Homilias JOÃO PAULO II 1570


NA MISSA DE PENTECOSTES


Praça de São Pedro, 3 de Junho de 2001





1. "Todos ficaram cheios do Espírito Santo" (Ac 2,4).

Foi assim que aconteceu em Jerusalém, no dia de Pentecostes. Hoje, reunidos nesta Praça, centro do mundo católico, voltamos a viver o clima daquele dia. Também no nosso tempo, como no Cenáculo de Jerusalém, a Igreja é atravessada por um "vento impetuoso". Ela experimenta o sopro divino do Espírito, que a abre para a evangelização do mundo.

Por uma feliz coincidência, na solenidade do dia de hoje temos a alegria de acolher, ao lado do altar, os veneráveis restos mortais do Beato João XXIII, que Deus plasmou com o seu Espírito, fazendo dele uma admirável testemunha do Seu amor. Este meu veneradíssimo predecessor faleceu há 38 anos, no dia 3 de Junho de 1963, precisamente quando na Praça de São Pedro uma imensa multidão de fiéis rezava, espiritualmente reunida à volta do seu leito de morte. A celebração de hoje une-se a essa oração e, enquanto comemoramos o trânsito deste Beato Pontífice, louvamos a Deus que o deu à Igreja e ao mundo.

Como Sacerdote, Bispo e Papa, o Beato Ângelo Roncalli foi extremamente dócil à acção do Espírito, que o orientou pelas sendas da santidade. Por isso, na comunhão viva dos Santos, queremos celebrar a solenidade do Pentecostes em singular sintonia com ele, deixando-nos acompanhar por algumas das suas reflexões inspiradas.

2. "A luz do Espírito Santo irrompe das primeiras palavras do Livro dos Actos dos Apóstolos... O caminho impetuoso do Espírito divino precede e acompanha os evangelizadores, penetrando na alma de quem os escuta e dilatando as tendas da Igreja católica até aos extremos confins da terra, percorrendo todos os séculos da história" (Discursos, Mensagens e Colóquios do Santo Padre João XXIII, II, pág. 398).

1571 Com estas palavras, pronunciadas no Pentecostes de 1960, o Papa João XXIII ajuda-nos a compreender o irrefreável impulso missionário próprio do mistério que celebramos nesta solenidade. A Igreja nasce missionária, porque nasce do Pai, que enviou Cristo ao mundo; nasce do Filho que, morto e ressuscitado, enviou os Apóstolos a todas as nações; e nasce do Espírito Santo, que infunde neles a luz e a força necessárias para levar a cabo esta missão.

Também nesta dimensão missionária, a Igreja é ícone da Santíssima Trindade: ela reflecte na história a fecundidade superabundante que é própria de Deus, fonte de amor subsistente, que gera vida e comunhão. Com a sua presença e acção no mundo, a Igreja propaga entre os homens este dinamismo misterioso, difundindo o Reino de Deus, que é "justiça, paz e alegria no Espírito Santo" (
Rm 14,17).

3. O Concílio Ecuménico Vaticano II, anunciado, convocado e inaugurado pelo Papa João XXIII, estava consciente desta vocação da Igreja.

O Espírito Santo pode justamente definir-se protagonista do Concílio, desde quando o Papa o convocou, declarando que ouviu como que vinda do Alto, uma voz íntima que ressoou no seu espírito (cf. Constituição Apostólica Humanae salutis, 25 de Dezembro de 1961, n. 6). Aquela "brisa" tornou-se "vento impetuoso" e o acontecimento conciliar adquiriu a forma de um renovado Pentecostes. "Com efeito, é na doutrina e no espírito do Pentecostes afirmou o Papa João XXIII que o grande acontecimento do Concílio Ecuménico adquiriu substância e vida" (Discursos, Mensagens e Colóquios... op. cit., pág. 398).

Caríssimos Irmãos e Irmãs, se hoje recordamos aquele singular período eclesial, é porque o Grande Jubileu do Ano 2000 se colocou em continuidade com o Concílio Vaticano II, retomando muitos dos seus aspectos de doutrina e de método. E o recente Consistório extraordinário voltou a propor a sua actualidade e riqueza para as novas gerações cristãs. Tudo isto é para nós um ulterior motivo de reconhecimento ao Beato Papa João XXIII.

4. Em particular, no contexto desta celebração de hoje, que associa ao Pentecostes um solene acto de veneração, gostaria de frisar que o dom mais precioso que o Papa João XXIII deixou ao Povo de Deus foi ele mesmo, ou seja, o seu testemunho de santidade.

Também aqui é válido o que ele mesmo afirmou sobre os Santos, isto é, que cada um deles "é uma obra-prima de graça do Espírito Santo" (Ibid., pág. 400). Depois, pensando nos Mártires e nos Sumos Pontífices sepultados na Basílica de São Pedro, acrescentava palavras que hoje voltamos a escutar com emoção: "Às vezes dá-se pouco valor às relíquias dos seus corpos, mas é sempre nelas que palpitam a sua recordação e oração". Além disso, exclamava: "Oh! São os Santos, os Santos do Senhor que nos alentam, nos encorajam e nos abençoam em toda a parte" (Ibid., pág. 401).

Estas expressões do Papa João XXIII, valorizadas pelo exemplo luminoso da sua existência, coloquem em grande evidência a importância da opção da santidade como senda privilegiada da Igreja no início do novo milénio (cf. Novo millennio ineunte, 30-31). Efectivamente, a vontade generosa de colaborar com o Espírito para a santificação pessoal e dos irmãos constitui uma condição prévia indispensável para a nova evangelização.

