Homilias JOÃO PAULO II 1564


NA MISSA DE ORDENAÇÃO SACERDOTAL


DE 34 NOVOS PRESBÍTEROS


Basílica Vaticana, 13 de Maio de 2001






1. "É por isto que todos saberão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros" (Jn 13,35).

O Evangelho deste quinto domingo do Tempo pascal conduz-nos de novo à intimidade do Cenáculo. Ali Cristo, durante a última Ceia, instituiu o sacramento da Eucaristia e o Sacerdócio da Nova Aliança, deixando aos seus o "novo mandamento" do amor. Hoje revivemos a intensa atmosfera espiritual e aquela hora extraordinária. As palavras do Senhor aos seus discípulos são dirigidas de maneira particular a vós, caríssimos candidatos ao Sacerdócio, que hoje de manhã sois convidados a receber o seu testemunho de amor e de serviço.

Nós, aqui presentes, abraçamo-vos com afecto. Ao vosso lado encontram-se sobretudo os vossos familiares e amigos, a quem dirijo a minha cordial saudação. À vossa volta está espiritualmente reunida toda a comunidade diocesana de Roma, no contexto da qual realizastes o vosso itinerário de formação. Acompanham-vos neste passo decisivo os Reitores, os professores e os vossos educadores do Pontifício Seminário Maior Romano, do Almo Colégio Caprânica, do Seminário "Redemptoris Mater", do Seminário dos Oblatos Filhos de Nossa Senhora do Divino Amor, do Instituto dos Missionários "Identes" e do Instituto dos Filhos de Santa Ana.

É com especial reconhecimento que me dirijo aos responsáveis pela vossa formação. Deles fez-se intérprete o Cardeal Vigário, no início da celebração. Através dele, a quem agradeço do íntimo do coração, gostaria de fazer chegar a minha viva gratidão a quantos trabalham activamente no campo vocacional nesta Diocese.

2. "Agora foi glorificado o Filho do Homem e Deus foi glorificado n'Ele" (Jn 13,31).
Enquanto a Liturgia nos exorta a permanecer no Cenáculo em contemplação espiritual, voltamos a escutar o Evangelista João que, sempre atento às manifestações do coração de Cristo, repete as palavras que Ele pronunciou depois que Judas Iscariotes se afastou. Jesus fala da Sua glória, daquela glória que o Pai e o Filho se oferecem reciprocamente no mistério pascal.

Caríssimos Diáconos, hoje Cristo convida-vos a entrar nesta glória e a não procurar já qualquer outra glória fora desta. Também para vós esta "hora" é decisiva. Com efeito, a Ordenação constitui o momento em que Cristo, mediante a consagração no Espírito Santo, vos associa de maneira singular ao seu Sacerdócio, para a salvação do mundo. Cada um de vós é constituído para dar glória a Deus in persona Christi Capitis. Como Cristo e unidos a Ele, glorificareis a Deus e por Ele sereis glorificados, oferecendo-vos a vós mesmos para a salvação do mundo (cf. Jo Jn 6,51), amando até ao fim as pessoas que o Pai vos confiar (cf. Jo Jn 13,1) e lavando-vos os pés uns aos outros (cf. Jo Jn 13,14).

O Senhor entrega-vos de modo novo o seu mandamento: "Assim como Eu vos amei, vós também vos deveis amar uns aos outros" (Jn 13,34). Isto constitui para vós uma dádiva e um compromisso: dom do jugo leve e suave de Cristo (cf. Mt Mt 11,30); compromisso a serdes sempre os primeiros a carregar este fardo, fazendo-vos humildes modelos da grei (cf. 1P 5,3), a vós confiada pelo Bom Pastor. Deveis recorrer constantemente à sua ajuda, inspirando-vos sempre no seu exemplo.

1565 3. Enquanto volto a pensar na rica experiência do Ano jubilar, hoje gostaria de vos entregar de novo a Carta Apostólica Novo millennio ineunte, que traça as linhas do caminho da Igreja nesta nova etapa da história. Cabe a vós orientar, com generosa dedicação, os passos do povo cristão, tendo em conta de modo especial dois importantes contextos de empenhamento pastoral:

"Recomeçar a partir de Cristo" (nn. 29-41) e ser "testemunhas do Amor" (nn. 42-57). No interior deste segundo âmbito, caracterizado pela comunhão e pela caridade, é determinante a "capacidade que a comunidade cristã tem de dar espaço a todos os dons do Espírito", estimulando "todos os baptizados e crismados a tomarem consciência da sua activa responsabilidade na vida eclesial" (n. 46).

