especial relação com cada um dos novos Purpurados, mas também porque a confluência de tantas pessoas de todas as partes do mundo lhe oferece a possibilidade de reviver um momento de jubilosa hospitalidade. Com efeito, este solene encontro traz à mente os numerosos eventos que distinguiram o grande Jubileu, o qual se concluiu há pouco mais de um mês. É com o mesmo entusiasmo que hoje de manhã a Roma "católica" se reúne em redor dos novos Cardeais com um abraço caloroso, na consciência de que está a escrever mais uma significativa página da sua história bimilenária.

2. "O Filho do Homem também não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgate por muitos" (Mc 10,45).

Estas palavras do Evangelista Marcos ajudam-nos a compreender melhor o profundo sentido de um acontecimento como o Consistório, que estamos a celebrar. A Igreja não está assente em cálculos e poderes humanos, mas em Jesus crucificado e no testemunho coerente que lhe prestaram os Apóstolos, os Mártires e os Confessores da Fé. Trata-se de um testemunho que pode exigir também o heroísmo do dom total de si a Deus e aos irmãos. Cada cristão sabe que é chamado a uma fidelidade incondicional, que pode requerer inclusivamente o sacrifício extremo. E vós, venerados Irmãos eleitos para a dignidade cardinalícia, conheceis isto de modo especial.

Empenhais-vos em seguir Cristo com fidelidade, pois Ele é o Mártir por excelência e a Testemunha fiel.


Homilias JOÃO PAULO II 1525