5. Se a evangelização exige a santidade, esta, por sua vez, tem necessidade da linfa da vida espiritual: da oração e da união íntima com Deus, mediante a Palavra e os Sacramentos. Em síntese, precisa da profunda vida espiritual pessoal.

Ainda a propósito disto, como deixar de recordar a rica herança espiritual que nos foi deixada pelo Beato João XXIII, no seu "Jornal da alma"? Naquelas páginas, pode admirar-se mais de perto o compromisso diário com que ele, desde os anos do seminário, quis corresponder plenamente à acção do Espírito Santo. Depois, deixou-se plasmar pelo Espírito dia a dia, procurando com tenacidade paciente conformar-se cada vez mais à Sua vontade. Eis o segredo da bondade com que ele conquistou o Povo de Deus e muitos homens de boa vontade!

6. Enquanto nos confiamos à sua intercessão, hoje queremos pedir ao Senhor que a graça do Grande Jubileu se irradie no novo milénio, mediante o testemunho de santidade dos cristãos. Professamos com confiança que isto é possível. É possível pela acção do Espírito Paráclito que, em conformidade com a promessa de Cristo, permanece sempre ao nosso lado.

1572 Animados pela esperança sólida, digamos com as próprias palavras do Beato João XXIII: "Ó Espírito Santo Paráclito... torna forte e contínua a prece que recitamos em nome do mundo inteiro: apressa para cada um de nós o tempo de uma profunda vida interior: dá impulso ao nosso apostolado, que deseja alcançar cada homem e todos os povos... Mortifica em nós a presunção natural e eleva-nos às regiões da santa humildade, do verdadeiro temor de Deus e da coragem generosa. Que nenhum vínculo terrestre nos impeça de honrar a nossa vocação; nenhum interesse, por nossa ignorância, sacrifique as exigências da justiça; nenhum cálculo limite os imensos espaços da caridade dentro das angústias dos pequenos egoísmos. Tudo seja grande em nós: a busca e o culto da verdade; a prontidão para o sacrifício, até à cruz e à morte; e tudo, enfim, corresponda à última oração do Filho ao Pai celeste; e àquela efusão que de ti, ó Espírito Santo de amor, o Pai e o Filho desejaram para a Igreja e as suas instituições, para cada alma e para todos os povos. Amen!" (Discursos, Mensagens... op. cit., pág. 350).


Veni, Sancte Spiritus, veni!





DURANTE A CANONIZAÇÃO DE


CINCO NOVOS SANTOS


Domingo, 10 de Junho de 2001






1. "Bendito seja Deus Pai, e o unigénito Filho de Deus, e o Espírito Santo: porque é grande o seu amor por nós" (Antífona de entrada).

Sempre, mas especialmente na festa de hoje, festa da Santíssima Trindade, toda a Liturgia está orientada para o mistério trinitário, fonte de vida para todos os crentes.

"Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo": todas as vezes que proclamamos estas palavras, síntese da nossa fé, adoramos o únicio e verdadeiro Deus em três Pessoas. Contemplamos estupefactos este mistério que nos envolve totalmente. Mistério de amor; mistério de santidade inefável.

"Santo, Santo, Santo é o Senhor, Deus do universo", cantaremos daqui a pouco, entrando no centro da Oração eucarística. O Pai criou tudo com sabedoria e amorosa providência; o Filho, com a sua morte e ressurreição redimiu-nos; o Espírito Santo santifica-nos com a plenitude dos seus dons de graça e de misericórdia.

Podemos justamente definir a solenidade de hoje uma "festa da santidade". Por conseguinte, neste dia tem a sua mais oportuna moldura a cerimónia de canonização de cinco Beatos: Luís Scrosoppi, Agostinho Roscelli, Bernardo de Corleone, Teresa Eustóquio Verzeri, Rafqa Pietra Choboq Ar-Rayès.

2. "Justificados... pela fé, tenhamos paz com Deus, por meio de Nosso Senhor Jesus Cristo" (Rm 5,1).

Para o apóstolo Paulo, como ouvimos na segunda Leitura, a santidade é dom que o Pai nos comunica mediante Jesus Cristo. De facto, a fé n'Ele é princípio de santificação. Através da fé o homem entra na ordem da graça; mediante a fé ele espera participar na glória de Deus. Esta esperança não é uma ilusão vã, mas fruto seguro de um caminho ascético entre tantas tribulações, enfrentadas com paciência e virtude provada.

Foi esta a experiência de São Luís Scrosoppi, durante uma vida totalmente dedicada ao amor de Cristo e dos irmãos, sobretudo dos mais débeis e indefesos.

1573 "Caridade! Caridade!": brotou do seu coração esta exclamação no momento de deixar o mundo pelo Céu. Ele exerceu a caridade de maneira exemplar, sobretudo para com as jovens órfãs e abandonadas, envolvendo um grupo de professoras, com as quais deu início ao Instituto das "Irmãs da Divina Providência".

A caridade foi o segredo do seu longo e incansável apostolado, nutrido pelo constante contacto com Cristo, contemplado e imitado na humildade e na pobreza do seu nascimento em Belém, na simplicidade da vida laboriosa em Nazaré, na completa imolação no Calvário, no eloquente silêncio da Eucaristia. Por isso a Igreja o indica aos sacerdotes e aos fiéis como modelo de profunda e eficaz síntese entre a comunhão com Deus e o serviço dos irmãos. Modelo, noutras palavras, de uma existência vivida em comunhão intensa com a Santíssima Trindade.