No seu sentido mais amplo e fundamental, esta é a "pastoral vocacional", que é necessário e urgente traçar de maneira ampla e pormenorizada. Trata-se de suscitar e cultivar cada vez mais uma "mentalidade vocacional", que se traduza num estilo pessoal e comunitário orientado para a escuta, o discernimento e a resposta generosa a Deus que chama. Dilectos candidatos ao Sacerdócio, a vossa vocação é também fruto da oração da Igreja, assim como do trabalho assíduo e paciente de muitos operários da messe do Senhor, que lavraram, semearam e cuidaram do terreno também para vós. A vossa perseverança está vinculada a esta solidariedade espiritual, que jamais deve faltar na Igreja. Por isso, quereria agradecer aqui a todos aqueles que, em silêncio e com solicitude quotidiana, oferecem a sua oração e o seu sofrimento pelos sacerdotes e pelas vocações.

4. Paulo e Barnabé "voltaram a Listra, Icónio e Antioquia. Fortaleciam a alma dos discípulos e encorajavam-nos a manter-se firmes na fé porque, diziam eles: "Temos de sofrer muitas tribulações para entrarmos no Reino de Deus"" (
Ac 14,21-22). Com poucas observações é delineada a vida da Comunidade cristã, chamada a "manter-se firme na fé" diante das provas e das inúmeras tribulações, necessárias "para entrarmos no Reino de Deus".

Estimados ordinandos, conscientes da vossa missão, tendei para a santidade e difundi o amor. Antes de mais nada, sede apaixonados pela Igreja terrena e celeste, considerando-a com fé e amor, não obstante as manchas e as rugas que podem assinalar o seu rosto humano. Nela, sabei ver "a cidade santa, a nova Jerusalém" que, como menciona o Apóstolo no Livro do Apocalipse, "descia do Céu, de junto de Deus, bela como uma esposa que se ataviou para o seu esposo" (21, 2).

Os Actos dos Apóstolos põem em evidência o vínculo dos missionários com a comunidade. A comunidade é o ambiente vital de que eles partem e ao qual regressam: dela recebem, por assim dizer, o impulso e para ela voltam com a experiência vivida, reconhecendo os sinais da acção de Deus na missão. O sacerdote não é o homem das iniciativas individuais; é o ministro do Evangelho, em nome da Igreja. Cada uma das suas obras apostólicas parte da Igreja e para ela volta.

5. Queridos ordinandos, à vossa volta jamais falte o apoio orante da comunidade. Paulo e Barnabé foram "confiados, na graça de Deus, para o trabalho já realizado" (Ac 14,26). Caríssimos, também vós vindes "confiados, na graça de Deus", para a missão que deveis levar a cabo na Igreja: ser ministros de Cristo Sacerdote e Pastor no meio do seu Povo. A comunidade que está em Roma reza por vós. Intercedem os Santos Pedro e Paulo. Intercede a Virgem Maria, Salus Populi Romani e Mãe dos Sacerdotes.

Deveis partir, sustentados e animados por esta comunhão de profunda oração! Fazei-vos corajosamente ao largo, com as velas despregadas ao sopro do Espírito Santo. Assim, sereis felizes por tudo aquilo que o Senhor realizar no meio de vós (cf. Act Ac 14,27) e experimentareis, mesmo entre provações e dificuldades, a grandeza e a alegria da vossa missão. Assim seja!





DURANTE A CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA


NA PARÓQUIA ROMANA DE SANTA EDITH STEIN


Domingo, 20 de Maio de 2001







1. "O Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, Esse ensinar-vos-á todas as coisas e vos recordará tudo o que vos tenho dito" (Jn 14,26). É a grande promessa feita por Jesus, durante a Última Ceia. Ao aproximar-se o momento da Cruz, Ele tranquiliza os apóstolos, dizendo-lhes que não ficarão sozinhos: o Espírito Santo, o Paráclito, estará com eles e ampará-los-á na grande missão de anunciar o Evangelho ao mundo inteiro.

Na língua original grega, a palavra Paráclito indica aquele que se põe ao lado, para proteger e amparar o próprio assistido. Jesus volta para o Pai, mas prossegue a sua obra de ensinamento e de animação dos seus discípulos mediante o dom do Espírito.