3. "É grande o Seu amor por nós". O amor de Deus pelos homens manifestou-se com particular evidência na vida de Santo Agostinho Roscelli, que hoje contemplamos no fulgor da santidade. A sua existência, toda imbuída de fé profunda, pode ser considerada um dom oferecido para a glória de Deus e para o bem das almas. A fé tornou-se sempre obediente à Igreja e aos seus ensinamentos, em dócil adesão ao Papa e ao seu Bispo. Da fé soube tirar conforto nos momentos tristes, nas ásperas dificuldades e nos acontecimentos dolorosos. Foi a fé a rocha sólida na qual soube ancorar-se para nunca ceder ao desencorajamento.

Sentiu o dever de comunicar esta mesma fé ao próximo, sobretudo a todos aqueles dos quais se aproximava no ministério da confissão. Tornou-se mestre de vida espiritual especialmente para as Irmãs que fundou, que viram nele um homem sereno mesmo no meio das situações mais críticas. Santo Agostinho Roscelli exorta-nos também a nós a ter sempre confiança em Deus, imergindo-nos no mistério do seu amor.

4. "Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo". À luz do mistério da Trindade adquire uma singular eloquência o testemunho evangélico de São Bernardo de Corleone, também ele elevado hoje às honras dos altares. Dele todos se admiravam e perguntavam como um frade leigo podia discorrer tão altamente acerca do mistério da Santíssima Trindade. Com efeito, toda a sua vida foi orientada para Deus, através de um esforço constante de ascese, tecida de oração e de penitência. Todos aqueles que o conheceram afirmam concordes que "ele estava sempre em acto de oração", "nunca deixava de rezar", "rezava continuamente" (Summ., 35). Deste diálogo ininterrupto com Deus, que encontrava na Eucaristia o seu centro propulsor, hauria a linfa vital para o seu corajoso apostolado, respondendo aos desafios sociais do tempo, com tensões e perturbações.

Também hoje o mundo precisa de santos como Frei Bernardo, imersos em Deus, e precisamente por isso capazes de transmitir a verdade e o amor. O humilde exemplo deste Capuchinho constitui um encorajamento a nunca nos cansarmos de rezar, sendo precisamente a oração e a escuta de Deus a alma da santidade autêntica.

5. "O Espírito de verdade vos guiará à verdade total" (Ant. da Comunhão). Teresa Eustóquio Verzeri, que hoje contemplamos na glória de Deus, na sua breve mas intensa vida deixou-se conduzir docilmente pelo Espírito Santo. Deus revelou-se-lhe como misteriosa presença diante da qual nos devemos inclinar com profunda humildade. A sua alegria era considerar-se sob a constante protecção divina, sentindo-se nas mãos do Pai celeste, no qual aprendeu a ter sempre confiança.

Ao abandonar-se à acção do Espírito, Teresa viveu uma particular experiência mística "da ausência de Deus". Só uma fé inabalável a impediu de não perder a confiança neste Pai providente e misericordioso, que a punha à prova: "É justo escrevia ela que a esposa, depois de ter seguido o esposo em todos os seus sofrimentos que acompanharam a Sua vida, participe ainda com Ele na mais terrível" (Livro dos deveres, III, 130).

Eis o ensinamento que Santa Teresa deixa ao Instituto das "Filhas do Sagrado Coração de Jesus", por ela fundado. Eis o ensinamento que nos deixa a todos nós. Mesmo entre as contrariedades e os sofrimentos íntimos e exteriores, é preciso manter viva a fé em Deus Pai, Filho e Espírito Santo.

6. Ao canonizar a Bem-aventurada Rafqa Choboq Ar-Rayès, a Igreja ilumina de maneira particular o mistério de amor dado e recebido para a glória de Deus e para a salvação do mundo. Esta monja da Ordem libanesa maronita desejava amar e dar a sua vida pelos irmãos. Nos sofrimentos que não deixaram de a atormentar durante os últimos vinte e nove anos da sua existência, santa Rafqa manifestou sempre um amor generoso e apaixonado pela salvação dos seus irmãos, haurindo da sua união a Cristo, morto na cruz, a força para aceitar voluntariamente e amar o sofrimento, caminho autêntico de santidade.

Oxalá Santa Rafqa vigie sobre quantos conhecem o sofrimento, sobretudo sobre os povos do Médio Oriente que se confrontam com a espiral destruidora e estéril da violência! Mediante a sua intercessão, peçamos ao Senhor que abra os corações à busca paciente de novos caminhos para a paz, apressando os dias da reconciliação e da concórdia!

1574 7. "Ó Senhor, nosso Deus, como é grande o vosso nome em toda a terra! (Ps 8,2).

Contemplando estes luminosos exemplos de santidade, volta espontâneo ao coração a invocação do Salmista. O Senhor não deixa de oferecer à Igreja e ao mundo exemplos admiráveis de homens e mulheres, nos quais se reflecte a sua glória trinitária. Que o seu testemunho nos estimule a olhar para o Céu e a procurar sem cessar o reino de Deus e a sua justiça.