1566 Em que consiste a missão do Espírito Santo prometido? Como ouvimos há pouco no texto de João, é o próprio Jesus quem a indica: "Esse ensinar-nos-á todas as coisas e vos recordará tudo o que vos tenho dito" (Jn 14,26). Jesus já comunicou tudo o que pretendia confiar aos apóstolos: com ele, Verbo encarnado, a revelação é completa. O Espírito fará "recordar", isto é, compreender plenamente e pôr em prática de maneira concreta os ensinamentos de Jesus. É precisamente isto que se verifica ainda hoje na Igreja. Como afirma o Concílio Ecuménico Vaticano II, guiada e amparada pela luz e pela força do Espírito Santo, "a Igreja, no decorrer dos séculos, tende continuamente para a plenitude da verdade divina, até que nela se cumpram as palavras de Deus" (Dei Verbum, DV 8).

2. Caríssimos Irmãos e Irmãs da Paróquia de Santa Edith Stein! Sinto-me feliz por estar convosco, neste sexto domingo do tempo pascal, e por celebrar convosco a Eucaristia. Saúdo com afecto o Cardeal Vigário, o Monsenhor Vice-Gerente, o vosso zeloso Pároco, Pe. Stefano Ranfi, os seus colaboradores e todos os fiéis desta jovem comunidade paroquial. Dirijo um particular obrigado àqueles que, em nome de todos, me dirigiram gentis palavras de boas-vindas e os parabéns para o meu aniversário, que acabei de festejar. Oitenta e um anos! Já é alguma coisa! Espero que continueis a rezar por mim, para que possa desempenhar o ministério que me foi confiado em total adesão aos desígnios da Providência divina.

A minha saudação repleta de benevolência e de afecto dirige-se às crianças que, durante esta Missa, vão receber pela primeira vez a Sagrada Comunhão. A elas recomendo profundamente que permaneçam unidas a Cristo que hoje, no Pão eucarístico, entra em comunhão profunda com as suas jovens vidas. Queridas crianças, tende confiança em Jesus! Amai-O e guardai sempre a Sua palavra para que, graças ao dom do Espírito Santo que transforma realmente o pão e o vinho no seu Corpo e no seu Sangue, Ele habite sempre em vós e vós possais permanecer sempre n'Ele.

A vós que agora me ouvis, e a todos os meninos e meninas que neste ano recebem a primeira comunhão nas suas paróquias de Roma e de todo o mundo, recomendo que se aproximem muitas vezes também do sacramento da Confissão, para que o encontro com Jesus presente na Eucaristia se verifique com um coração puro e disponível à acção da graça. Às vossas famílias e a todas as famílias da paróquia, peço que favoreçam uma relação estável e profunda com Jesus, mediante a participação assídua na catequese e na Missa dominical.

3. Caríssimos Irmãos e Irmãs! A vossa comunidade paroquial iniciou o seu caminho no interior da Comunidade diocesana no dia 11 de Outubro de 1998, quando tive a alegria de proclamar santa a filha de Israel e mártir carmelita Edith Stein, Irmã Teresa Benedita da Cruz, que invocais como vossa especial Padroeira.

Esta grande Santa contemporânea pode ensinar muito também à vida de uma comunidade como a vossa, que deseja ser fiel à sua vocação missionária. Portanto, convido-vos a conhecer e a aprofundar sempre mais individual e comunitariamente a sua vida, as suas obras e os seus ensinamentos. Apraz-me recordar, nesta ocasião, a frase que Edith Stein escreveu em 1933, quando se apresentou à Madre Superiora do Mosteiro das Carmelitas de Colónia, na Alemanha: "A actividade humana não nos pode ajudar, mas unicamente a Paixão de Cristo. O meu desejo é participar nela".

Participar na Paixão de Cristo! Eis o segredo para realizar uma comunidade verdadeira e eficazmente missionária. Por conseguinte, congratulo-me pelas lindas iniciativas de oração e de formação que já estais a realizar, ou que projectastes, considerando a carência dos espaços e ambientes, que todos esperamos que seja resolvida quanto antes.

Refiro-me, em particular, aos momentos comunitários de oração como, por exemplo, o caminho da Cruz pelas estradas do bairro e nas famílias, e a peregrinação da imagem sagrada de Nossa Senhora de Fátima. Foi com prazer que tomei conhecimento da oportuna iniciativa pastoral da Carta mensal aos cristãos, entregue a todas as famílias, a fim de as ajudar a preparar-se com catequeses adequadas para as principais festas do ano litúrgico. Neste contexto, desejo manifestar o meu apreço também a quantos estão empenhados nos grupos de evangelização das famílias, assim como aos adultos e aos jovens que fazem parte dos coros.

4. Para favorecer a participação na Paixão de Cristo, e por conseguinte uma frutuosa obra de anúncio do Evangelho no bairro, não posso deixar de vos encorajar a participar na adoração eucarística que aqui se realiza todas as sextas-feiras. Colocar Jesus eucarístico no centro da vida pessoal e comunitária, também através deste piedoso costume, significa depositar n'Ele as esperanças que nutrimos por uma sementeira do Evangelho cada vez mais enérgica e corajosa. Tende a certeza disto: a Eucaristia produz na Igreja frutos maravilhosos e muitas vezes inesperados!

Juntamente convosco, confio ao Senhor também a Missão popular que programastes para o próximo mês de Outubro. É uma Missão que se destinará sobretudo aos jovens e será animada pelos alunos do Pontifício Seminário Romano Maior, mas que deve incluir todos os componentes da vossa Comunidade. Desejo de coração que, através da missão e graças à oração de todos, os jovens possam encontrar Cristo na sua vida, que o deixem falar aos seus corações e se decidam por Ele. O Senhor faça com que também desta comunidade paroquial, bem como de toda a Diocese, graças à oração e ao empenho de numerosas pessoas e famílias, possam surgir numerosas e santas vocações sacerdotais, religiosas e missionárias, das quais hoje a Igreja necessita mais do que nunca.

5. "Um dos sete anjos... mostrou-me a Cidade santa, Jerusalém, que descia do Céu, de junto de Deus, resplandecendo da glória de Deus" (Ap 21,10). A visão de Jerusalém celeste, descrita pelo Apocalipse com cores vivas, mostra-nos a meta para a qual tendem a Igreja e toda a humanidade. É a meta da comunhão plena e definitiva dos homens com Deus. Olhando para ela, os crentes empenham-se a viver o Evangelho e contribuem ao mesmo tempo para a construção de uma cidade terrena de acordo com o coração de Deus.

1567 Maria, que veneramos neste mês de Maio e a quem rezamos com especial devoção como nossa Mãe celeste, proteja sempre a vossa comunidade e toda a Diocese de Roma. Ela, a primeira que recebeu no seu seio virginal o Verbo divino, nos ajude a viver cada vez mais em conformidade com o seu Filho, solícitos no anúncio fiel da palavra do Evangelho e no seu testemunho com a coerência da vida. Amen!



NA CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA POR OCASIÃO DO ENCERRAMENTO DO CONSISTÓRIO EXTRAODINÁRIO DO


COLÉGIO CARDINALÍCIO


24 de Maio de 2001





Senhores Cardeais
Veneráveis Irmãos no Episcopado
Caríssimos Irmãos e Irmãs

1. Encontramo-nos reunidos à volta do altar do Senhor para celebrar a sua Ascensão ao Céu. Escutámos as suas palavras: "Ides receber a força, a do Espírito Santo, que descerá sobre vós e sereis minhas testemunhas... até aos [extremos] confins do mundo" (Ac 1,8). Desde há dois mil anos estas palavras do Senhor ressuscitado impelem a Igreja a "fazer-se-ao largo" na história, tornando-a contemporânea de todas as gerações e transformando-a no fermento de todas as culturas do mundo.

Voltamos a ouvi-las no dia de hoje, para acolher com renovado fervor o mandato "duc in altum! Faz-te ao largo!" que um dia Jesus dirigiu a Pedro: trata-se de um imperativo que desejei fazer ressoar em toda a Igreja através da Carta Apostólica Novo millennio ineunte e que, à luz desta solenidade litúrgica, adquire um significado ainda mais profundo. O altum, rumo ao qual a Igreja deve caminhar, não é apenas um compromisso missionário mais vigoroso, mas antes ainda um empenhamento contemplativo mais intenso. Também nós somos convidados, como os Apóstolos, testemunhas da Ascensão, a fixar o olhar no rosto de Cristo, arrebatado no esplendor da glória divina.