Maria, Rainha de todos os Santos, a primeira que aceitou a chamada do Altíssimo, nos ampare no serviço a Deus e aos irmãos. E vós caminhai connosco, santos Luís Scrosoppi, Agostinho Roscelli, Bernardo de Corleone, Teresa Eustóquio Verzeri, Rafqa Pietra Choboq Ar-Rayès, para que a nossa existência, como a vossa, seja louvor ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo.







DURANTE A SOLENIDADE


DO SANTÍSSIMO CORPO


E SANGUE DE CRISTO


14 de Junho de 2001




1. "Ecce panis Angelorum / factus cibus viatorum: / vere panis filiorum Eis o pão dos Anjos, / feito pão dos peregrinos, / verdadeiro pão dos filhos" (Sequência).

Hoje a Igreja mostra ao mundo o Corpus Domini o Corpo de Cristo. E convida-nos a adorá-Lo: Venite adoremus Vinde, adoremos!

O olhar dos crentes concentra-se no Sacramento, em que Cristo se deu totalmente a si mesmo: Corpo, Sangue, Alma e Divindade. Por isso foi sempre considerado o mais Santo: o "Santíssimo Sacramento", memorial vivo do Sacrifício redentor.

Voltamos, na solenidade do Corpus Domini, àquela "Quinta-feira" a que todos chamamos "santa", na qual o Redentor celebrou a sua última Páscoa com os discípulos: foi a Última Ceia, cumprimento da ceia pascal hebraica e inauguração do rito eucarístico.

Por isso a Igreja, desde há séculos, escolheu uma quinta-feira para a solenidade do Corpus Domini, festa de adoração, de contemplação e de exaltação. Festa em que o Povo de Deus se reúne à volta do tesouro mais precioso herdado de Cristo, o Sacramento da sua própria Presença, e O louva, canta e leva em procissão pelas ruas da cidade.

2. "Lauda, Sion, Salvatorem!" (Sequência).

A nova Sião, a Jerusalém espiritual, em que se reúnem os filhos de Deus de todos os povos, línguas e culturas, louva o Salvador com hinos e cânticos. Com efeito, são inexauríveis a admiração e o reconhecimento pelo dom recebido. Este dom "é maior do que qualquer louvor, não existe um cântico que seja digno" (ibid.).

1575 Eis um mistério sublime e inefável. Mistério perante o qual permanecemos estupefactos e silenciosos, em atitude de contemplação profunda e extasiada.

3. "Tantum ergo Sacramentum veneremur cernui Adoremos, prostrados, este sacramento tão grande".

Na Sagrada Eucaristia está realmente presente Cristo, morto e ressuscitado por nós.

No Pão e no Vinho consagrados permanece connosco o mesmo Jesus dos Evangelhos, que os discípulos encontraram e seguiram, que viram crucificado e ressuscitado, cujas chagas Tomé tocou, prostrando-se em adoração e exclamando: "Meu Senhor e meu Deus!" (
Jn 20,28 cf. ibid. Jn 17,20).

No Sacramento do altar é oferecida à nossa amorosa contemplação toda a profundidade do mistério de Cristo, o Verbo e a carne, a glória divina e a sua morada entre os homens. Perante Ele, não podemos duvidar de que Deus está "connosco", que assumiu em Jesus Cristo todas as dimensões humanas, excepto o pecado, despojando-se da sua glória para com ela nos revestir a nós (cf. ibid., 21, 23).

No seu Corpo e no seu Sangue manifesta-se o rosto invisível de Cristo, Filho de Deus, na modalidade mais simples e ao mesmo tempo mais nobre possível neste mundo. Aos homens de todos os tempos que, perplexos, pedem: "Queremos ver Jesus" (Jn 12,21), a Comunidade eclesial responde repetindo o gesto que o próprio Senhor realizou para os discípulos de Emaús: parte o pão. Então, ao partir o pão, abrem-se os olhos de quem o procura com coração sincero. Na Eucaristia o olhar do coração reconhece Jesus e o seu inconfundível amor que se dá "até ao fim" (Jn 13,1). E n'Ele, naquele seu gesto, reconhece o Rosto de Deus!

4. "Ecce panis Angelorum... vere panis filiorum Eis o pão dos Anjos... verdadeiro pão dos filhos".

Deste pão nos alimentamos para nos tornarmos testemunhas autênticas do Evangelho. Precisamos deste pão para crescer no amor, condição indispensável para reconhecer o rosto de Cristo no rosto dos irmãos.

A nossa Comunidade diocesana tem necessidade da Eucaristia para prosseguir o caminho de renovação missionária que empreendeu. Precisamente nos últimos dias foi realizado em Roma o congresso diocesano que analisou "as perspectivas de comunhão, formação e missionariedade na Diocese de Roma nos próximos anos". É necessário continuar a caminhar "partindo" de Cristo, ou seja, da Eucaristia. Caminhamos com generosidade e coragem, procurando a comunhão dentro da nossa Comunidade eclesial e dedicando-nos com amor ao serviço humilde e abnegado de todos, sobretudo os mais necessitados.

Neste caminho, precede-nos Jesus com o dom de si até ao sacrifício e oferece-se a Si mesmo a nós como alimento e amparo. Aliás, em todos os tempos, não cessa de repetir aos Pastores do Povo de Deus: "Dai-lhes vós mesmos de comer" (Lc 9,13); reparti para todos este pão de vida eterna.

Tarefa comprometedora e exaltante. Missão que permanece pelos séculos dos séculos.