Sem dúvida, contemplar o céu não significa esquecer-se da terra. Se se apresentasse esta tentação, ser-nos-ia suficiente voltar a escutar os "dois homens revestidos de branco" da página evangélica do dia de hoje: "Por que motivo estais a olhar para o céu?". A contemplação cristã não nos subtrai ao compromisso histórico. O "céu" da Ascensão de Jesus não quer dizer distância, mas o ocultar e a vigilância de uma presença que nunca nos abandona, até que Ele venha na glória. Entretanto, chegou a hora exigente do testemunho para que, em nome de Cristo, "sejam anunciadas a todas as gentes a conversão e a remissão dos pecados" (cf. Lc Lc 24,47).

2. É precisamente para reavivar esta consciência, que desejei convocar o Consistório extraordinário, que hoje chega ao seu termo. Os Senhores Cardeais do mundo inteiro, que saúdo com afecto fraternal, reuniram-se nestes dias comigo, para enfrentar alguns dos temas mais relevantes da evangelização e do testemunho cristão no mundo contemporâneo, no início de um novo milénio. Para nós foi, antes de mais nada, um momento de comunhão em que experimentámos um pouco daquela alegria que inundou a alma dos Apóstolos, depois que o Ressuscitado, abençoando-os, se despediu deles para subir aos céus. Com efeito, Lucas diz que, "depois de O terem adorado, voltaram para Jerusalém com grande alegria. E estavam continuamente no Templo, a bendizer a Deus" (24, 52-53).

A natureza missionária da Igreja mergulha as suas raízes neste ícone das origens. Traz em si mesma os seus traços. Volta a propor o seu espírito. Propõe-no de novo, a começar pela experiência da alegria, que o Senhor Jesus prometeu a quantos O amam: "Digo-vos isto para que a minha alegria esteja em vós e o vosso gozo seja completo" (Jn 15,11). Se a nossa fé no Senhor ressuscitado está viva, a alma não pode deixar de estar repleta de alegria, e a missão configura-se como um "transbordar" de alegria, que nos leva a transmitir a todos a "boa notícia" da salvação, com uma coragem livre de temores e de complexos, mesmo que seja à custa do sacrifício da nossa própria vida.

A natureza missionária da Igreja, que parte de Cristo, encontra apoio na colegialidade episcopal e é encorajada pelo Sucessor de Pedro, cujo ministério visa a promoção da comunhão na Igreja, garantindo a unidade de todos os fiéis em Cristo.

1568 3. Foi precisamente esta experiência que fez de Paulo o "Apóstolo das Gentes", levando-o a percorrer uma boa parte do mundo então conhecido, sob o impulso de uma força interior, que o obrigava a falar de Cristo: "Vae mihi est si non evangelizavero! Ai de mim, se não anunciar o Evangelho!" (1Co 9,16). Também eu quis, na recente Peregrinação apostólica na Grécia, Síria e Malta, colocar-me no seguimento dos seus passos, quase completando, desta forma, a minha Peregrinação jubilar. No seu trajecto experimentei a alegria de compartilhar, com afectuosa admiração, alguns aspectos da vida dos nossos caríssimos irmãos católicos orientais e de ver abrirem-se novas perspectivas ecuménicas nas relações com os nossos não menos amados irmãos ortodoxos: com a ajuda de Deus, deram-se passos significativos rumo à almejada meta da plena comunhão.

Foi também significativo o encontro com os muçulmanos. Assim como na tão desejada peregrinação na Terra do Senhor, realizada durante o Grande Jubileu, tive a ocasião de salientar os especiais vínculos da nossa fé com a do povo hebraico, assim foi também muito intenso o momento de diálogo com os crentes do Islão. Efectivamente, o Concílio Vaticano II ensinou-nos que o anúncio de Cristo, único Salvador, não nos impede pelo contrário, sugere-nos pensamentos e gestos de paz em relação aos fiéis pertencentes a outras religies (cf. Nostra aetate, NAE 2).

4. Sereis minhas testemunhas! Estas palavras de Jesus aos Apóstolos, proferidas antes da Ascensão, determinam muito bem o sentido da evangelização de sempre, mas parecem actuais de maneira particular no nosso tempo. A época que vivemos é um tempo em que superabunda a palavra, multiplicada de maneira inverosímil pelos meios de comunicação social, que têm muito poder sobre a opinião pública, tanto no bem como no mal. Mas a comunicação de que temos necessidade é a palavra rica de sabedoria e de santidade. Por isso, na Carta Novo millennio ineunte escrevi que "o horizonte para o qual deve tender todo o caminho pastoral é a santidade" (n. 30), cultivada na escuta da Palavra de Deus, na oração e na vida eucarística, especialmente por ocasião da celebração semanal do "Dies Domini". A mensagem de Cristo só pode penetrar no nosso mundo graças ao testemunho de cristãos verdadeiramente comprometidos a viver o Evangelho de forma radical.

Hoje, a Igreja está a enfrentar desafios enormes, que põem à prova a confiança e o entusiasmo dos anunciadores. E não se trata apenas de problemas "quantitativos", devidos ao facto de que os cristãos representam uma minoria, enquanto o processo de secularização continua a debilitar a tradição cristã inclusivamente em países de antiga evangelização. Problemas ainda mais graves derivam de uma transformação geral do horizonte cultural, dominado pelo primado das ciências experimentais, inspiradas nos critérios da epistemologia científica. Mesmo quando se demonstra sensível à dimensão religiosa e até parece redescobri-la, o mundo moderno aceita no máximo a imagem de Deus criador, enquanto acha difícil aceitar como aconteceu com os ouvintes de Paulo, no areópago de Atenas (cf. Act Ac 17,32-34) o "scandalum crucis" (cf. 1Co 23), o "escândalo" de um Deus que, por amor, entra na nossa história e se faz homem, morrendo e ressuscitando por nós. É fácil intuir o desafio que isto comporta para as escolas e as Universidades católicas, assim como para os centros de formação filosófica e teológica dos candidatos ao sacerdócio, pois todos eles constituem lugares em que é necessário oferecer uma preparação cultural que esteja à altura do momento cultural contemporâneo.

Ulteriores problemas derivam do fenómeno da globalização que, se por um lado oferece a vantagem de aproximar os povos e as culturas, tornando mais acessíveis a cada um inúmeras mensagens, por outro não facilita todavia o discernimento e uma síntese amadurecida, favorecendo ao contrário uma atitude relativista que torna mais difícil aceitar Cristo como "caminho, verdade e vida" (Jn 14,6) para cada homem.

E que dizer, então, daquilo que vai surgindo no âmbito das interrogações morais? Mais do que nunca, sobretudo a nível dos grandes temas da bioética, mas também nas teses da justiça social, da instituição familiar e da vida conjugal, a humanidade é interpelada por problemas tão formidáveis, que colocam em questão o seu próprio destino.

O Consistório reflectiu amplamente sobre alguns destes problemas, desenvolvendo análises aprofundadas e propondo soluções ponderadas. Várias questões serão retomadas no próximo Sínodo dos Bispos, que se desmonstrou como válido e eficaz instrumento da colegialidade episcopal ao serviço das Igrejas particulares. Veneráveis Irmãos Cardeais, estou-vos grato pelas preciosas contribuições que agora ofereceis: delas desejo tirar oportunas indicações de acção, a fim de que a acção pastoral e evangelizadora de toda a Igreja cresça na tensão missionária, com plena consciência dos desafios contemporâneos.

5. Hoje, o mistério da Ascensão abre-nos de par em par o horizonte ideal em que este compromisso deve realizar-se. Trata-se, em primeiro lugar, do horizonte da vitória de Cristo sobre a morte e o pecado. Ele sobe ao céu como Rei de amor e de paz, fonte de salvação para toda a humanidade. Sobe para "se apresentar agora diante de Deus por nós", como escutámos da Carta aos Hebreus (9, 24). O convite que nos provém da palavra de Deus é uma exortação à confiança: "O que fez a promessa é fiel" (He 10,23).

Além disso, recebemos a força do Espírito, que Cristo derramou de maneira ilimitada. O Espírito é o segredo da Igreja de hoje, como o foi para a Igreja dos primórdios. Seríamos condenados à falência, se não continuasse a ser eficaz em nós a promessa que Jesus fez aos primeiros Apóstolos: "Eu vou mandar sobre vós Aquele que meu Pai prometeu. Entretanto, permanecei na cidade, até serdes revestidos com a força lá do Alto" (Lc 24,49). O Espírito, Cristo, o Pai: toda a Trindade está comprometida connosco!