1576 5. "Todos comeram e ficaram saciados" (Lc 9,17). Através das palavras do Evangelho, que há pouco escutámos, chega até nós o eco de uma festa que, desde há dois mil anos, não tem fim. Festa do povo a caminho no êxodo do mundo, alimentado por Cristo, verdadeiro Pão de salvação.

No final da Santa Missa também nós nos poremos a caminho no centro de Roma, levando o Corpo de Cristo escondido nos corações e bem visível no ostensório. Acompanharemos o Pão de vida imortal pelas ruas da Cidade. Adorá-lo-emos e à sua volta reunir-se-á a Igreja, ostensório vivo do Salvador do mundo.

Oxalá os cristãos de Roma, fortalecidos pelo seu Corpo e pelo seu Sangue, mostrem Cristo a todos com o seu modo de viva: com a sua unidade, com a sua fé jubilosa, com a sua bondade!
Que a nossa Comunidade diocesana recomece corajosamente a partir de Cristo, Pão de vida imortal!

E Tu, Jesus, Pão vivo que dá a vida, pão dos peregrinos, "alimenta-nos e defende-nos / conduz-nos para os bens eternos / na terra dos vivos". Amen.



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NA CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA


SOLENIDADE DE SÃO JOÃO BAPTISTA


Kiev, 24 de Junho de 2001







1. "O Senhor chamou-me, quando eu ainda estava no seio da minha mãe" (Is 49,1).

Celebramos hoje o nascimento de São João Baptista. As palavras do profeta Isaías aplicam-se bem a esta grande figura bíblica que se situa entre o Antigo e o Novo Testamento. Na longa esteira dos profetas e dos justos de Israel João, o "Baptista", foi colocado pela Providência imediatamente antes do Messias, para lhe aplanar o caminho com a pregação e o testemunho da vida.

Entre todos os Santos e Santas, João é o único do qual a Liturgia celebra o nascimento. Ouvimos na primeira Leitura que o Senhor chamou o seu Servo "que estava no seio materno". Esta afirmação refere-se na sua plenitude a Cristo mas, quase por reflexo, pode-se aplicar também ao Precursor. Ambos vem à luz graças a uma intervenção especial de Deus: o primeiro nasce da Virgem, o segundo de uma mulher idosa e estéril. Desde o seio materno João prenuncia Aquele que revelará ao mundo a iniciativa de amor de Deus.

2. "Chamaste-me quando eu ainda estava no seio da minha mãe" (Salmo resp.). Hoje, podemos fazer nossa esta exclamação do Salmista. Deus conheceu-nos e amou-nos ainda antes que os nossos olhos pudessem contemplar as maravilhas da criação. Mas ainda antes, ele possui um nome divino: o nome com que Deus Pai o conhece e o ama desde sempre e para sempre. É assim para todos, sem excluir ninguém. Nenhum homem é anónimo para Deus!

Aos seus olhos, todos tem o mesmo valor: todos diferentes, mas todos iguais, todos chamados a serem filhos no Filho.

1577 "O seu nome é João" (Lc 1,63). Zacarias confirma aos parentes admirados o nome do filho, escrevendo-o numa tábua. O próprio Deus, através do seu anjo, indicara aquele nome, que em hebraico significa "Deus é favorável". Deus é favorável ao homem: quer a sua vida, a sua salvação. Deus é favorável ao seu povo: quer fazer dele uma bênção para todas as nações da terra. Deus é favorável à humanidade: guia o seu caminho rumo à terra onde reinam paz e justiça. Tudo isto está inscrito naquele nome: João!

Caríssimos Irmãos e Irmãs! João Baptista era o mensageiro, o precursor: tinha sido enviado para preparar o caminho a Cristo. Que nos diz a figura de São Joao Baptista precisamente aqui, em Kiev, no início desta peregrinação na vossa Terra? Num certo sentido, não é providencial o facto de que esta figura se nos dirija a nós, exactamente em Kiev?

3. Teve lugar aqui o Baptismo da Rus'. Em Kiev começou aquele florescimento de vida cristã que o Evangelho suscitara primeiro na terra da antiga Rus' de Kiev, depois nos territórios da Europa do Leste e, posteriormente, para além dos Urales, nos territórios asiáticos. Também em Kiev, portanto, desempenhou num certo sentido o papel de "precursor do Senhor" entre os numerosos povos aos quais chegou, partindo daqui, o anúncio da salvação. São Vladimiro e os habitantes da Rus' de Kiev receberam o Baptismo de missionários provenientes de Constantinopla, o maior centro do cristianismo do Oriente, e desta forma a jovem Igreja entrou no âmbito da riquíssima herança de fé e de cultura da Igreja bizantina. Era o final do primeiro milénio. Mesmo vivendo segundo duas tradições diferentes, a Igreja de Constantinopla e a de Roma permaneciam ainda em plena comunhão. Escrevi na Carta Apostólica Euntes in mundum: "Juntamente devemos agradecer ao Senhor por este facto, que constitui hoje um bom auspício e uma esperança. Deus quis que a mãe Igreja, visivelmente unida, acolhesse no seu seio já rico de nações e de povos, e num momento de expansão missionária, quer no Ocidente quer no Oriente esta sua nova filha nas margens do Dniepre" (n. 4).

Por conseguinte, se celebramos hoje a Eucaristia segundo a tradição romana, recordamos aquele momento relacionado de maneira tão profunda com a tradição bizantina, e fazemo-lo com gratidão. Fazemo-lo também com o desejo de que a recordação da única fonte baptismal favoreça a recuperação daquela situação de comunhão em que a diversidade das tradições não impedia a unidade da fé e da vida eclesial.