Sim, meus queridos Irmãos e Irmãs! Não percorreremos sozinhos o caminho que nos espera. Acompanham-nos os sacerdotes, os religiosos, os leigos, jovens e adultos, seriamente comprometidos para dar à Igreja, em conformidade com o exemplo de Jesus, um rosto de pobreza e de misericórdia especialmente aos necessitados e marginalizados, um rosto que resplandeça pelo testemunho da comunhão na verdade e no amor. Não estaremos sozinhos, sobretudo porque connosco estará a Santíssima Trindade. Os compromissos que confiei como mandato a toda a Igreja na Carta Novo millennio ineunte, os problemas sobre os quais o Consistório reflectiu, não os enfrentaremos com forças unicamente humanas, mas com o poder que vem "lá do Alto". Esta é a certeza que encontra alimento contínuo na contemplação de Cristo, que subiu ao céu. Contemplando-O, acolhemos de bom grado a admoestação da Carta aos Hebreus, a conservarmo-nos "firmemente apegados à nossa esperança, porque O que fez a promessa é fiel" (10, 23).

O nosso compromisso renovado faz-se um cântico de louvor, enquanto com as palavras do Salmo indicamos para todos os povos do mundo Cristo que ressuscitou e subiu ao céu: "Povos todos, batei palmas, aclamai ao Senhor com vozes de alegria... Ele é o rei da terra inteira" (Sl 46[47], 2.8).

1569 Assim, com renovada confiança, "façamo-nos ao largo" em seu Nome!







DURANTE A CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA


NA PARÓQUIA ROMANA DE


SANTA ÂNGELA MERICI


Domingo, 27 de Maio de 2001


1. "Eleva-se o Senhor entre cânticos de alegria" (Salmo Resp.).

Estas palavras da liturgia de hoje introduzem-nos na solenidade da Ascensão do Senhor. Revivemos o momento em que Cristo, depois de ter realizado a sua missão terrena, volta para a casa do Pai. Esta festa constitui o coroamento da glorificação de Cristo que se verificou na Páscoa. Representa também a imediata preparação para o dom do Espírito Santo, que acontecerá no Pentecostes. Portanto, a Ascensão do Senhor, não deve ser considerada um episódio isolado, mas parte integrante do único Mistério pascal.

Jesus ressuscitado, na realidade, não deixa definitivamente os seus discípulos; antes, inicia um novo tipo de relação com eles. Se, do ponto de vista físico e terreno já não está presente como antes, na realidade a sua presença invisível intensifica-se, alcançando uma profundidade e uma extensão absolutamente novas. Graças à acção do Espírito Santo prometido, Jesus estará presente onde ensinou os discípulos a reconhecê-lo: na palavra do Evangelho, nos Sacramentos, na Igreja, Comunidade de todos os que crêem n'Ele, chamada a desempenhar uma incessante missão evangelizadora no decorrer dos séculos.

2. Caríssimos Irmãos e Irmãs da Paróquia de Santa Ângela Merici! Sinto-me feliz por celebrar hoje, juntamente convosco, a solenidade da Ascensão. Saúdo-vos a todos com afecto. Saúdo antes de mais o Cardeal Vigário, o Bispo Auxiliar do sector, o vosso querido Pároco, Pe. Guido Peressini, e os sacerdotes seus colaboradores. Dirijo um particular agradecimento a quantos, no início da celebração, me dirigiram cordiais palavras em nome de todos.

Dirijo agora o meu pensamento às Religiosas dos cinco Institutos femininos presentes activamente na Paróquia, os componentes do Conselho pastoral e todos os que, de várias formas, participam e animam a vida paroquial. Abraço com afecto cada um de vós aqui presentes, caríssimos Irmãos e Irmãs, e todos os que vivem neste bairro.

3. A Liturgia exorta-nos hoje a contemplar o céu, como fizeram os Apóstolos no momento da Ascensão, a fim de serem as testemunhas credíveis do Ressuscitado na terra (cf. Act Ac 1,11), colaborando com Ele no crescimento do Reino de Deus entre os homens. Além disso, convida-nos a meditar no mandato que Jesus, antes de subir ao céu, confia aos discípulos: pregar a todas as nações a conversão e o perdão dos pecados (cf. Lc Lc 24,27). É um mandato que nos estimula a reflectir acerca do que a nossa Diocese, através das experiências do Sínodo diocesano e da Missão da Cidade, bem como através dos acontecimentos realizados durante o recente Jubileu, procura realizar de maneira fiel a Cristo, de forma a incidir eficazmente na sociedade e na cultura contemporânea.

Procuraremos responder a este mesmo mandato de Cristo também através do Congresso diocesano, que se realizará de 7 a 9 de Junho próximo, para verificar os êxitos da Missão da Cidade e orientar uma pastoral missionária permanente. Isto é, uma pastoral que se dirija a todos; eduque os fiéis a tender para a santidade, para que cada um realize, segundo a sua vocação peculiar, a sua missão no mundo. Exorto-vos a todos a rezar pelo bom êxito deste Congresso e a preparar-vos para aderir imediatamente às orientações pastorais que dele surgirão. Desta forma, também a vossa Comunidade paroquial se inserirá, com renovado entusiasmo, no caminho missionário que a Igreja de Roma está a realizar.

4. A vossa Paróquia, que tem mais de cinco mil habitantes, está a viver, como toda a cidade de Roma, uma profunda transformação social e sente a urgência de adequar cada vez mais a própria acção pastoral às mudadas exigências do povo. Este é um desafio ao qual já estais a procurar dar respostas concretas. Preocupais-vos, em particular, por ir ao encontro das numerosas situações de pobreza existentes no bairro, para proclamar com os factos o "evangelho da caridade". Penso, por exemplo, nas pessoas provenientes de Países que não pertencem à Comunidade europeia, muitas vezes sem trabalho e impossibilitadas de viver uma existência digna. Penso em tantos idosos que sentem em grande medida a solidão, precisamente no momento em que as forças físicas e a boa saúde, começam a faltar.

Desejaria fazer chegar a minha fraterna saudação a todos os que se encontram em condições desfavoráveis, e convido-vos, caríssimos, a estar sempre ao lado deles. Agradeço-vos tudo o que já fazeis, em relação a isto. Alegro-me especialmente pela realização do Centro Caritas, que deseja propor-se como um sinal da vossa resposta às necessidades imediatas de todos os que muitas vezes são esquecidos.

1570 Continuai com coragem e confiança, sabendo que não estais sós neste esforço. Está convosco toda a Diocese que, graças à experiência do Grande Jubileu, cresceu muito na comunhão e está pronta para desempenhar uma obra missionária mais incisiva e renovada na nossa cidade.

5. Todas as componentes do Corpo místico de Cristo estão chamadas a dar o próprio contributo a esta vossa acção de empenho apostólico e de renovação eclesial. Penso de maneira especial em vós, caríssimos jovens. A vossa Comunidade paroquial, durante o XV Dia Mundial da Juventude, hospedou 1500 jovens e moças provenientes de todo o mundo. Desta forma, pudestes experimentar qual entusiasmo e vitalidade espiritual brotaram daqueles dias de graça. Com o mesmo espírito continuai a dar testemunho de Cristo na família, na escola e nos ambientes de vida quotidiana. Ide, com a mesma alegria, ao encontro dos vossos coetâneos e sede para com eles acolhedores e abertos. Além disso, podeis fazer muito também pelos idosos. Sabe-se que entre jovens e idosos muitas vezes se instaura um vínculo que pode ser para vós uma óptima oportunidade de aprofundar a fé, à luz da sua experiência. Os idosos, por sua vez, podem receber de vós o vigor e o entusiasmo típico da vossa idade para viver melhor o outono da sua existência.

Desta forma, realiza-se um útil intercâmbio de dons em benefício de toda a Comunidade. A compreensão recíproca e a cooperação mútua entre todos sejam o estilo permanente da vossa vida familiar e paroquial.

6. "Eu vou mandar sobre vós O que Meu Pai prometeu" (
Lc 24,49). Aqui Jesus fala do seu Espírito, o espírito Santo. Também nós, como os discípulos, nos dispomos a receber este dom na solenidade do Pentecostes. Só a misteriosa acção do Espírito nos pode transformar em novas criaturas; só o seu poder misterioso nos põe na condição de anunciar as maravilhas de Deus. Por conseguinte, não elas terminam; não nos fechemos em nós mesmos! Antes, com imediata disponibilidade, colaboremos com Ele, para que a salvação oferecida por Deus a todos os homens em Cristo conduza toda a humanidade ao Pai.

Permaneçamos à espera da descida do Paráclito, como os discípulos no Cenáculo, juntamente com Maria. Ao chegar à vossa Igreja vi uma coluna que sustém a imagem de Nossa Senhora com a frase: "Non passar la via, senza salutar Maria". Sigamos sempre este conselho. Maria, à qual nos dirigimos com confiança sobretudo neste mês de Maio, nos ajude a ser discípulos dignos do seu Filho e nos faça Suas corajosas testemunhas no mundo. Como Rainha dos nossos corações, transforme todos os crentes numa família unida no amor e na paz.





Homilias JOÃO PAULO II 1564