4. Com o Baptismo feito aqui, em Kiev, teve início a milenária história do cristianismo nos territórios da actual Ucrânia e de toda a região. Hoje, tendo a graça de me deter neste lugar histórico, o meu olhar é levado a abraçar os mais de dez séculos durante os quais a graça daquele primeiro Baptismo continuou a espalhar-se sobre as posteriores gerações dos filhos desta Nação.

Que florescimento de vida espiritual, litúrgica e eclesial se desenvolveu do encontro das diversas culturas e tradições religiosas! Esta maravilhosa herança agora está confiada a vós, queridos Irmãos e Irmãs. Durante estes dias, que me vêem peregrino na vossa Terra, rezo a Deus juntamente convosco, para que a vossa geração, no início de um novo milénio, esteja à altura das grandes tradições do passado.

Desta Cidade, berço da fé crista para a Ucrânia e para toda a região, dirijo o olhar e abraço com afecto cordial os homens que vivem nestas terras. Saúdo, de maneira especial, os Senhores Cardeais Marian Jaworski e Lubomyr Husar, o querido Bispo de Kiev-Zhytomyr, D. Jan Purwinski, os venerados Irmãos da Conferência Episcopal Ucraniana e do Sínodo dos Bispos da Igreja Greco-Católica Ucraniana, o clero, os religiosos, as religiosas e os fiéis das vossas gloriosas e martirizadas Igrejas, que com tanta coragem souberam manter acesa a chama da fé também nos tempos obscuros da perseguição. Saúdo cordialmente o Senhor Presidente da República, Leonid Kucma e agradeço-lhe a sua presença.

5. Povo de Deus que cres, esperas e amas a Terra ucraniana, volta a saborear com alegria o dom do Evangelho, que recebeste há mais de mil anos! Olha neste dia para Joao Baptista, modelo perene de fidelidade a Deus e à sua Lei. Ele preparou para Cristo o caminho com o testemunho da palavra e da vida. Imita-o com generosidade dócil e confiante.

São João Baptista é, antes de mais nada, modelo de fé. Na esteira do grande profeta Elias, para ouvir melhor a Palavra do único Senhor da sua vida, ele deixa tudo e retira-se para o deserto, de onde fará ressoar o convite a aplanar os caminhos do Senhor (cf. Mt Mt 3,3 ss.).

É modelo de humildade, porque responde a todos os que veem nele não só um Profeta, mas até o Messias: "Eu não sou Quem julgais; mas vem, depois de mim, Alguém cujas sandálias nao sou digno de desatar" (Ac 13,25).

É modelo de coerência e de coragem quando defende a verdade, pela qual está disposto a pagar pessoalmente, com a prisão e a morte.

1578 Terra da Ucrânia, impregnada pelo sangue dos mártires, obrigado pelo exemplo de fidelidade ao Evangelho que ofereceste aos cristãos de todas as partes do mundo! Muitos dos teus filhos e filhas assumiram a sua coerência até ao sacrificio supremo. O seu testemunho sirva aos cristãos do terceiro milénio de exemplo e de estímulo.

6. Na escola de Cristo, seguindo os passos de São João Baptista, dos Santos e dos Mártires desta Terra, tende também vós, caríssimos Irmãos e Irmãs, a coragem de pur sempre em primeiro lugar os valores espirituais.

Queridos Bispos, sacerdotes, religiosos e religiosas, que acompanhastes fielmente este povo ao preço de sacrifícios pessoais de todos os géneros e o apoiastes nos tempos obscuros do terror comunista, agradeço-vos e exorto-vos: continuai a ser testemunhas zelosas de Cristo e bons pastores do seu rebanho na querida Ucrânia.

Vós, queridos jovens, sede fortes e livres! Não vos deixeis encantar por ilusões enganadoras de uma felicidade fácil. Segui o caminho de Cristo: Ele é exigente, sem dúvida, mas pode fazer-vos saborear o sentido pleno da vida e da paz do coração.

Vós, queridos pais, preparai o caminho do Senhor diante dos vossos filhos. Educai-os com amor e dai-lhes um exemplo válido de coerência com os principios que ensinais. E vós que tendes responsabilidades educativas e sociais, senti-vos empenhados em promover sempre o desenvolvimento integral da pessoa humana, cultivando nos jovens um profundo sentido de justiça e de solidariedade para com os individuos mais frágeis.

Sede, todos e cada um, "luz das nações" (
Is 49,6)!

7. Cidade de Kiev, tu és a "luz da Ucrânia". De ti partiram os evangelizadores que, ao longo dos séculos, foram "João Baptista" para os povos que habitavam estas terras. Quantos deles sofreram, como João, para dar testemunho da verdade e se tornar, com o seu sangue, semente de novos cristãos! Nao faltem nas novas gerações homens e mulheres com a índole destes vossos gloriosos antepassados!

Virgem Santíssima, Protectora da Ucrânia, Tu orientaste sempre o caminho do povo cristão. Continua a velar sobre os teus filhos. Ajuda-os a nunca se esquecer do "nome" e da identidade espiritual que receberam no Baptismo. Ajuda-os a alegrar-se sempre com a graça inestimável de ser discípulos de Cristo (cf. Jo Jn 3,29). Se Tu a guia de todos. Tu, Mãe de Deus e nossa Mãe, Maria!



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DURANTE A CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA


EM RITO BIZANTINO


NO AEROPORTO DE CHAYKA


Kiev, 25 de Junho de 2001






1. "Como Tu, ó Pai estás em mim e Eu em ti, que também eles estejam em Nós, para que o mundo creia que Tu me enviaste" (Jn 17,21).

O texto do Evangelho de São João, que acabou de ser proclamado, leva-nos com a mente e com o coração ao Cenáculo, o lugar da Última Ceia, onde Jesus antes da sua Paixão reza ao Pai pelos Apóstolos. Acabara de lhes confiar a Sagrada Eucaristia e de os constituir ministros da Nova Aliança, continuadores da sua missão para a salvação do mundo.

1579 Nas palavras do Salvador emerge o ardente desejo de resgatar a humanidade do espírito e das lógicas do mundo. Ao mesmo tempo, surge a convicção de que a salvação passa através daquele ser "um só", que, segundo o modelo da vida trinitária, deve caracterizar a experiência quotidiana e as opções de todos os seus discípulos.

2. "Ut unum sint! para que todos sejam um!" (
Jn 17,21). O Cenáculo é o lugar da unidade que surge do amor. É o lugar da missão: "...para que o mundo creia! (Ibid.). Não se realiza a evangelização autêntica sem a plena comunhão fraterna.

Por isso, na noite do primeiro dia depois do sábado, manifestando-se no Cenáculo aos seus discípulos, o Ressuscitado confirma o vínculo estreito entre missão e comunhão, dizendo-lhes: "Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós" (Ibid., 20, 21) e acrescenta: "Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos" (Ibid., 20, 22-23).

E sempre no Cenáculo, no dia de Pentecostes, os Apóstolos reunidos com Maria, a Mãe de Jesus, recebem o Espírito Santo, que se manifesta como "um som comparável ao de forte rajada de vento, que encheu toda a casa onde se encontravam. Viram, então, aparecer umas línguas à maneira de fogo, que se iam dividindo, e pousou uma sobre cada um deles" (Ac 2,3). Do dom de Cristo ressuscitado nasce a nova humanidade, a Igreja, na qual a comunhão vence as divisões e a dispersão, geradas pelo espírito do mundo e simbolizadas pela narração bíblica da Torre de Babel: "cada um ouvia falar na sua própria língua" (Ibid., 2, 6). Tornando-se um só por obra do Paráclito, os discípulos passam a ser instrumentos de diálogo e de paz, e dão início à sua missão de evangelizadores dos povos.

3. "Para que todos sejam um". Este é o mistério da Igreja querida por Cristo. A unidade fundada na Verdade revelada e no Amor não destrói o homem, a sua cultura e a sua história, mas insere-o na comunhão trinitária, onde tudo o que é autenticamente humano é enriquecido e incrementado.

Este é um mistério bem representado também por esta Liturgia, concelebrada por Bispos e sacerdotes católicos de tradição oriental e de tradição latina. Na nova humanidade, que provém do coração do Pai e que tem Cristo por Cabeça e vive mediante o dom do Espírito Santo, subsiste uma pluralidade de tradições, de ritos, de disciplinas canónicas que não ameaça a unidade do Corpo de Cristo mas, ao contrário, a enriquece com os dons com que todos contribuem. Nela repete-se continuamente o milagre do Pentecostes: homens de línguas, tradições e culturas diferentes sentem-se todos unidos na profissão da única fé no interior da única comunhão, que nasce do Alto.

Com estes sentimentos, saúdo todos os presentes. Saúdo especialmente os Senhores Cardeais Lubomyr Husar, Arcebispo-Mor de Lviv dos Ucranianos, e Marian Jaworski, Arcebispo de Lviv dos Latinos, com os Bispos dos respectivos ritos, os sacerdotes e os fiéis. Saúdo todos os componentes das Comunidades eclesiais, que manifestam a sua multiforme riqueza de maneira original nesta Terra, onde se encontram a tradição oriental e a ocidental. Esta vossa coexistência na caridade é chamada a tornar-se modelo de uma unidade que vive no seio de um legítimo pluralismo e é garantida pelo Bispo de Roma, o Sucessor de Pedro.

4. De facto, desde as origens, a vossa Igreja pôde beneficiar de numerosas relações culturais e de testemunhos cristãos de diversas proveniências. Segundo a tradição, nos primórdios do cristianismo o próprio Apóstolo André, ao visitar os lugares onde nos encontramos, teria testemunhado a sua santidade. De facto conta-se que, ao contemplar os rochedos do Dniepre, abençoou a Terra de Kiev e disse: "Sobre estes montes brilhará a glória de Deus". Desta forma ele preanunciava a conversão à fé cristã do Grande Príncipe de Kiev, o santo baptizador Vladimiro, por obra do qual o Dniepre se tornou como que o "Jordão da Ucrânia" e a capital, Kiev, uma "nova Jerusalém", mãe do cristianismo eslavo na Europa do leste.

Que testemunhos de santidade se seguiram nesta vossa Terra desde o dia do seu Baptismo!

Sobressaem no início os mártires de Kiev, os príncipes Boris e Hlib, por vós definidos "portadores de paixão", que aceitaram o martírio das mãos do irmão sem erguer as armas contra ele. Foram eles que desenharam o rosto espiritual da Igreja de Kiev, onde o martírio em nome do amor fraterno, em nome da unidade dos cristãos, se revelou um autêntico carisma universal. Inclusivamente a história do passado recente deu uma ampla confirmação disto.

5. "Há um só corpo e um só Espírito, como existe uma só esperança no chamamento que recebestes" (Ep 4,4). As vicissitudes dos mártires da vossa Igreja não são porventura a realização das palavras do apóstolo Paulo, que acabaram de ser proclamadas na leitura da Epístola? Ele dizia aos cristãos de Éfeso: "Recomendo-vos, pois, eu mesmo, prisioneiro no Senhor, que andeis de uma maneira digna do chamamento que recebestes, com toda a humildade e mansidão, com paciência, suportando-vos uns aos outros com caridade; solícitos em conservar a unidade de espírito mediante o vínculo da paz" (Ibid., 4, 1-3).

1580 Agora, a independência reconquistada abriu um período novo e prometedor, que empenha os cidadãos, como gostava de recordar o Metropolita Andrey Sheptytskyj, a ter como objectivo "construir a própria casa", a Ucrânia. Há dez anos que o País é um Estado livre e independente.

Este decénio mostrou que, apesar das tentações da ilegalidade e da corrupção, as suas raízes espirituais são fortes. Os meus cordiais votos são por que a Ucrânia continue a nutrir-se com os ideais da moral pessoal, social e eclesial, do serviço ao bem comum, da honestidade e do sacrifício, não esquecendo o dom dos dez Mandamentos. A vivacidade da sua fé e a força de renascimento da sua Igreja são supreendentes: as raízes do seu passado tornaram-se penhor de esperança para o futuro.

Caríssimos Irmãos e Irmãs! A força do Senhor que sustentou o vosso País é uma força doce, que deve ser favorecida. Ela actua através da vossa fidelidade e da generosidade em responder ao convite de Cristo.

Neste momento particular, desejo prestar homenagem a todos os que vos precederam na fé e que, apesar das grandes provas suportadas, conservaram a Sagrada Tradição. Que o seu exemplo luminoso vos encoraje a não ter receio. Repletos do Espírito de Cristo, sede solícitos na construção do vosso futuro segundo o projecto do amor.

6. A recordação da fidelidade secular ao Evangelho por parte da vossa Terra leva-nos de novo hoje quase naturalmente ao Cenáculo e às palavras pronunciadas por Cristo na vigília da sua Paixão.

A Igreja volta constantemente ao Cenáculo, onde nasceu e onde iniciou a sua missão. A Igreja precisa de voltar lá, onde os Apóstolos, depois da ressurreição do Senhor, ficaram cheios do Espírito Santo, recebendo o dom das línguas para poderem anunciar aos povos e às nações do mundo as maravilhas de Deus (cf. Act
Ac 2,11).

Queremos hoje voltar de novo espiritualmente ao Cenáculo para compreender melhor as razões da unidade e da missão, que guiaram até aqui, até às margens do Dniepre, os passos de intrépidos arautos do Evangelho, para que entre as numerosas línguas não faltasse a dos habitantes da Rus' de Kiev.

"Ut unum sint!". Queremos unir-nos à oração do Senhor pela unidade dos seus discípulos. É uma premente invocação pela unidade dos cristãos. É uma oração incessante, que se eleva de corações humildes e dispostos a ouvir, pensar e trabalhar generosamente para que se possa realizar o desejo de Cristo. Desta Terra, santificada pelo sangue de inteiras multidões de mártires, elevo convosco a minha oração ao Senhor para que todos os cristãos voltem a ser "um", segundo o desejo de Jesus no Cenáculo. Oxalá os cristãos do terceiro milénio se possam apresentar ao mundo com um só coração e uma só alma!

Confio este desejo ardente à Mãe de Jesus, que desde o início reza com a Igreja e pela Igreja. Seja ela, como no Cenáculo, quem nos ampara com a sua intercessão. Ela nos guie pelo caminho da reconciliação e da unidade, para que, em todas as partes da terra, os cristãos possam finalmente anunciar juntos Cristo e a sua mensagem de salvação aos homens e às mulheres do novo milénio.

Saudações


No termo desta bonita divina Liturgia, quero expressar a minha gratidão pela profunda participação no mistério da presença de Deus connosco na Eucaristia. Esta bela Liturgia oriental ajuda o homem a compreender a profundidade dos mistérios divinos. De modo especial, gostaria de agradecer ao Exarca de Kiev-Vyshorod, Sua Ex.cia D. Basilio Medwit, a sua saudação em nome da Igreja greco-católica ucraniana. Deus recompense todos os ministros desta divina Liturgia e também o maravilhoso coro e enfim todos vós, tanto aqueles que estão aqui presentes, como também aqueles que rezaram connosco através da rádio e da televisão. Louvado seja Jesus Cristo!


1581 Saúdo com cordialidade os fiéis de língua russa e abençôo-vos de todo o coração. Louvado seja Jesus Cristo!

Carissimos fiéis húngaros. É com grande afecto que vos saúdo, a vós aqui presentes, e vos concedo a minha Bênção apostólica. Louvado seja Jesus Cristo!

Saúdo os peregrinos provenientes da Bielo-Rússia, que participaram na nossa Concelebração eucarística. Louvado seja Jesus Cristo!

Aos peregrinos vindos da Polónia, transmito uma saudação com as palavras: "Louvado seja Jesus Cristo!". Confio-vos a todos à Providencia divina. Deus vos abençôe a todos!




Homilias JOÃO PAULO II 1570